segunda-feira, 11 de novembro de 2019

VEIAS ABERTAS: O GOLPE DE ESTADO NA BOLÍVIA

Parte do povo promete resistência

A alegria da esquerda gerada por Lula Livre durou dois dias. Este é o recorde de dias felizes este ano: dois dias. Em seguida veio o golpe militar na Bolívia, que ainda não se concretizou 100%.
Mais um golpe. Pra quem culpa exclusivamente o Evo Morales, primeiro presidente indígena de uma nação de maioria indígena (as elites nunca o engoliram: parece familiar?), vale lembrar que, até a virada do século, a Bolívia passou por nada menos que duzentos golpes. Até seus 180 anos de independência, houve um novo governo a cada 25 meses. Todos esses golpes, óbvio, foram orquestrados por impérios. 
E o maior império dos últimos 60 anos é os EUA, que sempre viu a América Latina como seu quintal. 
O mal da Bolívia é ser rica gás natural e em lítio, conhecido como "ouro branco". O nosso foi ter descoberto o pré-sal. Sem o pré-sal, teríamos o golpe de 2016?
O golpe na Bolívia é mais uma prova de que o neoliberalismo é incompatível com a democracia e não respeita a vontade do povo. Senão, vejamos: na minha opinião, Evo Morales errou ao querer um quarto mandato. É um erro comum da esquerda não saber renovar, não preparar novos líderes que sigam o mesmo projeto. Mas não foi exatamente passando em cima da Constituição. Em 2009, a Bolívia aprovou uma nova Constituição, via plebiscito, que permitia que Evo se reelegesse duas vezes (e ele se reelegeu em 2010 e 2014).
Em 2016, ele tentou mudar a Constituição para poder concorrer a um quarto mandato, sem limite. Os eleitores rejeitaram seu plano por pouco, também via plebiscito. Ele recorreu à Suprema Corte e ao Tribunal Superior Eleitoral, que aceitou sua candidatura. 
Houve eleições no dia 20 de outubro. Evo ganhou no primeiro turno por estreita margem. O sistema boliviano é diferente do nosso. Lá pra se ganhar no primeiro turno é necessário que um candidato tenha no mínimo 50% dos votos, ou que tenha 40%, com 10 pontos acima do candidato em segundo lugar. 
Pra quem é contra urna eletrônica, que permite que o resultado seja conhecido no mesmo dia das eleições, bom, pra começar, você não deve ser da época do voto impresso. Eu sou. A gente ia fiscalizar a contagem dos votos. Varava madrugadas, levava dias. Havia muito espaço pra corrupção ali. Na Bolívia o voto é impresso. Eles têm um sistema de contagem rápida (que com 84% das urnas deu que haveria segundo turno) e outro de contagem real. Imagina o que pode dar errado
Quando a votação oficial acabou, Evo ganhou no primeiro turno: 47,08% contra 36,51% para Mesa. Quase todas as pesquisas antes das eleições apontavam esse número. Evo aceitou uma audição externa dos resultados, mas Mesa não quis. A OEA (Organização dos Estados Americanos) não encontrou fraude eleitoral, mas a mídia repetiu isso tantas vezes que virou verdade. Finalmente, Evo marcou novas eleições. Veio o golpe militar de quem não quer que o povo tenha poder de decisão.
O governo de Evo nesses anos todos deve ter sido um desastre, certo? Errado. A economia do país antes do golpe deveria ter o maior crescimento da América do Sul (aumento de 4% do PIB, segundo projeções do FMI). Já sua inflação ficou em 2% no ano passado. A Bolívia cresceu em média 5% ao ano, começando em 2006, ano que inaugura a Era Evo. Sua principal medida foi nacionalizar o petróleo e o gás. O percentual da população abaixo da linha de pobreza caiu de 63% para 35% entre 2005 e 2018, segundo o insuspeito Banco Mundial. 
E não me venham falar em alternância de poder. O PSDB governa São Paulo há um quarto de século e a mesma direita que chiava que o PT estava há 13 anos no governo não vê nada de errado. 
Nos últimos dias, antecipando o golpe, houve um verdadeiro show de horrores promovido pela oposição. Houve um atentado contra Evo na semana passada (ele sobreviveu a um acidente aéreo). Sua casa foi depredada por fascistas. A casa da irmã dele foi queimada. Atacaram uma prefeita e a humilharam publicamente durante quatro horas. Indígenas estão sendo especialmente alvejados. Golpistas invadiram jornal, amarraram jornalistas, incendiaram casas, sequestraram adversários e espancaram mulheres. 
É impressionante como as Forças Armadas da América Latina sempre dão golpe contra o povo. Conheço um ou outro militar que é de esquerda, mas a maioria é de extrema direita. Tem agenda definida e funciona como guarda particular do ditador de plantão posando de democrata. É o que vemos em toda a América Latina.
Há muita gente falando que o desgoverno Bolsonaro está envolvido até o talo no golpe. O que fica claro pra qualquer pessoa que tem Twitter e digita a palavra "Bolívia" ou "golpe" é que os robôs fascistas foram ativados. Bolso obviamente tem muitas afinidades com Luis Camacho, vulgo "Macho Camacho", um neonazista que prega a defesa da raça. 
Há várias denúncias de que foi um "terrorismo miliciano-pentecostal reacionário" que arquitetou o golpe contra Evo.
Semana passada, conversando com várias mulheres, inclusive evangélicas, elas me diziam que no Brasil, principalmente no Rio, há uma ligação muito forte entre igrejas e milícias, que se unem em primeiro lugar para lavar dinheiro, mas também para atacar inimigos comuns. Por exemplo, a feminista cristã Camila Mantovani, que defende a legalização do aborto, teve que se exilar na Costa Rica após ser alvejada e ameaçada pela milícia de um famoso líder religioso brasileiro. 
É preciso compreender que o golpe na Bolívia não vem sozinho. Vem depois que Lula foi solto, depois que a direita foi afastada da Argentina, depois que o Chile acordou. A queda de Evo Morales foi um duro recado da direita pra toda a América Latina, pra todo o mundo. Temos que enfrentar o golpe contra a democracia juntos!
Pichação racista na rua: "Bolívia
livre de índios"
E não se pode esquecer que, de um jeito ou de outro, 47% da população boliviana votou em Evo. O golpe ainda não está consolidado. Há resistência e pode haver guerra civil -- algo que só a direita quer. Não é alarmismo afirmar, a esta altura, que toda a América Latina corre perigo.

15 comentários:

Felipe Roberto Martins disse...

Nossa Lola, não sabia de uma boa parte das informações. Eu fiquei pensando como seria bom se um dia a gente tivesse um ou uma president(a) de origem indígena, talvez seja algo que o Brasil, quem sabe, possa fazer/ ter realmente de transformador dentro da Política.

Anônimo disse...

A Bolivia está totalmente parada, nenhuma loja ou escola e universidades abriram hoje e o transporte coletivo não está funcionando igualmente. Quatro quarteis da polícia foram tomados pelos indígenas e um deles incendiado!! Diferentemente do Brasil onde os indígenas são ultra minoria com apenas 0,5 % da população, na Bolívia 60% da população é indígena!!!!

Anônimo disse...

A América do Sul vai ser jogada em breve em uma sangrenta guerra civil. A polarização direta x esquerda que fomos jogados nesta última década e uma panela de pressão prestes a explodir.

Anônimo disse...

Eu até concordo com muitas pautas da esquerda, mas defender Evo Morales com certeza não é uma delas, precisamos nos afastar de ditador de qualquer escptro político, e sim, ele fraudor as eleições:

https://noticias.r7.com/internacional/oea-aponta-fraude-e-recomenda-novas-eleicoes-na-bolivia-10112019

Anônimo disse...

Então, caro "Anônimo", aqui "Anônimo2" escrevendo... entendo que deveriam ser feitas novas eleições com a OEA acompanhando, mas a situação não pode continuar como está! Quando você não concorda com a pauta de defendermos Evo Morales, você quer dizer que está tudo "ok" com o que a Bolívia está vivenciando neste momento? Toda esta putaria com bíblias em baixo do braço e rasgando a bandeira andina Whipala? Que dificuldade de valorizarmos nossas raízes!

Marina disse...

Lola, só queria colocar um ponto. a OEA não detectou fraude, mas opinou no sentido de q deveria ter outra eleição. Opinou baseada em absolutamente NADA, não tem nenhum argumento, nenhum dado, NADA no documentos dele!E Evo cedeu DE NOVO, dizendo que iria convocar outras eleições. Logo depois, foi fortemente sugerido à ele, pelo chefe das forças armadas bolivianas, que ele renunciasse.
O Center for Economic and Policy Research (CEPR) soltou um estudo atestando que NÃO existem indícios de fraude e que os resultados são estatisticamente concordantes com as tendências avaliadas.
É bom frisar aqui que a OEA é um instrumento da elite Lola. Não dá pra ficar dependendo e confiando nesses organismos. Ficou bem claro qual é o papel dela, e é justificar golpes na América Latina.

Pra quem sabe inglês, vejam com seus próprias olhos:
Link pro estudo do CEPR: http://cepr.net/press-center/press-releases/no-evidence-that-bolivian-election-results-were-affected-by-irregularities-or-fraud-statistical-analysis-shows
E link pra ridícula recomendação da OEA:https://www.oas.org/pt/centro_midia/nota_imprensa.asp?sCodigo=P-085/19

Anônimo disse...

Como assim, "Opinou baseada em absolutamente NADA, não tem nenhum argumento, nenhum dado, NADA no documentos..." a apuração foi interrompida misteriosamente e depois de um dia voltou e ele estava com a maioria dos votos.

Anônimo disse...

Foi trágico como as coisas se desenvolveram na Bolívia. Manifestantes humilhando prefeita, tacando fogo na casa da irmã do presidente. Parte das manifestações foram de uma selvageria que apenas empobrece os valores democráticos nos dois polos do espectro político.

Mas próprio Evo Morales disse que aceitaria segundo turno se a auditoria comprovasse fraude. Pois é. A auditoria da OEA confirmou a fraude. O mesmo Evo Morales tentou burlar a constituição através de referendo em 2016. Perdeu. Daí agora, em meados da renuncia, o ex-presidente só aceitou a possibilidade de fraude quando a OEA interviu, sempre passando a idéia de que não teve nada a ver com as fraudes. Será? O episódio foi muito nebuloso e levou a demissão de dois ministros. Concordamos que Evo Morales é inocente até que se prove o contrário, mas também concordamos que não existe exercício da democracia com aparelhamento do judiciário.

O problema é que desde o começo Morales agiu como um ditador. Talvez, hoje, ninguém sirva melhor de exemplo do que é a esquerda latino-americana. Autoritária, recusa-se a fazer rodízio no poder. Sempre procura brechas constitucionais pra levar adiante seu projeto político sem interrupções. Foi assim na Argentina, foi assim na Bolívia, é assim na Venezuela. Coincidência?

O que eles têm em comum? Estes governos sempre despertam o ódio de metade do país e costumam cair apenas para intervenções militares. O legado? melhorias muito tímidas na redução da desigualdade de renda, as vezes à custa de instabilidade macroeconômica. A perpetuação não vem por conta de projetos políticos transformadores, no sentido positivo do termo. Por isso, exige-se um enorme desgaste político: Aparelhamento do judiciário e censura são posturas que hoje estão mais associadas ao kirchnerismo e ao bolivarianismo, que ao reacionarismo-nacionalista dos militares latino-americanos. Hoje, os militares só aparecem pra destronar aqueles autocratas que se recusam a seguir as regras do jogo. Na verdade, o século XXI traz um desdobramento interessante pra América-latina: os governos autoritários do continente estão mais à esquerda, que à direita. Este é um fato que a nossa esquerda precisa encarar, refletir e admitir.

Dilbert disse...

Tô confuso.
O nosso Bozo disse que pra evitar problemas, a Bolívia deveria adotar o voto impresso, que eles já utilizam.
Pra validar o novo partido ele quer utilizar meios eletrônicos, pq o formato impresso é lento.
Pode isso Arnaldo??

Pior é o Putin que disse querer ter uma discussão profunda com o Bozo sobre os problemas na AL.
Contamos pro Putin da impossibilidade disso ou deixamos ele descobrir sozinho??

titia disse...

O mimimi dos vira-latas que não tem a menor noção a respeito do próprio país mas acha que tem cacife pra dar pitaco no país alheio é grande.

Morales fraudou a eleição? Que seja processado de acordo com a lei. Ponto. Que sofra impeachment, as devidas sanções legais e sejam convocadas novas eleições, se essa é a lei boliviana. Mas os militares vendidos ao capital estrangeiro saírem por aí sequestrando, ameaçando de morte familiares e amigos de Evo e de membros do governo, agredindo e humilhando mulheres principalmente? É GOLPE E PRONTO, CARALHO! É por isso que América Latina não tem que ter exército porra nenhuma, esses parasitas de merda que são os militares latino-americanos só servem pra ser prostituta capacho do capital internacional, massacram o próprio povo pra dar dinheiro pros ladrões do dito 'pimeiro mundo'. Milico entreguista e borra-botas merece é uma bala na cabeça e uma vala comum.

titia disse...

18:37 então você é a favor que invadam a prefeitura de São Paulo, façam a família do Dória de refém e o obriguem a renunciar, pra acabar com a hegemonia de décadas do PSDB na capital do fascismo?

Anônimo disse...

Manual para entender os protestos na América Latina.
No Chile: POVO.
Na Bolívia, na Venezuela e no Brasil: EXTREMA DIREITA ULTRALIBERAL FINANCIADA PELA CIA.

Anônimo disse...

Imagine que Bolsonaro faça um referendo para tentar um terceiro mandato em 2026.
Imagine que a população rejeite a candidatura e Bolsonaro desrespeite o referendo.
Imagine então que, não satisfeito, Bolsonaro fraude as urnas na eleição.
Isso é o que Evo Morales fez na Bolívia.

Anônimo disse...

"Anti-imperialismo" é na verdade apenas um imperialismo de espelho. Supõe que nada de ruim pode acontecer no mundo sem que as potências ocidentais estejam por trás disso. Estamos vendo isso acontecer em tempo real na Bolívia.

Dilbert disse...

Imagine se vc conseguisse interpretar textos...