Hoje deve ser o primeiro dia na semana em que a chef Paola Carosella não está nos trending topics do Twitter.
Num programa chamado DiaCast, Paola afirmou que "é muito difícil se relacionar com quem apoia Bolsonaro por dois motivos: ou porque é um escroto, ou é burro". Bolsonarentos se sentiram pessoalmente ofendidos e fizeram o que fazem sempre: ameaçaram, foram misóginos e xenofóbicos ("Volta para Argentina cozinheira" foi uma das tags), deram avaliações negativas aos dois restaurantes dela sem nunca terem pisado lá, promoveram boicotes etc.
Mais uma vez, não deu certo. Graças à propaganda (mesmo negativa), seu
restaurante Arturito (no bairro de Pinheiros, SP) teve fila na porta ontem. O tempo de espera para o almoço até conseguir uma mesa era de 40 minutos. As reservas
para o final de semana se esgotaram. Parece que aquele ditado reaça
"quem lacra não lucra" não é muito verdadeiro. Mais à tarde, gente de esquerda levantou a
tag "Paola lacra y lucra".
Porém, antes dos bolsonarentos descobrirem a entrevista da chef, os ciristas decidiram destacar outro trecho da Paola no podcast, em que ela critica os protestos Ele Não. Segundo um cirista, foi um "movimento criado pela esquerda caviar-leblon". Lógico que ciristas vão achar isso. Ciro, que assim como o PCO e a direita nunca perdeu uma só oportunidade de bradar contra as "pautas
identitárias", dois dias depois do Ele Não já dizia que aquilo havia
sido um erro. Foi simplesmente o maior movimento popular organizado por mulheres na história do Brasil, e o maior protesto contra Bolso durante toda a campanha eleitoral de 2018, mas, pra quem vive de menosprezar mulheres, foi um erro.
É compreensível que machistas pensem assim, mas a Paola?! Pô, Paola! Ela disse no DiaCast (diante de entrevistadores que não a confrontaram, ou seja, devem concordar com ela):
"Eu fui contra o movimento Ele Não porque esse movimento está fazendo ele [Bolsonaro] crescer, porque quem faz parte do movimento Ele Não, quem estava no movimento Ele Não? Não eram as favelas, não era o brasileiro tradicional religioso que vai na igreja, que acredita na família tradicional, eram feministas, brancas, das grandes capitais, manifestando meio que de peito pra fora, escrito 'ele não' de batom vermelho, eram movimentos de artistas, era uma elite -- que esqueceu que o brasileiro é muito religioso, que o brasileiro é muito conservador, e quem era a imagem do brasileiro religioso conservador? Era o Bolsonaro. E quem tava falando 'ele não'? 'Uns louco aí que eu não sei quem são'. Na cabeça dessa galera, óbvio".
Pelo jeito, a Paola não participou do ato e não sabe muito sobre ele. Tudo começou com uma página no Facebook, o grupo Mulheres Unidas Contra Bolsonaro, criado por Ludimilla Teixeira (uma mulher negra e de esquerda da periferia de Salvador) no final de agosto de 2018. O grupo chegou rapidamente a um milhão de participantes (todas mulheres), já que a rejeição nossa ao fascista sempre foi enorme, e fez tanto barulho que, em meados de setembro, ela foi hackeada por criminosos bolsominions. Mas a página foi restabelecida no dia seguinte, continuou crescendo, e marcou os protestos, que aconteceram em quase 400 cidades e 50 países em duas datas: no dia 29 de setembro, durante o primeiro turno, e no dia 20 de outubro, antes do segundo turno. Aqui o belo manifesto lançado pelo Ele Não de Rio e SP.
Eu não tenho Facebook, mas tentei ajudar no que pude a impulsionar o grupo e os protestos, e marchei em Fortaleza junto a alunas e ao maridão (muitos homens participaram). Lembro da minha inocência. Numa palestra antes do primeiro Ele Não, falei sobre a minha preocupação: e se houvesse manifestantes infiltrados que quebrassem tudo, ou que, sei lá, comemorassem a facada no Bolso, ou que invadissem alguma igreja?
Santa ingenuidade, Batman! Eu tinha esquecido que nada de polêmico precisa acontecer para que a extrema-direita, especialista em fake news, difame um ato. No mesmo dia, páginas e canais bolsonaristas já mentiam sobre o Ele Não, usando imagens de outros países, outros atos, outras épocas, e inventando todo tipo de discurso e montagem.
As milhares de pessoas que estiveram no Ele Não sabem que os atos foram gigantescos, pacíficos, lindos, cheios de diversidade, inclusive com várias crianças. Eu não vi mulheres com peito de fora (mas e se houvesse, o quê que tem? Até nas Marchas das Vadias mulheres com peito de fora eram uma minoria). Eu vi muitas jovens participando de um protesto pela primeira vez na vida.
Tinha de tudo no Ele Não: trabalhadoras, integrantes do MST e da CUT, mulheres de movimentos de moradia, evangélicas,
sindicalistas, professoras, estudantes, Mães de Maio, camponesas, indígenas. E estava longe de ser um protesto de elite. A doutoranda de Ciência Política Antonia Campos,
da Unicamp, conta que um pesquisador comparou uma pesquisa do Ibope
realizada em 2013 nas jornadas de junho (em sete capitais) com uma
pesquisa no Ele Nao (só em SP), com outra da marcha pelo
impeachment em 2015, para comparar a renda dos participantes. A renda dos dois primeiros protestos foi bem parecida.
Só que outras coisas aconteceram naquele final de semana de 29 de setembro. A Luka, do
Movimento Negro Unificado, que participou ativamente do Ele Não, lembra
que no mesmo fim de semana Bolso fechou as alianças com as lideranças
evangélicas em todo o Brasil. E a fakeada em Bolso já havia ajudado a diminuir a rejeição das mulheres ao fascista.
No número de participantes, na potência dos protestos, o Ele Não foi um sucesso incrível. Mas, infelizmente, não foi suficiente para barrar Bolso. Há um outro jeito de ver a situação: talvez, sem o Ele Não, o boçal teria ganhado já no primeiro turno.
Não entendo como tem gente que gosta de culpar quem luta por tudo que dá errado. Tem uma galera que culpa até o "café com bolo" (o pessoal que pacientemente sentou nas praças e ofereceu bolo e café pra quem quisesse conversar sobre o futuro do país)! Ciristas, por exemplo, até hoje responsabilizam Lula e o PT e todos os petistas e simpatizantes pela vitória de Bolso. Afinal, se o 12% (bons tempos!) tivesse ido pro segundo turno, óbvio que ele ganharia do Bolso (não ganharia não). A maior parte das pessoas de esquerda acha ridículo culpar o PT pela derrota do PT. Mas tem muita gente que culpa o Ele Não pela vitória de Bolso e não vê nada de absurdo nisso.
Como disse o @NoOneChomsky,
a fala de Paola "é um exemplo didático da pessoa de classe média/alta
que faz ventriloquismo dos próprios preconceitos e valores usando um
brasileiro imaginário, pobre, conservador, meio ignorante, mas um puro,
tadinho".
Pois é. Só porque os bolsonarentos farão montagens e espalharão todo tipo de fake news sobre os nossos protestos não devemos protestar? Nunca mais?
Ou isso só se aplica a protestos organizados e protagonizados por mulheres? Só porque o brasileiro médio é conservador e religioso (um puro!), feministas não devem sair às ruas para não ofender sua sensibilidade? Faz algum sentido essa lógica?
Paola tem minha sororidade ao ser atacada pelos mesmos misóginos fascistas que atacaram o Ele Não. Mas precisa se informar melhor sobre um protesto tão importante e gigantesco que obviamente vai se repetir nessas eleições. E, a todos os outros que criticam o Ele Não: vamos parar de condenar quem luta.
3 comentários:
Na época eu li que #EleNão não era um bom nome neurolinguisticamente falando, porque o não faz a gente pensar na coisa, como em "Eu não vou pensar no elefante" , ou "Em caso de incêndio, não use o elevador". Pro cérebro seria melhor dizer "Estou pensando na ararinha azul", ou "Em caso de incêndio, use a escada" . Pelo sim, pelo não, agora em 2022 é melhor optar por um #LulaSim. Mais 04 anos do ser que não é bom nem dizer o nome seria a treva.
Eu acho que essa reação de acusar o movimento #EleNão é a mesma reação de quem fala que a culpa é do Ciro viajar, das fake news, blablabla. O nome dessa reação é Negação. Infelizmente a gente não consegue aceitar que o brasileiro médio se identifica com o Bolsonaro: tá pouco se lixando pro meio ambiente, é preconceituoso, violento e escroto. Enfim, fico triste e discordo completamente da Paola (e de todas as outras desculpas). A culpa da eleição do Bozo é do brasileiro, apenas isso.
Infelizmente não é só o brasileiro que é preconceituoso. E nem precisa ser médio. Gente acima da média também pode ser (muito) preconceituosa. Em 2019 comecei um mestrado no Curso de Ciências Políticas da Universidade de Lisboa (a turma era tão pequena que talvez esteja me identificando. Como a maioria foi eleitor e eleitora "daquele", acho que dificilmente são leitores do blog da Lola. Então acho que não preciso me preocupar...). Ouvimos de alguns professores coisas que interpretei como preconceituosas. Nada foi dito com aspereza, mas com muita cordialidade e simpatia. Foram ditas coisas como "estas turmas especiais de brasileiros só existem por causa das leis de austeridade fiscal da União Europeia. O governo cortou salários de professores e funcionários, como também o orçamento do curso, então tivemos a necessidade de procurar fontes alternativas de receitas". "Por favor, quando fizerem seus trabalhos, busquem aproximar o Português de vocês do de Portugal. Não usem 'mídia', usem 'média'. Não usem 'aplicativo', prefiram 'aplicação'". "Entrar neste curso até que é fácil, mas poucos brasileiros conseguem terminá-lo..." (detalhe, essa turma de 2019 já era a 4a ou a 5a, e nem eles tendo a experiência prévia do "baixo nível" dos brasileiros, deram-se ao trabalho de elaborar um material de apoio, ou uma bibliografia mínima a ser lida com antecedência, pra iniciarmos o curso já com alguma bagagem em Ciências Políticas, área na qual nenhum aluno tinha formação específica. Eles são algo como uma escola de aviação que culpa o iniciante pelo desastre com um avião, sem ter feito nada pra evitar o acidente, mesmo sabendo de antemão que ele iria acontecer... Enfim, só queriam mesmo os euros dos brasileiros, de quem culpam exclusivamente o "baixo nível" pelo insucesso provável já esperado ou previsto por eles de lá). Eram todos professores doutores, gente bem acima da média na formação acadêmica. No entanto, não escondiam o preconceito, embora o tenham expressado com muita gentileza. Com sutileza e maciez de seda. Voltei pra casa arrependidíssimo de ter me matriculado nesse mestrado. Nenhum aluno brasileiro que tenha concluído esse curso conseguiu a nota máxima. Os brasileiros são alunos "especiais", isto é, possuem vínculo com a Universidade de Lisboa, mas não são alunos do sistema integrado de ensino da União Europeia, como o são os alunos portugueses ou que estudam nas turmas presenciais, mesmo de outras nacionalidades. Fiquei com tanta resistência ao curso que resolvi abandoná-lo. Em vez de fazer os trabalhos fui é ler o que me dá prazer, pois meu ganha pão já esgota minha quota de disciplina pra as coisas que acho difíceis de aguentar. Perdi um bom dinheiro e até hoje essa perda me dói. Mas me ficou um aprendizado: quando for fazer um mestrado, vou fazer aqui no Brasil mesmo, em Português "Brasileiro" e tendo pelo menos a possibilidade de alcançar a nota máxima nas avaliações e no TCC. E num curso 100% presencial... Acho que o preconceito social é o mais generalizado na humanidade. Quem vive materialmente melhor tende a se achar superior a quem está abaixo. E a esse preconceito básico acrescentam-se outros, de origem, de nível de formação e de cultura, de cor da pele, de gênero, de orientação sexual... A lista é longa. Talvez sem fim. E, sim, o preconceito foi essencial pra a eleição "daquele"... E é um dos grandes responsáveis por ele ainda ter tanto apoio, apesar de tantos pêsames e pesares.
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