sexta-feira, 29 de agosto de 2008

CRÍTICA: NEVOEIRO / Deixe o nevoeiro te envolver

Parafraseando Tubarão, “Vamos precisar de um pau maior”.

Será que chega hoje? Eu vi O Nevoeiro (The Mist) nos EUA, no final do ano passado. Tava marcado pra vir ao Brasil em dezembro, e depois foi adiado mais duas vezes. Como já mencionei demais o filme, e sei que pra você o que eu falo é lei (basta ver como meus leitores sempre votam nos meus favoritos nas enquetes. É só eu odiar um filme, tipo Shrek, que ele fica lá, liderando a pesquisa, solitário, sem um votinho sequer), as expectativas devem estar enormes. E a gente sabe que, quanto maior a expectativa, maior o tombo. Então, por mais impossível que seja, tente ignorar minha opinião, e vá ver O Nevoeiro levando em consideração apenas os críticos americanos. Eles não fizeram trocadilhos infames como eu, que chamei o terror de misterpiece e obra-neblina. Não, os ridículos deram nota 58. Pra mim, é simplesmente a melhor adaptação de uma história do Stephen King pro cinema. Quer dizer, só perde pro Iluminado. Fica empatado com outros grandes filmes, como Carrie e Um Sonho de Liberdade. E é a melhor adaptação de uma trama do King desde o ótimo Louca Obsessão, que já tem dezoito anos. Pra não encher demais a bola do Nevoeiro, vou dizer apenas que foi o segundo melhor filme do ano passado (ainda prefiro um pouquinho Senhores do Crime), e o melhor terror dos últimos, sei lá, dez anos. Mesmo que eu seja famosa por falar bem dos filmes (cof), não é sempre que eu elogio tanto assim.

Mas, como eu disse, ignore tudo que falei, e vá tranquilo, esperando ver um filminho B (que é como eu fui na primeira vez). Em muitos sentidos Nevoeiro é um terrorzinho barato, meio trash, a la Ataque dos Vermes Assassinos. Pense assim: o que seria de Os Pássaros se o casal central não tivesse deixado a lanchonete no posto de gasolina? (em Nevoeiro tem até uma mulher pedindo: “Por favor, pare de falar isso. Você está apavorando as crianças”). A diferença é que o terror acontece quase que inteiramente num supermercado. Uma neblina toma uma cidadezinha. Ninguém sabe a causa, ou o que vem junto. A maior parte do filme é a reação das pessoas enclausuradas no super, e olha, não é uma reação bacana, que eleva o espírito humano. Pelo contrário, este terror não tem a menor fé na humanidade. Além de ser anti-militarista até a medula (o exército tem responsabilidade; os soldados são covardes ou inúteis), sobra mesmo é pra direita cristã, encarnada aqui pela Marcia Gay Harden (Pollock, Sobre Meninos e Lobos). A mulher tá incrível, inspiradíssima, e muito mais medonha que qualquer coisa trazida pela névoa. Veja o trailer, se quiser, mas saiba que ele não faz justiça ao filme.

E por que não? Fácil: porque o trailer se esforça em contar a trama, e trama em filme de terror não importa tanto. O fundamental é o clima. O Nevoeiro não deixa a peteca cair. É suspense puro desde que o pessoal pisa no supermercado até o final. E que final! Eu tinha certeza absoluta que esse não era o fim do conto do King. E estava certa, pra variar. Se você quiser ler o conto, tá aqui, em português. Eu fico impressionada com o que o Frank Darabont faz com as historinhas do King. Com todo respeito ao escritor, que tem idéias muito boas mas não escreve tão bem, o Darabont parece ser o único habilitado a adaptá-lo. O Nevoeiro é sua terceira vez. A primeira, Um Sonho de Liberdade, deu mais do que certo (um dos dez melhores filmes da década de 90). A segunda, À Espera de um Milagre, menos. Aí o Darabont pega um conto (longo) e o estica, sem que nada fique forçado. A única cena que eu tiraria seria um brevíssimo romance entre uma caixa e um soldado. Mas Darabont consegue uma proeza: faz um filme muito fiel ao conto (tirando o final), ao mesmo tempo que o melhora. Por exemplo, compare a cena assustadora do protagonista tentando pegar o revólver no capô do carro com o que tá no conto (duas linhas mal-escritas). Compare o tratamento dado à fanática religiosa no conto – King a chama de “aquela cadela louca, feiticeira” e não lhe dá voz. A explicação pro nevoeiro no filme quase justifica a fé da mulher, pois Darabont acrescenta algumas sombras de dúvida (e palpites pra que as pessoas no super a vejam como profeta). Quem sabe Deus até gosta da Marcia? Sem falar que Darabont mudou o tom do conto do King, que tenta aliviar a tensão com piadinhas. Não sei como é estar numa situação tão medonha, mas imagino que as pessoas não fiquem conversando sobre redução de impostos. No filme não tem alívio, e as piadas são substituídas por todo um subtexto político (Guerra do Iraque, EUA pós-11 de setembro). O diretor se dá direito a uma única gracinha: a velhinha que mata um inseto gigante com inseticida. O resto é puro desespero.

Pois é, inseto gigante? Tô vendo a sua cara de nojo. Entendo como você se sente. Eu também prefiro um terror onde as coisas são sugeridas, não mostradas. Logo, quando a primeira criatura estranha apareceu, eu fiz “Ihhhh”. Mas aqui existe uma explicação (rápida e rasteira, como deve ser) pra todos os monstrengos – que, aliás, além de darem um charme B à película, estão muitíssimo bem feitos, pela mesma equipe de Labirinto do Fauno. Um dos caipiras no super, o mais burro e contra-producente, me lembrou meu vizinho que adora música alta, só que mais velho. Uma das cenas mais terríveis ocorre quando insetos alados gigantes começam a entrar no supermercado, possivelmente atraídos pela luz. Algumas pessoas correm pra apagar as luzes, enquanto meu vizinho estúpido corre na direção oposta, acendendo todas.

Tirando a identificação com meu vizinho (que eu gostaria muito que virasse papinha de inseto gigante), é certo que eu amo filmes que sugerem o fim do mundo. E terror passado em lugares familiares é um prato cheio pra mim. O maridão sempre diz que supermercado é sinônimo de civilização, e eu mais ou menos concordo, às vezes. Portanto, se é pra estar presente quando o mundo acabar, que seja dentro de um super. Assim eu morro de overdose de chocolate muito antes que o nevoeiro venha me pegar. Pode ser que por conta dessas fantasias chocolamentais eu tenha gostado tanto do filme. Confira e me conte.Já já alguma coisa vai romper este cordão umbilical.

24 comentários:

Antigravidade disse...

É, faz tempo que eu a a Lola não concordávamos sobre um filme. Mas concordadmos que O Nevoeiro é o melhor terror em anos:

http://antigravidade.wordpress.com/2008/08/29/critica-o-nevoeiro/

Giovanni Gouveia disse...

Fiquei com medo só em ler... :D

Suzana Elvas disse...

Lola;

Meu pai via um monte de embalagens abertas, coisas fora do lugar, gente comendo na fila do caixa e o desmazelo dos funcionários e me dizia que a educação (leia-se civilidade) de um país se mede num supermercado. Concordo com o Maridão. Supermercado é a invenção que personifica a civilização (ocidental, principalmente).

Acredito que "O nevoeiro" siga a linha de "Sobre meninos e lobos", que foi vendido como um livro/filme policial. Não é. É um belíssimo painel sobre a amizade.

Até por ter sido dirigido por quem foi, "O nevoeiro" fala muito mais do retrocesso da civilidade do homem em condições extremas - e nada melhor do que por esse retrocesso acontecer dentro de um supermercado.
Bjs

Unknown disse...

Por algum milagre o filme chegou em Blumenau, agora é só arranjar tempo pra ver o filme.

Margot disse...

boa dica!

por acaso já viste Transsiberian? Li críticas muito boas... Estréia hoje aqui one eu moro:

http://www.imdb.com/title/tt0800241/

ps: tbém ODEIO Shrek, não entendo de jeito nenhum o sucesso de um filme tão vulgar, crass, eca!!

bjos,mi

lola aronovich disse...

Acho que eu preciso explicar, já que não é todo mundo que domina o inglês. O trocadilho é com masterpiece, obra-prima, daí eu brilhantemente mudei pra mIsterpiece, por causa do The Mist, sacou? Foi um desses lampejos de genialidade que às vezes eu tenho! Aí a tradução ficou em obra-neblina, ao invés de obra-prima. Eu deveria estar escrevendo minha tese.


Então, Mau-mau, que bom que vc finalmente apareceu no meu blog! Vamos trocar uns diálogos. Eu falo mal do Jackie Chan e vc manda eu me enfiar num buraco! (na realidade, nada contra o Jackie Chan. Acho o carinha simpático e carismático, só não gosto do tipo de filmes que ele faz).

lola aronovich disse...

Gio, o que dá medo no filme é o clima, que é realmente envolvente. Do começo ao fim.


Su, é, faz sentido achar que supermercado é civilização. Antes, bem antes da gente nascer, os humanos tinham que caçar e plantar a comida. Agora a gente não passa mais fome por causa do mercadinho da esquina. Mas a reação do maridão é sempre incrível: quando a gente tá andando numa cidade nova, que não conhecemos, e ele vê um supermercado, ele aponta pra lá, os olhos brilham, e ele grita: “Olha! Civilização!”. E quando estivemos em Moscou realmente pudemos comprovar isso. Nossa vida lá (dez dias) pode ser separada em pré-supermercado (quando literalmente passávamos fome e tínhamos que almoçar num MacDonald's), e pós-supermercado (comprando franguinho assado e chocolate russo).
Até posso concordar contigo que Sobre Meninos e Lobos foi vendido como o filme que não é. Mas O Nevoeiro é um filme de terror sim. Só que tem todo um subtexto incrivelmente inteligente, que faz pensar. Concordo totalmente com seu último parágrafo. É sobre retrocesso da civilização, sim.

lola aronovich disse...

Clau, corre lá. Eu percebi que o filme estreou em Blumenau. Dá a maior vontade de ir até lá só pra vê-lo de novo. Mas... não vai dar.


Mi, não vi Transsiberian não. Pois é, neste post das estréias do final de semana só deu pra mencionar as do circuitão mesmo. Esse Trans é o tipo de filme que TALVEZ chegue nas locadoras daqui a dois anos. Talvez! Ah, que bom! Acho que vc é a segunda leitora que concorda comigo quanto às qualidades de Shrek. Eu até não achei o 3 ruim, mas odiei o primeiro.

Anônimo disse...

Eu já comprei o DVD, que tem extras muito interessantes também. Fazia tempo que não aparecia um filme assim. King deu uma caidinha nos últimos anos, mas esse conto também é muito interessante no original lola, como conto. Eu acho que ele deveria ter usado mais também as cenas do principio da tempestade, com os cabos de energia quase atingindo o filho e aquelas coisas, acho que não faria mal nenhum mais alguns minutos no filme.

Anônimo disse...

Lolinha, eu tenho PAVOR das adaptações de Stephen King para o cinema (salvo raríssimas exceções, lógico), mas, taí, depois da sua review, vou colocar na fila daqueles que um dia irei assistir...

Beijos

Margot disse...

lola-
pra ti ter uma idéia eu não consegui nem passar dos primeiros 15min de Shrek de TANTO q eu odiei huahuahuahua portanto não passei nem perto do 2 ou 3 - os desenhos q eu gosto são da Pixar (Nemo, Incredibles e o Walle E)
outra- Mist em alemão é crap, me..., só pra adicionas à confusão hehehehehe
Pois li sobre esse Transsiberian no jornal hoje, parece ser um daqueles bem alternativos mesmo (q eu geralmente adoro), está passando
em pouquíssimos cinemas. E como ando meio obcecada pela Rússia ultimamente, vou tentar ver esse findi.

bjos!

Margot disse...

ah, e obrigada pela visita ao blog.. acho q os pregadores são comuns, só q alguém teve a brilhante idéia de "colar" um passarinho na frente hehehehe de qquer maneira, comprei pela internet, qdo chegar vou ver se é "do bom"mesmo.
mi

Anônimo disse...

Li o conto, que é legalzinho, mas minhas expectativas para o filme são as melhores possíveis. Semana que vem vejo e comento.

Babi disse...

e ai lola!
Tambem gostei muito do filme! Nao sei qual é o problema desse povo com os finais das historias do King... Uns tempos atras li o "Diferent Seasons" que é uma coletanea de 4 novelas, entre elas, 3 foram transformadas em filmes, todos excelentes. "The Shawshank Redemption" (Sonho de liberdade), "The Body" (filme "Stand by me", um dos meus preferidos de infancia) e "Apt Pupil".
Só esses dias resolvi assistir ao filme "Apt Pupil". Que decepcao!!! Eles nao mudaram o final, eles simplesmente tiraram o final!!! O Filme terminou e eu pensei que o DVD estava com problema, arranhado, sei la, que tinha pulado o final!
Realmente nao entendo!!! É no final que fica exposto todo o potencial (alcancado ou nao) de uma historia!!!
abraco
(se puder, leia esse livro! super recomendado!)

lola aronovich disse...

Pois é, Cavaca, vi no YouTube o final alternativo do Nevoeiro, mas não gostei. O final original é fantástico! Ah, eu acho que a adaptação do Darabont foi perfeita. Dispenso as ceninhas introdutórias do King. Afinal, a tempestade não é importante pra história. O negócio todo é o pessoal no supermercado, não podendo sair por causa do nevoeiro. O King sofre disso às vezes, “too much exposition”, sabe? Eu gosto de quem vai logo ao ponto!


Chris, querida, isso quer dizer que vc não vai ver O Nevoeiro pelos próximos cinco anos? Considerando que a senhorita tava morrendo de vontade de ver Indy 4 e Cavaleiro das Trevas e não foi?! Mas me sinto muito honrada que graças a mim algum dia vc talvez veja o Nevoeiro.

lola aronovich disse...

Ah, Mi, eu vi Shrek numa boa, que eu lembre, só que ficava meio revoltada porque achei tudo clichê. E todo mundo ria, todo mundo falava, “Que filme inovador! Que maravilha!”. Eu achei todas as piadinhas tão batidas... Mist em alemão é crap? Então, vc mora em Miami, né? Bom saber que aí chega filme russo. Em Detroit era dificílimo chegar algum filme estrangeiro (só no cinema do museu e numa sala alternativa, que geralmente passa filme americano independete). Pensei que vc que tivesse tirado aquela foto dos pregadores! Quando eles chegarem, tira uma foto “frente e verso” pra eu ver, please?


Lu, o conto é “legalzinho”?! Lembro de vc super elogiando o conto e a obra do King em geral! E ainda me fez ler o conto do macaco. Mas veja o filme e me diga o que achou. Imagino que vc vá gostar.

lola aronovich disse...

Legal, Barbara, obrigada pela dica do Different Seasons. Eu gosto muito de ler os romances/contos que originaram alguns filmes. E Shawshank e Stand by Me são ótimos filmes. Não dá pra dizer o mesmo de Apt Pupil. Nem me lembro direito, vi uma só vez e não gostei muito, mas também não detestei nem nada. Acho até que escrevi sobre ele. Domingo vou fazer uma enquete nova, essa sobre adaptações do King.

Chaves disse...

Se eu tivesse lido a crítica antes de ver o filme, não teria ido de jeito nenhum. Acaba que vou ficar três dias sem dormir.
E pra completar, quando chego em casa do filme, ontem à noite, tinha uma barata pré-histórica na parede do meu quarto!
É de matar...

Kaká disse...

Finalmente eu consegui ver esse filme. :) A Marcia está demais, tive muito mais medo dela e dos seus seguidores do que das "baratinhas" do lado de fora. E vc tem razão, o final do filme é muito melhor do que o do conto, nota 10 para o Sr. Darabont.

lola aronovich disse...

Camomila, eu tenho que bater na madeira e tal, toc toc, mas, desde que voltei ao Brasil (e já faz mais de um mês), ainda não vi uma só barata. Aleluia! Mesmo quando o maridão passou a semana fora. Elas sempre aparecem quando ele viaja. Acho que é trato pra eu sentir mais falta dele, sabe?
E como é barata pré-histórica? Maior que as normais?


Pois é, Kaká, adorei a Marcia, o final do filme, tudo. Filmaço mesmo!

Raquel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor Ferreira disse...

O final do filme eu não gostei tanto. E a burrice do povo me irritava. Eu fiquei o filme inteiro: corram! saiam daí! logo! dirija! e mais coisas do tipo. E na boa. A Marcia merecia muito mais o Oscar por esse filme que qualquer uma das 5 indicadas esse ano, e ter deixado a Kate Hudson levar em 2001...

Thigão disse...

Apesar de estarmos em 2010 e fazer um bom tempo que a Lola fez esse post tenho que concordar que O Nevoeiro foi um ótimo filme, apesar que não gostei muito do final onde eles morrem e a Marcia fica como profeta e sábia mas o filme é show!!!

Loy disse...

oi Lola
Acabo de assistir esse filme, sob sua sugestão exatamente. Achei o filme muito bom também, achei extremamente honesto - sem heroísmos baratos, apesar da atuação do protagonista. Também sem "todo mundo enlouquece, menos esse cara". Achei muito interessante a impressão que eu fiquei no fim de que em uma situação de desespero e aflição generalizados, nossas próprias atitudes e decisões são passíveis de questionamento -, e, porque não, passíveis de esperar contar até dez.hrsrsrsrs. Todo mundo está perdendo a cabeça, será que só eu sei o que é certo? Será que eu não posso perder a cabeça também? Concordo com alguém que falou que o filme pode não ser sobre terror. Acho que é sobre a humanidade e fala também sobre sua ignorância em buscar no desespero, no fanatismo e na violência a solução. Ou sei lá.
Também quando o primeiro tentáculo apareceu fiquei frustrada. Mas logo a atuação de todos os personagens me fez esquecer e isso se tornou o de menos
Obrigada pela dica!