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terça-feira, 11 de outubro de 2016

GUEST POST: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DE ACEITAR OS FIOS BRANCOS

A doutora em Ciências Sociais Tatiana Miranda e o professor da Universidade Federal Fluminense Carlos Fialho estão fazendo uma pesquisa sobre cabelos grisalhos. Leiam o que eles têm a dizer, por favor:

Há uma novidade acontecendo com os cabelos das mulheres. Muitas delas estão deixando seus cabelos grisalhos livres e naturais. É cada vez mais comum vermos belas cabeleiras brancas desfilando pelas ruas. Aceitação, liberdade, empoderamento, economia de dinheiro (e tempo) -- são várias as causas, e consequências, de aceitar a chegada dos fios brancos. Um desafio para essas mulheres é a aceitação social que podem receber, ou não, da sociedade.
Não estamos falando "apenas" de cabelo. O sociólogo e antropólogo francês Marcel Mauss nos relata que o corpo repleto de símbolos é o instrumento técnico primordial em que se inscrevem as tradições, cultura e aprendizados de uma determinada sociedade. Dessa maneira, o corpo e a aparência física de uma pessoa são carregados de simbologias e informações que fazem sua mediação com o mundo. Entre as alterações em diversas partes do corpo, é dado um destaque especial aos cabelos. Mauss ressalta a importância do cabelo na vida social de um indivíduo quando afirma que os cabelos passam por diferentes fases ao longo da vida de uma pessoa, podendo variar de acordo com o papel desempenhado pelo indivíduo em determinado grupo.
O cabelo, pelo seu lugar de evidência no corpo, funcionando como uma moldura para o rosto, e pela relativa facilidade de manipulá-lo, é um importante fator na criação e reforço de identidades. A antropóloga Patrícia Bouzón nos informa que “o cabelo classifica e hierarquiza, qualifica e desqualifica, exclui e inclui, aproxima e distancia, deixando pouco espaço para indefinições” (2010: 278-279). 
Na Europa e Estados Unidos, cabelos femininos brancos e grisalhos são cada vez mais comuns. Aqui no Brasil a onda também está chegando. Somos sociólogos, e estamos coordenando uma pesquisa e documentário sobre mulheres grisalhas. Nossa observação sociológica do cotidiano nos aponta que a aceitação dos cabelos grisalhos pelas mulheres pode ser um bom indicador para pensarmos sobre gênero, contemporaneidade e identidade. 
Esse é o nosso segundo trabalho sobre cabelo. O primeiro foi sobre mulheres que pintam os cabelos de loiro. De acordo com nossas conclusões, o cabelo loiro estava ligado à diversas imagens que atuavam sobre a identidade das mulheres entrevistadas. Queremos saber como é que acontece no caso do cabelo grisalho. Quais são as motivações para o uso do cabelo branco. 
Em alguns depoimentos iniciais ouvimos mulheres que se diziam cansadas de retocar a tinta a cada 15 dias e, de quebra, ressecar o cabelo. Outras disseram que querem aceitar o processo de envelhecimento e se sentirem felizes com sua imagem natural. Algumas disseram que se sentem livres com os cabelos grisalhos. E muitas querem estimular outras mulheres a aceitarem seus fios brancos.
Fora os resultados da pesquisa, temos a opinião pessoal de que qualquer forma que as mulheres encontrem para se sentirem mais livres e felizes é válida -- sendo loiras, ruivas, morenas ou grisalhas. Mas também reconhecemos que mulheres que assumem seus cabelos brancos transgridem uma norma e têm a coragem de nadar contra a maré.
Se você é uma grisalha e gostaria de participar de nossa pesquisa e/ou documentário, compartilhando a história do seu cabelo branco conosco, faça contato pela nossa página do Facebook ou mande um email para f2m8356@gmail.com. A pesquisa e o documentário são de cunho acadêmico e não possuem fins comerciais. 
Agradecemos imensamente à generosidade da Lola por publicar esse post/convite.

Breve comentário da Lola: De nada, queridos! Também quero fazer parte da pesquisa. Eu tenho fios brancos desde os 30 anos e tinjo meu cabelo da sua cor natural (preto) no cabeleireiro. Mas como eu detesto ir à salão e vou no máximo duas vezes por ano e meus fios ficam brancos muito antes disso, ultimamente venho andando com cabelo grisalho o tempo todo. E não ligo. Mas ainda não estou pronta para aceitar ter a cabeleira totalmente branca. 

quarta-feira, 30 de março de 2016

"CLIQUE AQUI PARA SER LINDA"

Recebi este email da P.

Olá Lola, tudo bem? Tenho 15 anos e meu nome é P.  Eu tenho acompanhado seu blog faz pouco tempo, mas gosto muito do modo como você escreve e de diversos assuntos que aborda!
Você já deve estar cansada de ter de falar sobre isso, eu imagino. Mas eu não tenho ninguém para desabafar e não sei para quem devo pedir ajuda.
Eu gostaria de ser linda! Eu me sinto muito triste e vazia quando as pessoas me chamam de feia. Desde pequena os meninos vivem rindo de mim. Uma vez, ao me declarar para um menino que eu gostava (eu deveria ter uns 12 anos), eu recebi um: "Você é muito feia! Nunca que eu vou gostar de um troço desses!" Eu me senti arrasada e ao chegar em casa chorei muito!
Se eu pudesse escolher, teria nascido de pele clara, nariz afilado, lábios finos, cabelos lisos e pele clara (típico padrão caucasiano e típica aparência que eu não tenho).
Parece que quando você é bonita, tudo gira mais fácil, as coisas parecem fluir bem. Muitas mulheres reclamam sobre estar acima do peso, mas meninas magras como eu sofrem bastante também. Ainda mais aqui no Brasil, aonde parecemos ter uma certa pressão para ter corpos curvilíneos ou "bombados". 
Eu evito entrar em sites de moda e comprar revistas sobre tal assunto para não me sentir inferior àquelas modelos lindas e perfeitas. Sempre que me olho no espelho (coisa que tenho evitado até), eu sinto vontade de morrer. Queria que existisse um botão "CLIQUE AQUI PARA NASCER LINDA". Com toda a certeza eu já teria apertado um botão desses!
"Meninas negras estão ficando mais
bonitas?" - matéria da revista Ebony
de fevereiro de 1966
Na minha sala eu sempre escolho sentar muito afastada das outras pessoas, mesmo que eu não consiga enxergar muito bem o quadro, eu faço isso para não ter de me sentar do lado das meninas mais bonitas da sala. Todos elogiam elas.
Faz pouco tempo que uma professora de Português estava falando sobre beleza e foi citando o nome de todas as meninas da sala, dizendo que todas tinham cabelo bonito, porém ela não citou o meu nome e depois recebi várias piadinhas.
As pessoas deveriam entender que eu não pedi para nascer com esse cabelo armado e cacheado, com esse nariz achatado, lábios volumosos ou pele parda. Eu simplesmente nasci desse jeito e não queria! 
Sempre sonho em fazer diversas cirurgias plásticas e até clareamento de pele! Vivo no cabeleireiro para alisar esses cachos que tanto detesto.
Ultimamente eu só tenho me sentido vazia e triste com a minha aparência. Por mais que eu tente esquecer ou qualquer outra coisa. O quesito BELEZA sempre volta pra minha mente. Tenho evitado sair muito de casa para não ter que ficar expondo minha feiura para as pessoas. O grau do meu óculos é alto e faz eu parecer muito mais feia (se é que isso é possível). Eu não sei para quem posso pedir ajuda.

Minha resposta: Ô, querida P., emails como o seu partem meu coração. Sabe, seu texto fala bastante da sua aparência e de como você está insatisfeita com ela. Fica evidente que você gostaria de ser linda. Mas você nunca explica o porquê. Por que "ser linda", nesses moldes restritos em que você (e a sociedade) define a beleza, seria tão importante pra você? No que mudaria a sua vida?
Se você fosse "linda", o menino pra quem você se declarou aos 12 anos teria aceitado te namorar? Não dá pra saber. Existem milhares de razões pra alguém não se interessar por outra pessoa (e uma delas nem é pessoal, é timing: naquele momento você não quer, ou não pode, ou está em outra). Todo mundo -- até as top models -- já foi rejeitado por alguém. E daí? A gente chora um pouquinho, remenda nosso coraçãozinho, e segue em frente. 
Se você fosse "linda" a professora de Português te elogiaria? Algum babaca deixaria de fazer piadinha sobre você? (babacas também fazem piadas sobre pessoas bonitas). Você sairia mais de casa? Você leria mais revistas femininas? (pra quê?) Você se sentaria mais próxima das pessoas na aula, o que te possibilitaria enxergar o quadro? (por favor, deixe de sentar longe já! Você tem que enxergar o quadro!). Algumas pessoas parariam de te chamar de feia? É tão importante assim o que acham de ti? (pergunta retórica: eu sei que é, principalmente nessa idade). 
Querida P., olha só o que você considera feio: cabelo armado e cacheado, nariz achatado, lábios volumosos, não finos, pele parda (além de magreza e, suponho, gordura). Você sabe que este não é o "padrão caucasiano". Agora é parar pra pensar sobre quem determina que o que foge ao "padrão caucasiano" é feio, indesejável, e deve ser mudado. Quem determina que precisamos clarear a pele, fazer cirurgias plásticas para afilar o nariz e diminuir os lábios, viver no cabeleireiro pra alisar e domar (essa é a palavra) os cachos? E por que você vai na onda dessas regras claramente racistas? Você já percebeu que este é um padrão racista, certo?
O primeiro romance da americana Toni Morrison, única negra até agora a ganhar o Nobel de Literatura, é de 1970 e chama-se O Olho Mais Azul (The Bluest Eye). Recomendo muito que você leia. É sobre Pecola, uma menina um pouco mais jovem que você. Ela tem 11 anos, é negra, considerada feia, e sofre os piores tipos de abusos. Toda noite antes de dormir ela reza para ter olhos azuis. Ela sabe que olhos azuis (e cabelos loiros) são tidos como bonitos, e ela supõe que, se tivesse olhos azuis, as pessoas não seriam tão cruéis com ela. Ela imagina que, se tivesse olhos azuis, todos a sua volta pensariam: "Não devemos fazer coisas ruins diante desses olhos bonitos". Toda a sua vida automaticamente melhoraria.
No prefácio da edição de vinte anos do livro, Morrison conta que sua inspiração foi uma amiga de infância, quando ambas estavam nas séries iniciais na escola, e a menina, negra, disse que queria ter olhos azuis. “Implícito no seu desejo estava auto-ódio racial. E vinte anos depois, eu ainda estava pensando sobre como se aprende isso. Quem contou pra ela? […] Quem havia olhado pra ela e determinado que ela tinha tão pouco valor na escala de beleza?”
Concurso Miss Bahia 2012
(A Bahia é o estado mais negro do Br.
80% da população é negra ou parda)
É bem provável, P., que quem tenha contado pra você que cabelo crespo ou cacheado e nariz achatado e pele escura são feios também tenha contado a mesma coisa pro menino que te rejeitou e pros caras que te chamam de feia e pra sua professora. Contam isso pra gente desde que nascemos. A gente ouve nas músicas, vê nos filmes, na TV, nas capas de revistas, nas listas de "mais bonitas" de qualquer coisa, quem é vista como feia e quem é vista como bonita. A gente vê isso centenas de vezes por dia desde a mais tenra infância, e ainda assim cresce achando que padrão de beleza é algo natural, que não sofremos lavagem cerebral, que nossos gostos são meramente pessoais, e que quem questiona o padrão o faz por inveja e mimimi.
A gente aprende a se odiar e a odiar quem está fora do padrão. Crianças negras e pardas aprendem desde cedo que são feias. Você aprendeu direitinho. Há vários experimentos tristes em que meninas negras de 3, 5 anos têm que escolher, entre uma boneca negra e outra branca, quem é a boneca bonita, quem é a boneca inteligente (porque nossa baixa autoestima sobre a aparência afeta tudo, até nosso desempenho escolar). Essas meninas sabem que são negras e escolhem as bonecas brancas como as mais bonitas e inteligentes.
A narradora de O Olho Mais Azul, Claudia, também uma menina negra, fala sobre a boneca branca que ganhou no natal: “Adultos, meninas mais velhas, lojas, revistas, jornais, vitrines –- o mundo todo concordava que uma boneca de olhos azuis, cabelo amarelo e pele rosada era o que toda menina mais almejava.” Mas Claudia tem um jeito diferente do de Pecola de lidar com o ódio racista da sociedade: ela desmembra suas bonecas.
P., não vou tentar te convencer que beleza não é importante (mas pense: pra quê você gostaria de ser linda? Você quer participar de algum concurso de miss?), ou que você é linda, ou que o padrão de beleza precisa ser desconstruído. Mas gostaria que você pensasse sobre por que você quer tanto ser algo que não é (no caso, branca)? Já está na hora de você questionar os padrões que impuseram pra você. Não os aceite. Rebele-se. Revolte-se. 
Em vez de você querer um botão de "clique aqui para ser linda", que tal um botão de "clique aqui para eu parar de me incomodar com o que babacas dizem de mim"? Ou um botão de "clique aqui para eu me aceitar do jeito que eu sou"? Ou: "clique aqui para eu começar a questionar um padrão de beleza racista e excludente"? 
Talvez o melhor fosse um botão de "clique aqui para o mundo apreciar todos os tipos de beleza", mas, na falta desse botão, vamos de "clique aqui para ter orgulho do meu cabelo, do meu corpo, da minha cor".
Infelizmente, não tem botão. É um aprendizado que leva anos. Comece a se amar hoje. 

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

GUEST POST: MÚSICA RACISTA E MACHISTA NÃO DEVE TER VEZ

Rafaela tem 17 anos, é estudante de música e ama os ritmos brasileiros. Ficou indignada com a notícia que leu sobre uma canção recente de Bell Marques, ex-vocalista do Chiclete com Banana. 

Somos uma nação essencialmente musical, repleta de criatividade, que sabe fazer do seu ofício uma arte e da arte o seu ofício. Ocorreu aqui um processo simultâneo à miscigenação que originou o povo brasileiro em sua forma étnica e social: a formação da música brasileira, com elementos africanos e europeus unidos à vasta vivência musical dos índios nativos. 
Porém, ao longo da história, a tendência da padronização cultural tendeu a favorecer uma única face desse processo e reprimir a produção cultural dos grupos oprimidos e condená-los ao silêncio. Apesar de favorecidos pela diversidade, grande parte de nós possui uma enorme bagagem de preconceito musical, o que está manifesto na aversão a um ritmo por ele ser de outra região do país ou a uma música por ela ter sido composta por indivíduos da periferia -- que demonstra cada vez mais estar em plena efervescência criativa, apesar de todas as faltas. 
Além disso, há o preconceito do brasileiro contra si mesmo, como quando escreve letras ou produz qualquer outra forma de arte com o intuito de exaltar um pensamento irracional de suposta superioridade sobre alguém que é seu semelhante perante a lei e lutou para conquistar tal igualdade. Parece abstrato, mas é um assunto que veio à tona com a decisão judicial da semana passada, que ordenou que o cantor Bell Marques, ex-vocalista da banda Chiclete Com Banana, assinasse um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) no Ministério Público, se comprometendo a alterar a letra da música “Cabelo de Chapinha”, que é machista e racista. 
Em um texto publicado em sua rede social logo após a sua ida ao órgão, Bell Marques escreve que foi por "livre e espontânea vontade" ao local. Um dos compositores da música, Felipe Escandurras, disse considerá-la uma canção de amor: “A música é alegre, como a maioria das minhas canções. Quis mostrar que existem outras formas de dizer 'eu te amo'. Afinal, a mulher é minha, tenho o direito de escolher e pedir pra ela colocar o corte ou o vestido que eu mais gosto".
Para Bell Marques, exigir que a parceira
faça chapinha é uma forma gentil de
expressar amor (clique para ampliar)
Bell Marques apoiou o compositor em uma de suas redes sociais: "Muito boa essa forma gentil que o compositor encontrou para enaltecer sua amada e que deveríamos aplaudir, pois essa é a mensagem da música: gentileza e amor".
O mais preocupante é que a canção chegou a ser considerada uma aposta para o carnaval, algo que iria envolver as massas e provocar um enorme retrocesso para o longo caminho que buscamos percorrer em direção à igualdade. 
É importante que haja o questionamento sobre o teor das letras de músicas que escutamos. Se começarmos a prestar atenção, veremos a violência cantada que é mostrada em muitas delas. São verdadeiras versões modernas do "Ai, que saudade de Amélia", que até hoje atormenta, e agora assume nova roupagem e ofende a mulher por não mais suportar viver os padrões de idealização masculina, como nos absurdos presentes em "Trepadeira", do Emicida. 
É bom lembrar que até pouco tempo, "Elas Gostam Assim", do Projota e do Marcelo D2, tocava na novela global das 19h com a seguinte letra: "É que toda dama quer o seu vagabundo, que dê espaço, que também chegue junto, que dê o papo, proteja do perigo". Aliás, muitas músicas que são muito veiculadas possuem uma mensagem parecida. 
Pouco tempo atrás, "Esse Cara Sou Eu" vendia a imagem da mulher como alguém que precisa de um protetor, um provedor. Hoje, uma parcela considerável da música sertaneja proclama que precisamos de alguém que repare no nosso cabelo, que cuide de nós. E pra lembrar que o preconceito não é exclusividade do nosso país, basta pensar no desrespeito das premiações internacionais para com os artistas negros, que muitas vezes são ignorados, apesar do talento e merecimento.
A verdade é que há opressão em todos os lugares, mesmo em algo tão sublime como a música. Cabe ao público abrir os olhos e os ouvidos, pois o Brasil e o mundo têm verdadeiros hinos do empoderamento esperando por nós.

Canção Original: Cabelo de Chapinha
"Minha nega, vai lá no salão faz aquele corte que seu nego gosta de te ver
Me traz seu coração, porque essa noite só vai dar eu e você
Com esse amor ninguém pode
Só água na cabeça
Pra apagar o fogo
Ô mainha, mas eu só gosto do cabelo de chapinha, mainha 
Ô tá liso, tá lisinho. Tá liso, tá lisinho
Tá liso, tá lisinho. Tá liso, tá lisinho
Ô mainha, mas eu só gosto do cabelo de chapinha, mainha
Ô tá liso, tá lisinho. Tá liso, tá lisinho
Tá liso, tá lisinho. Tá liso, tá lisinho"

Canção modificada: Minha Deusa
“Com esse amor ninguém pode
Só água na cabeça
Pra apagar o fogo
Cabelo crespo, cabelo liso, cabelo black, cabelo loiro
Minha Deusa, dia de salão
Lindo é seu jeito, todo mundo gosta de te ver
Me traz seu coração 
Que esta noite só vai dar eu e você
Com esse amor ninguém pode
Só água na cabeça
Pra apagar o fogo
Ô, mainha,
Eu também gosto do cabelo de chapinha, mainha
Tá lindo, tá lindinho, tá lindo, tá lindinho”
Governo da Bahia faz campanha para se contrapor à música

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

CABELO NATURAL NO SÉC XXI, OU PORQUE O PESSOAL NUNCA FOI TÃO POLÍTICO

Este é um guest post da J.:

A primeira vez que meu cabelo foi submetido a um processo químico eu tinha 5 anos de idade. Minha mãe havia decidido “testar” uma “nova” química que havia dado certo em uma amiga da minha tia. Não culpo minha mãe, todas as meninas com quem eu convivia tinham cabelo que caía nos olhos, mesmo os ditos cacheados. Minha mãe que usava henê no cabelo e por consequência também o tinha nos olhos queria me fazer sentir incluída. 
Foi um desastre. Meu cabelo caiu quase por completo. E meu pai que era veemente contra colocar qualquer coisa além de xampu e condicionador no meu cabelo, ficou enfurecido com o resultado -- o que colocou um ponto final temporário na discussão.
Uso o termo temporário por que sou negra de pele escura, meus pais também, e estudei em escolas particulares de prestígio na minha cidade e por isso sempre fui “a- única- menina- negra- de- pele- bem- escura- na- sala”. E enquanto todas as outras estavam jogando cabelos ao vento eu sustentava um cabelo afro do tipo 4c. A pressão era tão grande que eu pensei que fosse me engolir, então aos 11 anos de idade eu implorei para a minha mãe me levar a um salão de beleza e alisar meu cabelo. 
Dessa vez, meu pai não se sentiu no direito de interferir, porque a vontade havia partido de mim. E eu me senti bem, me senti aceita, e eu pensei que ali estava o fim dos meus problemas, que talvez o problema comigo fosse somente o cabelo. Mas como toda jovem mulher negra, eu descobri que não era. Enfim, o cabelo não crescia, não passava da linha do queixo, nada acontecia; não importava qual tratamento aplicado. E os cabelos lisos esvoaçantes das minhas amigas continuavam lá, para me lembrar que eu ainda não estava no padrão.
Quando completei 15 anos um cabeleireiro me indicou usar extensões capilares. Eu comecei com extensões de 30 cm. E mais uma vez veio a sensação de aceitação, de conformidade com o padrão. Sensação que duraria muito. Até que alguém compartilhou no facebook um link do seu blog, Lola. Não era nenhum post especial, havia uma legenda do tipo “olha que blog legal que eu encontrei”. 
Comecei a ler sobre feminismo, sobre o papel que é imposto à mulher na sociedade, sobre o patriarcado... e o que isso tem a ver com cabelo? Bom, comecei a rever a minha imagem, a repensar o motivo pelo qual eu alisava o cabelo, o motivo pelo qual até mesmo com 10 anos de idade eu já havia entendido a mensagem midiática que só cabelo liso ao vento é bonito e como isso foi prejudicial para mim, como era difícil eu me sentir bonita.
Eu nunca tinha lido NADA a respeito do movimento negro, mas o primeiro assunto que li relacionado a ele foi sobre como usar o cabelo natural era uma forma de aceitação da nossa estética natural.
E com 20 anos eu raspei toda a cabeça.
Não passei pela transição capilar. Eu fui a um salão e falei: corte. Depois de 4 anos lendo sobre cabelo, autoestima, feminismo e aceitação eu cortei o cabelo e saí completamente do padrão que eu buscava tanto me encaixar. E eu nunca na minha vida fui tão feliz.
Agora eu gostaria de falar sobre o movimento de volta ao cabelo natural e como a mídia o está subvertendo. Há alguns anos atrás (aproximadamente em 2007) começou-se a notar que mulheres negras americanas desistiram de usar química de transformação nos seus cabelos e começaram o processo chamado transição capilar que é quando deixa-se a raiz natural crescer até o momento que se faz o Big Chop (o grande corte), cortando toda a parte alisada e mantendo somente a natural. Foi uma decisão totalmente pessoal, sem apelo midiático, sem propaganda. E por isso inconscientemente um ato político.
Ato este que não se iniciou com mulheres de cabelo cacheado ou ondulado e sim com mulheres com afros grandes, cabelos que nasciam para cima. Mulheres que agora veem suas vozes silenciadas por uma mídia que reduz todo o processo de aceitação do cabelo natural à "moda do cabelo cacheado".
Mas não é só a mídia que subverte todo o processo de volta às raízes naturais e ancestralidade africana. Boa parte das blogueiras/ vlogueiras/ youtubers de moda relacionada a cabelos naturais também o faz. Subitamente, um movimento que começou com cabelos do tipo 4c se transforma em um movimento onde as únicas que possuem voz são meninas de cabelo tipo 2 ou 3 e quiçá cabelo do tipo 4a.
A descriminação de textura é só mais uma forma de perpetuar o racismo até mesmo em um movimento contra o racismo velado manifestado contra os cabelos não lisos. O absurdo chega ao ponto de em grupos/ forúns sobre o cabelo natural, meninas de cabelo tipo 4 serem “aconselhadas” a usar algum tipo de química para “abrir o cacho", ou são aconselhadas a fazer texturizações que imitam o padrão de curva de cabelos mais aceitáveis. 
É uma onda de demonização do cabelo 4c, que na verdade foi o propulsor de todo o movimento. O que é em si uma perversa maneira de continuar dizendo a elas: “Vocês ainda não estão no padrão aceitável, nem mesmo aqui onde nós deveríamos celebrar as diferenças de padrão capilar; façam algo, deem um jeito no seu cabelo, queremos o cacheado e não o crespo”.
É triste. Da mesma forma algumas das meninas tentam reproduzir um discurso de falsa simetria, dizendo que não precisamos desvalorizar o cabelo liso, e a pergunta que fica é: mas o cabelo liso já não é valorizado o suficiente? Liguem suas televisões, assistam suas novelas, olhem nossas jornalistas, atrizes, cantoras. Elas não são apenas brancas, elas possuem cabelos lisos ou alisados. Nós não precisamos valorizá-los. O que é necessário é que o movimento de aceitação do cabelo natural não se dilua e perca sua raiz.