quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CRÍTICA: TORRES GÊMEAS / Memorial do herói enterrado vivo

É aquele tipo de pergunta à la Kennedy: onde você estava quando o Kennedy foi assassinado? (que em “Harry e Sally”, pra mostrar o conflito de gerações, uma jovem indaga, assustada, “O Ted Kennedy foi assassinado?”). Então, onde você estava quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas? Eu estava em casa, mas só fiquei sabendo e liguei a TV horas depois. Já o Nicolas Cage e o Michael Peña (de “Crash”), que interpretam os personagens principais de “As Torres Gêmeas”, estavam embaixo de um dos prédios, ué. E sabe-se lá onde estava o diretor Oliver Stone (Oscar por “Platoon”, eca). Como o sujeito virou persona non grata depois de um documentário louvando Fidel e do homossexualismo em “Alexandre”, agora ele dá toda a pinta de querer se reabilitar. Ou seja, apresenta um “Torres” de direita, pisando em ovos pra não ofender os americanos, muito pelo contrário. Seria mais interessante vê-lo contar uma história de conspiração, que é a sua especialidade. Muita gente acredita que foi o Bush quem orquestrou os ataques terroristas para unir o país. Assim como se dizia que quem derrubou o avião com destino ao Pentágono foi o próprio governo. Ainda não vi “Vôo United 93”, mas deve ser melhor que “Torres”, até porque é contado em tempo real. Se bem que o gerente disse que parece ter sido feito sob encomenda do Bush, pra mostrar como os passageiros eram tão heróis que preferiram morrer a se chocar contra um prédio público.

Com “Torres”, o cinema todo tava fazendo “sniff sniff”. Eu, uma manteguinha derretida, obviamente chorei. Só um sem-coração total como o maridão não derrubou uma só lágrima. O filme é sentimental até a medula, construído pra comover, e eu sempre caio. Câmera lenta e música emocionante, eis a receita pra um dilúvio. Mas, pensando bem, se fizessem uma produção sobre uma das inúmeras criancinhas iraquianas e afegãs que certamente devem ter ficado presas em meio a escombros quando seus países foram bombardeados pelos EUA, não seria tão diferente, seria?

No fundo, a mensagem é que nossos maridos precisam estar entre a vida e a morte pra reconhecer o nosso valor. Perguntei pro maridão se ele, soterrado até o pescoço, finalmente me daria o merecido valor. Ele respondeu: “Talvez se eu deitasse na cama em casa a poeira se acumulasse e eu ficaria soterrado. Mas não sei se o seu valor viria à mente”. Depois eu quis saber se, nesse caso extremo, ele diria pra mim “Você me manteve vivo”. O verme rastejante respondeu que sim, essas seriam suas últimas palavras.
O Stone opta pela temática típica americana, a de glorificar o indivíduo. Deixam a cena os quase três mil mortos no atentado, substituídos por dois heróis. Ao focar a história inteira no drama desses dois homens e suas mulheres, de gente que não tem a menor idéia do que aconteceu, o Homem-Pedra esvazia o conteúdo crítico. Não é bem “As Torres Gêmeas”. Tá mais pra “Drama Particular nas Torres Gêmeas”. Até o Bush aparece positivamente, longe do presidente titubeante que vimos em “Fahrenheit 9/11”. Não é à toa que tem crítico ultraconservador chamando o filme de “pró-americano, pró-fé, pró-família, e pró-macho”. Quem sou eu pra discordar? Mas espectadores escreveram coisas mais relevantes. Por exemplo, um disse que é como ver um filme sobre o Titanic sem ver o navio afundar. Outro manifestou seu temor de que o fuzileiro (o personagem mais patriota e suspeito) iria matar, não salvar, os sobreviventes. Sei lá, se é pra conhecer o drama de alguém, eu preferiria ver os momentos finais das pessoas que pularam do prédio. Ao invés disso, o Stone nos leva ao fundo do poço de um elevador, onde há mais bigodudo por metro quadrado do que em todo o Iraque, imagino. É o memorial do herói enterrado vivo. Não deixa de ser uma boa metáfora pros EUA.

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