quinta-feira, 9 de março de 2017

O FEMINISMO E O DIA DAS MULHERES NAS MÃOS DAS FEMINISTAS

Ontem na Folha um jornalista metido a revisionista histórico "politicamente incorreto" 
(eufemismo pra reaça, pra disfarçar que o que eles fazem também é puramente ideológico) decretou, em pleno Dia Internacional da Mulher, que "o feminismo é importante demais para ficar nas mãos das feministas". Sim, vamos deixar o feminismo nas mãos hábeis e capazes dos anti-feministas!
Uma semana atrás, um jornalista intrinsicamente ligado à ditadura militar, Alexandre Garcia (que foi porta-voz do governo Figueiredo), decidiu "polemizar" (eufemismo pra ser abertamente preconceituoso) no Twitter. 
Ariel Palacios tuita sobre feminicídio
(clique para ampliar)
Provavelmente tentando se superar no tuíte que escreveu mês passado ("feminicídio é invenção de quem pensa que homicídio é matar 'hômi'"), Garcia disparou, ao comentar uma notícia em que Jane Fonda revelava ter sido estuprada na infância: "E eu com isso?" 
Diante das inúmeras críticas, ele tentou consertar, dizendo que não via ninguém reagir ou se escandalizar contra estupros quando acontecem aqui, só quando é ela fora. "Colônia", concluiu o filhote da ditadura financiada pelo Tio Sam. 
Vamos deixar as manifestações pelos
direitos das mulheres não com as
mulheres feministas, mas com o
pessoal que vai pra rua tirar selfie
com PM
Pois é, nós feministas nem existimos, né? A gente não reage ou se escandaliza com os estupros cometidos no Brasil. Isso que dá deixar o feminismo na mão das feministas!
O lugar que Garcia ocupa na Globo deve ser um prêmio de uma emissora que sempre apoiou o regime militar a um de seus personagens. A gente fica pensando como um reaça medíocre como Leandro Narloch é contratado para ser colunista do maior jornal do país. Aí a gente se lembra do Kim. 
Mulheres (e homens) NÃO marcharam
em Brasília ontem porque estavam
ocupadas demais falando do decote
da Emma Watson
Como exemplos de como o feminismo se perdeu em questões imaginárias, o jornalista revisionista histérico Nardoch menciona dois assuntos que nem eu, nem minha timeline (majoritariamente feminista), conhecíamos: uma crítica a Emma Watson e a uma marca de roupas. A gente estava ocupada demais com o Dia Internacional da Mulher (se bem que é plenamente possível pra gente, que é multitask, criticar mais de uma coisa ao mesmo tempo). 
Feministas prostestando em Brasília
ontem. Provavelmente as "adolescentes
reclamonas" que Nardoch chama de
"carolas moralistas"
Narloch chama o feminismo de "xucro" e argumenta que "as mulheres de verdade [...] precisam evitar que adolescentes reclamonas ridicularizem questões tão importantes da luta por direitos individuais".
E quem determina quem são as "mulheres de verdade" e que pautas feministas são importantes ou não, logicamente, são os homens machistas e anti-feministas. Nada como um homem em pleno Dia das Mulheres pra nos lembrar quais opiniões importam e quais vozes são ouvidas na nossa sociedade.
Na mesma linha do atraso e da total falta de contato com a realidade, o presidente golpista Michel Temer fez o que deve ter sido o pior discurso da história do Brasil no Dia Internacional da Mulher: "Eu tenho a absoluta convicção, até por formação familiar, por estar ao lado da Marcela, o quanto a mulher faz pela casa, o quanto a mulher faz pelo lar, o quanto faz pelos filhos". 
Feministas protestam no Paraguai
No discurso, Fora Temer colocou toda a responsabilidade da criação dos filhos na mulher, e nos "homenageou" apenas por isso. Não, minto! Ele também disse que a mulher é muito importante na economia -- quando vai ao supermercado e observa o reajuste dos preços! 
Feministas protestam em Hong Kon
Um discurso tão pré-histórico desses deixa claro como deve ter sido difícil pra Temer o papel de "vice decorativo" de uma mulher presidenta. Lembram daquela carta que ele mesmo divulgou antes do golpe, mostrando todo o seu rancor? Na carta ele lamentava-se por não ser protagonista, por ter papel secundário no governo. Com o discurso de ontem, em que vemos que mulher, pra ele, só vale se for subalterna, constatamos a principal razão do seu desconforto com Dilma.
O discurso foi tão desastroso que fez vários jornalistas (provavelmente não Nardoch ou Alexandre Garcia, que devem ter adorado) perguntarem a ministros se aquilo havia sido machista ("não", disseram as ovelhinhas). 
Feministas protestam no Iêmen
E rendeu discussão na Câmara dos Deputados também. O deputado Marco Maia (PT-RS), por exemplo, reclamou que o discurso atribuiu à mulher "um papel reduzido na sociedade". A deputada Shéridan, uma das 55 deputadas mulheres (10%), do mesmo partido do presidente, revoltou-se com as palavras do deputado: "Reduzido por que? Dona de casa se reduz a que? Muito me impressiona vossa excelência se reportar a uma condição de inferioridade da mulher por ela ser dona de casa".
Poema da grande Maya Angelou:
"Você pode atirar em mim com suas
palavras. Você pode me cortar com
seus olhos. Você pode me matar com
seu ódio. Mesmo assim, como o ar,
eu me levantarei" 
A gente fica sem saber se essas pessoas falam tais barbaridades por ignorância ou cinismo. O papel de dona de casa e mãe foi praticamente o único a ser oferecido a mulheres de classe média durante décadas. Separava-se o espaço privado (da mulher) do público (do homem), afirmava-se que a mulher só podia ter poder dentro da seara doméstica, e apenas sobre os filhos menores (ela era a "rainha do lar", o patriarca, o "senhor do castelo"). Um dos motivos da nossa rebelião foi justamente contra essa limitação de espaço e oportunidades. E ser dona de casa hoje é um privilégio que somente algumas mulheres (como Marcela Temer) podem escolher. As mulheres que já são 40% dos chefes de família no Brasil não podem se dar ao luxo de não trabalhar fora. 
Feministas protestam na Turquia
Portanto, valorizar apenas um espaço -- logo aquele que sempre foi o único ofertado às mulheres -- é uma volta ao passado. Seria um discurso desastroso em qualquer dia do ano. Piora ao ser proferido logo numa data feminista, a do Dia Internacional da Mulher, por um golpista que destituiu uma presidenta democraticamente eleita.
Feministas protestam na Coreia do Sul
E dizer que feministas são contra donas de casa é uma velha mentira dos anti-feministas. Não fomos nós feministas que fizemos a divisão sexual do trabalho, nem nós que determinamos que o trabalho doméstico não seria remunerado. Foi o patriarcado, este sistema que queremos derrubar. 
Feministas protestam em SP, come-
tendo a heresia de exigir estar
na linha de frente dos protestos
Narloch, Garcia, Temer, são homens de direita. Imagino que eles não se considerem misóginos, sequer machistas. Afinal (como a gente ouve um monte de machista dizer), eles são filhos de mulher, têm mãe, irmã, esposa, namorada, talvez tenham até amigas. Devem se achar cavalheiros, e devem olhar com grande saudosismo o tempo em que salvavam donzelas. E todos são anti-feministas. Às vezes, como no Dia Internacional da Mulher, pega mal ser anti-mulheres que lutam pelos direitos das mulheres. E aí eles inventam que opa, até que o feminismo é importante, o problema são essas malditas feministas, saca?
Felizmente, o 8 de março marcou, mais uma vez, a luta de milhões de mulheres, a enorme maioria assumidamente feministas, que saíram às ruas de todo o mundo para protestar. E felizmente, as nossas pautas e a validade do feminismo quem determina somos nós, não os anti-feministas. 

22 comentários:

Anônimo disse...

que nojo esses macho peludo intrometido....

Anônimo disse...

Tem gente que parece adorar se iludir e ficar se enganando, em vez de encarar os fatos e a realidade e ter alguma coisa efetiva a fazer que realmente mude essa realidade.

Anônimo disse...

O nome do cara é Narloch, Leia pelo menos o nome do autor de quem vc critica

Anônimo disse...

Garcia fez o que qualquer crítico do estupro de direita faz. Diz que 'odeia o estupro', mas pera lá, não nos esqueçamos que a 'maioria' das vítimas contribui para o crime. Quem manda não se cuidar, quem manda ser sexualmente ativa, quem manda ser estrangeira, quem manda sair à noite, quem manda ser mulher.

Assim, não dá para empático com vítima alguma, eu só quero condenar o estupro e manter o estuprador naquela categoria de monstra distante, por que benza a deus ter que me responsabilizar por mudar uma cultura que permite o estupro.

Por isso a birra com a Fonda, ela é uma vítima que ousou falar. Nojo, eu sinto muito nojo...

titia disse...

Traduzindo: machinho chorão com a fraldinha cheia devido ao medo de perder os privilégios e ego de algodão ferido por não estar no centro das atenções querendo calar feministas e falhando miseravelmente. Cem anos de luta e eles ainda não inventaram nenhuma lorota original pra tentar manter as mulheres escravizadas. Que tédio.

Anônimo disse...

As cenas relatadas pela Lola (Garcia, Narloch, Fora Temer) fora uma revelação de desconhecimento sobre do que é ser mulher em uma sociedade machista, ou uma hipocrisia (provavelmente os dois) muito vergonhosa. Além disso, especialmente no caso de Narloch, um completo desrespeito ao protagonismo que é das mulheres (evidentemente), sobre definir o que é a luta feminista e como é por quem deve ser protagonizada.

Ch..P

Anônimo disse...

narlouco, garcia, temerda

só gente asquerosa da pior estirpe

Anônimo disse...

O pt e a dilma foram escolher justamente esse brutamonte metido a ''cavalheiro da era vitoriana'' para vice, hein?

Anônimo disse...

Lola, que texto!!

gabs

Samira B disse...

Eu ví a chamada para a coluna do Narloch e me recusei a clicar... mas que disparate um troço destes justo no Dia Internacional da Mulher. Parece que foi de propósito, pra ilustrar o que a gente fala sobre mansplaning e sobre protagonismo. Aí ao longo do dia, o discurso do Fora Temer veio terminar de avacalhar de vez. Ainda tem muita luta pela frente. Mas a impressao que eu tive pelas propagandas e postagens no face é que o feminismo definitivamente está aí pra ficar, e está na moda. Há alguns anos atrás quase nao se via postagem e certamente nenhuma propaganda mais "problematizadora". Agora elas estao por toda parte. Nao dá mais pra fugir do assunto e ignorar.

donadio disse...

"O pt e a dilma foram escolher justamente esse brutamonte metido a ''cavalheiro da era vitoriana'' para vice, hein?"

Pois é.

E quando o PT não escolhia esse tipo de gente para vice, você a sua turma reclamavam que o PT "não tinha jogo de cintura", "não sabia fazer alianças", etc, etc, etc, etc, etc.

Agora reclamam que bom era o PT de antigamente, que não fazia alianças, e portanto não ganhava eleições.

Vocês não têm vergonha de tanta tosquidão, tosqueira e tosquice, não?

Bruxa da noite disse...

Passando só para lembrar que o 8 de maio começou como dia da mulher trabalhadora. Reduzir o feminismo a direitos "individuais" esvazia o coletivismo feminista.

Unknown disse...

Bruxa da noite, essa distinção nem faz mais sentido. Até parece que alguma mulher no ocidente teve um mísero direito 'individual' reconhecido sem muita, mas muita luta coletiva. Nosso direitos, do voto, a liberdade de expressão, de reconhecimento como ser humano, reconhecimento do trabalho doméstico como trabalho, previdência, tudo depende daquilo que construirmos para o coletivo das mulheres.

Todos os nossos direitos são coletivos, especialmente do ponto de vista da mobilização para consegui-los e impedir que sejam legalmente banidos, todos os nossos direitos são exercidos individual e coletivamente. Nada pior do que acreditar na falácia de que mulheres tem direitos 'essencialmente individuais'. Mas né? Essa praga do 'empowerment', "mulher, você quer, você faz', 'se valorize', tá aí iludindo muitas, infelizmente.

Anônimo disse...

Sério que com esse idade esses sujeitos ainda não aprenderam a fazer o próprio mingau? Será que é por isso que eles tem tanta "meda" das feministas??

Fico imaginando uma "casa dos horrores" ou "trem fantasma" para mascus como esses - ao invés de cadáveres de borracha, zumbis de cera e esqueletos que brilham no escuro, os corredores seriam cheios de aspiradores de pó, ferro de passar roupa, bebês chorando de fome e pilhas de roupa suja. Cara... só imagino eles borrando as calcas (e não tendo uma serviçal pra limpa-las)...

Jane Doe

Anônimo disse...

Olha donadio como vc sabe quem é ou não minha turma? Olha cara vc nem me conhece, aliás eu votei justamente na dilma e inclusive fui contra o impeachment, mas vc cara começou a me atacar e me agredir do nada apenas pq critiquei o pt de ter colocado o temer como vice presidente. Olha donadio se continuar assim é que o pt não vai ganhar mais nada mesmo. Com truculência, julgamentos e acusações absurdas só por causa de uma simples crítica ninguém mais vai querer saber do pt mesmo, com temer ou sem temer. E olha que eu sou uma mulher, votei no pt e tenho que aturar agressões do donadio em um blog feminista. Pois não é só o temer que é um brutamontes não, vc tbm é.

donadio disse...

Poiséné, quem mandou o PT usar saia curta. O resultado taí.

Anônimo disse...

Sai homem, não queremos objetificação, instrumentalização do feminismo. Não queremos antifeminismo.

Sai macho!

Mila disse...

Ai gente, que preguiça dessa galera do "mulher de verdade faz isso e não aquilo". Sabemos quem eles querem dar o grandíssimo veredicto de ser "mulher de verdade": as mulheres que seguem a cartilha do patriarcado.

O feminismo é importante demais para ficar só com as feministas. Para superar as desigualdades de gênero, todos deveriam se empenhar. E que bom que tem muita gente entrando em contato com o feminismo, questionando conceitos e atitudes mesmo sem saber que esta, por si só, é uma atitude feminista. E com isso, desperta-se a ira dos misóginos (só ver nesta página os trolls que acessam o blog todos os dias, mais que muitas feministas), que sempre procuram reduzir a importância do feminismo com senso comum e mentiras, se contorcendo por qualquer milímetro que lembre que a equidade está chegando.

Karol disse...

É isso aí Lola, excelente texto.

Anônimo disse...

(Viviane)
Donadio, eu também estou farta e enojada de tanta gente que se diz "de esquerda" e "progressista" culpar o PT, em geral, e Dilma, em particular, por sua própria queda. A analogia com a "saia curta" no seu outro comentário é perfeita!
A questão é que quem precisa tomar vergonha - a começar pelos políticos da "esquerda que a direita adora" e pelos jornalistas profissionais que insistem em se dizer "blogueiros" (ora, blogueira é a Lola, sem receber um centavo pelo que faz e ainda é ameaçada de morte!) - ainda se acha coberto de razão. Até quando?

Anônimo disse...

"Estou saudando a mandioca"
Dilma Rulsseff

donadio disse...

"eu também estou farta e enojada de tanta gente que se diz "de esquerda" e "progressista" culpar o PT, em geral, e Dilma, em particular, por sua própria queda"

(Viviane), eu penso que há uma diferença entre a crítica, que é necessária, e o escracho. Uma coisa é dizer que a política de aliança com o PMDB se revelou desastrosa, e que, como ela reflete uma série de opções do PT/da esquerda, inclusive a ideia de transformar a sociedade a partir de cima, da presidência da república, essas ideias precisam ser revistas e modificadas. Outra coisa bem diferente é dizer que o pt e a dilma (ainda mais assim em minúsculas) escolheram logo o Temer pra vice, ignorando o fato de que quem escolheu o Temer foi o PMDB, ou de que quando você faz uma aliança, é no mínimo complicado você tentar impor quem vai representar o outro lado nessa aliança (eu sei, eu uma vez quase implodi uma chapa sindical simplesmente vetando um dos nomes indicados por uma das correntes aliadas).

"A questão é que quem precisa tomar vergonha - a começar pelos políticos da "esquerda que a direita adora" e pelos jornalistas profissionais que insistem em se dizer "blogueiros" (ora, blogueira é a Lola, sem receber um centavo pelo que faz e ainda é ameaçada de morte!) - ainda se acha coberto de razão. Até quando?"

É provável que eternamente, (Viviane). Me lembro por exemplo do bafafá no blog do Nassif quando a Dilma em vez de ir num evento da Carta Capital que premiava empresários, optou por priorizar uma viagem ao exterior para encontrar chefes de Estado estrangeiros. Vi lá gente dizendo que assim não dava, que não ia mais apoiar o governo porque o governo não se apoiava a si mesmo, que era um absurdo desprestigiar a Carta Capital num momento em que a revista fazia das tripas coração para apoiar o governo. Dias depois a Lava-Jato chegava na Odebrecht, que era uma das empresas premiadas pela Carta Capital. Não vi ninguém a posteriori reconhecer que a Dilma tinha razão em não ir ao evento.

E não verei, creio, ninguém reconhecer que errou ao engrossar o coro das críticas à Graça Forster, ou ao emitir e secundar opiniões absurdas e machistas a respeito da psicologia pessoal da presidente da república.

Mas eu não acho que isso seja, por outro lado, desvio de caráter dessas pessoas. É resultado da política delas, que não é voltada para a emancipação dos trabalhadores das cadeias do capital, ou das mulheres das amarras do patriarcado, enfim não é voltada para a libertação dos oprimidos, e sim para uma mítica "independência nacional" lastreada na força do capital nacional. E que é uma política que só pode levar à derrota, porque o suposto principal beneficiário dessa política - a burguesia brasileira - não está nem aí para a independência nacional, e prefere, até com entusiasmo, o papel de sócia menor do capital globalizado.

Achei que essa política tinha sido derrotada em 1964, mas ela voltou, e com força, e não teve um papel pequeno no desastre de 2016, até porque ela não permeava apenas aqueles que faziam uma meia-oposição pela direita, mais ou menos travestida de radicalismo de esquerda, como é o caso de boa parte dos blogs ditos "progressistas", mas também estava firmemente incrustada no núcleo do governo.

E aí "essa turma", ou "essas turmas" não vão fazer autocrítica disso, porque não é um erro circunstancial, é algo em que eles acreditam, com a força "das paixões que vêm de dentro", como diria o Vandré. A não ser que sejam forçadas pela mobilização popular, o que no momento ainda não parece possível.