sexta-feira, 10 de agosto de 2012

UMA HISTÓRIA DE AMOR DE 22 ANOS

Hoje Silvinho e eu completamos 22 anos juntos. Já contei esta história antes, mas vou contar de novo porque esta data é a única que o maridão conseguirá lembrar na vida (“dois patinhos na lagoa”), e também porque ele é o personagem principal do meu livro de crônicas de cinema, então talvez você se comova e compre um exemplarzinho.
Silvio puxando meu cabelo em São Sebastião, 1992

A gente comemora o dia que nos conhecemos. Eu era um pitéu, tinha 23 anos, quase metade da minha idade hoje, morava em SP e fui jogar meu primeiro torneio de xadrez realmente forte, com jogadores de  altíssimo nível. Silvio tinha 32 anos, profissional de xadrez (joga desde os 13), morava em Osasco. Fomos emparceirados logo na rodada inicial. Ontem até perguntei pro maridão:
“Ah, amor, vc lembra como a gente se conheceu?”
Ele: “Vc perdeu um peão.”
Eu: “Anjinho, teve mais do que isso...”
Ele: “Mas aí foi técnica até chegar no final de torres.”
Eu com 24 ou 25 anos, na casa do Silvio, em Osasco

Lógico que ele ganhou. Isso foi numa manhã de sábado, 11 de agosto de 1990. O torneio durou todo o final de semana, e durante cada intervalo de partida a gente conversava. No domingo à noite, ainda no clube de xadrez, fui eu que tomei a iniciativa. Tentamos ir ver Susie e os Baker Boys, não encontramos o cinema (!), fomos prum barzinho perto da USP, comemos bolinhas de provolone a milanesa, papeamos muito, ele adivinhou que eu tinha sido goleira de handebol. Altos amassos no carro.
Mas eu estava saindo há poucas semanas com um outro sujeito, um advogado bonitão. Me senti tão mal de sair com dois homens sem avisar nenhum deles que até fiquei doente naquela semana. E, no fim de semana seguinte, contei pros dois. O advogado não gostou muito (compreensivelmente). Falei pro maridão que estava saindo com um outro homem e que eu ainda precisava escolher com qual dos dois iria ficar. Pensei que ele iria enfurecer e que eu nunca mais o veria de novo. Nada disso. Ele disse: “Tomara que você me escolha”, e derramou algumas lágrimas. Nesse momento meu coraçãozinho foi conquistado.
Nossos primeiros três anos foram difíceis. Eu e ele éramos completamente inexperientes em relacionamentos longos (meu recorde de namoro antes do Silvinho era de um mês). Havia muitas briguinhas bestas, discussões, sentimentos mútuos (e comuns em relações monogâmicas) de “você está me sufocando!”. Mas fomos ficando, ambos sem saber se era aquilo mesmo que queríamos.
Silvinho em 91, em Búzios, com 34. Suas palavras hoje: "Eu podia ser convidado pra ser o irmão pobre do Edward Cullen"

Acho que meu amado pai teve influência na nossa insistência. Ele sempre havia odiado automaticamente todos meus namorados e casinhos (eu tinha meu quarto e total permissão pra trazer parceiros pra casa, assim como meu irmão e irmã podiam fazer com os parceiros deles). Mas o Silvio ele adorou desde o primeiro momento. Nos 2,5 anos em que conviveram (meu lindo papi, melhor pai do mundo, morreu em 93 de ataque cardíaco, aos 68 anos), eles se deram super bem.
Quando meu pai morreu, eu tive que decidir o que fazer da vida, e não queria continuar em SP. Apesar de eu e Silvinho nos vermos diariamente, e um dormir na casa do outro o tempo inteiro, não estávamos preparados pra morar juntos. Ele me ajudou com tudo na minha mudança pra Joinville, mas não ficou lá (e, pra piorar, convidou seu melhor amigo pra passar uns dias de lua de mel na minha casa com a esposa. Um dos casamentos mais machistas que já tive a oportunidade de ver de perto. Eles se separaram pouco depois).
Nós dois na Rua das Palmeiras. Joinville, 1994

O semestre em que estivemos separados foi de incerteza. Não sabíamos se iríamos seguir juntos. A gente nem se falava tanto, porque eu não tinha telefone em casa, e em 93 ainda não existia internet. Eu ligava pro Silvio de um orelhão. Mas lembro que escrevíamos cartas. Como nosso relacionamento estava indefinido, acabei ficando com três carinhas que não significaram nada. Se o Silvio teve algum caso durante esse tempo, ele nunca me contou.
Silvinho em 2005 cortando cebola, em nossa casa em Joinville
Eu era suspeitíssima na vizinhança, porque onde já se viu uma moça de 26 anos, solteira e independente, morar sozinha numa casa? Silvio ia me visitar com regularidade, e a cada visita, mais tempo ele ficava, mais roupas ele trazia. Nada foi discutido, mas ele começou a procurar emprego como professor e técnico de xadrez em escolas. Em janeiro de 94 já estávamos morando juntos, mas demorou quase um ano pra que assumíssimos essa realidade. Se eu lembro direito, o víboro só trouxe pra Joinville o Chevette baqueado que ele tinha em SP no final de 94.
E assim foi, nada planejado. Nossa única certeza era que não queríamos filhos. Como somos ateus e estávamos longe das nossas respectivas famílias, não existia muita pressão para que cumpríssemos essa “lei natural”. Quer dizer, os vizinhos estranhavam, mas eles já estavam acostumados com nossas esquisitices (mulher morando sozinha? Depois homem vir morar com ela sem casar?!).
Silvinho e eu no aeroporto de Buenos Aires, indo pra Moscou em 2004

Com o tempo, e devido a nossa pão-durice (sempre ganhamos mais do que gastamos), fomos juntando um dinheirinho. Nunca brigamos por grana, porque nós dois temos salários, e cada um sabe exatamente quanto o outro ganha e gasta (ou não gasta, no nosso caso). Não compramos a prazo, não fazemos dívidas. Investimos e planejamos juntos. Se nos separarmos amanhã, sabemos quem vai ficar com o quê. Sem a menor disputa, sem stress.
Nós dois no Louvre, Paris, em julho do ano passado

Só nos casamos legalmente, no papel, em junho de 2007. Não era o desejo e muito menos o sonho de nenhum dos dois passar por essa burocracia, mas, pra que Silvio pudesse me acompanhar no meu doutorado-sanduíche em Detroit, só casando ou provando que morávamos juntos. Casar era mais fácil e rápido (nós héteros temos esse privilégio). Nem passou pela nossa cabeça ficar um ano separados.
Voltamos pra Joinville, terminei o doutorado, fiz concurso pra UFC, passei, e cá estamos, desde janeiro de 2010. Minha mãe mora com a gente desde 99, primeiro em Joinville, agora em Fortaleza. Ela adora o “genrinho”.
Eu e o gamão em Cumbuco no carnaval 
E não tem como não adorar, né? O maridão realmente é incrível. Divertido, irônico, lindão, o melhor amante que tive, a pessoa mais ética que já conheci, ele não tem inimigos. É o protótipo do cara bonzinho (aquele que as mulheres desprezam, dizem os machistas, porque só gostamos de cafas e adoramos sofrer). Ele não é ativista de causa nenhuma, mas é um homem sem preconceitos. Sempre foi. Sabe o tipo que não julga ninguém? Em 22 anos, nunca o ouvi falar uma só palavra indelicada de alguém. Ele me chama de jararaca na minha cara mesmo.
Em troca, ele tem essa perfeição em forma de gente que sou eu.
Não sabemos se vamos ficar juntos até que a morte nos separe. Não acreditamos muito nisso de felizes para sempre. Casamento não tem que ser pra sempre. Tem que ser bom enquanto durar. E por enquanto está uma delícia.
Silvinho e eu duas semanas atrás em Taíba, CE

MULHER RODADA: 10 KM POR ANO

É muito triste ser mascu. Ser mascu é viver sendo desmoralizado. Deve ser por isso que eles se disfarçam por trás de avatares de super heróis e escondem suas “metidas de real” de todos seus parentes e amigos (mascu não tem amiga. Mascu só conhece seres do sexo feminino teoricamente, não biblicamente).
Mais triste que ser mascu, só sendo "mulher rodada", porque ô terminho feio. Quer dizer, pelo menos mulher rodada faz sexo, então acho que estamos em enorme vantagem. Mas, segundo mascus, mulher rodada nunca vai casar, porque todos os homens preferem as virgens. O difícil sempre me pareceu ser como calcular uma mulher rodada, ou seja, uma mulher promíscua (homem promíscuo zuzo bem, já que homem precisa de sexo e é incapaz de se controlar). Afinal, a média de parceiros que uma brasileira hétero tem na vida parece ser de três a cinco. E, sei lá, talvez seja só eu, mas transar com cinco caras em 70 ou 80 anos não soa assim tão vida loka, né?
Mas nossos problemas acabaram. Um mascu veio aqui e deixou nos comentários um cálculo infalível para provar matematicamente quão rodada é uma mulher. Reproduzo aqui (o que ele escreveu, gente!).

Os cientistas determinaram que uma transa dura em média 7 minutos. O cálculo médio de uma transa é de 60 penetrações por minuto, o que indica que o ato consiste em: 7min. x 60pen. = 420 PENETRAÇÕES!
Supondo que o pênis tem, em média (o brasileiro), 15 centímetros, significa que a mulher recebe, em média:
420 pen. X 15cm. = 6.300 CENTÍMETROS DE BIMBO!
Transformando: são 63 metros de trolha a cada relação. Bastante, né? Bom, as mulheres transam 3 vezes por semana e como o ano tem 54 semanas:
3 vezes x 54 semanas = 156 METIDAS POR ANO!
Isto quer dizer que a mulher recebe:
63 m x 156 metidas = 9.828 METROS DE PICA POR ANO!
Arredondando: são 10 KM a cada ano que se passa!"

Viu, pessoal? Habemus fórmula!
Infelizmente, habemus dúvidas também. Muitas. Então o cálculo pra determinar se uma mulher é rodada não tem nada a ver com o número de parceiros, ao contrário do que pensávamos (tenho quase certeza de que foi isso que nos disseram)! Tem mais a ver com o tempo do ato sexual (leitoras do blog, levantem a mão quantas fazem sexo que dura mais de 7 minutos. Obrigada), o tamanho do pênis, o número de penetrações durante esses míseros 7 minutos, e a quantidade de relações sexuais por semana.
Ou seja: se você, sua safada sem vergonha, transar apenas com seu marido, mas quatro e não três vezes por semana, putz, você é rodada pra caribe.
Agora, se você for lésbica, vc pode ter milhares de parceiras que nunca será rodada. Afinal, todo mundo sabe que sexo só existe quando há um pênis na jogada (pode ser mais de um?).
E, como lembrou uma leitora, a Simone, se vc transar com dois caras com pênis de 11 cm cada, vc será tão rodada quanto se transar com um só cara com pênis de 22 cm.
Se sua transa durar mais de 7 minutos (já contei as mãos no ar de vcs, leitoras queridas, podem abaixar), vc é a maior vagaba. Tente compensar pedindo aos seus parceiros (acabamos de saber que tá liberado ter muitos parceiros, o céu é o limite) para darem menos de 60 penetrações por minuto. Aliás, essas pesquisas de penetrações por minuto são feitas com quem? Com britadeira?
Ahauauahauaha! Tem como levar essas coisas a sério? Como eu estava falando lá em cima, pobres mascus. Eles acreditam que transar gasta. Claro, só gasta a vagina. Como eles só ouviram falar de vaginas teoricamente ou viram em fotos e vídeos, não devem saber que é um órgão elástico. Lavou, tá nova.
Uma outra leitora reparou que o cálculo deles não é tão científico assim. Porque, se fosse, eles não inventariam um ano de 54 semanas. Outra leitora lembrou que, se a comparação é com carro ou pneu, um carro que anda 10 km por ano não é exatamente rodado. É mixaria.
Só sei que pessoas felizes, pessoas de bem com a vida, pessoas que têm prazer, têm mais o que fazer do que ficar condenando mulheres pela vida sexual que levam.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

GABRIELA, UM PREGO NO CAIXÃO DO “HONRA SE LAVA COM SANGUE”

Várias leitoras têm me pedido minha opinião sobre Gabriela. Para algumas, a novela é apelação, já que há cenas de nudez e sexo em vários capítulos. Para outras, é uma defesa nostálgica de uma época (década de 1920) e lugar (Ilhéus no auge da sua produção de cacau) em que o machismo era explícito. Para outras ainda, é uma denúncia e reprovação a esse machismo.
Eu li o livro de Jorge Amado na adolescência, o que equivale dizer que não lembro de nada, e tinha 7 ou 8 anos quando a versão famosa passou, em 1975. Lembro da Sonia Braga e da Ana Maria Magalhães, que eu achava linda (na foto com Marco Nanini). E mais nada. Hoje em dia eu mal vejo TV, então tentar acompanhar uma novela quase diária é difícil. Mas, durante minhas breves viagens de férias, instigada por vocês, vi alguns capítulos. Devo ter visto uns dez ao todo. Prometo voltar ao assunto, porque a personagem Gabriela é bastante complexa no que ela representa. Desta vez só queria tratar de um capítulo em particular.
O capítulo de anteontem só falou do Coronel Jesuíno (José Wilker) matar sua mulher (Maitê Proença) e o amante. Alertado por fofoqueiras e senhoras que zelam pela moral e os bons costumes da cidade de que está sendo traído, ele vai até a casa do dentista já com a pistola em punho. Pega os dois na cama, atira neles, e sai calmamente, sempre carregando a arma. Todos o parabenizam: “Honra se lava com sangue”, “Mulher adúltera tem que morrer”, “O senhor agiu muito bem”, ao que ele responde, “Fiz o que qualquer homem faria”.
Há pouquíssimas vozes discordantes. Um delegado diz que tem que abrir inquérito, para a revolta de todos os coronéis reunidos. “É a lei”, justifica ele. “O que importa é a lei do homem”, afirma Cel. Jesuíno, sem deixar nenhuma dúvida que ele não está usando a palavra homem como termo genérico. Afinal, praticamente todos os homens da cidade têm amantes, ou frequentam diariamente o cabaré Bataclã. Não se deitar com prostitutas é visto como falta de macheza. Homem sair com outras mulheres não é considerado traição, e sim sinal de masculinidade. Mulher ter um amante é morte certa.
Outra voz discordante é do jovem político e dono do jornal, que paga pelo velório do casal de amantes, e pede que uma nota seja publicada, falando em assassinato. Gabriela (Juliana Paes), a do papel-título, acha matar um castigo grande demais, e pergunta a Nacib, seu patrão e amante e futuro marido, se ele atiraria nela se a pegasse com outro homem. Ele desconversa mas meio que diz que sim (e aí eu meio que me descabelo e quero esganar Gabriela por ela aceitar entrar numa furada como o casamento daquela época).
A maior voz discordante é a da jovem Malvina (Vanessa Giácomo), que critica a hipocrisia da sociedade, questiona o padrão duplo para homens e mulheres, e deixa uma flor no caixão de Sinhazinha. Leva um tapa da mãe ao responder que as pessoas que se apaixonam têm que tentar ser felizes, e que não deveria ser permitido que um homem matasse sua esposa (no dia seguinte, só falta a gente bater palmas pra ela quando ela descarta o noivo cafejeste do casamento arranjado e enfrenta o pai).
Durante todo esse capítulo do assassinato, eu não pude deixar de pensar na recepção a essa história. Suponho, ou quero acreditar, que ouvir essas loucuras de “honra se lava com sangue” em 2012 cause indignação na maior parte do público. Lógico, sempre vai haver algum maluco pra gritar que naquele tempo é que era bom (bom pra quem, né?). Mas a novela faz com que torçamos pra que Sinhazinha e o amante possam viver seu grande amor. Sabemos que, antes de conhecer o dentista, Sinhazinha nunca tinha tido um orgasmo. Vemos uma cena em que o marido a pega à força, e em 1925 aquilo jamais seria considerado estupro (afinal, ele é o marido!). Ninguém pode gostar de Cel. Jesuíno, um patriarca que anda com a cara amarrada e nunca faz um gesto de afeto.
Além do mais, a novela mostra as personagens mais íntegras, Malvina e Gabriela, aquelas que têm seus ideais, personalidade e caráter, lamentarem a morte de Sinhazinha. Pra defender os coronéis que se acham acima da lei, o espectador do século 21 vai ter que aceitar um carimbo de reaça e machista na testa.
Mas fico imaginando como foi a reação do público em 1975, quando a novela com Sonia Braga no papel-título foi ao ar. Era tão evidente assim que o comportamento de Cel. Jesuíno matar a mulher e receber tapinhas nas costas representava um machismo absurdo? Acho que não. Havia muitos casos famosos, e outros estariam por vir, de homens que matavam as esposas supostamente adúlteras. Eles eram julgados e inocentados. Seus advogados alegavam “legítima defesa da honra”, e a sociedade aceitava essa alegação numa boa. O negócio era tão comum que, no início dos anos 80, um dos principais gritos de guerra das feministas brasileiras era “Quem ama não mata”. Lembro de uma corajosa minissérie que foi ao ar com esse nome, e que ajudou a fazer corações e mentes.
Claro, hoje mulheres continuam sendo mortas (doze por dia só no Brasil) por maridos e namorados e ex-parceiros, e muita gente ainda acredita que o sujeito matou por paixão, que foi um crime do coração, um crime passional. Mas os algozes vão a julgamento e costumam ser condenados -– ok, nem sempre, é só ver que não aconteceu nada com Pimenta Neves ou com o ex de Maria da Penha, que a deixou paralítica. Mas (acho que estou desesperadamente querendo provar que os tempos são outros) os julgamentos são em cima do ato do assassino, não da vida da vítima. Pelo menos legítima defesa da honra deixou de ser uma defesa. Ao menos não é mais aceitável que um marido seja júri e executor de sua mulher, condenando-a à pena de morte por não suportar que ela não seja exclusivamente dele.
Espero, de coração, que as pessoas que ainda usam termos como “corno manso” e “crime passional” e, por que não, “honra” (quase sempre associada a valores arcaicos), vejam a Gabriela de 2012 e revoltem-se com a situação de quase um século atrás. Ou senão saibam que opiniões retrógradas não vão mais render congratulações quase unânimes. 
Valéria escreveu muito mais (e melhor) sobre a novela. Além de acompanhar esta versão, ela parece se lembrar de tudo da outra!

terça-feira, 7 de agosto de 2012

50 ANOS SEM MARILYN MONROE

Anteontem, dia 5 de agosto, fez cinquenta anos que Marilyn Monroe morreu. Eu li várias biografias dela, mas já tem vários anos, e não lembro direito. Só o básico: infância difícil, símbolo sexual, relacionamentos e carreira frustrantes, e uma morte precoce aos 36 anos pra lá de misteriosa.
Sempre gostei de Marilyn. Ela era uma ótima atriz e fez alguns grandes filmes, como A Malvada (tá, ela aparece pouco) e Quanto Mais Quente Melhor, dois clássicos que continuam maravilhosos, mesmo depois de tantas décadas. Sua cena com o vento do metrô levantando seu vestido em O Pecado Mora ao Lado é um dos momentos icônicos do cinema. Seu sorriso de boca aberta (que Shelley Winters diz que lhe ensinou) foi sua marca registrada. Seu corpo tipo violão hoje é descrito como gordo, o que eu considero uma piada.
Com sua beleza, inocência, e voz infantil, Marilyn fez enorme sucesso. Mas, como costuma acontecer com astros que ficam presos a um só papel, ela queria mais. Não se sentia bem sendo apenas uma deusa do sexo e atriz do que hoje talvez fossem vistas como comédias românticas. Ela desejava ser levada a sério, não ser pintada como loira burra. Queria um Oscar, e sabia que a academia raramente premia comediantes. Teve aulas no lendário Actor's Studio. Fez um filme dramático, Os Desajustados, com roteiro do seu então marido Arthur Miller, célebre dramaturgo e autor de obras-primas como A Morte do Caixeiro Viajante. Desajustados, o drama de 1961, parece amaldiçoado -– foi o último filme não só de Marilyn, como também de outros dois ícones, Clark Gable e Montgomery Clift.
As coisas mais recentes que vi e li sobre Marilyn foram três. Primeiro, vi o simpático Sete Dias com Marilyn (veja trailer) que rendeu a Michelle Williams, viúva de Heath Ledger, algo que sua personagem nunca conseguiu: uma indicação ao Oscar. O filme mostra um pouquinho do inferno que foi a viagem de Marilyn a Londres em 57, para filmar O Príncipe Encantado. Tinha tudo para ser um encontro eletrizante entre um grande sex symbol e um dos maiores atores de todos os tempos, Laurence Olivier. Mas Laurence, que era produtor, diretor e protagonista de Príncipe, odiou trabalhar com a estrela americana. Sete Dias faz parecer que o desncontentamento foi menos pelos atrasos constantes de Marilyn e mais por ela ter trazido sua treinadora particular de atuação.
Laurence, inglês, achava ridículo o “Método” de interpretação que prega que os atores devem vivenciar seus personagens. Em sua deliciosa autobiografia, ele escreve que acompanhou um dos rituais para elevar a autoestima de Marilyn. A treinadora dramática levava horas dizendo pra atriz, segundo Laurence: “Você é a maior mulher de nossos tempos, o maior ser humano de sua época; aliás, de qualquer época; não dá pra pensar em mais ninguém com a sua popularidade, nem mesmo Jesus".
A segunda coisa que vi sobre Marilyn foi um artigo na Vanity Fair de junho, assinado por Lawrence Schiller, que fotografou a estrela em duas ocasiões, inclusive em Something's Gotta Give, filme nunca terminado. Nem dá pra chamar Schiller ou o assistente de Sete Dias de oportunistas -– se você tivesse passado cinco minutos com a maior lenda do cinema, não escreveria um livro contando cada detalhe?
Schiller diz o que todos que conviveram com ela dizem: que nunca houve alguém que a câmera amava mais. Marilyn sabia perfeitamente quais eram seus melhores ângulos, suas melhores poses. Mas durante as filmagens de Something ela estava de mau humor, sentindo que o estúdio com quem tinha contrato (Fox) não a respeitava. Anos antes, quando ela havia feito Os Homens Preferem as Loiras, recebeu apenas 15 mil dólares, enquanto sua colega Jane Russell foi paga 200 mil. Quase uma década depois, Marilyn continuava ganhando menos que outras estrelas. Enquanto fazia Something, recebia 100 mil. Elizabeth Taylor fazia Cleopatra pelo salário de um milhão de dólares, uma nota preta em 62.
Foi por causa da atenção que o estúdio e a mídia davam a Elizabeth que Marilyn dedidiu ousar mais em Something. O roteiro dizia que ela deveria nadar numa piscina, se exibindo para Dean Martin, que a observaria de sua varanda. E que ela deveria aparentar estar nua. Para conseguir publicidade, Marilyn saiu nua de verdade da piscina. Algumas dessas fotos foram depois vendidas para a Playboy. Mas não adiantou. Havia um grande desgaste entre o estúdio e a estrela, que era campeã em falta de pontualidade. A Fox aproveitou que Marilyn havia viajado pra Washington, sem autorização, pra cantar a famosa Happy Birthday, Mr. President para seu amante John Kennedy (ano que vem fará meio século que ele foi assassinado; será um auê), e a despediu. Tolinho, o estúdio. Pense só quanta publicidade grátis gerou a voz sedutora da atriz desejando feliz aniversário pro JFK.
Schiller foi à casa de Marilyn um dia antes da morte dela, para fechar a venda das fotos do filme para a Playboy. Ela não tinha certeza se queria. De acordo com ele, a estrela disse: “Ainda é sobre nudez. É só pra isso que eu sirvo? Gostaria de mostrar que posso conseguir publicidade sem expor minha bunda ou ser demitida das filmagens”. Menos de 24 horas depois, ela estava morta.
Tudo indica que ela falou com Peter Lawford (ator e membro do Rat Pack e cunhado de JFK) pelo telefone na noite do dia 4 de agosto. Seu ex-marido Joe DiMaggio também havia ligado. E os boatos juravam que Bobby Kennedy, irmão do presidente (dizem que ambos estavam tendo um caso com ela), havia estado lá. Mas o fato é que ninguém sabe o que aconteceu, se foi a CIA que a matou como queima de arquivo, se foi suicídio, se foi uma overdose acidental com uma mistura de remédios. Creio mais nessa última hipótese. É só ver o bando de gente jovem que tem morrido dessa forma recentemente -– Heath Ledger, Michael Jackson, Amy Winehouse, Whitney Houston. 
A terceira coisa que vi sobre Marilyn foi o episódio nove da segunda temporada de Mad Men, excelente série sobre o mundo da propaganda em NY nos anos 60. Marilyn não é um personagem da série, mas durante alguns episódios os publicitários separaram todas as mulheres da América em Jackie (Kennedy) e Marilyn. E aí Marilyn, jovem, linda, bem-sucedida, desejada pelos homens e copiada pelas mulheres (o que Don fala de Ann Margret –- “todos os homens a querem, todas as mulheres querem ser ela”), aparece morta. É uma comoção geral no escritório. Quase todas as secretárias choram pelo triste destino da ídola.
Cinquenta anos depois, paramos de chorar. Mas Marilyn ainda representa um enigma que não conseguimos decifrar.