Ontem o MEC enviou um email às escolas pedindo que as crianças sejam enfileiradas em frente da bandeira do Brasil ("se houver", diz o email) para cantar o hino nacional.
Pede também que uma carta escrita e assinada pelo sinistro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, com o slogan do governo ("Brasil acima de tudo, Deus acima de todos"), seja lida para todos os alunos, professores e funcionários da escola, para "saudar o Brasil dos novos tempos".
Além disso, pede que isso tudo seja filmado e enviado ao MEC. A mensagem leva também o endereço da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), indicando uma política articulada. Os trending topics do Twitter desde ontem à noite indicam a forte presença de robôs de Bolsonaro (e eles não são acionados a menos que seja algo importante para o governo).
O email é tão surreal que vários diretores da escola ficaram chocados, e pensaram tratar-se de uma mensagem falsa. Não era. O problema não está em cantar o hino, que já é tocado e cantado, mas em usar um slogan político para propaganda. Um slogan, aliás, que desafia o Estado laico. Outro problema é pedir que crianças sejam filmadas, o que vai contra o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que proíbe a filmagem desautorizada de crianças.
Foi mais um festival de trapalhadas anti-democráticas, marcas registradas deste (des)governo. As escolas jogadas às traças, a educação pública sem recursos, e o sinistro vem fazer propagandinha absurda.
Reproduzo aqui a thread que a professora da rede estadual do Ceará (hoje trabalha num Centro de Educação de Jovens e Adultos) e doutora em Letras Marlúcia escreveu no Twitter:
Caro Ministro da Educação:
1. Muitos alunos vão à escola pela merenda;
2. Muitos alunos veem os pais tão ocupados e sacrificados com a sobrevivência (comer, morar, vestir), que não conseguem perceber a relação entre estudo e crescimento social;
3. Nessas famílias, há pouca circulação e variedade de gêneros textuais escritos, daí muitos não reconhecem a funcionalidade da leitura (geralmente são os que mais demoram a aprender a ler);
4. Existem alunos do 9° ano que não conseguem interpretar um texto simples;
5. Existem alunos que precisam largar a escola pra ajudar a mãe a sustentar os irmãos. Muitos desses são facilmente cooptados pelo tráfico e muitas vezes têm destinos terríveis;
6. Há também alunos extremamente massacrados pelas condições sociais. Eles ficam tão retraídos e bloqueados, com tão baixa autoestima, que o professor não consegue dialogar facilmente com eles. Isso atrasa a aprendizagem, quando não os faz abandonar a escola de vez;
7. Muitas adolescentes, sem perspectiva de vida melhor, arranjam um parceiro muito cedo, engravidam, abandonam a escola. Quando não são abandonadas pelo parceiro e pela família, continuam estudando, mas as condições são muito adversas, e elas não conseguem uma aprendizagem satisfatória e "competitiva" para o mercado;
8. Já tive aluno de 14 anos que abandonou o ano letivo por ter perdido os dedos em acidente por operar máquina pesada;
9. Nem estou colocando na lista os problemas pessoais, psicológicos que toda gente tem, em maior ou menor medida, e que para crianças e adolescentes pobres são mais difíceis ainda de encarar.
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Campanha reaça de hoje
lançada pelo Secom |
10. O principal problema da educação no Brasil não é falta de hino e bandeira, é a desigualdade social. Cursei meu ensino fundamental (que na época se chamava 1° grau) numa escola onde cantávamos o hino, perfilados, sob o olhar vigilante da coordenadora. Na sala de aula, quando a diretora entrava, tínhamos de nos levantar imediatamente e só nos sentávamos na presença dela se ela permitisse. Isso não impedia que faltasse professor e as aulas fossem mecânicas e sem sentido e que os professores chegassem ao final do ano sem saber o nome de alguns alunos e sem saber que muitos deles caminhavam quilômetros, com fome, pra ir à aula.
O que me fez aprender, anos depois, foram professores críticos, com uma boa formação pedagógica e humana, que humanizavam os conteúdos e a relação docente-discente, que não reproduziam uma "educação bancária", mas incentivavam a ação do próprio estudante.
Quais as suas propostas para mudar esses itens que elenquei?
O hino que os eleitores de Bolso já cantam nas escolas, por Laerte