Vocês devem ter visto um caso que teve repercussão nacional na semana passada: numa escola de elite no Rio, quatro alunos trocaram mensagens racistas e misóginas sobre uma de suas colegas, Fatou Ndiaye, 15 anos, que é negra, filha de senegaleses.
Seu pai, Mamour, é doutor e professor de Engenharia Elétrica no Cefet. Ele deu declarações de que o Brasil, mais ainda que um país racista, é um país em que ocorre o apartheid. A família registrou queixa na polícia e decidiu que trocará Fatou de escola. Uma pena, pois Fatou estuda no Colégio Franco-Brasileiro há dez anos. Mas compreensível, já que a escola não está enfrentando o racismo a contento.
Fatou é muito mais que uma vítima. Ela é uma adolescente inteligente, que fala super bem, conhece seus direitos, e não se deixa abalar (além de ser belíssima). Ela disse que ficou indignada, mas que triste mesmo fica pela família de João Pedro, jovem negro que foi assassinado pela polícia. "Fico triste também pelos pais desses meninos [que a xingaram], porque imagino que essas famílias fizeram tudo para educá-los", completou. Realmente: imagina o horror que deve ser para pais investirem tanto na educação dos filhos e ver que eles acham que negros devem ser vendidos, que valem uma bala.
Fui procurada pela jornalista Kamille Viola, do Globo, que me perguntou se a linguagem racista usada neste caso não era parecida com a dos chans (fóruns anônimos). Sim, é. Ela também entrevistou educadores para saber como escolas podem combater o racismo na sala de aula. A matéria de Kamille é ótima e você pode lê-la aqui.
A mãe de Fatou, Sokhna, mandou um email a outras mães, e esse email foi publicado pela Celina, da Globo. Reproduzo-o abaixo. E sigam a Fatou. Espero que ela enverede por uma carreira política, porque leva muito jeito pra isso. Além disso, ela promove a loja África Arte, que vende essas roupas maravilhosas que ela usa (a primeira filial em SP fica na R. José Paulino, 899, Bom Retiro). Todos os produtos vendidos na loja vêm da África.
O email da Sokhna:
Prezadas mães,
Gostaria de registrar minha gratidão por tudo.
O momento tem sido muito dolorido para nós. Não desejo a nenhuma mãe passar por este momento. Além da exposição da nossa filha, estamos lidando com situações muito tristes. Meu marido ficou quatro horas na delegacia. Ele nunca tinha lido o teor daquelas mensagens. Porque não conseguia. Mas ontem, diante da polícia, ele teve que ouvir. Ele está em estado de choque até agora.
O colégio quer nos submeter a uma tortura de colocar nossa filha ao lado do colega dela que quer vendê-la. As senhoras como mães, independente da posição de vocês, pelo menos aceitem nossa dor só de imaginar esta cena. A gente fica acordada a noite inteira, sem vontade e perspectiva para nada.
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Mensagem da cantora Iza para Fatou |
A gente está se virando para manter as crianças na escola. Nosso único desejo é que elas possam falar francês também para poder se comunicar com nossos familiares no Senegal.
A Fatou está no colégio deste os 5 anos de idade. Muitas vezes, ela é escolhida para apresentar o colégio aos novos alunos.
Já foi responsável da sua turma inúmeras vezes. Na semana [retrasada], ela organizou com as amigas uma aula de revisão de química para ajudar outros colegas.
No dia seguinte, a escola optou por ficar com o racismo.
As aulas on-line estão sendo uma terapia para Marieme. Ela é apegada às colegas e professoras. Está sendo traumático para ela também.
Vocês são mães. Vão compreender a minha dor.