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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

BOLSO ARMA SUA MILÍCIA PARTICULAR POR DECRETO

Antes do Carnaval, Bolso editou normas para facilitar o acesso a armas e munições. Agora um cidadão autorizado pode adquirir seis armas de fogo cada (pra que alguém precisa de seis armas?!). 

É bom lembrar que a maior parte da população (acima de 70%) é contra a flexibilização das regras de porte de armas no Brasil e discorda da afirmação do presidente de que é preciso armar o cidadão. Já somos o país campeão mundial em homicídios com armas de fogo.

Mais de 80 organizações repudiaram os decretos. A campanha Não Somos Alvo lançou a mobilização As Armas que a Gente Precisa São as que Não Matam, visando pressionar o Congresso e o STF a barrar as medidas. 

Como todo mundo sabe, o decreto de Bolso é para armar as milícias, para que elas possam blindá-lo e atacar os opositores quando o genocida quiser dar um golpe, como fez Trump agora em janeiro, comandando a invasão ao Capitólio. Naquela explosiva reunião ministerial de abril último, o genocida afirmou: "Eu quero todo mundo armado. Que povo armado jamais será escravizado". 

O deputado bolsonarista marombado, preso ontem pela PF a mando do STF, já havia dito no ano passado: “Nosso trabalho é retirar esses do poder. Manter a governabilidade do presidente. Se o povo sair às ruas de fato, e resolver cercar o STF, o Parlamento... invadir mesmo, cercar lá e retirar na base da porrada". Mais claro que a intenção de armar os amigos do presida é promover um golpe de Estado, impossível.

Reproduzo aqui o manifesto que o Instituto Sou da Paz publicou na semana passada, com a chegada do Carnaval e do decreto: 

O Instituto Sou da Paz expressa indignação com os novos decretos que facilitam o acesso a armas de fogo. Novamente, o Governo Federal expressa seu desprezo pela ciência e sua falta de aptidão em dar respostas qualificadas aos maiores desafios do Brasil.

Algumas das mudanças trazidas preveem o aumento, de quatro para seis, do número máximo de armas de uso permitido para pessoas com Certificado de Registro de Arma de Fogo, a possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica – exigido pela legislação para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs) por um “atestado de habitualidade” emitido por clubes ou entidades de tiro, a permissão para que atiradores e caçadores registrados comprem até 60 e 30 armas, respectivamente, sem necessidade de autorização expressa do Exército, além do aumento mil para 2 mil da quantidade de recargas de cartucho de calibre restrito que podem ser adquiridos por “desportistas” por ano.

Com esses decretos, já são mais de 30 atos normativos publicados nos dois últimos anos que levaram ao aumento recorde de armas em circulação no ano passado – contrariando todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática. Dados preliminares de 2020 já indicam que houve um aumento nos homicídios mesmo em ano de intenso isolamento social. Este governo parece ter conseguido reverter a pequena queda que tivemos a partir de 2018 e conquistada a muito trabalho.

Além disso, o momento em que esses novos decretos são publicados é muito emblemático. Sexta-feira de um carnaval em que nossa festa identitária foi cancelada porque temos uma pandemia fora de controle e 230 mil famílias de luto pela falta de uma política nacional para gerir uma resposta coordenada. Um dia em que milhões de empresários refazem suas contas em busca de um milagre com a economia parada vendo avançar mais um ano sem turistas, mais um ano sem serviços. Um dia em que milhões de trabalhadores apertam os cintos vendo suas rendas sumirem com o país à espera de um milagre.

A única resposta que o Presidente da República conhece é liberar armas.

Não consegue implementar um plano de segurança pública apoiando os estados e as instituições policiais em escala nacional? Publica decreto de armas. Não consegue dinamizar a economia metendo os pés pelas mãos dia sim dia não? Publica decreto de armas. Não consegue criar soluções de escala nacional para as milhões de crianças que estão há um ano quase sem estudar? Publica decreto de armas. Não consegue comprar vacinas de forma coordenada salvando vidas? Publica decreto de armas.

Nessa mórbida política de pão e circo, já nos tiraram o pão. Resta ver quem ainda consegue rir.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

GRANDE DIA: STEVE BANNON PRESO E REAÇAS QUE ATIRAM NO PRÓPRIO P

Hoje eu tô rindo à toa! Sério mesmo, rindo sem parar.
Primeiro com a prisão do Steve Bannon.
Depois com a notícia do reaça que atirou no próprio pênis. 
Certo, certo, vamos por partes.
Hoje foi preso em Nova York um dos principais responsáveis pelo mundo estar como está, nesse caos absoluto. 
A besta da extrema direita Steve Bannon, ex-conselheiro de Trump, assessor indireto e não assumido de campanhas eleitorais de reaças por todo o globo (incluindo aqui, óbvio), está sendo acusado de fraude e conspiração para lavagem de dinheiro.
Ele e outros três reaças armaram uma campanha que continua de pé, a "Nós Construímos o Muro", uma promessa de que eles levantariam um paredão para separar EUA do México. Receberam 25 milhões de dólares em doações -- e não construíram muro algum (só meia milha de cerca). Pra onde foi essa fortuna? Pra carros de luxo, reformas de casas, cirurgias cosméticas, e um barco chamado Warfighter (Combatente de Guerra).
Jantar com Bannon e reaças brazucas
Bannon, ex-diretor do site reaça Breitbart, se tornou mundialmente conhecido por seu talento para criar e espalhar fake news para eleger vários mentecaptos. Foi preso na costa de Connecticut, a bordo de um super iate que pertence a um bilionário chinês (à venda por US$ 28 milhões, aproveitem!). Se condenado, o amigo de Eduardo Bolsonaro pode pegar 20 anos de cadeia.
Seria ótimo se a prisão de Bannon representasse o prego definitivo no caixão no que se refere à reeleição de Trump. Mas o estrategista reaça já é o sétimo cara associado ao laranjão a ser acusado criminalmente durante os menos de quatro anos de seu governo.
Nossa, tem que ser muito, muito trouxa pra doar tanta grana pra construir um muro do ódio. O que se pode esperar de quem vota no Trump ou chama um crápula medíocre como seu mascote de mito? Sem dúvida deve ser fácil enganá-los. Aliás, queria interromper este post pra oferecer um lote imperdível na borda da terra plana. Não percam, reaças! Faço um precinho especial pra vocês! 
Bannon, Olavão e convidados rezam antes de comer
E será que Olavão vai dormir hoje à noite? Porque imaginem só se as doações a ele também começarem a ser investigadas pelas instituições americanas! O que iriam encontrar? Certamente esses reacionários que chamam imposto de roubo devem declarar e pagar impostos em dia!
Alguém (obrigada, anônimo!) deixou um link pra uma notícia no mínimo curiosa sobre algo que eu nunca havia ouvido falar. 
Reaça aponta arma pro pênis
enquanto dirige e tira selfie
(mas ele está usando cinto de
segurança, provando que não
é um irresponsável)
Parece que um grupo que apoia Trump tem uma página no Facebook com várias fotos desses gigantes intelectuais apontando armas carregadas pros próprios pênis. 
E aí aconteceu de uma dessas armas disparar.
Já sei o que vocês pró-armas vão dizer: não são armas que arrebentam as bolas de um machão, são pessoas que que arrebentam as bolas de um machão! 
Ok, qualquer tentativa minha de manter um tom sóbrio já se foi pras cucuias. Eu tô aqui rolando de rir. Até porque o pessoal colabora. 
Tipo, uma leitora minha deixou esta imagem (da Lisbeth Salander, que tem uma cena bastante castradora, digamos, no filme Os Homens que Não Amavam as Mulheres). 
Numa thread americana sobre o caso, foi a imagem do Darwin e sua seleção natural que prevaleceu:
Mas o que acabou de vez com a minha resistência foi que alguém pegou uma imagem de um desses lunáticos e ampliou a foto do gato.
O olhar do gato sem dúvida nos representa!
Gente, não é fake news! Uma notícia dizia que os caras fazem isso de apontar armas pro pênis deles pra "gerar gatilho" na esquerda. Só se for gatilho de riso! 
Tem quem diga que a intenção dessas fotos é mostrar que é seguro pra civis portar armas. Mui seguro! Se a arma disparar, pelo jeito não se perde nada de muito valor mesmo!
Outra matéria falava que é uma provocação pra outros adoradores de armas como eles, que estão sempre insistindo na segurança (por exemplo: não se deve apontar pra alguém a menos que você queira atirar nela).

Essa matéria foi atrás e viu que existem vários grupos nesse sentido, que o carinha que atirou na própria genitália sobreviveu, e que o episódio não só não serviu para ter uma discussão sobre se apontar armas pro pênis é uma medida inteligente, como o carinha foi alçado a administrador da página!
Entendedores entenderão
O motivo do carinha estar sendo tratado como rei é, segundo um outro administrador: "O pobre cara já atirou nele mesmo. Tenho certeza que ele aprendeu a lição sem que o mundo inteiro o chame de idiota". Sei não, eu não teria tanta certeza.
Um leitor fez uma breve busca no Google e constatou que isso de atirar no próprio pênis é bastante comum.
Mas esse argumento os armamentistas não usam, não é mesmo? 
Depois eu fiquei pensando no que seria mais frequente: homens que atiram no próprio pênis ou homens que têm o pênis amputado não pelas suas próprias mãos ou pelas mãos hábeis de feministas castradoras, mas por não serem capazes de lavá-lo. Ainda não cheguei a uma conclusão.
Não me entendam mal: sou totalmente a favor que os bolsominions copiem a moda dos seus brothers americanos. E que a familícia Bolsonaro vá visitar seu guru internacional na cadeia. Big day!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

"ARMAI-VOS UNS AOS OUTROS"? NUNCA!

Pedi a um querido leitor meu, Marcio Ruzon, colunista do jornal A Pátria e do Canal Ciências Criminais, a escrever este texto. Ver marc arm

Desde criança, nunca gostei de armas. Raramente ganhava um simulacro de presente, e quando ganhava, quebrava na hora. Lembro de uma metralhadora que ganhei aos seis anos, daquelas que simulam o som das rajadas. Quebrei no mesmo dia e joguei as duas partes num poço. Não sei as razões, simplesmente não me apeteciam.
Você pode dizer que cresci numa comunidade pacífica, mas mão. Periferia de Taubaté nos anos 1980. Tanto que não poucas vezes a rua acordava ao som de tiros. Uma vez meu pai teve que voltar para casa, estava esperando o ônibus da empresa, senão sobraria pra ele. 
Pois bem. A gente cresce e começa a ter mais ainda contato com a realidade. Servi ao Exército em 1997/1998. Odiei aquilo. Do primeiro ao último dia, dei todo tipo de trabalho que você possa imaginar. Você pode pensar: “não gosta é de ordem, não é? Não gosta de hierarquia!”. Até gosto. Só não gosto de nada que rouba o senso crítico, a capacidade de reflexão. Flexão sem reflexão para mim não fazia sentido. Outro trocadilho: eu só fazia posição de sentido, sem sentido. 
Lá tive meu primeiro contato com armas. E das pesadas. Para-Fal 762, 556, tidas como armas de guerra. Há um ritual dentro da caserna em que você é obrigado a “casar” com seu fuzil. Levá-lo para onde for. Cansei de dormir com ele, dentro do saco de dormir (desmuniciado, é claro), para não ser “roubado” por cabos e sargentos. Se eu ficasse sem, detenção era o melhor que aconteceria. 
Desmontava e montava fuzil no escuro. A mola do obturador de cilindro de gases saltava no meio do mato, e você tinha que procurar aos berros de "Você é louco? Quer morrer na missão, guerreiro?"
Não eram poucos os relatos de soldados que se feriam pelo mau manuseio das armas. Tiros nos pés, tijolos quentes (quando a munição não deflagra, mas fica na arma). Havia também os tristes relatos dos suicídios pela pressão psicológica exercida ali dentro. No meu ano teve o caso de um soldado que se matou com um tiro de fuzil no queixo, enquanto tirava plantão. Motivo: sua noiva havia terminado o relacionamento. Somatizou. 
Depois que saí daquele inferno, não me restou muita alternativa senão o quase previsível caminho da segurança privada. Precisava ganhar dinheiro e quem sai do Exército já chega em vantagem nesse mercado. Fiz então o curso de Vigilante, e lá estava eu de novo com armas. Dentro desse curso havia outros mais específicos, como manuseio de tonfa e manutenção de armas. Fiz os dois, e foi onde entendi minha aversão por armas que vinha desde a infância: o perigo que qualquer pessoa corre por culpa (negligência, imprudência ou imperícia) no manuseio e manutenção de armas. 
Fiz manutenção na Taurus, Imbel e Pump Action (a calibre 12, como é conhecida). 
Os números são alarmantes: para profissionais e amadores, varia um pouco. Mas os acidentes são mais comuns do que pensamos. Veja o recorte abaixo:
Embora eu não queira entrar em aspectos técnicos do manuseio de armas, quero aqui alertar que eu não tenho 0,000015 de gabarito para defender profundamente aquela ou essa posição, mas já vi o suficiente para trazer à reflexão que uma arma dentro de casa nunca foi sinônimo de segurança. Explico as razões: 
Bandidos vivem numa situação de pronto-emprego, tal qual policiais. Agem sob estresse, alertas. O “cidadão de bem” que adquire uma arma para sua defesa, por mais treinamento que tenha, nunca agirá com a mesma destreza que o ladrão porque o crime é o "meio de vida dele”. Ele manuseia armas correndo, saltando muros, dirigindo em alta velocidade. Você, no máximo, vai saber como municiar e carregar uma arma para atirar numa silhueta imóvel de papelão. 
Sobre manutenção de armas, o ladrão sabe manusear, tem tempo de sobra para isso. Os recrutados para o tráfico são até treinados. Você só vai passar um desengripante e um grafite a cada mês e olhe lá. 
Vou exemplificar com um excerto tirado do site Reclame Aqui, sobre uma das peças que mais dá defeito na Taurus. E estamos falando de um caso de alguém com certa familiaridade com armas!).
Clique para ampliar
O que quero provocar em você com tudo isso? Que qualquer que seja seu preparo, você nunca chegará ao desempenho de um bandido. Não fosse assim, policial não morria em ação. 
Você dificilmente terá a destreza atirando ocasionalmente contra quem faz do tiro sua sobrevivência. 
“Ah, mas o bandido pensará duas vezes em atirar contra alguém por imaginar que esse alguém está armado!”. Sério? E por que atiram em policiais? Quer mesmo colocar você e sua família nessa roleta-russa? 
A vida não é a saga de Charles Bronson, meu caro e minha cara! 
E não se discute nem se propõe soluções para a segurança pública enxugando gelo. Ou tratamos as causas com seriedade e desapaixonado ideologicamente, ou vamos eternamente dar esse tiro no pé. 
E o Brasil justo e fraterno que queremos sairá pela culatra. 

segunda-feira, 1 de julho de 2019

GRÁVIDA PERDE O FILHO E É ACUSADA DE ASSASSINATO

Queridas e queridos, vou falar de um caso que pra algumas pessoas é polêmico, mas pra quem é feminista ou minimamente sensato é simplesmente incrivelmente mega baita super duper ultra absurdo. 
Aconteceu no Alabama, sul dos Estados Unidos. Uma mulher grávida brigou com outra, a outra atirou nela, a grávida perdeu o bebê, e ELA foi acusada de assassinato. Chocante, né? Fica comigo, que só ficar pior.
Nesta quarta-feira, 26 de junho, Marshae Jones, 27 anos, foi presa por um crime que aconteceu em dezembro em Birmingham, Alabama, no estacionamento de uma loja, à luz do dia. Marshae, que estava grávida de 5 meses, começou uma briga com outra mulher negra, Ebony Jemison, de 23 anos. O motivo da discussão foi por um homem, o pai do feto. Ebony atirou na barriga de Marshae e ela perdeu o bebê. 
Inicialmente, a polícia indiciou Ebony pelo crime. Mas um júri decidiu não levar a acusação contra Ebony adiante e no seu lugar indiciou Marshae, dizendo que Marshae começou a briga e que Ebony agiu em legítima defesa ao atirar.
Um policial local disse: "Não vamos esquecer que o bebê não nascido é a vítima aqui. Ela não teve escolha em ser posta desnecessariamente numa briga em que ela dependia da sua mãe para sua proteção". Uma promotora disse: “Temos simpatia pelas  famílias envolvidas, incluindo Ms. Jones, que perdeu seu bebê não nascido. O fato de que esta tragédia era 100% evitável faz do caso ainda mais triste”. 
Um pouquinho de contexto aqui. O Alabama é um estado racista. Um caso que ficou famoso aconteceu no ano passado, quando uma mulher negra foi acusada de assassinato por matar o marido abusivo em legítima defesa. A polícia local queria indiciar a mulher por não ter buscado medidas protetivas contra o marido. Graças à pressão popular no resto do país, um júri resolveu não indiciar a mulher. Isso daí dá uma boa ideia do que poderia acontecer aqui no Brasil se as mulheres tivessem arma em casa. Claro que se tivesse arma em casa a mulher seria morta, é o que todas as estatísticas mostram. Mas não é esse o ponto.
Tem um artigo de 2012 da revista do New York Times que fala da criminalização de "mães más", que se refere à Justiça punir mulheres por aborto espontâneo se elas usaram drogas, ou pela morte de seus filhos já nascidos por negligência em acidentes. Tipo: em 2011, uma mulher negra foi condenada por homicídio quando seu filho de 4 anos foi atropelado por um caminhão enquanto ela cruzava a rua. O júri a culpou pela morte porque a mãe não usou a faixa de pedestres. 
Se alguém atira numa mulher grávida e ela e o bebê morrem, por exemplo, o acusado responderá a dois crimes. Mas imagina que absurdo seria se uma mulher grávida tentasse se suicidar, sobrevivesse, mas perdesse o bebê, e fosse acusada de assassinato? Acho que isso ainda não aconteceu. Mas 38 estados dos EUA têm leis que reconhecem o feto como possível vítima de um crime. Um embrião ou feto em qualquer estágio de desenvolvimento é considerado uma pessoa no Alabama. 
Faz um mês, o governador republicano do Alabama assinou a lei mais restritiva contra aborto no país. Bane praticamente todos os casos de aborto, incluindo em caso de incesto e estupro. Só libera se a gestante correr risco sério de morrer. Mesmo que a lei só entre em vigor em novembro, ativistas em direitos reprodutivos avisam que o caso de Marshae Jones mostra o que pode acontecer com as mulheres do Alabama assim que a lei começar a valer. 
É o retrato de um país cada vez mais conservador, indo pro caminho do Conto da Aia. Nos anos 1990, havia cerca de 20 clínicas no Alabama que realizavam abortos. Em 2017 eram só 5. Agora há 3. Com a nova lei, um médico que realizar um aborto pode pegar entre 10 e 99 anos de prisão. 
Isso está acontecendo em várias partes dos EUA. As ONGs contestam a banição nas cortes, e o que os grupos pró-vida querem é que chegue à Suprema Corte, para que ela derrube o marco jurídico de 1973, Roe vs Wade, que legalizou o aborto em todo o país. 
Marshae Jones durante sua
primeira gravidez
Vamos lembrar que aqui no Brasil o projeto dos fundamentalistas cristãos é proibir o aborto em todos os casos. Enquanto essa lei absurda não entra em vigor no Alabama e outros estados, vão punindo as mulheres. Pra mim parece meio óbvio que, neste caso específico, se a mulher grávida não fosse negra e pobre ela não seria acusada de um crime. Prova como a vida do feto é vista em lugares racistas e misóginos como mais importante que a vida de uma mulher adulta. 
Ebony Jemison
Mas vamos voltar ao caso. De acordo com Ebony, ela, Marshae e o pai do bebê trabalhavam juntos num depósito. Marshae tinha ciúmes e foi confrontá-la. Ebony e três amigos estavam num carro na frente de uma loja durante o intervalo pro almoço quando Marshae e quatro amigos chegaram. Uma discussão começou. Ebony diz que Marshae puxou seu cabelo, e que ela, Ebony, atirou para o chão como advertência, e que nem sabia que o tiro tinha atingido Marshae. 
Marshae com sua filha de 6 anos
Já a polícia diz que Ebony atirou na barriga de Marshae. Li em outro lugar que Ebony entrou no seu carro durante a briga para pegar a arma, atirou e foi embora. A avó de Marshae conta que ela parou de brigar e estava indo embora quando Ebony atirou. Há várias versões. O que sabemos é que Marshae começou a discussão, estava desarmada, Ebony tinha uma arma e atirou, Marshae foi atingida na barriga e perdeu seu bebê de 5 meses. E agora, se julgada e condenada, Marshae pode pegar 20 anos de prisão. Ela já tem uma filha de 6 anos, o que leva a gente a pensar se alguém sai ganhando se Marshae for presa.
É tanto absurdo, né? Vamos imaginar que eu começo uma briga, desarmada, e a pessoa com quem eu comecei a briga tem uma arma e atira em mim em legítima defesa. Eu devo ser indiciada? Ou a pessoa que atirou em mim? E se a pessoa armada atira pro chão ou pro alto pra me advertir e o tiro atinge uma criança que tá lá perto. Eu cometi o assassinato por ter começado a briga ou a pessoa que atirou? O que me leva a outro ponto: pro pessoal que adora dizer "armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas", num caso como esse, em que duas mulheres brigam, se uma delas não tivesse uma arma, alguém teria morrido? A socos? 
Local do crime: estacionamento em Birmingham, Alabama
Quando me mandaram a notícia no Twitter, eu divulguei, indignada. Um rapaz que eu nunca tinha ouvido falar respondeu ao meu tuíte: "Acho que os argumentos da justiça daquele estado estão corretos. Foi a mãe que colocou o bebê em risco, a outra mulher reagiu em legítima defesa. Não há o que se argumentar. E sem sombra de dúvidas a vida do feto é mais importante por estar indefeso".  
Eu disse pra ele: "Não me siga, por favor. Não quero q alguém q ache a vida de um feto mais importante do q a de uma mulher me siga. Obrigada." Ele ainda insistiu, com um argumento que diz tudo: "Imagina eu, um espírito, esperando na fila minha vez de nascer. Fernandinha estava louca para dar pro Ricardinho, não se aguentou e deu pra ele sem camisinha. Depois de 1 mês Fernandinha descobre que engravidou, quer abortar pois tem a vida toda pela frente. Mas e eu na fila?" Cara, quem é você na fila do pão? Dane-se vc. A discussão não é sobre vc. É sobre uma mulher que foi baleada na barriga. Tá vendo como você não dá a mínima pro corpo da mulher? Se a Fernandinha tivesse te abortado, vc não estaria aqui neste momento escrevendo besteira. 
Bom, diante da repercussão nacional e internacional, a promotoria do Alabama disse que ainda vai avaliar o caso e ver se é de homicídio, se vai reduzi-lo a outro crime, ou se não vai indiciar ninguém.
Um grupo que ajuda a financiar abortos para mulheres pobres no Alabama disse que iria pagar a fiança de 50 mil dólares para que Marshae deixasse a cadeia, e que também pagaria uma representação legal. Uma federação nacional pró-aborto disse num tuíte: "É assim que as pessoas -- principalmente as mulheres negras -- já estão sendo punidas e tendo sua gravidez criminalizada". Também estão divulgando alguns tuítes em inglês com a tag "Perder uma gravidez não é crime".
Uma diretora do Fundo pró-aborto disse que "o Alabama provou mais uma vez que no momento que uma pessoa engravida sua única responsabilidade é produzir um bebê vivo e saudável, e que o Estado considera qualquer ação realizada pela pessoa grávida um ato criminoso". 
"Não respire"
E só pra vocês saberem: no Alabama, o sexto estado mais pobre dos EUA, mulheres negras têm 3 vezes mais chances de morrer durante ou depois do parto do que mulheres brancas. Lá menos da metade das cidades têm hospitais que oferecem serviços obstétricos. O Alabama também é líder nos EUA em acusar mulheres grávidas por "crimes contra a gravidez". Então, qualquer coisa que puder ser considerada contra a gravidez pode levar uma gestante à cadeia: se ela bebe álcool, se ela usa drogas, se ela não faz o pré-natal, se ela engorda demais durante a gravidez, se ela faz caminhadas para não engordar demais, se ela anda de bicicleta e cai, se ela lê um post feminista meu e fica revoltada e isso altera sua pressão e ela perde o bebê. Qualquer coisa! 
Ou seja, olha a hipocrisia: se um feto ou uma mulher grávida morre, não é culpa do estado e seu atendimento falho, mas da mulher. Ao mesmo tempo, uma mulher não pode realizar um aborto legal, mas pode morrer à vontade ou ver seu bebê morrer em decorrência de um estado que não lhe dá nenhum direito, só a criminaliza.