Como ainda estão falando do "caso Caetano", vou dar meus pitacos, ciente que tudo que eu falar (ou não falar) será usado contra mim, pra variar. Talvez o pessoal que anda coletando assinaturas para fazer com que meu blog seja extinto da internet e eu seja expulsa "da universidade e do país" (conforme comentário deixado aqui) possa obter mais material para sua nobre causa.
E qual é, afinal, o "caso Caetano"? Bom, a hashtag #CaetanoPedofilo chegou nos Trending Topics do Twitter no sábado e manteve-se lá o dia todo. O estopim pro levante reaça contra o artista é que ele e sua esposa Paula Lavigne entraram com uma ação contra o MBL e Alexandre Frota (que registrou a marca fantasia MBL em seu nome) porque o grupo tem feito posts que, segundo o casal, ferem sua honra. Tipo este ao lado, em que o MBL pegou uma imagem da performance polêmica do homem nu no museu e trocou o rosto dele pelo de Caetano, e o das meninas, pelo de Paula.
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Paula quando tinha 19 anos |
Caetano tem hoje 75 anos e Paula, 48. Foram casados durante duas décadas, têm dois filhos, ambos músicos, se separaram em 2005, voltaram ano passado, e estão juntos novamente. Numa entrevista à revista Playboy, em 1998, Paula contou ter perdido sua virgindade com Caetano quando ela tinha 13 anos, e ele, 40. Em entrevista a Marie Claire faz um ano, Paula parece ter se arrependido de falar isso em público. "As pessoas não entendem que uma menina pode ter mais maturidade do que outras nessa idade?", questionou.
Não, não entendem. Quando se é menor de 14 anos, qualquer conduta sexual que um adulto tem com ele ou ela é considerado estupro de vulnerável, mesmo que o sexo tenha sido consentido (obviamente foi no caso de Paula e Caetano). A lei entende que um menor de 14 anos não tem capacidade para consentir.
É complicado, porque se ignora qualquer agência ou vontade do menor de idade (eu com 14 anos era virgem e queria muito transar com um salva-vidas do clube que eu frequentava, que tinha 22 anos. Ele fez a coisa certa: não me deu corda. Cabe ao adulto essa atitude responsável, não à criança). E é isso que Caetano deveria ter feito 35 anos atrás. Não ter iniciado qualquer romance com a Paula de 13, ou, se foi ela que começou o flerte, o famoso artista deveria ter cortado tudo naquele momento.
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Paula na sua festa de 15 anos |
Mas não foi isso que aconteceu. Pela lei, o que Caetano fez é visto como estupro, ainda que, antes de 2009, havia uma interpretação de que podia não ser crime se não houvesse violência contra a criança.
Para que Caetano fosse punido por ter feito sexo com Paula, os pais dela teriam que tê-lo denunciá-lo, ou a própria Paula teria que fazer uma queixa-crime quando completasse a maioridade. Ninguém denunciou. Na época, também havia uma lei absurda (que hoje não se aplica mais graças aos protestos de nós feministas) que dizia que, se o autor do estupro se casasse com a vítima, ele não seria punido.
Caetano não poderia ser punido hoje porque seu crime prescreveu. Ainda que o Senado tenha aprovado em agosto uma PEC de autoria de Jorge Viana (PT-AC) que torna imprescritível o crime de estupro, o que vale para Caetano é a lei atual. Hoje o prazo para denúncia de um estupro pode chegar a vinte anos, quando a vítima é menor de idade.
Em tempo: mesmo que eu adore o Caetano cantor e compositor, um gênio da música, como pessoa ele sempre me pareceu chato e arrogante, com visões políticas incoerentes. Mas gostar ou não de Caetano não é a questão. Reaças não gostam dele, nunca gostaram, e tem grandes problemas em aceitar que ele é heterossexual.
Enfim, se Caetano nunca foi denunciado, se Paula nunca se viu como vítima, se o crime já prescreveu há anos, por que os reaças estão fazendo todo esse esforço (memes e hashtags) para tachar o artista como pedófilo e estuprador? Só entre os dias 7 e 10 de outubro, o MBL publicou 24 posts sobre o casal.
Olha, é bem simples: porque Caetano e Paula foram os principais articuladores da campanha #342Artes, lançada no início do mês, se posicionando contra a censura e difamação promovidas sobretudo pelo MBL.
Seria bastante estúpido pensar que reaças dão a mínima para crianças. O que acontece é que eles notaram que a bandeira contra a corrupção perdeu o gás (principalmente depois que todo mundo viu que Aécio permanecerá livre, solto e com mandato, apesar das provas contra ele).
Como os candidatos da direita ou têm projetos amplamente impopulares (privatizar e terceirizar tudo, aumentar a idade para a aposentadoria etc), ou não tem projetos (um dos filhotes de Bolso escreveu no Twitter: "Meu projeto para economia: acabar com o roubo"), a saída que encontraram para se manter em evidência foi apelar para o moralismo barato e hipócrita.
Como seus seguidores são movidos a fake news e memes, não fatos, basta chamar o "homem nu" da exposição do MAM de pedófilo (embora não houvesse qualquer coisa sexual na sua performance), ou a artista que fez um quadro contra a pedofilia de pedófila (embora tivesse escrito no quadro: "O machismo mata, violenta e humilha"), ou a outra artista da obra "criança viada" de pedófila, ou qualquer pessoa que for contra fechar museus de pedófila, que pronto -- é tudo pedófilo!
Junte essa indignação forçada com a certeza que os reaças têm de que a arte é um espaço de promiscuidade e degeneração, de que praticamente todos os artistas são de esquerda, logo, viciados em droga, homossexuais e/ou prostitutas, e sedentos para liberar a pedofilia, e temos combustível garantido para acender várias fogueiras.
E isso que estamos em 2017, um ano não eleitoral. Imagine o inferno que vai ser ano que vem, se tivermos eleições.