quinta-feira, 26 de agosto de 1999

JUSTA HOMENAGEM A UM MITO SEXUAL DO CINEMA

Ciclo de filmes de Marilyn Monroe exibe clássicos da diva mas deixa de fora algumas obras marcantes

Nesta semana, a Globo faz uma justa homenagem à Marilyn Monroe. Ótimo, outro dia tinha sido ao Al Pacino e Audrey Hepburn, agora só falta mudar o horário (a gente precisa mesmo daquela sessão de Intercine antes?) e escolherem melhor os filmes. Não que sejam ruins, longe disso, apenas não são os mais representativos. No caso de Marilyn, boas opções ficaram de fora.

Dos que foram programados, o único imprescindível mesmo é O Pecado Mora ao Lado, uma comédia interessante que, em inglês, leva o título original de The Seven Year Itch, ou "o comichão dos sete anos", que é o que aparentemente acontece com os homens após um certo período no casamento. Para trair sua esposa, o protagonista escolhe sua bela vizinha. Como a direção é de Billy Wilder, um dos grandes, o filme tem certa classe. E é fundamental porque inclui uma cena que entrou na memória da cultura pop - aquela, do vento do metrô levantando a saia de Marilyn.

Na verdade, apenas um dos filmes que Marilyn encabeçou tem status de obra-prima. É Quanto Mais Quente Melhor (1959), também de Wilder. Este título faltou na retrospectiva global, mas pode ser apreciado em vídeo. Conta a história de dois músicos desempregados, finamente interpretados por Jack Lemmon e Tony Curtis, que testemunham um massacre da máfia e têm que fugir da cidade. Para isso, disfarçam-se de mulher e integram uma banda feminina. Marilyn, óbvio, faz parte do grupo, e Curtis se apaixona por ela. A comédia traz ainda uma fala clássica, quando Lemmon tira o disfarce e dá seu motivo definitivo para não se casar com um homem, e ouve em troca: "bom, ninguém é perfeito". A propósito, apesar do resultado final, Wilder declarou que sua parceria com Marilyn "foi como ter trabalhado com Hitler".

Todos os diretores que se juntaram à Marilyn nos seus últimos anos foram unânimes em sua condenação à estrela. Que o diga John Huston, que dirigiu o filme final de Marilyn, Os Desajustados (1961), outro que certamente deveria fazer parte da homenagem. Marilyn chegava atrasada ao set todos os dias, às vezes bêbada ou drogada, tinha crises, não memorizava suas linhas. As filmagens se arrastaram por tantos meses, e o desgaste físico e mental fora tanto, que Clark Gable teve um ataque cardíaco e morreu logo depois. Muitos culpam Marilyn.

Outra obra significativa de Marilyn é O Príncipe Encantado (1957), um conto de fadas sobre um nobre que cai de amores por uma corista. A comédia não tem nenhum encanto especial a não ser marcar o encontro do maior símbolo sexual com o maior ator deste século: Laurence Olivier (é ele ou Marlon Brando, não tem jeito). Sir Olivier, em sua autobiografia, descreve como seu deslumbramento inicial por Marilyn descambou para uma repulsa total por causa de seu anti-profissionalismo (o dela). Marilyn, embora ciente do seu efeito sobre os homens, era extremamente insegura quanto ao seu talento. Por isso, precisava de uma "treinadora dramática", cuja função era convencê-la de sua importância. Olivier ouviu um desses monólogos: "você é a maior mulher de nossos tempos, o maior ser humano de sua época; aliás, de qualquer época; não dá pra pensar em mais ninguém com a sua popularidade, nem mesmo Jesus". Este ritual durava horas.

Marilyn morreu sob circunstâncias misteriosas (a CIA a matou? Os Kennedy? Fidel? Ou foi suicídio por meio de uma overdose?) em 1962, aos 36 anos. Foi uma formidável atriz cômica, como pode ser conferido em seus filmes.

quarta-feira, 18 de agosto de 1999

NO CENTENÁRIO DE NABOKOV, BOA HORA DE RELER E REVER LOLITA

Autor daquela que muitos consideram a única história de amor convincente deste século, o escritor russo precisa ser entendido pelo viés do humor (na foto, ele e sua mulher, Vera, em 1965).

Imagine a cena: um quarentão se apaixona por uma menina de doze anos. Para ficar próximo, casa-se com a mãe dela. Ajuda na morte acidental da mãe, finge ser o pai, e leva a garota com ele pela estrada, para viverem, ao menos entre quatro paredes, como marido e mulher. Chocante? Pois é, se esta história continua causando arrepios hoje, imagine quando ela foi lançada, em 1955. Mas é esse mesmo um resumo muito generalizado de Lolita, obra-prima de Vladimir Nabokov. Em 1999 comemoram-se os cem anos de nascimento deste russo naturalizado americano, um dos mais influentes escritores do século.
Nabokov também publicou outros livros fabulosos, como A Defesa e Fogo Pálido, mas foi depois do sucesso de Lolita que ele pôde parar de dar aulas de literatura em universidades e dedicar-se integralmente à sua arte. Nabokov morreu na Suíça, em 1977. Há quem diga que Lolita seja a única história de amor convincente do nosso século. Pode até ser. Narrado em primeira pessoa por um Humbert Humbert detrás das grades, o livro é um banho de ironia do começo ao fim. O próprio pedófilo nos relata sua sina nos mínimos detalhes, mas com classe.
Ele nos narra sua infância francesa e de quando se envolveu, ainda pubescente, com uma menina mais ou menos de sua idade. Annabel é vista como a precursora da obsessão de Humbert. É em Lolita que o termo ninfeta aparece pela primeira vez. Humbert explica, pacientemente, que ninfetas são seres demoníacos entre os 9 e os 14 anos, e que poucas garotinhas nesta faixa se enquadram nesta categoria. Ele diz que um homem normal, olhando fotos de meninas de escola ou de bandeirantes, não reconheceria uma ninfeta. É necessário ser artista e louco.
O leitor não sabe ao certo se Humbert é artista ou louco, ou ambos, ou nenhum, mas vê que ele sem dúvida se empenha ao máximo em descobrir ninfetas. Humbert passa seus dias em parques onde brincam crianças, ou observando escolas e orfanatos. Em sua primeira lua-de-mel, ele rouba uma camisola de um orfanato e faz com que sua esposa, praticamente acéfala, segundo ele, ­ a vista.
Humbert tenta se justificar usando a literatura. Dante apaixonou-se por sua Beatriz quando ela tinha 9 anos, Edgar Allan Poe por sua Virgínia de 13, e Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas, aparece como hors-concours. Humbert tem uma opinião bastante alta a respeito de si próprio, e proclama que "era perfeitamente capaz de sexo com Eva, mas era Lilith quem ele queria".
Por acaso, Humbert vai parar na casa da viúva Charlotte Haze e conhece sua filha Dolores, que tem o apelido Lola, que ele chama de Lolita. Ele cai de amores à primeira vista e, para não perdê-la de vista, casa-se com Charlotte, que ele odeia. Se esta saga fosse contada secamente por um pervertido sexual, não teríamos como simpatizar com o agressor. Mas Nabokov escreve tão bem, e cria um Humbert tão sarcástico e fino (que nos deixa bisbilhotar no seu diário, nas suas cartas e na sua memória) que não ficamos totalmente contra ele. Até sentimos pena quando Charlotte avisa que enviará Lolita para um colégio interno.
Humbert pensa em matar sua mulher, mas é tão covarde que não consegue afogá-la. No entanto, bola um esquema para que Charlotte descubra seu nefasto diário e sofra um acidente. Milagrosamente, funciona. Humbert nos relata, com sua habitual verve cômica, sobre sua reação ao enviuvar: "Senhoras e senhores do júri, eu chorei". Muito mais de alívio do que de dor, claro. E vai buscar Lolita, que está em um acampamento de férias. Passam mais de um ano viajando, percorrendo os hotéis de beira de estrada dos Estados Unidos. Humbert faz ameaças de reformatório caso Lolita diga a alguém o que acontece entre eles. Em troca de sexo, dá-lhe mesadas, para logo depois roubar-lhe o dinheiro.
Seria fácil odiar um personagem tão desprezível quanto Humbert. Mas quem pode detestar o protagonista de passagens como esta: Humbert diz, ao usar uma gíria, "o leitor perceberá os sacrifícios que fiz para falar a linguagem de Lo." Ao que ela prontamente replica, "O quê?! Fale inglês!". O mais tragicômico é que Humbert se preocupa em ser um bom pai. Ele lê revistas adolescentes e matricula a menina em um colégio onde ensinam "não a soletrar muito bem, mas a cheirar muito bem". O que ele conclui: "Acho que nem nisso foram bem-sucedidos".
Finalmente, para escapar dos ciúmes doentios de Humbert e de uma vida sem perspectivas, Lolita foge com Quilty, outro pedófilo. Humbert passa anos perseguindo-os, sem conseguir alcançá-los. Reencontra Lolita quando ela já está com 17, "gasta", grávida e casada com um rapaz surdo e pobre. Este momento alcança a façanha de ser comovente, no meio de toda a ironia. Humbert percebe que continua apaixonado, apesar de Lolita não ser mais uma ninfeta. E parte para matar Quilty.
Lolita teve duas versões para o cinema. A primeira, de 62, dirigida pelo genial Kubrick e deturpada pela censura da época, aumentou o papel de Quilty e virou uma ótima comédia de humor negro. A outra, do ano passado, pode ser assistida em vídeo. É de Adrian Lyne, o mesmo de Nove e Meia Semanas de Amor, que teve dificuldades para encontrar um estúdio que aceitasse lançar o filme. Embora muito mais fiel ao livro de Nabokov do que a versão de Kubrick, a produção não tem alma por se levar demasiadamente a sério. E uma Lolita sem humor é como um Titanic sem navio.

sábado, 14 de agosto de 1999

CLÁSSICOS: A NOITE DOS DESESPERADOS / Um desespero só

A Noite dos Desesperados se mantém atual nestes tempos de topa tudo por dinheiro

A Noite dos Desesperados, um dos filmes mais importantes da década de 60, está comemorando 30 anos em 1999 sem perder um pingo da sua atualidade. Bem, a verdade é que já não era tão atual na época, pois tratava de um fato ocorrido na depressão americana. Mas vamos ao tema, que com certeza é relevante hoje.

O título original é "Matam Cavalos, não Matam?" ("They Shoot Horses, Don't They?"), que também é a última fala. O drama trata de uma maratona de dança em 1932, quando isso era comum. Com o desemprego e a miséria, devido à recessão, as pessoas se sujeitavam a qualquer coisa para sobreviver. Parece familiar?

Um concurso se aproveita da tragédia alheia e oferece 1.500 dólares para o casal que agüentar ficar mais tempo dançando. Os participantes devem bailar durante duas horas sem parar, têm dez minutos de descanso, e voltam à ativa. Se quiserem dormir, devem fazê-lo em pé, apoiados em seus parceiros. Também não podem sentar-se para comer. Banho, necessidades fisiológicas, descansar as pernas, tudo naqueles dez minutinhos escassos. Se alguém cai, tem dez segundos para levantar-se, como no boxe.

De quando em quando, para satisfazer o público, o concurso organiza uma corrida de dez minutos, quando os casais têm de correr em volta de um círculo. Os últimos três casais a cruzar a linha de chegada são desclassificados. A platéia torce, aplaude e aposta, como se fossem cavalos, desta vez sem raça.

Muitos dos participantes estão lá pela comida, já que servem três refeições diárias. Outros cobiçam o prêmio maior. Há ainda os que estão nisso por não ter rumo nenhum, por não ter para onde ir. Com uma galeria de personagens, o filme traça um perfil da sociedade (não no sentido do colunismo social) da época.

Jane Fonda, em seu primeiro papel sério, faz uma mulher autodestrutiva e amarga (antes disso, era conhecida por Barbarella e por ser a filha de Henry). Todo o elenco está perfeito, mas o destaque fica mesmo com Gig Young como o showman, que acabou levando o Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem detestável também consegue ser humano, afastando-se de uma caricatura.

Este é o grande feito de Sydney Pollack, que dirigiu coisas boas como Tootsie e Ausência de Malícia, ganhou o Oscar pelo infinitamente menor Entre Dois Amores e hoje, só para não fugir da mediocridade geral, tem de encarar bobagens tipo A Firma e Sabrina. Felizmente, Pollack notou que não há mais futuro em Hollywood para autores e se enveredou para a carreira de ator.

Certo, mas por que A Noite dos Desesperados é relevante? Bem, porque é em tempos de fome que esses concursos pipocam. Logo depois do confisco do Plano Collor, houve várias competições, principalmente em São Paulo. Por exemplo, uma ocorreu dentro de um shopping center. As pessoas que passassem mais tempo dentro de um carrinho poderiam levá-lo para casa. Isso durou meses de suplício. Enquanto os participantes viviam no carro, os freqüentadores do shopping iam lá vê-los. Eram uma atração a mais entre tantas vitrines.

Na febre dos concursos, um organizador anunciou um prêmio para quem comesse mais baratas. Quando a festa estava pra começar, com centenas de inscritos, a Justiça proibiu. Alegou que isso seria degradante demais.

Hoje, em que a situação de indigência no Brasil alcançou índices alarmantes - 35% das famílias no País não conseguem sobreviver por conta própria, estando abaixo da linha da miséria -, não sei porque esses concursos não voltam a acontecer com força total. É óbvio que haveria montes de desesperados dispostos a fazer qualquer coisa por uns trocados. Mas filmes como esse ajudam a entender porque há uma fila de gente esperando para aparecer no Ratinho. Ano passado, um desempregado aceitou participar de uma fraude, ir ao programa, ser chamado de corno pelo auditório em coro, e colocar um chapéu com chifres. Ganhou R$ 100,00 para sofrer uma humilhação que não esquecerá jamais. O que mudou? O valor dos prêmios.

sexta-feira, 13 de agosto de 1999

O CINEASTA QUE SABIA DEMAIS

Sai de baixo: além de sexta-feira 13, é dia do centenário de Alfred Hitchcock, o mestre do suspense

Nesta sexta-feira 13 do agourento mês de agosto comemora-se o centenário de aniversário de um dos maiores diretores da história do cinema. Nenhum dia poderia ser mais apropriado para Alfred Hitchcock. Considerado um gênio por crítica e público, Hitchcock só perde em importância, se é que perde, para Orson Welles. Tanto Welles quanto Stanley Kubrick foram brilhantes, sem dúvida alguma, mas realizaram poucos filmes (onze e treze, respectivamente). Hitchcock fez mais de cinqüenta.
É claro que nem todos os Hitchcocks são obras-primas. Porém, no mínimo uma dezena deve se enquadrar nesta categoria. E nenhum de seus filmes é menos que bom. A regularidade foi a grande marca deste diretor inglês que, só para não fugir da regra, nunca recebeu um Oscar (Welles e Kubrick tampouco). Assim como fez com Charles Chaplin, a Academia lhe deu uma estatueta pela obra, em 1968. Ou seja, um prêmio de consolação. E, em 1940, Rebecca, A Mulher Inesquecível (foto), ganhou o Oscar de melhor filme. Mas o mestre do suspense nunca foi condecorado como diretor.
Até hoje, Hitchcock continua sendo imitadíssimo. Se antes era homenageado, com cenas que lembravam as suas, a partir do ano passado ele passou a ser refilmado. Todos os remakes são inferiores, obviamente. E é triste saber que os adolescentes conheceram o Psicose de Van Sant, e não o de Hitchcock. Dói na alma ir a uma locadora e perguntar "tem Psicose?" e ouvir do atendente, "o um não tem, mas tem o dois, o três, o quatro...". Ou assim: "Os Pássaros taí?", e o pobre rapaz responde "temos a segunda parte".
Com um pouco de sorte, você encontra alguns dos verdadeiros Hitchcocks por aí. Aproveite também para gravar os filmes que a TV está mostrando. Afinal, não estão fazendo este carnaval todo à toa. Não estão falando de um diretorzinho qualquer, mas de um dos gigantes. Amar e conhecer Hitchcock é um dos requisitos básicos para qualquer um que diz gostar de cinema.
Vamos à uma lista dos melhores do homem. Como todas as rel
ações, esta também é pessoal e discutível. Forme a sua.Os Pássaros (1963) - Um dos filmes mais aterrorizantes já feitos. Uma jovem herdeira (Tippi Hedren, que sofreu um bocado nas mãos de Hitch, e mãe de Melanie Griffith) vai a Bodega Bay, uma cidadezinha californiana, atrás de um bonitão que vive com a mãe. Misteriosamente, os pássaros da região começam a se rebelar e atacar os humanos. Hitch não se preocupa em explicar o porquê da situação, apenas mostra, usando efeitos especiais incríveis. Poucas vezes seu terror esteve tão explícito. As imagens por si só já assustam, então não há necessidade de música. Cenas clássicas: o filme todo, mas vamos destacar algumas. Toda a seqüência da escola das crianças é um marco, desde quando os pássaros se amontoam no parquinho até o ataque em si. Hitch não poupou as criancinhas. A seqüência do posto de gasolina também é inesquecível, assim como quando Tippi entra em um quarto cheio de passarinhos sanguinários.Psicose (1960) - O suspense mais famoso de Hitch, e um clássico estonteante do começo ao fim. Fala de uma moça (Janet Leigh, mãe de Jamie Lee Curtis) que, cansada de ser honesta, decide roubar de seu patrão 40 mil dólares... e, fugindo, escolhe o motel errado para passar a noite. O fantástico aqui é que, até metade do filme, a personagem principal é a de Janet, e o Norman Bates magistral de Anthony Perkins nem dá as caras. Quando aparece e Janet é morta, ele se torna o protagonista, sem nenhum prejuízo no ritmo. Bates é o personagem edipiano por excelência, e nenhuma refilmagem pode fazer esquecer o trabalho de Perkins. Dizem que, em Portugal, o filme se chamou "O Filho que era Mãe", mas é lenda. Cenas clássicas: falar do chuveiro é chover no molhado. Pontuada com a música magnífica de Bernard Herrmann, esses fotogramas vivem no subconsciente do cinéfilo. As expressões finais de Perkins não ficam atrás.Intriga Internacional (1959) - Para muitos, o maior Hitchcock. Traz o tema recorrente do cineasta: o do homem comum e ingênuo que, sem querer ou saber porquê, se vê envolvido numa trama de espionagem, na qual terá que provar sua inocência. O supergalã Cary Grant deixa sua marca. Cenas clássicas: se Hitchcock tinha algum defeito, este era que seus filmes demoravam um pouquinho pra engrenar. Pois bem, isso definitivamente não acontece em Intriga Internacional, delicioso por igual. A cena do milharal, quando nosso herói é perseguido por um avião, e o clímax derradeiro no Monte Rushmore, entraram para a história.Um Corpo que Cai (1958) -James Stewart, ator preferido de Hitch (e de Capra), faz um detetive aposentado com medo de altura. Certo dia, ele é contratado por um amigo para seguir sua esposa, que anda agindo de modo estranho, e se apaixona por ela. Ela morre, ele se sente responsável e entra em estado catatônico até conhecer uma outra mulher, que ele tentará transformar na falecida. Romântico, profundamente psicanalítico e perturbador, este filme tem mais a ver com seu título original, Vertigo (vertigem). As cenas clássicas são todas aquelas que tiram proveito da acrofobia do protagonista (escadas, torres, corpos caindo...).Pacto Sinistro (1951) - Dois estranhos se conhecem em um trem, e um deles propõe um plano perfeito: um matará o desafeto do outro. Não haveria como a polícia descobrir os assassinos, pois faltaria o motivo. Outro belo Hitchcock com seqüências imperdíveis, como o clímax no carrossel desgovernado. Ou a imagem de uma mulher sendo estrangulada - seus óculos caem, e a câmera mostra sua morte através das lentes quebradas no chão.Janela Indiscreta (1954) - Stewart novamente, desta vez como um fotógrafo com a perna quebrada, confinado a uma cadeira de rodas e a um binóculo usado como passatempo. Nessa brincadeira de espionar os vizinhos, ele suspeita de um assassinato de verdade. A princesa Grace Kelly faz sua namorada, e uma das cenas antológicas ocorre quando ela invade o apartamento do possível criminoso, e Stewart assiste a ele chegando. Suspense definitivo sobre a impotência.Festim Diabólico (1948) - Dois rapazes matam um colega só pela diversão, e em seguida convidam parentes e amigos para uma festinha no apartamento, aonde o cadáver está escondido. Stewart é o professor que tenta descobrir a trama. Mesmo sendo um pouco teatro filmado, já que quase toda a ação se passa entre quatro paredes, ainda é um Hitch incrível, e bastante experimental. O diretor usou takes de dez minutos - isto é, há pouquíssima edição aqui. A câmera segue os personagens, pois praticamente não há cortes.Disque M para Matar (1954) - Ray Milland (de Farrapo Humano) é um jogador de tênis que planeja, nos mínimos detalhes, o assassinato da esposa rica e infiel. É claro que tudo dá errado, até porque a esposa é Grace Kelly. A seqüência da tentativa de morte é interessantíssima e curiosa, e a troca de chaves também. Pena que no elenco, no papel do amante, esteja Robert Cummings (de Em Cada Coração um Pecado), um atores mais inexpressivos de Hollywood nos anos 50. Filmado em terceira dimensão, o que não dá pra notar em vídeo, Disque M foi outra vítima dos remakes do ano passado. Ganhou versão chamada Um Crime Perfeito, com Gwyneth Paltrow e Michael Douglas.Ladrão de Casaca (1955) - Um famoso ex-ladrão de jóias na Riviera Francesa (Cary Grant de novo) é acusado de uma série de roubos e tem que mostrar que não foi ele. Mais uma comédia romântica que um suspense, mas cheio de charme e contando com Grace Kelly, que nunca esteve tão linda.Frenesi (1972) - Neste penúltimo filme de Hitchcock, um ex-oficial antipático se arrisca para encontrar o verdadeiro "assassino da gravata", um serial killer que estrangula mulheres em Londres. Ótimas seqüências, entre elas a do caminhão de batatas, fazem deste um legítimo Hitch. O diretor fez mais um, o engraçadinho Trama Macabra, e morreu quatro anos depois, em 1980. Foi seu 53º filme.

Leia também: Os 40 Anos de Os Pássaros, e a homenagem da Vanity Fair a Hitchcock.

segunda-feira, 9 de agosto de 1999

PORQUE NÃO ME UFANO DO MEU PAÍS

Mídia centra sua atenção nos Jogos Pan-americanos e esquece as mazelas do Brasil

Outro dia vi uma charge do magnífico cartunista Quino em que um homem observava várias situações em sua nação - como conquistas esportivas, a fome, churrascos, buracos -, e exclamava, mudando apenas a expressão no rosto, "Meu país!". No final, alguém lhe pergunta sua nacionalidade, para colocar em um documento, e ele responde: "Contraditória".

No Brasil, principalmente em época de competições, sinto que não existe esta contradição. Tapamos os olhos e enxergamos apenas as coisas boas. A menina gaúcha que ganhou três medalhas na ginástica nos redime. Até um torneio chinfrim, como essa tal de Copa das Confederações, onde o Brasil decide semifinal com Arábia Saudita e final com México, recebe enorme destaque e nos faz esquecer a descoberta da miséria por ACM, conchavos com a Ford, aumento de combustíveis, o rendimento da poupança, que é metade da inflação; enfim, esse desgoverno todo que aí está.

O nacionalismo esportivo sempre foi uma maneira de alienar o povo. Será que mudou tanta coisa da copa de 70, do "Pra frente Brasil" e "Brasil, ame-o ou deixe-o" pra cá? Não tenho a menor idéia de quem eram os locutores de então, mas não me espantaria se eles fossem idênticos a Galvão Bueno, Luciano do Valle e cia. ltda.

Qualquer um que conheça um pouco de história sabe que nenhum nacionalismo está completo sem um inimigo externo. Portanto, no esporte tratamos de arranjar logo dois adversários mortais: Argentina e Cuba. Pois é, imagina se a gente ia brigar com país de primeiro mundo? Claro que não, diante deles a gente se curva, beija seus pés, e agradece a Deus por olharem por nós, comprarem nossas estatais e instalarem fábricas de vez em quando.

O nível técnico deste Pan-americano em Winnipeg parece estar meio baixo, há uma proporção de uma medalha para cada 4,5 participantes, mas nosso respeitável público não precisa saber disso. Cada medalha de ouro de um brasileiro é tratada como salvação da pátria. Vale bandeira, vale hino, vale auto-afirmação da potência que somos. E nossa luta no quadro de premiações é contra a Argentina. Contra Cuba, não vamos chegar lá, o que não evita que qualquer confronto entre Brasil X Cuba seja tratado como um clássico. É assim no vôlei, no pólo aquático, no basquete... Ainda bem que os cubanos não são chegados a um futebol.

Vi uma atleta brasileira dizer que "lá esporte é a única possibilidade de ascensão social", e fiquei bastante confusa. De onde ela estava falando, daqui ou de Cuba? Cuba é um paisinho minúsculo, com área parecida com a cidade de Boa Vista, em Roraima. Tem o que, 10 milhões de habitantes? Mesmo assim, é uma potência esportiva mundial. Nenhuma outra nação com população deste tamanho consegue tal desempenho. Só não tem mais medalhas neste Pan porque o Canadá eliminou da competição cem medalhas em que os cubanos seriam favoritos.

E, se Cuba é um sucesso no esporte, é porque lá o pessoal investe em trabalho de base. O Estado garimpa entre as crianças e lhes dá treino e financiamento. Agora, eu gostaria de saber o que há de tão errado nisso. E se o Brasil tivesse um sistema similar de tirar as crianças da rua e desse escola e esporte? Ou oferecesse a prática de exercícios aos internos da Febem? Alguém em sã consciência pode negar que o tratamento do esporte em Cuba é exemplar, e que poderia funcionar em outros países?

Mas não, não vamos jamais reconhecer que algo vindo daqueles comunistas pode ser bom. Cruz credo! Fidel, argh!, e fazemos o sinal da cruz três vezes.

Nossa bandeira é linda, mas patriotismo em excesso não faz bem a ninguém. O Brasil não melhora ou piora a cada medalha que recebe. Com as declarações da Leila do vôlei, que manda o espírito olímpico às favas e garante odiar as cubanas, fica mais difícil sonhar com o mundo sem fronteiras imaginado por John Lennon. Se quisermos tirar alguma lição do Pan, que tal esta: o que seria deste gigante em berço esplêndido se um dia acordasse?