"Praias não são passarelas e atletas não são modelos", diz Silvana Lima
Recebi esta ideia para post da Mariana Corrêa, uma fã amadora de surfe que "não entende muita coisa não, só acha o esporte lindo e admira quem pratica".
Tive que fazer várias adaptações no texto, então não sei se é exatamente um guest post. Mas mantive a voz em primeira pessoa da Mariana sempre que possível. De toda forma, fica aqui minha gratidão por me informar sobre Silvana Lima. E alguém me explica como essa moça linda não é vista como linda?
Eu sempre vejo matérias sobre esse suposto padrão de beleza que querem que nós engulamos. No entanto, nunca pensei muito sobre o assunto. Acho revoltante, mas nunca tinha realmente parado para refletir. Aí vi uma matéria na BBC Brasil.
Sabe, eu acompanho o surfe há anos. Quando li essa matéria, me deu um nó na garganta. Como os patrocinadores desse esporte podem ignorar o talento e dedicação de uma atleta por simplesmente ela não se encaixar em um padrão imposto por sei lá quem?
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Infância sofrida: Silvana e seus irmãos |
Silvana Lima é a melhor surfista do Brasil e um modelo de superação. Ela é de Paracuru, Ceará, e morava na beira da praia em uma barraca. Ela vendia adesivos para poder comer. O pai era pescador, mulherengo (Silvana tem outros vinte irmãos da parte de pai, além dos cinco com quem cresceu junto), e batia na mãe. Não sei sobre a profissão da mãe, mas tinha problema com álcool.
A primeira prancha de Silvana foi um pedaço de madeira que ela mesma furou e colocou uma quilha. Prancha de verdade mesmo ela só teve aos 15 anos, presente de um dos irmãos. Ela não conseguia patrocínio e, para bancar as despesas das viagens para competir (imagina o preço das passagens para Austrália e Nova Zelândia, onde ocorrem as principais competições!), ela chegou a vender o apartamento, o carro, e as crias dos cachorros buldogues que ela tem. Com a vendas dos filhotes, conseguiu ir competir na Europa.
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Silvana mostra as cicatrizes decor-
rentes das cirurgias nos joelhos |
Foi vice mundial duas vezes, em 2008 e 2009. Mas, em 2011, rompeu o ligamento do joelho esquerdo. Passou por várias lesões e cirurgias. Disse ela numa entrevista: "Sou muito guerreira. Depois de toda dificuldade que tive na minha vida, não eram três cirurgias que iam me derrubar".
Hoje com 31 anos e vivendo em Itabuna, Bahia, e treinando em Itacaré, Silvana foi capaz de tirar a família da cabana de praia e comprar uma "casa de verdade" para a mãe.
Mas ainda é muito difícil, porque os patrocinadores a ajudam apenas com material, e até recentemente, não com dinheiro. Enquanto surfistas brasileiros homens recebem o apelido de "Brazilian Storm" (Gabriel Medina, Filipinho Toledo, Miguel Pupo, Raoni Monteiro, Adriano de Souza e Alejo Muniz) por se destacarem no cenário do surfe mundial, Silvana, principal surfista feminina e talvez a melhor de todos os tempos no Brasil, fica de fora dessa descrição por ser mulher.
Ano passado os "meninos" foram falar no programa de Ana Maria Braga. Silvana não foi chamada: "Se a Brazilian Storm fosse formada por sete brasileiras e tivesse um homem ali por perto, é claro que iríamos incluir esse cara. Eles só pensam na mulher que eles vão pegar e não na mulher que está ali na batalha pelo mesmo objetivo. [...] Me sinto excluída. Sinto preconceito pelo fato de ser mulher".
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Outras ótimas respostas de Silvana em entrevista (clique para ampliar) |
Agora para 2016 Silvana tem um bom patrocínio, que lhe garantirá disputar todas as etapas seis estrelas e duas viagens para treinamento, algo que não fazia há cinco anos.
Hoje ela tem o patrocínio de uma marca grande, mas espero que seja reconhecida tanto por admiradores do surfe, quanto por jornalistas e pelos próprios surfistas, pela atleta exemplar e talentosa que ela é.
Confesso que acho surfistas como Alana Blanchard, Claudia Gonçalves, Maya Gabeira muito mais bonitas que Silvana Lima, talvez também por eu estar engessada nesse padrão imposto. Mas isso não me impede de ver o quão grande e maravilhosa essa mulher é no surf feminino. Surfista homem não tem que ser modelo para conquistar patrocínio.
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Silvana com Fernanda Lima |
Não estou querendo desmerecer as atletas que Silvana chama de modelinhos, todas essas que citei que acho bonitas são ótimas atletas também. Só me indigno com o fato de Silvana ser ignorada por não seguir esse padrão de beleza das outras. Como diz Silvana, ela é "surfista profissional, não modelo".
É absurda a dificuldade de uma mulher como ela, "fora do padrão", num esporte dominado por homens. As mulheres já ficam em segundo plano no surfe e, por Silvana não ser a "loirinha surfista", fica mais fora ainda. Num lindo vídeo, Silvana disse que até poderia colocar silicone nos seios, pintar o cabelo, usar lentes azuis para os olhos, mas não seria ela.