quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

CONSELHO TUTELAR SE OMITIU NO CASO DO MENINO ACORRENTADO NO BARRIL

Uma jornalista de Campinas me contatou ontem para lembrar que a cidade, o terceiro maior município do estado de SP, tem 1.2 mi habitantes, e apenas um jornal impresso.

Um colunista deste único jornal, o advogado e professor Manuel Carlos Cardoso, escreveu um artigo sobre o terrível caso do garoto de 11 anos acorrentado no barril pelo seu pai. O artigo aborda a raiz do problema: o aparelhamento do Conselho Tutelar pelo prefeito, do Republicanos. 

O artigo foi censurado pelo jornal, o que culminou com a saída do colunista. Depois Cardoso disse que descobriu que a censura não era do artigo, mas do colunista, que semana passada havia criticado o transporte público. O jornal que -- segundo a jornalista, deve o pagamento de vários colegas, demitidos em meio à última "reformulação" -- publicou um editorial chamado "Os cafajestes das redes sociais", prometendo processar todo mundo.

Publico aqui o artigo de Manuel Carlos Cardoso:

Nasci e fui criado na pequena cidade de Rio Claro. Tive uma infância na qual não conheci nenhuma forma de violência. Filho caçula de pais professores, aprendi desde cedo a viver amando meus irmãos e amigos, respeitando a todos e principalmente meus pais que me criaram com todo carinho.

Esta é a origem do cidadão honrado que me tornei e fico chocado e triste quando me deparo com um fato como esse acontecido em Campinas, onde uma criança de apenas onze anos estava sendo torturada por seu próprio pai, sua mulher e enteada.

Socorrida por vizinhos, foi resgatada pela polícia militar quando estava faminta, debilitada e acorrentada dentro de um barril.

Cena triste para qualquer pessoa de bem. Repulsiva para toda a sociedade e presenciei muitos amigos chorando ao constatar o sofrimento daquela criança.

Seus algozes estão presos, pois a resposta da justiça foi pronta e imediata, mas a pergunta que faço é se serão apenas eles os responsáveis por tal violência.

Ouso dizer que estamos vivendo em uma sociedade acostumada e conformada com a violência nos mais diversos segmentos.

A mesma polícia militar que prestou socorro ao menor é aquela que em muitas outras situações é extremamente violenta, principalmente na periferia das cidades. Até os padres e pastores de nossas igrejas estão a cometer crimes violentos contra seus fiéis.

O recém eleito presidente da Câmara Federal, deputado Arthur Lira, está respondendo judicialmente por agressões físicas praticadas contra sua mulher.

São infindáveis os atos condenáveis de que temos conhecimento cotidianamente e a sociedade assiste calada, sentindo-se impotente para evitá-los.

No caso concreto em comento, seria apenas aquele facínora que se diz pai responsável pelo ocorrido?

Creio que não e ouso apontar outros igualmente culpados que devem responder por omissão com relação à violência sofrida pelo garotinho.

Nossa Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são instrumentos bem elaborados em termos legislativos para proteção da infância, mas para isso têm que ser respeitados por todos.

Em Campinas, temos cinco Conselhos Tutelares, cada um deles integrados por cinco conselheiros eleitos pela sociedade, mas será que tais eleições têm sido suficientemente democráticas?

Quatro deles são unha e carne com igrejas locais e a determinados políticos populistas que se elegem sistematicamente com o apoio de pastores e votos de fiéis.

A sociedade sequer presta atenção nessas eleições e são poucos os que comparecem para votar.

Assim, passam a ocupar cargos de Conselheiros, com remuneração de mais de R$ 6 mil reais por mês e pouco contribuem para a salvaguarda de nossas crianças e adolescentes.

Temos no município uma secretaria dedicada exclusivamente à assistência social, mas que tem se mostrado ausente, principalmente com relação aos que mais precisam e os moradores de rua se multiplicam a olhos vistos.

O crime praticado contra essa criança aconteceu em um bairro marcado pelo abandono de nossas autoridades públicas e o que restou apurado desde logo é que a situação da criança era conhecida do tal Conselho Tutelar e por consequência de e nossa Secretaria de Assistência Social.

Desde logo se soube que o caso era “acompanhado” há mais de um ano por conselheiros tutelares e que providências concretas foram adotadas por eles?

Fico com a impressão que ficaram todo esse ano passando óleo para lubrificar a corrente que prendia a criança e levando cascas de banana para alimentá-la.

Duvido que um deles sequer ou mesmo alguém da Secretaria de Assistência Social tenha feito uma visita ao garotinho no hospital Mário Gatti onde se encontra internado para ganhar um pouco de peso.

A prefeitura, por sua vez, limitou-se a instaurar uma sindicância para apurar os fatos ocorridos, mas não é esse o rigor que a situação exige.

Apenas instaurar uma sindicância é passar a mão na cabeça dos infratores omissos.

Impõe-se rigor, traduzido em enérgica e pronta punição, ainda que cautelar, para inibir futuras omissões. É o que se espera.

12 comentários:

Mihaelo disse...

Os conselhos tutelares estão em sua maioria aparelhados pelas igrejas dos vendilhões do templo, obcecados por dinheiro! Por issso nada fazem para combater a exploração de menores pelos pais, que os usam para vender guloseimas nas esquinas das ruas, nas sinaleiras ou nos ônibus urbanos ou simplesmente para pedir espórtulas. Sempre me perguntei quando estava em bares de madrugada, e surgiam crianças vendendo flores, importunando os homens para que as comprassem para as mulheres; onde estariam os conselheiros tutelares, que ganham gordos salários para nada fazerem em relação a essa terrível exploração de crianças como meio de obter dinheiro!!!!!

Kasturba disse...

Esse caso foi o exagero de algo com o qual convivemos rotineiramente e consideramos comum e até mesmo positivo: violência contra a criança.

Sempre bato nessa tecla, de como me assusta termos chegado a um ponto em que consideramos um absurdo quem bate em seu cachorro, mas achamos ok quem bate no próprio filho...
Com certeza muitas das pessoas que se chocaram com a situação deplorável em que esse menininho foi encontrado, chegam em casa e humilham o filho se ele tira nota baixa, gritam com o filho se ele derruba um copo no chão, batem no filho se ele se recusa a comer o jantar... E ainda acreditam (e afirmam para a própria criança que está sofrendo a violência) que aquilo é algo bom, que é assim que pais dedicados educam seus filhos para que eles se tornem "pessoas de bem".

São níveis diferentes de violência, mas ainda assim, não deixa de ser violência. E assim estamos ensinando às crianças, futuros adultos, que a violência é uma forma válida de atingir um objetivo. E estamos ensinando que violência também pode ser uma demonstração de cuidado e amor. Amanhã serão essas crianças que educarão seus próprios filhos, também empregando a mesma violência com que foram tratados.

Não estou querendo justificar de forma alguma o absurdo que aconteceu. Mas talvez esses três adultos envolvidos realmente nem se deram conta de quão escandaloso era o que estavam fazendo. Talvez tenham começado gritando com o menino, quando ele fazia algo "errado". Daí passaram pras palmadas, depois chineladas. Depois talvez ele tenha apanhado de cinta, e talvez até de vara de marmelo. Talvez tenham colocado ele ajoelhado no milho algumas vezes, talvez o tenham trancado no banheiro escuro por algumas horas como castigo ( conheço pessoas que passaram por todos esses tratamentos e acham que era somente uma forma mais enérgica, porém válida, que seus pais empregaram para educá-las, mas não consideram que sofreram maus tratos durante suas infâncias). Daí para prender o garoto dentro de um barril, não é uma distância muito grande.

Então a questão é: até que ponto a violência contra a criança deve ser tolerada?
E minha resposta é: até o ponto ZERO. NENHUMA violência contra criança deve ser tolerada. Nunca. Em nenhum nível. Porque se tolerarmos o mínimo que seja, podemos ir nos "anestesiando" e entrar na escalada da violência sem nem mesmo notar.

É como a história da rã: se você jogar uma rã numa panela de água fervente, ela vai dar um salto e fugir. Mas se você colocar a rã em uma panela de água fria e for esquentando a água aos poucos, ela vai tolerando o aumento de temperatura gradual, até chegar ao ponto de morrer cozida.

Anônimo disse...

O Brasil caso continue por este caminho agressões, torturas, negligência a crianças e adolescentes vão continuar, disso para pior, o caso do menino de Campinas chegou até os meios de comunicação em massa, os "noticiários" sensacionalistas a explorarem ainda mais a miséria, pois mencionam o problema, porém nunca a sua origem. Lamentavelmente conselhos tutelares, assistência social, CAPS tem muitos psicológos, assistentes sociais de igrejas neopentec caça niqueis como as áreas essenciais como saúde e educação vários técnicos, professores também, alguns concursados, mas a maioria cargo comissionado ou de confiança colocado por algum vereador, deputado federal ou estadual destas igrejas, mas essa gente fiscaliza algo? Não, pois quando não é o fanatismo religiosista doentio, é a ganância, sede de poder, aliás a IURD tem um projeto de poder perigoso, caso espíritas pensem não estar na mira dessa corja, melhor será preparar, pois faz muito tempo que pastores neopentec fazem questão de combater como faz com umbandistas, candoblecistas ou qualquer reunião religiosa de oriunda da África. Quando recordo o livro da Malala, vejo algo semelhante no Brasil e essas seitas de fanáticos encontraram um terreno fértil no Brasil, um povo em sua maioria ignorante, sem perspectivas de futuro, saúde e educação precárias, devido a isso buscam um alento em um deus, porém um deus a fazer temer o tempo todo, um deus tirano, malévolo, cruel, contraditório, sanguinário, misógino, pois é este medo a manter as pessoas presas em uma arapuca, muito útil para estelionatários, usurários da fé, ignorância e ingenuidade. Seremos um completo Evanjeguistão e ainda com a homeschooling, como serão fiscalizados abusos? Estupros de vulneráveis? Exploração de menores? Por quem o faz também? Não podemos esquecer dos casos de adoções ilegais em Portugal por parte da IURD.

Jane Doe disse...

O modus operandi do conselho tutelar é algo que sempre me deixou atônita. E não, não só aqueles associados à igreja, alguma religião ou partido político.
São inúmeros os casos de crianças e adolescentes que são severamente abusados, procuram ajuda e são devolvidos aos pais, 1, 2, 3 vezes até que na quarta são achados mortos os em situação semelhante ao desse menino.
Ele não é em de longe a primeira vítima e não será a última. Uma coisa é uma mãe esgotada de sua jornada tripla perder a paciência e dar uma tapa no filho(não, não é certo óbvio!!!). Não acho que alguém deveria perder a guarda dos filhos nesse caso. Mas violência grave e repetidamente denunciada? Por que continuam devolvendo a criança para a família ou apenas ignorando as denuncias?

avasconsil disse...

Pior que aqui no Ceará tá a mesma coisa. Tramita no judiciário daqui alguns casos de adoção (que eu tenha tido contado foram 02) em que alguém do Conselho Tutelar na cidade, ligado a uma igreja evangélica local, entregou as crianças de que tratam os processos a 02 casais que não estavam na fila do cadastro nacional de adoção. Os processos são uma disputa entre o casal que furou a fila e o casal preterido. Paralelamente aos processos judiciais sobre as adoções, está havendo investigações sobre por que o integrante do Conselho Tutelar entregou a criança ao casal que não estava na fila. Acho que as igrejas neopentencostais estão se infiltrando em tudo que tenha a ver com família e direitos de crianças e adolescentes, talvez por causa da sinistra Damares. Pode ser que ela esteja facilitando o acesso dos evangélicos, em detrimento de quem não faz parte dessas igrejas. Basta restringir a divulgação de editais de eleições ou outra seleções aos grupos dos afinados com ela, por exemplo. Bem provável que esteja acontecendo isso. Sobre o menino preso, tomara que ele consiga uma família melhor. O MP deve entrar com um pedido de destituição do poder familiar e ele deve poder ser adotado. É triste que aconteçam barbaridades assim. E tendem a piorar pois a miséria brutaliza as pessoas. Brutaliza tanto quem a sofre diretamente como quem se dessemsibiliza com o desamparo e com a dor do outro. Todos perdemos com essa autofagia do ser humano. Pode chegar a vez de qualquer um ser dilacerado, até literalmente, e encontrar nos circunstantes indiferença em vez de apoio. Como a miséria está aumentando a passos largos no mundo mas principalmente na periferia do capitalismo, as coisas tendem a piorar. Vamos ver. Faço coro com Maria Bethânia: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-02-12/bethania-nao-gosto-mais-de-falar-do-brasil-tenho-vontade-de-chorar.html

Anônimo disse...

Kasturba

A mudança e leis para proteção de crianças e adolescentes é recente, tem pouco mais de trinta anos no país e como outras leis pouco ou nada respeitam; ainda mais em setores da sociedade onde o poder público não chega ou tem alcance.
Eu nasci na década de 70 e sei bem o que é agressão, abuso e violência, qualquer coisa era motivo para surra, tapas, cintadas, quando menciono é com conhecimento de causa, pois eu era uma criança considerada quieta, calada, quando ia na casa de um parente ficava silenciosa no sofá ou cadeira, pois sabia o que esperar quando chegava em casa, certa vez, eu com seis anos fui tirar a bota e um zíper quebrou, o tapa na orelha que levei por isso me deixou com dor de cabeça e ouvido por três dias, detalhe, minha mãe era conivente, omissa e defendia o indefensável, tinha até receio de eu relatar algo para professores, colegas de escola, por isso cortavam qualquer amizade, mas não era só isso, era eu e uma irmã e irmão mais novos, mas o tratamento com eles era outro, a inimizade entre nós foi tão fomentada e enraizada pelo meu pai com a colaboração de minha mãe.
Faz mais de trinta anos o falecimento de meu pai, mas eu e meus irmãos somos completos estranhos um para o outro, eu sou a única filha a residir fora do Estado onde minha mãe mora, ligo para ela todos os dias, mas são sempre reclamações sobre o egoísmo, arrogância de minha irmã e o pouco caso de meu irmão com ela. Eu fico triste pela minha mãe, pois caso não fosse uma mera sombra e agisse contra quando os erros começaram a aparecer talvez a situação seria outra, mas são suposições, ela é idosa, propus para morar comigo, porém rejeita, pouco posso fazer, ainda mais com a situação atual.
A situação do garoto ganhou notícias, mídia, ajuda, mas casos iguais ou piores existem, alguns o socorro chega a tempo, outros não, a maioria dos casos fica no anonimato, pode acontecer nas periferias, favelas, mas também em ambientes considerados sofisticados, requintados, aí tem coisas muito mais perigosas como tráfico de menores, escravidão sexual, leilões de virgens de vários países, etc.

Anônimo disse...

Culpa do Bolsonaro! Hahahahaha

Anônimo disse...

Eu nasci no meio da década de 1970, 1974 para ser exata. Entendo perfeitamente, pois vivi situação similar, guardadas as devidas diferenças. Estou passando por um momento complicado, vivi uma perda em 2019, uma perda que me trouxe outras, mudanças indesejadas, arrependimentos, vários questionamentos, e por sugestão do meu irmão, vim parar aqui na casa da minha mãe, por força desse luto, pois não suportei continuar na casa em que eu vivia e onde ocorreu essa perda repentina que me bagunçou. Acabou que veio a pandemia e acabei me estendendo na casa da minha mãe. Me arrependo demais de ter aceitado a sugestão do meu irmão e vindo para cá. Tenho medo de não conseguir sair mais daqui. Minha mãe e meus irmãos acham que finalmente "voltei para casa depois da formatura", as vezes ignoram ou fingem ignorar que eu tinha uma vida de pessoa adulta entre a formatura em 1997 e a perda que sofri em 2019. Estou fazendo terapia do luto para retomar minha vida de onde parei (e isso não inclui continuar na casa da minha mãe). Tanto a terapia como essa permanência prolongada na casa da minha mãe por causa da pandemia (para ela não ficar tão sozinha pois não recebe visita dos meus irmãos e meus sobrinhos) tem feito com que eu revisite o passado e assim reviva muita coisa, a violência, o alcoolismo e a agressividade do meu pai e a passivo agressividade e o estado de espírito sempre alerta e agoniado, mas conformado e resignado da minha mãe, e o quanto essa situação afetou negativamente minha vida e influenciado minhas decisões, muitas das quais me arrependo amargamente hoje. Além de toda tristeza, tenho sentido muito ódio, pois se meu contexto familiar fosse outro eu me sentiria segura para tomar decisões difíceis e antipáticas para os outros mas necessárias para minha vida. Minha mãe adora encher a boca para falar que tomou muito soco na cara para poder manter as coisas funcionando e criar os filhos, não ir morar na rua e ter o que comer. Na época, vivia falando para a gente denunciar meu pai a polícia, procurar um fórum para ela pedir divórcio do meu pai, porque era tudo muito ruim. Mas ela se apegava a não sei o quê. Ela acha que tenho orgulho dela por isso. Confunde gratidão com dívida. Fico com muita raiva quando vejo gente dizer que mau trato, bullying e violência formam caráter. Não. Forma gente ressentida, insegura, com medo, que sofre para tomar decisões simples, gente pela metade.

Kasturba disse...

Sinto muito. Espero que você consiga superar esse luto e sair logo da casa da sua mãe. É muito chato mesmo perceber que o lugar que a princípio era pra você se sentir mais acolhida (existe todo esse romantismo em torno de casa de mãe) é na verdade um dos lugares onde você se sente mais desconfortável.
Eu fiz faculdade em uma cidade diferente da que meus pais moravam (um dos motivos de eu ter escolhido essa faculdade foi justamente sair da cada deles), e quando me formei, tive oportunidade de ir trabalhar na minha cidade natal. Mas optei por ir para uma cidade bem mais longe, justamente porque eu sabia que se voltasse pra cidade deles, ia rolar um constrangimento muito grande pra eu voltar pra casa deles, e era tudo o que eu menos queria. Preferi ir pra uma cidade desconhecida, em que eu não tinha nenhum amigo ou parente e ainda teria que gastar parte considerável do meu salário com aluguel, do que voltar a morar com meus pais, ter meus amigos e parentes próximos, fazer um pé de meia nos primeiros anos de formada, mas ter que me sujeitar novamente às regras da casa deles. E foi a melhor coisa que eu fiz.
Minha irmã, que não mudou de cidade, morou com meus pais até os 26. Mesmo depois de formada, já empregada, tinha que dar satisfação de tudo. Não podia chegar tarde, não podia dormir fora, e se saísse demais ainda tinha que ficar ouvindo minha mãe jogando na cara que ali não era uma pensão que ela podia entrar e sair quando quisesse. Minha mãe queria que ela vivesse em função deles, fazendo os programas deles, tal qual quando era criança. Ao invés de sair sábado a noite com os amigos, tinha que ficar assistindo zorra com minha mãe. Os passeios mais "emocionantes" eram as saídas pro supermercado ou pra centro espírita... E mesmo minha mãe alegando muitas vezes que "se você quer fazer o que bem entende, vá procurar uma casa pra você", no dia que minha irmã se cansou daquilo e se mudou, ainda teve que aturar por muito tempo minha mãe se vitimizando, dizendo pra quem quisesse ouvir o quanto minha irmã era ingrata por ter ido embora, que parecia que era mal tratada na casa em que ela recebia tudo...
Difícil...

Kasturba disse...

Sobre a violência contra a criança, é triste percebermos como nós mesmos acabamos naturalizando a violência que nós mesmos sofremos. O que mais vejo é gente falando "eu apanhava, mas eu merecia". Sinto tanta pena... dá vontade de dizer: "não, você não merecia. Você era uma criança, descobrindo o mundo. Você tinha direito de errar. E tinha direito de ser tratada com respeito mesmo depois de errar".

Eu não cresci sofrendo violência absurda não. Mas levei muita chinelada da minha mãe, e algumas vezes apanhei de cinto também. O motivo era quase sempre o mesmo: brigas com a minha irmã (que é algo totalmente normal de acontecer entre duas crianças de idades próximas crescendo juntas). Por muito tempo eu mesma dizia que eu merecia, porque brigávamos muito mesmo (sempre disputas bobas de quem ia brincar com qual boneca, ou qualquer coisa do gênero). Uma época em que minha mãe estava doente acamada, ela me chamava e me mandava pegar o chinelo e levar até ela, pra ela me bater. E depois de adulta eu já ri muito disso, contando pra amigos, em forma de piada, que minha mãe não se contentava só em me bater, mas que me humilhava também. Hoje em dia eu vejo o quanto isso é tóxico. Se um ex-namorado me batesse, eu nunca contaria isso numa roda de amigos rindo. Por que então fazemos isso em relação ao que sofremos quando crianças?? Acho que deve ser quase uma forma de proteção: por não aceitarmos que a pessoa que devia nos proteger era a que nos machucava, achamos uma forma de fazer piada da situação. E com isso acabamos achando que é realmente normal e até mesmo necessário humilhar e machucar crianças, para que elas "aprendam".

Hoje, após me tornar mãe, acho ainda mais absurdo tudo isso. Quando olho pro meu filho, eu não consigo imaginar NADA que ele poderia fazer que me fizesse ter vontade de machucá-lo. Tenho momentos de cansaço extremo sim, em que eu torço pra que ele durma logo pra eu poder relaxar. E admito que se eu pudesse, eu passaria alguns dias de férias longe dele (se eu pudesse garantir que ele estaria seguro e feliz, mesmo com minha ausência). Mas sentir raiva dele, ter vontade de ferí-lo, nem passa pela minha cabeça. Tudo o que eu mais quero é proteger ele de qualquer dor que possa existir no mundo. Só de pensar em algo que possa machucá-lo, eu me angustio e choro.
E aí sinto uma mágoa grande em pensar que minha mãe algum dia teve coragem de levantar a mão para mim e me causar dor.

Anônimo disse...

Obrigada, kasturba ❤️

Denise disse...

Lendo essa historia absolutamente perturbadora, me lembrei de um documentario que assisti no Netflix chamado "The Trials of Gabriel Fernandez" (nao sei se tem no Netflix Brasil) sobre o caso desse menino americano, Gabriel Fernandez, que foi torturado e morto pela mae e o padrasto. So que a promotoria decidiu levar a julgamento nao apenas os algozes, como tambem os assistentes sociais que cuidavam do caso ha ano e nao tomaram nenhuma medida para evitar a tragedia. E bem interessante ver essas mesmas questoes trazidas no post explicadas mais a fundo no documentario. Como sempre, as minorias, os mais fracos (no caso as criancas), e que pagam a conta. Uma tristeza sem fim...