quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CRÍTICA: CASSINO ROYALE / Fantasia masculina

Os críticos, principalmente os americanos, estão babando por “007 – Cassino Royale”, a 21ª produção de uma das franquias mais lucrativas do cinema. Será que eles adoram porque o Bond fica amiguinho de um agente da CIA? Não sei, suponho que críticos homens em geral gostem de qualquer Bond porque, como a franquia existe há quatro décadas, eles devem se lembrar de como se sentiram quando viram seu primeiro 007 com dez aninhos. Pra mulher é diferente. A gente não sonha em dirigir carrão, deitar-se com espiões, ou usar caneta que mata. No máximo a gente pode fantasiar em ser a beldade saindo do mar num biquíni. Não é a mesma coisa. E antes que alguém pergunte, o meu Bond preferido é o Roger Moore, mas acho que apenas porque eu era adolescente quando ele existia. Todo mundo louva o Sean Connery e se esquece que seu personagem era ultra-machista, de bater nas mulheres mesmo. Hoje os tempos são outros e seria inaceitável um herói espancador de moças. Então o novo 007, Daniel Craig, pode bater em negros à vontade, mas nas damas ele só bate verbalmente, chamando-as de vadias. Um gentleman.

Nunca entendi a atração provocada pela série. Sei que alguns adolescentes gostam pelos carrões e as mulheres em trajes de banho que o Bond usa. Imagino que outros sonhem com a licença para matar. Talvez alguns amem o turismo? Afinal, o 007 sempre visita lugares exóticos. Em “007 Contra o Foguete da Morte”, por exemplo, o Bond dirige uma lancha no Rio Amazonas, e na curva do rio a lancha despenca nas Cataratas do Iguaçu. Pra mim esses filmes parecem meio iguais. Não consigo distinguir um do outro. E não há suspense. Nosso herói vai sofrer mas escapa, já que é tão imortal como o Jason e o Freddy Krueger juntos. Mais ainda, já que os protagonistas de “Sexta-Feira 13” e “A Hora do Pesadelo” são geralmente interpretados pelo mesmo ator. O Daniel é novinho, não tem nem 40, e pode repetir o papel, se quiser, por mais de uma década. Mas acho o fim quando vários personagens são escalados pra valorizar um ator. Assim: uma moça diz que sua (a dele) bunda é perfeita, outro que ele (Bond) cuida muito bem do seu corpo. E eu lá, pensando, só eu no mundo que não acho o cara minimamente interessante? Até imaginei que herói e vilão iam começar um diálogo do tipo: “Ah, o seu corpo também tá com tudo em cima”. Elogiar a forma física de atores é como elogiar efeitos especiais de arrasa-quarteirões. É a razão d’eles existirem, pô.

O começo de “Cassino” eu achei um porre. Disse pro maridão que eles poderiam jogar os primeiros quarenta minutos no lixo, que ninguém perderia nada, ao que o maridão retrucou: “Ah, eu gostei do Homem-Aranha”. Ele tem razão. O Bond corre atrás de um sujeito que pula e se movimenta muito melhor que o Homem-Aranha que tínhamos acabado de ver no trailer. Mas, como o cara é negro (o 007 só sai correndo atrás de negro neste filme), e o nosso agente secreto é loiro de olhos azuis, adivinha quem sai o vencedor dessa disputa? Um que poderia se chamar Blond. James Blond. Com o tempo a aventura melhora, e a cena do jogo de pôquer é legalzinha. Só não entendi por que escalar um super agente secreto pra ganhar aquele jogo. É o sonho de todo jogador de pôquer, ué. Dois participantes da mesa têm full house, um tem flush, e é óbvio que, com quatro cartas do mesmo naipe abertas, alguém deve ter seqüência real. É muito simples. Não precisa ser um gênio ou saber ler os tiques do pessoal. Se eu tenho uma seqüência real, eu ganho. E se eu tenho uma real na mesma mão que os outros jogadores estão carregados, eu limpo a mesa.

Há também longas e inúteis cenas em que o 007 quase afunda Veneza e destrói um aeroporto para melhor salvá-los. Até que nosso herói é torturado na parte mais importante de sua anatomia (fica perto da bunda perfeita). Ele sobrevive, claro, pra ouvir da sua amada Eva Green (de “Os Sonhadores”) que até se ele tivesse só o dedo mindinho, ele seria mais homem que a maior parte que ela conheceu. Tradução: mesmo que você perdesse suas partes íntimas, eu ainda gostaria de você. Inclusive porque até aquele momento o relacionamento deles é totalmente platônico. O Bond não come ninguém até o final do filme (e não compreendi o coito interrompido com a primeira Bond girl).

Bom, andam dizendo que “Cassino” foi inspirado no primeiro romance do Ian Fleming sobre o Bond, de 1953. Mostra o mito se tornando o mito. Quer dizer, mostra em parte, né? A gente continua sem saber muito dele, além de que é um sujeitinho muito do arrogante. Mas, pra todo mundo gostar tanto, deve haver uma moral da história. Eu só consegui captar uma: agentes especiais também amam. Oh que lindo. Estou comovida. Aproveito as lágrimas de emoção pra fazer um apelo. Se você algum dia matar alguém afogado numa pia com água corrente, por favor, quando acabar, feche a torneira. A licença é só pra matar, não pra acabar com o planeta.

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