quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CRÍTICA: SE EU FOSSE VOCÊ / E se fosse um ajuste?

Tem quem afirme com todas as letras que 2005 foi um ano de qualidade pro cinema brasileiro. Deve ser gente de SP, porque eu e o resto do país não temos acesso a filmes ultra-badalados como “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Cidade Baixa”. Por aqui tenho mais é que me contentar com “O Coronel e o Lobisomem” e outro que não sai da minha listinha dos piores do ano, “O Casamento de Romeu e Julieta”. E fico feliz que “Dois Filhos de Francisco” tenha estourado a boca do balão na bilheteria, mas, cá entre nós, essa produção só é uma obra-prima pra quem ama Zezé di Camargo e Luciano, o que definitivamente não é o meu caso. Ou seja, pra mim o cinema nacional deixou um gostinho amargo na boca. E “Se Eu Fosse Você”, último filme que vi no ano, só confirmou esta impressão.

Não que a comédia seja péssima. Ela é bonitinha, tanto quanto outra com título similar, “E se Fosse Verdade”. Notou que estamos enfrentando uma epidemia de “Se Fosse” nos títulos em cartaz? Deve ser homenagem ao Bob Fosse. Ou isso ou é pra me confundir mesmo. Enfim, este produto global do Daniel Filho traz o Tony Ramos e a Glória Pires acordando um dia e, por causa do alinhamento de planetas ou algo assim (não vamos procurar comprovação científica), mudando de corpo. As confusões que se seguem são óbvias, tipo: o Tony no corpo da Glória menstrua e não sabe usar um o.b. Certo. Ahn, talvez o defeito mais grave do filme seja que ele não mostre muito o cotidiano de Tony & Glória antes da transformação. O personagem da Glória, por exemplo, acaba ficando mais frágil na pele do Tony, e isso cria inconsistências mil. Alguém tímida e insegura realmente daria show na piscina durante uma festa? Ou talvez meu desdém se deva à classe econômica do casal. Tem quem odeie filme nacional que exiba pobre porque essa incrível revelação pode afetar a imagem do Brasil no exterior. Eu já acho meio revoltante ouvir um personagem discutindo finanças da família dizer pro outro: “Ah, benhê, a gente não precisa ir pra Aspen”.

Mas, claro, o Tony é um ator excepcional e a Glória não faz feio, então “Fosse” vale pelo carisma de seus atores. Só que pra mim teve uma vantagem adicional: é bom ver esses filmes tão clichês-ambulantes porque aí que eu noto como algo deu errado no meu condicionamento. Eu me sinto pertencendo a uma outra espécie se comparada com o que prega uma canção no fim da comédia. Parece que mulher gosta de batom, mulher gosta de salto alto, mulher gosta de comprar roupa, mulher gosta de ir ao banheiro com outras mulheres... E eu que aprendi a ir ao banheiro sozinha aos três anos! E, desde que não se seja adolescente, é legal ser diferente (rimou). Quero dizer, a gente não nasce vestindo rosa ou azul, nasce?

Uma feminista dos anos 70 já dizia que as mulheres deviam parar de ser as maiores consumidoras do capitalismo. Por outro lado, se você não se importa em ganhar menos exercendo a mesma função ou em varrer a casa, é ótimo ser mulher. Acho até que a única coisa que a gente realmente deve invejar nos homens é esse negócio de fazer xixi em pé. Aliás, todo o equipamento masculino já é uma gracinha. Opa, eu disse invejar? Ato falho: leia-se admirar. Ou pode ser que esse papel tão bem-definido do que significa ser homem e mulher seja ruim pra ambas as partes. É lógico que nessa sociedade vale mil vezes mais a pena nascer homem branco do que mulher negra, mas tenho um amigo que freqüenta o psicanalista pra reaprender a chorar, porque aquela ladainha de “menino não chora” funcionou com ele. No fundo, um filme como “Se Fosse” só reforça nosso condicionamento. É como se fosse um recall pra ajustar os parafusinhos da infância.

Um comentário:

Emanuella disse...

Não tinha visto o filme sob essa ótica.