terça-feira, 28 de novembro de 2006

CRÍTICA: GARFIELD 2 / Nem criança merece

Eu queria chorar. Já não havia estreado nada no final de semana passado, e agora a única estréia foi “Garfield”. Dois. Dublado. O trailer vale como advertência pra não enfrentar essa comédia que dura uma hora e quinze, mas deu a impressão de terem sido as três horas mais longas da minha vida desde “Senhor dos Anéis”. Mas, como disse um crítico americano, “As crianças deveriam ver ‘Garfield 2’ porque pode prepará-las para a vida de entretenimento medíocre que as aguarda”.

Por onde começo? Declaro orgulhosamente que escapei de “Garfield 1”. Até gosto do Garfield das tirinhas, ou melhor, gostava no início, quando ele era mais felino, menos humano. Mas quem ainda é apaixonado pelo personagem dos quadrinhos pode conferir que várias características foram mantidas. Inclusive porque esse tipo de filme é feito com uma listinha do lado pra demonstrar fidelidade ao original. Assim, os produtores checam cada item: Garfield gostar de lasanha? Presente. Garfield odiar segundas-feiras? Presente. Garfield tratar mal o Odie? Presente. Pausa pra eu bocejar. Acrescenta-se um vilão que só está lá pra ter a parte nobre de sua anatomia mordida por vários bichos, e temos um programa construtivo e educacional pras crianças. Problema número um: quem falou que Garfield é pra criança?

No filme o Garfield mal parece um gato. Ele é grande demais. E não é que ele seja necessariamente gordo, é que ele é desproporcional pro resto das criaturas. Gatos gordos não têm o dobro do tamanho da cabeça. Mas deve ser necessário pra que aqueles imensos olhos redondos caibam no rosto. E desde quando gatinhos são tão ativos assim? Esses gerados por computador não dormem 16 horas por dia nem a pau. Aliás, em nenhum momento aparecem tirando uma soneca. E essa é justamente a marca dos gatos, dormir dois terços da vida. Agora mesmo os meus dois estão no estágio alfa (quando viram de barriga pra cima) na cama enquanto eu tô aqui escrevendo sobre essa meleca.

Na tentativa desesperadamente fútil de adicionar algo a um filme estúpido, permita-me discorrer sobre as diferenças entre gatos e homens. Outro dia vi uma palestra onde uma mulher perguntou qual a essência do ser humano. Ela respondeu que são duas coisas: o desejo de se agregar e a linguagem usada pra fazer isso. Hmm... Não sei não. Muitos outros animais (gatos inclusos) também gostam de socializar, e a gente perde feio pras abelhas e formigas nesse quesito. E quanto às linguagens, bom, só porque a gente não entende a língua dos outros bichanos, não quer dizer que eles não falem. Tá provado que golfinhos se comunicam. E parece que toupeiras (meus desafetos devem estar clamando que dessas eu entendo) têm até um som diferente pra cada indivíduo. Então, acho que o que realmente nos distingue é o nosso polegar opositor. Aprendi isso com o magnífico curta gaúcho “Ilha das Flores”, que deveria passar em todas as escolas. Tente ficar com o polegar inutilizado pra perceber como sem ele a gente não é nada. É graças ao dedão que a gente consegue desde estalar os dedos (ok, isso é difícil pra mim) até manusear instrumentos pra abrir latas, por exemplo (outra impossibilidade no meu caso). O próprio Garfield menciona o polegar, esse herói da humanidade, ao declarar algo do tipo “Só porque não temos polegar não quer dizer que não gostamos de jogar fliperama”. Mas, sinto muito, Garfield, quer dizer sim.

E o que isso tem a ver com o filme? É só pra indicar que soa estranho que todos os bichos fofinhos de produtos infantis sejam tão humanizados. Falam como a gente, pensam como a gente, cozinham como a gente, tudo como se estivessem gritando “Olha mãe, sem o polegar opositor!”. Eu até engulo que um monte de animais prepare uma lasanha, mas quem corta a lasanha, hein? Ela já vem prontinha no prato de cada bicho, porque a dura realidade é que lhes falta o polegar que permita segurar um aparato pra cortar trecos. Não que isso nos faça superiores. Eu olho pra mim acordada a essa hora e pros meus gatinhos dormindo até dizer chega na cama e penso, “Quem é o animal irracional?”. Mas Garfield seria melhor se fosse mais gato.

Eu também podia falar das mensagens dessa baboseira. A trama elogia o fato de alguém ter montes de bens materiais – mesmo sendo um gato, mesmo sem precisar de 99,9% desses luxos. Há um outro elogio aqui ao poder, à realeza, à distinção entre reis e súditos. “Garfield 2” declara várias vezes que súditos precisam de reis. Daí eu converso com uma amiga minha e descubro que ela tem grande admiração pela rainha da Inglaterra. No mesmo discurso essa amiga emenda que a Inglaterra é um país mais bem sucedido que o nosso por ter reis, e que o Brasil deveria desenterrar os Orleans e Braganças e instalar uma monarquia. Só me resta concluir: viu como esses filmes são perigosos?

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