terça-feira, 6 de agosto de 2013

GUEST POST: A OPRESSÃO NÃO É A ÚNICA COISA QUE NOS UNE

Samantha Takamoto Polato, tocada por este guest post, me mandou um email dizendo que alguns órgãos de defesa das mulheres se mantem distantes do feminismo. 
Ela escreveu: "atuando na Assistência Social, é bem fácil perceber que uma das questões realmente problemáticas do feminismo é a tendência em agregar toda mulher sob uma mesma característica, que é a opressão, falhando em dar conta das multiplicidades de vivências, entendimentos e estratégias de sobrevivência. A questão é que o seu blog feminista é diferente dos outros exatamente por isso, Lola. Entre outras mil coisas, você dá voz e espaço para as mulheres que sofrem violência, sem empurrar o feminismo garganta abaixo e deixando espaço para que elas construam suas próprias respostas. 
Porém, percebi pelos comentários que as leitoras do seu blog estão informadas das redes de atendimento à mulher, sem saber muito do que acontece na prática. Por exemplo, Delegacia da Mulher vai te tratar melhor e não te culpabilizar -- não; deve existir algum auxílio do governo para essas situações -- na verdade, não exatamente; o 180 vai te dar todas informações que você precisa -- provavelmente não de novo..."
E ela se colocou à disposição para sanar algumas dúvidas. Pedi pra que ela, que é formada em Ciências Sociais pela USP e já atuou em um Centro de Defesa da Mulher, escrevesse um post explicando essa "distância" entre associações que trabalham com mulheres e o feminismo.

Uma coisa que sempre me chamou atenção no blog da Lola foi o espaço que ela abre para os depoimentos/pedidos de ajuda e a maneira cuidadosa com que ela os responde.  
Eu sou cientista social e durante pouco mais de um ano fui educadora em um Centro de Defesa e Convivência da Mulher. Os CDCM são serviços da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo, mas que são geridos em parceria por ONG’s. Esses espaços têm como proposta o atendimento especializado a mulheres em situação de violência doméstica e sexual, oferecendo serviços como orientação jurídica, atendimento social e psicológico, atividades culturais e educativas, etc.
Bom, a ONG que geria o Centro onde eu trabalhava tinha anos de experiência na temática da violência doméstica e atuava com base em uma proposta de emancipação e empoderamento da mulher, mas, surpreendentemente, não se considerava feminista, em parte por causa daquele desconhecimento, velho conhecido, do que é o feminismo.
Eu, mesmo pessoalmente sendo feminista, durante o tempo trabalhando com elas, pude perceber que, de fato, o feminismo tem algumas limitações para atender à demanda dos atendimentos daquele tipo de serviço.
Passei a perceber que o meu feminismo “acadêmico” não era libertador para a mulher que eu atendia da mesma forma que era para mim. E passei a observar qual a distância entre o dia a dia de um Centro de Defesa da Mulher e a teoria feminista.  
Algumas coisas, bem feministas, diga-se de passagem, podiam ser consideradas base do trabalho no CDCM. Uma delas era evitar a culpabilização da mulher em situação de violência, ao mesmo tempo em que se buscava não reforçar a vitimização, ou seja, ainda que não seja culpada pela sua agressão, a superação só acontece quando a mulher é capaz de se apropriar de sua história: eu não causei isso, mas posso fazer parar. Para isso também se reforçava o tempo todo o aspecto não-natural dos papéis de gênero, o que ajudaria na desconstrução da violência como inevitável, e conferiria liberdade para a mulher na sua reconstrução fora do espaço da opressão.  
Mas o mais importante era a necessidade que xs profissionais fossem capazes de internalizar estes conceitos para os seus próprios conteúdos cognitivos. É esse processo que garantiria uma questão essencial para a qualidade do atendimento: a identificação. É através dessa identificação que a profissional consegue enxergar as mulheres usuárias do serviço, assim como todas as mulheres em situação de violência doméstica, primordialmente como mulheres.
Dessa forma, elas deixam de ser "aquelas mulheres que sofrem violência". O que você passa a sentir é que essa mulher podia ser você, podia ser qualquer uma. Você começa a perceber, de forma mais clara, que aquela violência funciona do mesmo jeito que todas as pequenas violências que a gente enfrenta a vida toda, pelo único motivo de ser mulher.
Esse conhecer e internalizar os conceitos, algo como tornar-se feminista, ainda que não seja a intenção da instituição, é um processo pedagógico para o profissional no Centro de Defesa, e se por um lado é esse processo que garante que exista uma empatia necessária para o trabalho, por outro, ele também pressupõe uma questão que precisa ser problematizada: a ideia de que existe um único fator capaz de unir todas as mulheres, em todos os contextos e todas as trajetórias de vida, e de que essa função é a opressão.
O perigo que surge a partir desse pressuposto é a conclusão pseudo-lógica de que, por esse motivo, existe um único caminho para a libertação de todas as mulheres. Esse problema já foi apontado no trabalho de Maria Filomena Gregori sobre o SOS Mulher, primeiro serviço de atendimento a vítimas de violência doméstica em São Paulo, na década de 70:
“O movimento feminista apresenta enorme dificuldade em compreender as diversas circunstâncias que recortam a vida das mulheres. Essa dificuldade parece advir de um projeto político que pretende aglutinar todas as mulheres em função de uma característica muito abrangente -– a opressão. [...] O princípio feminista de que todas as mulheres partilham muito em comum leva a definição de um trajeto único para a emancipação, que traria os mesmos resultados para todas, independentemente dos aspectos sócio-culturais que as diferenciam.” 
Uma das questões sempre apontadas nas discussões de caso era a dificuldade que as mulheres encontram em romper o ciclo da violência. A causa para essa dificuldade recai tanto em questões subjetivas, cuja recorrência é objeto de muitos estudos na psicologia, quanto no fato de que os conceitos e valores que permitem a continuidade deste ciclo estão baseados não só na questão do gênero, mas são parte integrante de um sistema de relações muito mais complexas e que colocam em operação muitos outros conceitos para além da divisão sexual dos papéis sociais.
Romper com essas ideias mostra-se, dessa forma, muito mais difícil do se supõe num primeiro momento. Evidencia-se o quanto a internalização desta desconstrução, pela qual a própria equipe passa constantemente, pode ser muito mais custosa para a mulher atendida.
Apreender e colocar em prática os princípios feministas através de um processo pedagógico faz sentido e resulta em mudanças efetivas de trajetórias de vida para mulheres que têm a sua disposição um espaço social e cultural onde essa mudança não supõe a ruptura de laços afetivos e familiares importantes. Se há essa ruptura, supõe-se a necessidade de que essa mulher tenha a sua disposição espaços de reconstrução do seu cotidiano, algo que nenhuma instituição é capaz de oferecer de forma plena.
Como comentavam muitas mulheres em risco de vida na Casa de Acolhida Sigilosa, elas tinham que sacrificar sua vida social, familiar, religiosa, etc, pelo simples direito de viver, ou seja, pelo caráter mais biológico da sua existência. Assim, quando uma instituição de defesa da mulher diz que “as feministas são muito radicais”, acredito que devíamos enxergar isso não como uma crítica, mas como um espaço de colaboração. Pra mim, o desafio é descobrir como a teoria feminista pode evoluir e abarcar cada vez mais a diversidade de trajetórias e estratégias de sobrevivência das mulheres.

22 comentários:

Elaine Cris disse...

Confesso que não entendi muito bem a questão levantada.
Talvez alguns exemplos de casos atendidos, que entram em conflito com a proposta feminista, esclareceriam melhor essa questão. Não consegui imaginar um caso que exemplificasse.

AngieB disse...

Tambem gostaria de exemplos praticos sobre essa problematica apresentada, o texto se repetiu sem ser claro a que veio.

Anonima disse...

Para mim o texto ficou bem claro.
A mulher que não consegue romper o ciclo de violência, não é pela razão de que "ainda não se libertou do machismo opressor" e precisa, portanto, ser mais "conscientizada", "informada" dos seus direitos e poder de ação.

Ficar sem família, sem amigos, sem poder frequentar seu círculo religioso, talvez sem casa, talvez sem poder ver os filhos, enfim. É barra pesada para qualquer ser humano emocionalmente estável, que dirá por quem vive a violência. Não dá para ter uma única resposta válida: "mulher, largue tudo e reconstrua sua vida". Essa já é a sua vida, por mais problemática e violenta que seja, e provavelmente o desejo de muitas mulheres almeje a transformação e não a ruptura.

Conheci um centro de atendimento que trabalhava muito com o agressor também, e vi um depoimento emocionado do marido dizendo que ele não sabia como ser diferente, que ele nunca tinha vivido sem violência desde a infância e não sabia mudar sua vida. Ali no centro ele conheceu outras referências de vida, teve encaminhamento para tratar um distúrbio psiquiátrico (o que ajudou enormemente a controlar sua agressividade) e desde então participava dos atendimentos ao público masculino.

Não acho que todos os agressores vão mudar, mas é vital ouvir a mulher que diz que o seu companheiro é importante para ela, sem qualificá-la por isso como "machista" ou "defensora do patriarcado".

O machismo não educou as mulheres para relações igualitárias, mas tampouco educou os homens. (Posso escrever isso mil vezes? Trabalho com adolescentes e mentalizo isso durante o dia, como um mantra).

A resposta do feminismo não pode ser somente: abandone esse homem, rompa com tudo. Porque muitas mulheres NÃO vão fazer isso, e aí estaremos excluindo essas mulheres da nossa preocupação?

Finalmente, o feminismo consegue conceber o homem agressor como um ser humano que também precisa de transformação? Dá para oferecer essa alternativa?

Porque, sinceramente, só pelo caminho da ruptura, esse cara vai constituir outra família e repetir tudo de novo: fazer outra vítima, traumatizar novos filhos, etc.

aiaiai disse...

também não entendi. ou melhor, entendi o contrário. Acho que o feminismo é que pode fortalecer as mulheres agredidas para que elas superem isso. Ao perceberem, pela lente do feminismo, que todas as mulheres são agredidas de alguma forma, devido à estrutura da nossa sociedade, as mulheres agredidas vão ganhar poder. Não são mais coitadinhas azaradas. Percebem que podem lutar junto com as feministas pelos direitos iguais.
não entendi no que o feminismo atrapalha.

Rafa disse...

Marx não teve um filho com a empregada e mandou outro cara assumir no lugar? Ele tbm é vítima da opressão machista? Marx tbm era burguês q eu lembre.

Anonima disse...

Para o Iceman

Pode tirar teu cavalinho da chuva: feminismo É a resposta.
Não acredito que ninguém mais além do feminismo vá assumir a tarefa de educar mulheres E homens para relações igualitárias.
Não deturpe o que eu escrevi.

Anônima das 14:28

Rafa disse...

Marx teve um filho com a empregada militante socialista ou comunista e mandou outro assumir o filho no lugar dele. Marx tbm era vítima da opressão machista? Marx tbm era burguês, não?

aiaiai disse...

anonima das 14:28: quem disse p você que o feminismo diz que essa mulher só pode se libertar se "largar tudo e reconstruir sua vida"?
Donde vc tirou que feministas são contra a reconciliação se o homem demonstrar que quer, de verdade, a reconciliação?
Donde vc tirou que se a mulher disser que "o companheiro dela é importante para ela" as feministas vão chama-la de machista?

acho que vc tá equivocada e muito: feminismo não vê o homem como inimigo. O inimigo é a estrutura patriarcal que fere as mulheres e também os homens.

Anonima disse...

aiaiai

Infelizmente, os exemplos e colocações que eu citei são reais,eu de fato já vi isso acontecer e ser julgado assim, inclusive por quem se identifica como feminista (também acho que isso é um entendimento equivocado do que vem a ser feminismo, mas não sou eu aqui e agora que vou ficar validando ou desvalidando a autoidentificação alheia).

Concordo completamente contigo nas tuas afirmações sobre o feminismo, e lembro que a gente escreve "O" feminismo quando tal coisa não há: há um conjunto plural de ideais envolvendo a igualdade de direitos entre os gêneros.

O que quis é resumir a ideia central do post, que se apenas a opressão une as mulheres, logo só há um caminho que é romper a opressão. Talvez haja mais coisas que nos una, talvez haja mais caminhos.
Eu sei disso, mas eu mesma não sei explicar isso. É uma ideia que precisa ressoar e sendo ouvida no coletivo, ser desenvolvida.

Eu acredito de verdade que se não formos nós, feministas, a assumir a tarefa de abrir espaços de educação dos gêneros para a igualdade, ninguém mais há de fazer.

Unknown disse...

Eu, tanto como (neo)feminista como mulher que sofreu abuso em um relacionamento violento, concordo em gênero, número e grau com a questão levantada pela autora do guest post: O feminismo não é um caminho único, uma "receita de bolo" que servirá para todas as mulheres da mesma forma como serve pessoalmente a nós. Até porque existe vários feminismos dentro do Feminismo. Um exemplo claro de como o movimento feminista é plural foi a polêmica performance da Marcha das Vadias no Rio de Janeiro, que sob a guisa de atacar a opressão pela Igreja também ofendeu feministas que são católicas. Muitas feministas criticaram essas pessoas que se dizem católicas e feministas - como se isso fosse um paradoxo que invalidasse a coexistência entre feminismo e religião, o que NÃO é verdade. O feminismo pode servir tanto à mulher ateia como a mulher religiosa, e respeitar essa pluralidade é fundamental para que a mensagem primordial do movimento chegue ao máximo de mulheres possível.

A pessoa vítima de abuso em um relacionamento violento é privada de muita coisa, mesmo antes da violência propriamente dita acontecer. Num relacionamento abusivo, a "balança" de poder se equilibra sempre em prol de um dos lados; e a pessoa oprimida tem seu espaço cada vez mais reduzido dentro da relação. Não é uma mera questão de "falta de controle de raiva", e sim uma luta constante por controle onde uma pessoa se sente no direito de tirar da outra, paulatinamente, tudo aquilo que a caracteriza como indivíduo e transformá-la em um "apêndice" de si próprio.

Uma das chaves para se romper o ciclo do abuso é justamente o empoderamento do lado oprimido da relação. Ou seja: O lado oprimido deve enxergar que NÃO MERECE o tratamento abusivo do opressor, não importando o que viveu ou disse durante todo o tempo em que esteve nessa dinâmica doentia. De experiência própria, atesto que é muito mais fácil falar do que fazer, porque boa parte do lado oprimido ser oprimido no relacionamento vem do desprezo pessoal que essas pessoas adquirem consigo mesmas, e com seus próprios sistemas de limites.
Mas, no caso específico das mulheres - a maioria dos casos de violência doméstica no mundo - isso é mais difícil por várias questões culturais, sociais e até mesmo pessoais. O homem que cresce na cultura patriarcal é familiar ao conceito de "entitlement" - sensação de merecimento a tratamento especial - pelo simples fato de ser homem; enquanto a mulher é ensinada desde cedo a ceder e trabalhar para tentar dirigir e controlar situações que estão além de seu controle pelo bem do relacionamento e da família, muitas vezes negociando seus limites pessoais e sua própria identidade individual no processo.

O Feminismo, ou os vários feminismos que estão dentro do conceito genérico de feminismo, não é só a luta pela opressão em si: É uma jornada por empoderamento. E por mais que o movimento seja externo e social, grande parte dessa jornada (senão a maior parte dela, pra ser bem sincera) é PESSOAL e INTRANSFERÍVEL. E é exatamente nesse ponto que o Feminismo, enquanto movimento social plural, tem que respeitar as crenças, vivências e experiências de cada mulher que se serve dele. Não existe uma "carteirinha de feminista" que represente uma série de pré-requisitos para que uma determinada mulher seja (ou não) feminista. Estreitar a definição de feminismo só serve para afastar a mensagem - a de que o "tratamento especial" que o patriarcado outorga aos homens vindo do privilégio masculino não é correto e não deve ser aceito - de pessoas que precisam desesperadamente ouvi-la.

Unknown disse...

Essa mensagem, infelizmente, não está disponível em muitos lugares onde ela deveria estar. Na minha experiência pessoal, não pude contar com apoio e acolhimento nem mesmo no momento em que precisei de apoio policial para romper o ciclo de violência doméstica. O policial que atendeu meu chamado demorou três horas para aparecer, convencido de que o "tempo" que ele demorou para atender meu chamado serviria para "acalmar os ânimos". Na Delegacia da Mulher, fui porcamente atendida e quase não consegui lavrar o pedido de medida protetiva, apesar de ter chamado a polícia e mostrado elementos de flagrante de violência doméstica no momento do atendimento policial. Essa medida protetiva demorou semanas para ser cumprida, enquanto eu ficava desalojada. Existe vários exemplos de casos exatamente como o meu - onde a violência contra a mulher é tratada como "briga de casal" e minimizada; fazendo com que mulheres sejam desacreditadas, humilhadas e feridas enquanto tentam buscar auxílio na lei que deveria protegê-las. Enquanto esse tipo de situação existir, o Feminismo deverá existir também; independente do que cada uma de nós busque nele.

Rafa disse...

Quanta visão contraditória do feminismo. Qual será o feminismo verdadeiro então?

Unknown disse...

Rafa, aponte as contradições no texto e nos comentários, aí a gente te ajuda.

Rafa disse...

"Donde vc tirou que feministas são contra a reconciliação se o homem demonstrar que quer, de verdade, a reconciliação?
Donde vc tirou que se a mulher disser que "o companheiro dela é importante para ela" as feministas vão chama-la de machista?

acho que vc tá equivocada e muito: feminismo não vê o homem como inimigo. O inimigo é a estrutura patriarcal que fere as mulheres e também os homens." Uma dizendo pra outra o q é feminismo e q isso ou aquilo não é feminismo e q feminismo é outra coisa. São essas as contradições q eu vi aqui, não viu? Mas essas contradições acontecem o tempo todo neste blog entre todas as feministas. Se isso pra vc não é contradição, pra mim foi.

Beatriz Correa disse...

O feminismo parte da base em que homens e mulheres devem ter tratamentos, direitos e deveres iguais, independente de orientação sexual, etnia, credo, se for cis, trans, etc.
Esse seria o "verdadeiro" feminismo.
Qualquer visão de feminismo que for contrária ao ideal de igualdade a todo e qualquer ser humano parece ser meio deturpada, pelo menos a meu ver.

Me corrijam se eu estiver equivocada.

Anonima disse...

Rafa, obrigada por explicar bem (man)explicadinho.

aiaiai disse...

existem muitas formas de atuar na luta feminista mas feminismo é uma coisa só: defende q mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens. Ou seja, é a revolucionária ideia de que mulheres também são seres humanos.
parece maluco isso, mas lembrem-se que quando o feminismo começou e até bem pouco tempo, uma mulher (mesmo sendo de família rica) não podia:

estudar (se o pai não permitisse)
casar com quem quisesse
trabalhar no que quisesse
ter propriedade
escolher quando ter filho
votar e ser eleita

ou seja: mulher não era um ser humano completo. era um ser humano tutorado por algum homem.

infelizmente, ainda é assim para a maioria das mulheres. então, vamos lá, lutando para que todos entendam que somos iguais (homens e mulheres). As lutas podem ser diferentes mas o objetivo é o mesmo.

Elaine Cris disse...

Acho que agora entendi melhor o que a autora disse. Apesar de não concordar muito.
Não vamos nos esquecer que toda vez que falamos coisas do tipo: ensinar homens a não estuprar, ensinar homens a não bater, não é incomum sermos criticadas por quem acha que isso é uma ofensa pessoal aos homens. Aí as pessoas vem com a história de que não precisa educação pra isso, que quem faz essas coisas são monstros, são pessoas seriamente doentes, que dizer pra alguém "não estupra, não bata, não assedie" não adianta nada, como se violência doméstica fosse coisa raríssima, de um ou outro "monstro" por aí e não uma ação de pessoas que são comuns, tratam as outras pessoas bem, são simpáticas com todo mundo, bem vistas em seu bairro.
Acho que essa questão de "reeducação masculina", se é que podemos chamar assim, incomoda mais aos machistas do que ao feminismo.

Sara disse...

Samantha Takamoto Polato
Este foi um dos melhores textos que eu pude ler até hj sobre esse assunto tão dificil , polemico, multifacetado da violência contra a mulher.
Vc citou algumas frases que realmente definem bem o problema que ora discutimos aqui.
"O perigo que surge a partir desse pressuposto é a conclusão pseudo-lógica de que, por esse motivo, existe um único caminho para a libertação de todas as mulheres."

" Se há essa ruptura, supõe-se a necessidade de que essa mulher tenha a sua disposição espaços de reconstrução do seu cotidiano, algo que nenhuma instituição é capaz de oferecer de forma plena."

"Como comentavam muitas mulheres em risco de vida na Casa de Acolhida Sigilosa, elas tinham que sacrificar sua vida social, familiar, religiosa, etc, pelo simples direito de viver, ou seja, pelo caráter mais biológico da sua existência."

Entre feministas é lugar comum conselhos padrões para mulheres que passam por situações de violência, como se todas fossem iguais e vivessem situações iguais.
Muitos aqui tb se revoltam e não entendem o porque de muitas mulheres continuarem com maridos violentos ou q as ameaçam, e se apressam em rotular a mulher alem de culpa-las tb.
Achei simplesmente perfeito a colocação que vc deu de que cada mulher tem sua propria estratégia de sobrevivência, e falo isso por experiencia própria.
Cada uma sabe das suas necessidades e conhece bem o seu companheiro agressor, sabe onde ele pode chegar ou não (pelo menos as q sobrevivem), existe a possibilidade de reverter situações de risco, aprende-se a viver com esses homens e em muitos casos a manipula-los tanto quanto eles manipularam essas mulheres.
O q parece ser infinitamente dificil é sair de vez de uma relação doente como essas.

AngieB disse...

Ok, se falou, se falou... Mas para mim está se discutindo algo numa generalização, que nao condiz com a realidad e nem mesmo com o que se fala aqui no blog, esta mesma pluralidade do feminismo que tanto discutimos.

Eu nao vejo está falha em nao ver as multiplicidades das mulheres e vivencias que a autora fala no começo; ultimamente o que mais vejo é um discurso de se respeitar as diferenças e diferentes origens e limitações e qualidades, e agregar mulheres a compreender o que é feminismo e interromper realidades de violencia de genero.

E pensei que ela ia esclarecer as negativas sobre o atendimento das redes das mulheres que ela trata ali na introdução. Este distanciamento entre as instituições e o feminismo, mas parece que se perde a linha.

"Passei a perceber que o meu feminismo “acadêmico” não era libertador para a mulher que eu atendia da mesma forma que era para mim. E passei a observar qual a distância entre o dia a dia de um Centro de Defesa da Mulher e a teoria feminista"

O que se reflete na pratica isso? E a autora mesmo falou que muito desta distancia era os centros de ajuda mesmo terem uma má compreensao do que é feminismo, e quem la trabalha perder as nuances machistas e internalizar outras perspectivas para ajudar estas mulheres, que tambem precisa ver sua realidade de outra forma e a si mesma.

E todos os exemplos ali sao de linhas "teoricas" feministas, nao compreendo isso de dizer que o feminismo reune todas as mulheres como vitimas e como opremidas, como uma mulher de matiz x, sem personalidade ou diferença. Nao é isso que eu vejo nem aqui nem em outros lugares.

Compreendo que ha muitas pessoas, muitas que se declaram feministas que podem nao ver que a teria é muito mais facil que a pratica, mas isso é uma lei qse que universal.

E de novo, o que eu leio, o que eu vejo nao condiz com este modelo apresentado que o Feminismo apenas apresenta "um unico caminho para libertação das mulheres"... nao sei se por ter tido contado com varios casos de violencia domestica, eu sei que nao é algo unidimensional. Mas o feminismo é a resposta em suas multiplas teorias de para tirar a culpa e vergonha desta mulher, perceber a estrutura patriarcal que está inserida, empodera-la como autora do seu proprio destino, e perceber que nao é a unica a passar por isso... E nesse quesito, nao vejo como negativa mostrar que TAMBEM estamos juntas neste elo comum de opressao.

Claro que as estruturas publicas, tanto de saude, juridico, força policial nao estao no que queremos, mas ja melhoraram e temos que entender como podem ser ainda melhores.

Contudo, para mim, faltou algo neste texto.


Beatriz Correa disse...

Off-topic

Lola, achei melhor comentar nesse post, pq o de hj é de um assunto mais tenso, mas olha q interessante...
http://m.theweek.com/article.php?id=247790

São várias charges americanas do século passado, ironizando a luta das mulheres pelo direito ao voto.
O pior é perceber o quanto essas charges são atuais...

(Espero q consiga abrir o link, eu acessei direto do celular)

Unknown disse...

O que acho que não ficou muito claro para todas é que o que estou questionando não é a capacidade do feminismo de educar mulheres e homens para a igualdade de direitos... o que eu quero discutir é que o caminho da conscientização não é suficiente em muitos casos de violência doméstica... O feminismo precisa discutir suportes reais e concretos e não dispor somente teorias! E não estou dizendo que isso não acontece, mas que precisa acontecer mais!
Além disso, questionar papéis sexuais no cotidiano de muitas das mulheres que eu atendi gerava uma ruptura que englobava muito mais do que a relação com o agressor: colocava em questão o papel daquela mulher como mãe, como filha, como cidadã e principalmente como mulher... E esse tipo de ruptura no contexto de alguém que já está psicologica-social-moral-economicamente abalada é extremamente complicado!