terça-feira, 28 de novembro de 2006

CRÍTICA: DIAMANTE DE SANGUE / África? Já ouvi falar

Lembra que alguns críticos (eu inclusive) reclamaram do ótimo “Jardineiro Fiel” por ter inserido uma perseguição de carro que não tinha muito a ver, só pra cumprir a fórmula? Em “Diamante de Sangue” tudo segue a fórmula de filme de ação. Perseguição de carro? Presente. Tiroteio? Aqui. Briga de soco? Só. Câmera chacoalhante? Pode apostar. Romance entre casal heterossexual e branco, pelamordedeus? Com certeza. Levar esta aventura a sério é pedir demais. O cenário de guerra na África é só isso, um cenário. Desta vez estamos em Serra Leoa. Um mercenário, o Leonardo Di Caprio, que no final vai virar a versão loira de “Rambo”, envolve-se com o típico bom selvagem interpretado pelo Djimon Hounsou, que encontrou um diamante, e também com a jornalista vivida pela Jennifer Connelly, que ninguém é de ferro. O nome dela antecipa o do Djimon nos créditos, pro público branco saber que esta é, acima de tudo, uma história sobre pessoas brancas. O mais impressionante é que “Um Grito de Liberdade”, que traz a mesma dinâmica (mas é bem melhor), tem quase vinte anos. Nada mudou em Hollywood. Continua lindo mostrar um homem branco se redimir de seus pecados e encontrar o verdadeiro sentido da vida. Isso não te toca o coração? Mais comovente que isso, só o astro branco ser indicado ao Oscar.

O fim de “Diamante” é tão horroroso que me fez pensar em “Amistad”. Mas que fique claro que os aplausos de pessoas brancas pro negro não são realmente pra ele. São pra elas próprias. É um jeito auto-bajulante de dizer: puxa, olha como a gente é liberal, como a gente se preocupa com a África. É, muito. Não o suficiente, claro, pra aprovar que uma Olimpíada se realize no continente mais abandonado do planeta, ou pra pagar indenização pelos séculos de exploração e escravidão. Fazer filminho até que sai barato. Mas não me leve a mal, acho até que os americanos deveriam fazer mais filmes na África, porque pelo menos assim há momentos de paz. Por exemplo, um pai pode se reconciliar com o filho à vontade, porque naqueles minutos haveria não só um cessar-fogo, como também música melosa pra embalar nossas emoções. O mesmo vale pra um carinha ligar pra amada. Dá tempo. Durante o telefonema precioso, é óbvio que ninguém vai atirar, nenhuma bomba vai explodir. E se houver um avião, ele voará em direção ao Sol, porque o amor é lindo. Burp.

Não sei se há mensagem no filme, fora pedir que o pessoal verifique a procedência de seus diamantes. Tenho um conselho. Faça como eu: não compre diamantes. Sou suspeita pra falar, eu que me ligo tanto em jóias que nem orelha furada eu tenho, eu que olho pra uma pedra preciosa e digo, “Ah, ela brilha”, e fim de papo. Uma vez li que dá pra ter uma lixa de diamantes que custa os olhos da cara. Por uns breves segundos aquilo virou meu sonho de consumo, por ser um produto diamante (sabe, é para sempre). A lixa poderia ser deixada de herança pras próximas gerações. Aí me lembrei quantas vezes por mês eu uso uma lixa, e da minha decisão de não ter filhos pra não deixar pra ninguém o legado da minha miséria, e desisti.

Triste foi ver “Diamante” e pensar em “Cidade de Deus” em algumas cenas, como quando crianças portam armas e gargalham. Tem algo tão errado com a educação dos homens em geral, independente de cor, raça e religião, que todas as brincadeiras passam a parecer simulações de guerra. Tenho minhas dúvidas se realmente é preciso fazer lavagem cerebral num garoto que já está acostumado a matar passarinhos, apedrejar gatos e pegar em armas (de brinquedo). Não será que a lavagem cerebral começou bem antes? Vendo esses filmes eu fico revoltada com a humanidade. Bem, com metade da humanidade, a parte masculina, porque nem vem que não tem: numa guerra, mulher só entra de vítima. Ou ela é estuprada ou morta, mais nada. Ela não vai sair por aí metralhando aldeias. Tive esses mesmos pensamentos ao assistir aos infinitamente superiores “Hotel Ruanda” e “O Senhor das Armas”.

Achei que os atores estão mal-dirigidos em “Diamante”. Normalmente Leo, Djimon e Jennifer são excelentes, mas algo na direção do Edward Zwick (que se saiu melhor em “Tempo de Glória” e “O Último Samurai”) faz com que eles pareçam falsos. O Leo de “Infiltrados” merece ser indicado ao Oscar. Este, com seu sotaque esquisito, não. Os espectadores adolescentes da minha sessão riram quando ele vira Rambo, assim como riram da explosão de raiva do Djimon. E a Jennifer (de “Uma Mente Brilhante”), apesar de linda como de costume, tá cheia de tiques. Meu irmão fotógrafo gostou dela porque ela sabe segurar uma câmera. Pra quem não é do ramo não sobra muito pra recomendá-la.

Pois é, não gostei nada de “Diamante”. Não gostei porque eu e o maridão andamos por toda Moscou e não encontramos uma só alma que falasse inglês, mas em Serra Leoa todo mundo é fluente. Não gostei porque, quando um sujeito diz pro outro voltar pra casa, o outro nem pergunta “Que casa?”. Claro, esses são detalhes. Se o filme servir pra algum espectador sair da sessão mais engajado com a tragédia africana, já é alguma coisa. Mas desconfio que a reação não passe de “África? Já ouvi falar”.

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