Vamos ao “Plano”, o filme mais comercial e menos pessoal do diretor afro-americano mais famoso do mundo, Spike Lee. Cruz-credo, quantos superlativos! O título é ruim e genérico (mas é que o título em inglês, “Inside Man”, não ajuda), quase idêntico ao do suspense do Sam Raimi, “Um Plano Perfeito”. Gosto bem mais de “Um Plano” que de “O Plano”. Não que “Um” seja aquela maravilha, mas só o discurso da Bridget Fonda no final já vale. Foi através dele que desenvolvi uma hipótese sobre o que é ser classe média. É ir a restaurantes de vez em quando mas nunca poder pedir sobremesa.
Ok, algum dia eu chego à obra do Spike. “Faça a Coisa Certa” é o Spike clássico em sua melhor forma. Mesmo um Spike menor como “A Última Noite” tem mais a ver com o diretor que “O Plano”. Poderia falar horas sobre o monólogo do Edward Norton frente ao espelho em “Noite”, mas não, vou falar de “O Plano”. É um filme em que o Clive Owen (“Closer”) comete um assalto a banco, faz dezenas de reféns, e o detetive Denzel Washington é chamado pra resolver. De repente aparece também a Jodie Foster como uma espécie de descascadora oficial de abacaxis pros ricos. Ela acabou de negociar a compra de uma cobertura em Manhattan para o sobrinho do Osama, e agora vai ajudar o Christopher Plummer (muito em voga atualmente, quando “Noviça Rebelde” comemora 40 anos) a resgatar algo escuso num dos cofres do seu banco. Isso não entendi direito. Seja franco: se você tivesse um documento altamente comprometedor, o que faria, o guardaria num cofre durante décadas ou o picotaria e engoliria os pedacinhos? De qualquer jeito, a Jodie é o caso típico de uma ótima atriz salvando uma personagem mal-construída. Pra mim ela é a melhor coisa do filme.
Apesar de todos os ecos de “Um Dia de Cão”, “O Plano” não é previsível. Tem alguns toquinhos (poucos) do Spike, como um menininho jogando um videogame onde o objetivo é trucidar o maior número de negros possível, o que deixa até o assaltante escandalizado, ou um rapaz com turbante sendo detido por policiais brutos, que pensam que ele é árabe. Tem também uma cena em que os detetives não fazem idéia de qual língua está sendo falada numa gravação dos bandidões-heróis (todo assaltante a banco tem seu lado heróico, porque entre na fila quem já fantasiou em tomar uma agência e dar preju a banqueiro), e eles põem a gravação no alto-falante na rua pra quem algum pedestre identifique. E claro que em Nova York sempre vai ter alguém falando qualquer língua exótica. Mas, pessoalmente, a cena de maior suspense é quando um dos reféns quase é baleado por não entregar o celular. Ele diz que deixou o celular em casa, e o ladrão não acredita que alguma alma possa não ter essa praga no bolso. Se fosse comigo, eu já estaria morta e enterrada a essa altura, porque não tenho celular. Ah sim, numa outra cena de conflito, os assaltantes mandam os reféns ficarem só com a roupa de baixo. Uma velhinha se recusa. Compreensível. Eu já teria dito pro Clive, “Prefiro me despir pro Denzel, pode?”.
Gostei mais ou menos de “O Plano”, mas não vá por mim. Os críticos americanos estão babando pelo Spike, e o filme tá indo bem de bilheteria. Mas convenhamos: este período pós-Oscar é um dos piores do ano, tanto em quantidade quanto em qualidade. E tanto lá como aqui. Ou você acha que é só no Brasil que a estréia mais importante da semana seja “A Era do Gelo... Dois”?
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