A Câmara quer aprovar de um dia pro outro, sem debate, o PL 1904/24, que dita que qualquer aborto acima de 22 semanas de gestação (incluindo nos casos de aborto legal, como gravidez decorrente de estupro, ou risco de morte para a gestante) tenha a mesma pena que um homicídio. É mais uma tentativa do Congresso mais reacionário de todos os tempos proibir o aborto em todos os casos e acabar com os direitos de meninas e mulheres. Publico aqui o texto da campanha Nem Presa Nem Morta.
A campanha “Criança Não é Mãe” pede que PL 1904/24 não tenha requerimento de urgência votado. Este projeto de lei, além de equiparar o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, derruba também a não punibilidade do aborto legal por estupro nesses mesmos casos, o que afeta, principalmente, crianças e pessoas vulneráveis vítimas dessa agressão.
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Organizações da sociedade civil lançaram, nesta segunda-feira, uma campanha via e-mail na plataforma Criança Não é Mãe, de pressão sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e sobre as lideranças da Câmara dos Deputados, para que não seja colocado em votação o requerimento de urgência do PL 1904/24. Conhecido como PL da Gravidez Infantil o texto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros/as, visa alterar o Código Penal (CP) para equiparar o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, e estender este conceito aos casos de aborto por estupro, hoje autorizados pelo CP, sem limite de idade gestacional.
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Caso o PL 1904 seja aprovado, o aborto por estupro acima de 22 semanas passará a ser totalmente proibido, e as principais afetadas por esta mudança seriam crianças vítimas de estupro, cujos casos de abuso e consequentes gestações demoram a ser identificadas, levando a uma busca tardia pelos serviços de aborto legal. Vale ressaltar que 74.930 pessoas foram estupradas no Brasil em 2022, 61,4% delas tinham até 13 anos de idade, segundo dados do Fórum de Segurança Pública.
Espantoso notar que, para o crime de estupro, a pena máxima é de 10 anos. E se a lei for aprovada, mulheres estupradas e profissionais que as atendem, quando as gestações têm mais de 22 semanas, estarão sujeitas/os à pena máxima de 20 anos.
O requerimento de urgência para este projeto, que foi apresentado em 17 de maio, estava na pauta do Plenário da Câmara na última quarta-feira, dia 5 de junho. Entretanto, a votação não aconteceu, devido a tumultos, em particular na sessão da Comissão de Direitos Humanos, que resultou em problema de saúde da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP).
Há um compromisso do presidente da casa, Arthur Lira, com o autor do PL, indicando que o requerimento deve ir a votação no dia 12/06. Caso a urgência seja aprovada, o projeto irá para votação no plenário da Câmara, sem passar por análises nas comissões, onde poderia ser modificado ou vetado, e sem debate com a sociedade. Para impedir que isso aconteça, organizações feministas lançaram um abaixo-assinado para pressionar Arthur Lira e as lideranças da Casa, e evitar que aumente ainda mais o número de crianças que têm sua infância interrompida pela maternidade, no Brasil.
Por que o PL 1904/24 é um problema?
Desde 1940, o Código Penal que criminaliza o aborto garante às brasileiras o direito de interromper a gestação em casos de estupro e risco à vida. E desde a decisão do STF, em 2012, esta permissão se estendeu aos casos de anencefalia fetal. O PL 1904/24 limita um direito que a população tem há décadas, colocando em risco, principalmente, as pessoas mais vulneráveis.
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Anualmente, 25 mil crianças de até 14 anos têm filhos no país, segundo dados do Sistema de Nascidos Vivos. Lembrando que, por lei, relação sexual com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. Por isso, todas elas têm o direito de interromper a gestação legalmente. Esses números já indicam como o acesso ao direito é dificultado e pouco acessado. Entre 2015 e 2022 foram em média 1.800 abortamentos legais realizados por ano, no Brasil, segundo levantamento
segundo levantamento da Revista
Azmina. “Muitas vezes, a situação de abuso demora a ser descoberta e a gravidez identificada, fazendo com que demorem mais a chegar nos serviços de aborto legal ou nem cheguem a eles”, explica Laura Molinari, coordenadora da campanha Nem Presa Nem Morta.
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Somente 3% dos municípios brasileiros contam com um serviço de aborto legal. Além das crianças, muitas mulheres precisam viajar para acessar o direito e não contam com recursos, nem estrutura para isso. Aquelas que são mães ou cuidadoras, precisam também se organizar para realizar essas viagens. Tudo isso explica porque muitas vezes a busca pelo direito ao aborto legal acaba acontecendo após 22 semanas de gestação.
O contexto
O requerimento de urgência para o PL 1904/24 e toda essa movimentação acontecem em um cenário de complexas disputas políticas em que, mais uma vez, os direitos das mulheres, crianças e pessoas que gestam são usados como moeda de troca no campo das negociações. Diante de decisões que pressionam o Governo no sentido de garantia e ampliação do direito, cresce a pressão no sentido contrário.
Em 17 de maio, uma decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que tentava coibir o aborto acima de 22 semanas. No mesmo dia, o PL 1904/2024 foi protocolado pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) na Câmara Federal. Já no início de junho, o Brasil foi cobrado pelo Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) da ONU para que descriminalize e legalize o aborto no país. Segue a disputa, e a cidadania precisa estar alerta.