segunda-feira, 22 de março de 2021

VANESSA, PRESENTE!

Um crime bárbaro aconteceu na segunda-feira passada, em Piracicaba, SP. A psicóloga Vanessa Bárbara foi reclamar (com total razão) com a vizinha do som alto. A mulher jogou um líquido inflamável no corpo da psicóloga e em seguida ateou fogo. Após uma transferência de hospitais, Vanessa morreu na terça com 50% do corpo queimado. A vizinha está presa. 

Em qualquer circunstâncias um caso desses seria hediondo. Mas, ao sabermos quem foi Vanessa, ele se torna ainda pior. Mãe, negra, lésbica, guerreira, Vanessa era uma mulher aguerrida. Publico uma nota assinada por vários coletivos. Gente que conhecia a pessoa especial que era Vanessa:

A psicóloga Vanessa Augusto de Santa Bárbara, 31 anos, era carioca e morava em Piracicaba desde janeiro de 2018, juntamente a sua filha adolescente. Em Piracicaba Vanessa trabalhou no SEAME com adolescentes em cumprimento de medidas sócio educativas durante 2018, e em 2019 trabalhou no Serviço Complementar Especializado da Assistência Social, com crianças e adolescentes vítimas de violência, tanto sexual quanto física. Atendia em clínica, principalmente, no protagonismo das mulheres pretas e da população preta. Estava finalizando uma especialização em Fenomenologia Existencial, sua área de paixão, pelo Instituto DASEIN da cidade de São Paulo. Seu trabalho de conclusão de graduação na Universidade Federal Fluminense foi sobre como se dava a construção da subjetividade da mulher preta num país estruturalmente racista e machista.

Negra, lésbica e militante, Vanessa era extremamente ativa em movimentos sociais da cidade de Piracicaba, lutando contra a violência contra a mulher em frentes antirracistas por direitos sociais, por representatividade lésbica e pelo direito de crianças e adolescentes.

Atuou no Movimento de Promotoras Legais Populares do qual já fazia parte desde quando morava no Rio de Janeiro e no Coletivo Marias de Luta de Piracicaba, onde atuou por dois anos nas lutas antirracistas e antifascistas, pelo direito das mulheres. Integrou a construção do movimento negro Resistir Sempre. Tinha uma presença ativa no Conselho Municipal das Mulheres e atuou em frentes de luta por moradia. Foi idealizadora do núcleo de psicologia PertenSer.

Na madrugada de domingo para segunda, dia 15, foi vítima de um crime violento na região central de Piracicaba: uma vizinha a atacou depois de uma discussão. Vanessa foi levada para a UPA da Vila Cristina com queimaduras no corpo e depois encaminhada para a Santa Casa de Misericórdia Piracicaba. No mesmo dia 15 foi encaminhada para o Hospital Geral da Vila Penteado, em São Paulo, decisão que precisa ser elucidada, já que ela precisava de um atendimento para queimaduras. Ela chegou estável em São Paulo, com queimadura de 2º grau, e estava comunicativa. Na manhã do dia 16 tivemos a notícia de que tinha ido a óbito.

Em todo esse percurso nos surgem algumas questões: como se deu seu pronto atendimento, primeiros socorros?

A ocorrência policial somente se deu após seu falecimento e a cobrança de suas companheiras. Na noite do crime, mesmo a polícia tendo ido até o local, não foi gerado Boletim de Ocorrência. É preciso que a polícia e todos nós não relativizem as famosas “brigas de vizinho”, uma vez que muitas dessas desavenças podem representar perigos reais à integridade física das pessoas podendo, inclusive, disfarçar ou esconder crimes de ódio. Sabemos que, historicamente, a população preta é impedida de acessar com dignidade seus plenos direitos, assistência e segurança pública.

Exigimos respostas do porquê Vanessa foi encaminhada para um hospital que, até onde sabemos, hoje é um hospital que é referência em COVID. Mesmo compreendendo o contexto pandêmico e todos os desafios que a rede de saúde enfrenta com o descaso dos nossos governantes, ainda exigimos respostas da rede de saúde para a escolha tomada pelos profissionais, haja vista que, próximo a Piracicaba, mais precisamente em Limeira, existe um hospital referência em atendimento de pessoas com queimaduras. Por que Vanessa não foi encaminhada para esse local? Contamos com a colaboração da imprensa para nos ajudar a entender essas decisões.

Além disso, a noiva da Vanessa teve dificuldades para ter acesso a informações no hospital, com a justificativa de que apenas a família poderia obter as informações necessárias.

O caso da Vanessa nos ajuda a ter uma imagem de como o racismo e lesbofobia estruturais podem afetar, em todo o percurso, o atendimento pelo Estado Brasileiro, desde as não providências imediatas da polícia, até as escolhas da rede de saúde. Por isso, esperamos uma resposta efetiva para a morte de nossa companheira, tanto da atuação da polícia quanto da rede de saúde e agora de todo sistema de justiça. Vanessa Augusto de Santa Bárbara deixou uma filha, familiares, amigos e pacientes.

A nota é assinada por:

Coletivo feminista e antirracista Marias de Luta de Piracicaba/SP

Promotoras Legais Populares de Piracicaba

Promotoras Legais Populares Águas de São Pedro

Movimento Resistir Sempre – Piracicaba/SP

PertenSer – Núcleo de Psicologia

Conselho Municipal da Mulher de Piracicaba

Aquilombamento PLPS Pretas

Rede Nacional de Mulheres Negras no Combate à Violência

Rede Afro Lgbt

Coletivo Mulheres da Periferia/Porto Alegre/Rs

Afroactivistas da América Latina

Coalicion de Mujeres AfroLatinas e Caribe.

Identidade – Grupo de Lura pela Diversidade Sexual – Campinas/SP

Rede de Mulheres Negras da Bahia

Unegro/SC

Rede de Proteção contra o Genocídio

Baobá Fortificando Raízes

Promotoras Legais Populares FND UFRJ

Promotoras Legais Populares de Jundiai

Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Piracicaba

PROLEG- Promotoras Legais Populares de Santo André

MNU – Movimento Negro Unificado – Campo Grande – MS

União de Mulheres de São Paulo

Casa de Cultura Hip Hop de Piracicaba

Batalha Central de Piracicaba

Associação de Mulheres Negras Acotirene/SP

Grupo de Mulheres Negras Dandaras Urbanas/SP

8M Unificado Piracicaba

Casa da Mulher de Ribeirão Preto/SP

Coletivo Antirracista O Melhor de Cada Uma. Pelotas/Rs

GTMULHERES de Axé RENAFRO, Núcleo RS

Coletivo Diversas Feministas/MS

Procuradoria Especial da Mulher da Câmara de Piracicaba

Comissão da Diversidade Sexual e Igualdade de Gênero da OAB seccional São Carlos/SP

Coletivo de Advogadas Feministas de São Carlos/SP

Setorial LGBTQIA+ PSOL São Carlos/SP

Mandato da Deputada Estadual Márcia Lia(ALESP)

União da Juventude Brasileira(UJB)

Conselho Municipal de Políticas para Mulheres da Cidade de São Paulo

Iris Nogueira, membra do Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE) e do Conselho Municipal de Políticas para Mulheres da cidade de São Paulo (CMPM)

Baque Mulher Piracicaba

Movimento de Empoderamento Feminino Baque Mulher FBV

Festivau Curau – Culturas Regionais e Artes Urbanas

Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara

Espaço Feminista Uri Hi

4 comentários:

Kasturba disse...

Que triste. Eu ainda não estava sabendo disso...
Com certeza o que incomodou a vizinha não foi unicamente a reclamação pelo som alto. Isso deve ter sido somente a gota d'água de um ódio que já era presente: ódio pela existência da Vanessa. Ódio pela existência de mulheres negras em posição de não-submissão, pela existência de mulheres lésbicas que se opõem ao patriarcado. Ódio pela existência de mulheres que, a despeito de tudo, reivindicam um lugar na sociedade.
Muito triste mesmo... Até quando mais vamos ter que conviver com esse ódio todo?
Certamente é um trauma que marcará a todos próximos para sempre, principalmente à filha. Espero que ela se recupere da melhor forma possível, com o mínimo de sequelas...

Felipe disse...

A vizinha era parda não tem nada aver com racismo.

Anônimo disse...

O problema de som alto, barulho tem ceifado muitas vidas, lamentavelmente Vanessa foi mais uma vítima, porém podem existir outros motivos para um crime tão cruel. Uma mulher com o sorriso iluminado, batalhadora, preocupada em ajudar pessoas necessitadas, carentes, enfim, o próximo, incomoda, veja o caso do padre Lancelotti, nada aconteceu por ser uma figura pública conhecida, pois senão o pior seria concretizado, este é um exemplo citado, mas muitas pessoas acontece o mesmo, são movimentos populares perseguidos por religiosistas neopentec de um lado e por ditos cães de poderosos do outro, infelizmente esquecidos por uma esquerda de olho em eleições e execrados por uma direita virulenta gananciosa; alguns morrem no cerrado do centro oeste a defender indígenas, pequenos agricultores, outros a proteger a população ribeirinha de mineradores e grileiros no norte, outros no nordeste contra a mão forte e autoritária dos fazendeiros pagam com a vida, no sul contra o preconceito e intolerância sucumbem e tem suas mortes ocultadas, no sudeste morrem ante a truculência policial de seus mandatários. Vanessa é como Doroty Stang, Chico Mendes, agora não mais anônima, mas sim presente. O sorriso de Vanessa continuará sendo o alento das pessoas por ela auxiliadas. Destruições fazem barulho, mas construções permanecem porque fica o legado. Vanessa deixou seu legado.

OPINIAO disse...

triste, fui vizinho da Vanessa no Rio de Janeiro, fiquei contente em saber da sua trajetória,pois não a vejo tem muitos anos.
Acho que devemos correr atrás sim por explicações, independente se foi racismo, cachaça ou descontrole.Pelo menos essa fdp tá presa.