quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CRÍTICA: UM BOM ANO / Um ano mais ou menos

O início de “Um Bom Ano” parece desculpa pra todo mundo chamar o Russell Crowe de canalha, crápula, cafajeste e biltre. Que deve ser como todo mundo chama o Russell na vida real de qualquer jeito, pelas costas. O Ridley Scott deve saber, porque já trabalhou junto com a figura em “Gladiador” (aquele em que eu torço pelos tigres). E é só lembrar da carranca do Russell quando não levou o Oscar e a gente vê que o papel foi feito sob medida pra ele. Com um agravante: quem disse que o Russell sabe fazer comédia? Bom, o início, início mesmo não é esse. É o Russell menino trapaceando no xadrez. Aqui a gente vê que o filme poderia ser mais preguiçoso se tivesse, por exemplo, narração em off. Ainda assim, ele demora pra começar e não diz bem a que veio.

Não que “Ano” seja ruim. Só que tampouco é bom. Tem aquele tema repisado do nojentão (geralmente milionário) que precisa sofrer algum revés (geralmente após escapar da morte) pra mudar de vida e se tornar uma pessoa melhor. O meu preferido nessa linha é “Uma Segunda Chance”, aquele em que o Harrison Ford sofre danos cerebrais e precisa aprender tudo de novo: andar, comer, falar, e vamos ver se dessa vez ele aprende direito. O tipo de programa que faz a gente torcer pra ser atropelada e entrar em coma. “Ano” vai um pouquinho além disso porque tem também a questão do vinho (“Sideways” é superior, pelo menos fica hilário no final). Deixa eu contar logo a trama: o Russell trabalha num tipo de Wall Street inglesa e recebe a notícia de que seu tio querido Albert Finney morreu e que ele é o único herdeiro de uma casa com vinícola na França. Claro que isso será pretexto para o biltre reavaliar sua existência e se envolver com atrizes que eu nunca vi mais magras.

Pra mim, primeiro veio a revolta: por que só gente rica recebe herança de gente rica? Depois veio a constatação de que não me identifiquei com o personagem central, nem compartilhei de suas aflições. É muito fácil largar uma vida cheia de stress e dinheiro pra abraçar uma vida cheia de paz e dinheiro num belo chateau francês. “Ano” evoca os clichês “dinheiro não compra felicidade” e “aprecie as coisas simples da vida, galera”. Isso é lindo, mas eu não tenho tio me deixando mansão na França. O filme martela sua mensagem de que os milionários não sabem viver. Um deles tem um Van Gogh que precisa ficar trancado num cofre. A cópia, que custa a bagatela de 200 mil dólares, pode ser exposta. Ok, é realmente estúpido ter algo tão caro que nem dá pra usufruir, ainda mais sendo um patrimônio da humanidade. O problema é que lá pelas tantas “Ano” decreta que saber viver é viver numa mansão francesa avaliada em 7 milhões, com criados, comida farta, e vinhos que custam os olhos da cara. Assim até eu! Tô ansiosa pra adotar esse estilo de vida simples. Se bem que eu trocaria a mansão por um carrinho que fale comigo e me diga que direção tomar, se ele fizer baliza também.

Além do mais, trocar Wall Street inglesa por vinícola francesa é moleza. Queria era ver trocar Londres por uma entre as milhares de florestas amazônicas presentes em todo o território brasileiro. Aí viraria “Turistas”, lógico. Você não tá roendo as unhas pra ver esse terror em que psicopatas brasileiros torturam jovens americanos? Sei que tá todo mundo revoltado, e com razão, mas temer que um filmeco desses afete o turismo daqui é ingenuidade. Convenhamos, a gente quer mesmo que americanos que acham que temos cipós e macacos no meio do trânsito venham pra cá? Enquanto o terror não chega, fique com as críticas americanas, tão boas quanto o produto em si. Nelas a gente descobre que Zamora é um nome tipicamente brasileiro e que um dos vilões é interpretado pelo “astro das novelas brasileiras” Agles Steib. Cumé? Quais novelas andam passando nos EUA?

Voltando ao cenário francês de “Ano”, lá pelas tantas a gente percebe que um dos casais do filme se conheceu na infância, o que é muito suspeito. Um flashback mostra os dois pombinhos sendo crianças da mesma idade. Só que o cara parece ser uns vinte anos mais velho quando adulto. E com o tempo o desfile de ofensas dirigidas ao Russell descamba pra uma repetição de elogios sobre o bumbum de uma mulher. Fica meio que uma lavagem cerebral. Se você não percebeu que o bumbum da moça era especial até então, lá pela terceira vez que personagens distintos o citam, você vai notar. Eu prefiro chamar o Russell de crápula.

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