O pior aconteceu num dos nossos países vizinhos: a extrema-direita voltou ao poder no Chile. Dias tristes e perigosos para toda a América Latina. Publico aqui o texto da
jornalista Isabela Vargas. Isabela é mãe da Gabriela, feminista e integra a coordenação do coletivo Mujeres por la Democracia Santiago de Chile, que organizou os protestos do #EleNao no Chile.
Pra quem está em Porto Alegre, no dia 20 de dezembro, a partir das 18h30, no Espaço Cultural Maria Maria, Isabela estará
lançando seu livro Viajando na Cordilheira - Um Diário de Vida, não de Viagem. É uma coletânea de textos sobre as vivências de uma jornalista brasileira como imigrante no Chile.
O candidato ultraconservador de extrema direita Jose Antonio Kast é o novo presidente do Chile. Isso significa que a partir de 11 de março de 2026 teremos uma administração muito parecida com a da Argentina e dos Estados Unidos.
Mas como explicar esse voto dos chilenos depois dos protestos em 2019 que levaram Gabriel Boric à presidência? Aliás, quando Boric foi eleito presidente, derrotou justamente Jose Antonio Kast nas urnas. Só que dessa vez, os chilenos deram um recado claro: quase 60% dos eleitores votaram por um governo ultraconservador.
Vários fatores ajudam a entender o que aconteceu no cenário político chileno. Em primeiro lugar, desde o início da gestão Boric a mídia tradicional bateu todos os dias no governo. Os programas de TV transmitiram a sensação de que o Chile é um dos países mais violentos do mundo e que a segurança pública era um tema urgente.
Em segundo lugar, a escolha da ex-ministra Jeannette Jara, integrante do Partido Comunista, para concorrer à presidência, na minha humilde opinião, também foi um fator chave. Nas prévias, confesso que não votei nela, mas na socialista Carolina Tohá.
A minha escolha foi simplesmente pensando em responder à pergunta: quem tem mais possibilidades com o eleitorado? O Partido Comunista do Chile tem excelente quadros, mas ao mesmo tempo enfrenta uma forte resistência por parte dos eleitores chilenos. Por isso, o Boric ganhou as prévias contra Daniel Jadue, também do PC, na eleição anterior.
Em terceiro lugar, e não menos importante, a estratégia de campanha do Kast nessa eleição foi evitar os temas justamente onde suas opiniões são mais conservadoras. Dessa vez, o enfoque foi totalmente no tema da segurança pública, com um forte discurso xenofóbico, e na economia, prometendo muito sem detalhar suas propostas.
Um aspecto muito importante é que Kast sabia que maioria das eleitoras evitou votar nele em eleições anteriores. Por isso, nessa eleição ele preferiu não falar sobre os direitos das mulheres pensando em conquistar o eleitorado feminino. Apesar disso, no discurso de encerramento de campanha no primeiro turno, em Viña del Mar, uma das frases de Kast foi: “Vamos falar de Deus novamente, da pátria e da família”.
Igualzinho ao Bolsonaro. Aliás, ele é muito próximo ao ex-presidente brasileiro recentemente condenado. Assim como Bolsonaro, Kast é um admirador de Pinochet e de outros militares condenados por violações de diretos humanos durante a ditadura militar. O mais famoso deles é Miguel Krassnoff, um dos oficiais do exército envolvidos no planejamento e administração de Villa Grimaldi, campo de detenção usado para a tortura de cidadãos chilenos no regime de Pinochet.
É muito estranho pensar que apenas quatro dias depois de celebrar o Dia dos Direitos Humanos, o Chile escolha como presidente justamente um político que ignora que este país ainda procura 1.469 pessoas. Como se fosse pouco, Kast em reiteradas ocasiões afirmou sua intenção de perdoar os responsáveis diretos por essas violações que fazem com que muitas famílias continuem à espera de desparecidos políticos. Hoje, o Chile voltou atrás em inúmeras conquistas e talvez nunca mais saia desse lugar de retrocesso e escuridão.