É com grande prazer que publico o guest post da advogada Vitória de Macedo Buzzi. Ela é a autora de um dos primeiros livros em português sobre a pornografia da vingança.
Recebi dois exemplares do seu livro no ano passado, e doei um exemplar pra biblioteca da UFC. Ele é excelente, e você pode comprá-lo aqui. Em abril, conheci Vitória pessoalmente em Floripa, pois compartilhamos uma mesa na UFSC. E faz tempo que venho cobrando um guest post dela, mas como o tempo é curto pra todxs, demorou.
Um pouco depois Isabela Rangel, mestranda da UFF, me enviou um email, através de um professor que conheci na UFRN. Sua dissertação é sobre revenge porn. Por coincidência, ontem mesmo ela me mandou o trabalho em pdf, que ainda não está disponível online (assim que ela me enviar o link eu compartilho aqui com vocês).
E, mês passado, recebi o livro (que pode ser downloaded gratuitamente aqui) O Corpo é o Código: Estratégias Jurídicas de Enfrentamento ao Revenge Porn no Brasil, editado pela Internet Lab, e escrito por Mariana Valente, Natália Neris, Juliana Ruiz, e Lucas Bulgarelli.
Ou seja, pornografia da vingança é um tema importante que está começando a ser pesquisado por aqui. E Vitória é uma das pioneiras. Eis seu post, exclusivo para o blog:
Vitória de Macedo Buzzi |
Hoje, temos melhor noção de que o que até então foi entendido como pornografia amadora era, na maioria das vezes, pornografia não-consensual: vídeos e fotos de mulheres em situações íntimas ou sexualmente gráficas, gravadas ou compartilhadas por alguma pessoa sem a sua autorização. Sites e blogs inteiros dedicados à “pornografia amadora” surgiram ao redor do mundo, misturando vídeos simulados, filmados profissionalmente pela indústria da pornografia, e gravações reais, submetidas pelos usuários, muitas vezes (na maioria das vezes, na verdade) sem o consentimento das mulheres envolvidas.
Mas pornografia de vingança e pornografia não-consensual são a mesma coisa? Na verdade, não. Dá pra resumir dizendo que pornografia não-consensual é um gênero -- que vai desde gravar ou fotografar sem o consentimento da pessoa (como gravações escondidas ou gravações de agressões sexuais), até divulgar fotos e vídeos registrados com consentimento, mas divulgados sem consentimento. É neste último caso que se convencionou chamar de revenge porn -- ou pornografia da vingança, no português.
No Brasil, especificamente, a enorme maioria dos casos são de fotos e vídeos gravados com consentimento durante um relacionamento, mas que, após o término, são compartilhados com terceiros pelo ex-namorado/ ex-marido/ ex-companheiro como forma de humilhar e punir a mulher pelo fim do relacionamento, pela recusa em reatar, por pedir pensão... As justificativas são várias (spoiler alert: nenhuma válida).
Dá pra perceber, assim, que o pornô de vingança é, infelizmente, uma prática bem popular já tem algum tempo, com casos que envolviam fitas VHS roubadas e enviadas para revistas de pornografia. O que mudou nestes últimos tempos foi a visibilidade que a mídia em geral tem dado aos casos (especialmente depois da prisão de figuras como Hunter Moore, nos Estados Unidos, que mantinha um site inteiro dedicado à pornografia da vingança), e também a facilidade de compartilhamento em massa trazida pelas redes sociais e pelos aplicativos de mensagens (sim, WhatsApp, estou falando de você!).
O problema é que a mentalidade do povo, em geral, não mudou muito. Ainda tem gente reproduzindo a mesma ladainha de que a culpa é das meninas e mulheres que gravam vídeos ou tiram fotos íntimas (muitas vezes, a pedido dos companheiros), de que mulher “de respeito” (muitas aspas aqui) não tira foto pelada, de que a única solução possível é todo mundo parar com essa história de mandar nudes.
Bom, não sei nem por onde começar. É óbvio que não tem nada de errado em gravar vídeos e tirar fotos íntimas -- errado é quem divulga isso sem autorização. E também é bastante óbvio que toda essa culpabilização das mulheres vem de construções sociais e papéis de gênero tão manjados que, em 1949, Simone de Beauvoir já tinha sacado isso: enquanto a sexualidade masculina é construída de forma pública, e suas demonstrações são incentivadas e celebradas, a sexualidade feminina é construída de forma condicionada à masculina, é privativa do companheiro, e só pode existir a serviço dele.
Ou seja, só vale existir enquanto um ser sexual se for pra agradar o parceiro (único e fixo, de preferência). Caso aquela sexualidade (demonstrada no vídeo ou na foto) não pertença a ninguém (porque, após o término do relacionamento, não está mais a serviço do homem), ela é inaceitável. E o comportamento da mulher, por consequência, deve ser punido.
Apesar de estar aqui tentando abordar o assunto de uma forma leve e descontraída, a pornografia da vingança não é nenhuma dessas coisas. Ela já causou o suicídio de muitas meninas, desesperadas e envergonhadas demais para pedir ajuda. Ela já destruiu a vida de muitas mulheres, que perderam seus empregos e a guarda dos filhos. Ela já fez com que adolescentes abandonassem as escolas e os sonhos do futuro por humilhação e preconceito.
É esse pensamento de que a culpa é delas, e não dos caras que compartilham esse conteúdo (e sim, a maioria das pessoas que compartilham são homens, como dizem as poucas pesquisas feitas sobre o tema), que continua destruindo a vida de muitas mulheres Brasil afora. E é urgente que nós comecemos a entender a pornografia de vingança como uma forma de violência de gênero, ou seja, uma violência perpetrada contra a mulher pela sua própria condição de existência enquanto mulher.
Pesquisando sobre pornografia da vingança, fica bem evidente que as mulheres figuram porcentualmente como as maiores vítimas deste tipo de violência. Mais do que isso, é uma forma de violência que só se realiza, e só têm êxito, pela qualidade de mulher da vítima. Uma gravação íntima pode vitimar um homem -- especialmente se ele não corresponde a um padrão sexual exigido dele -- mas nunca na mesma proporção que vitima uma mulher. Porque, como eu disse, a pornografia de vingança é uma violência que, para ser bem-sucedida, depende da condição de mulher da vítima -- e de toda a carga opressiva que cerca a sexualidade feminina.
O que eu quero dizer com isso? Que, se uma mulher fazendo sexo não fosse um tabu tão grande na sociedade, a pornografia da vingança provavelmente não existiria. Que, se vivêssemos em um mundo que não culpabilizasse as mulheres pelos erros do seu parceiro, o vídeo íntimo de alguém jamais poderia ser usado como forma de vingança, porque sexualidade de uma mulher não seria moeda de troca. Que, se todos esses valores que sustentam a ideia de um homem dono da sexualidade da parceira não existissem, um homem não se sentiria empoderado por expor e humilhar uma mulher dessa forma.
É importante termos consciência de que a pornografia da vingança não é um problema simples, um ato impensado, um rompante de raiva de um parceiro contrariado. O fenômeno da pornografia de vingança resulta de uma combinação de mecanismos sociais, históricos, culturais e inclusive legais que autorizam esse tipo de ação, porque legitimam valores como a subordinação da mulher, o direito do parceiro em defender o que acredita ser sua honra, a ilegitimidade da mulher em tomar qualquer decisão sobre sua vida, sobre seu relacionamento, sobre seu futuro, a falta de autonomia da mulher sobre sua própria sexualidade, dentre outros.
Mudar esse cenário depende de educar toda uma sociedade. E transformar mentalidades não é uma tarefa simples -- mas é uma tarefa possível. Se você for vítima, não tenha vergonha de pedir ajuda. Você não fez nada de errado, e pode encontrar pessoas ao seu redor que te ajudarão a lidar com a sua dor. Se você conhece alguma mulher vítima, dê suporte, se mostre presente, não julgue. Converse com seus amigos homens, conscientize eles de que a sexualidade feminina não é motivo de risadinhas desconfortáveis, e não existe só a serviço deles. Se ouvir alguém culpabilizando uma mulher vítima, interfira.
É só entrar e comprar o ótimo livro da Vitória |
26 comentários:
Eu não vi nenhuma feminista falar nada sobre a mina que postou fotos do Usein Bolt.
Usain Bolt foi vítima também, ninguém se manifestou, vcs acham que ele gostou de ter sido exposto
Por que eu não estou nem um pouco surpresa que em pleno século XXI ainda precisamos pegar marmanjo pela mãozinha e dizer que revenge porn é errado? Bom, talvez porque em mil anos 90% dos homens da Terra não evoluíram nada. Devia ser obrigatório ómi machista andar na coleira e com focinheira.
11:30 diz o mascu que bate punheta pra revenge porn e depois vai no facebook da vítima humilhar, chamar de vadia e ameaçar de morte e estupro. Vai oferecer favores sexuais em troca de chicletes na esquina.
Tá escrito no próprio nome e é óbvio que É pornografia SIM. Pornografia É violência contra as mulheres.
Feminismo pró-pornografia (pró-homens) é uma das coisas mais contraditórias do mundo. Vocês que praticam esse tipo de feminismo não tem vergonha de dizerem essas coisas sem sentido e fazerem esses malabarismo mentais ridículos e absurdos só pra defender machos e as merdas deles?
Que tristeza!
Acabou o feminismo, a casa caiu, não denunciamos o caso do Bolt!!
concordo Anônimo 13:14
Bolt traiu a namorada, foi exposto ok, não foi certo mais não vi ninguém o repreendendo e nem falando nada sobre as escolhas dele porém vi o contrário, o pessoal ficou humilhando e tirando sarro da namorada traída e uns idiotas desses vem aqui falar pra defender homi traidor? Vão se ferrar seus idiotas.
Excelente post! Gostei de como abordaram o assunto!
Ao invés de querer mudar toda a sociedade e xingar os homens e a cultura maxista não é muito mais simples e eficiente não deixar que te filmem na cama?
Claro Anon das 17:05...você também pode se trancar dentro de casa pra não ser assaltado na rua. Mas a questão é essa não é errado nem crime se filmar na cama..o crime é fazer isto sem consentimento ou expor isto sem consentimento.
17:05 e você acha que um sujeito sem escrúpulo nenhum a respeito de expor a ex vai ter vergonha de esconder uma câmera e filmar sem o conhecimento da mulher?
Em que mundo é esse que você vive onde homens que fazem revenge porn tem qualquer coisa remotamente parecida com caráter? O mundo da fantasia mascu?
Ano das 17h05
Sim, é mais fácil sim. Assim como é mais fácil ficarmos trancadas dentro de casa pra evitar estupros, ao invés de mudarmos toda uma cultura.
Mas não queremos, muito obrigada. Você quer isso pra você?
(Viviane)
Não, não é, até porque há quem use câmeras escondidas (à venda fácil na internet) para esse fim. E não, ninguém pode ser culpada por confiar em alguém, ou seja, ser responsabilizada pelo mau caráter alheio.
As conquistas e a fama do Bolt foram de alguma forma manchadas pela divulgação das fotos?
RESPOSTA: NÃO! Os xingamentos ficaram todos para a mulher que fez sexo com ele.
Se fosse uma mulher esportista a exposta, todo o seu sucesso e conquistas seriam contestados (mesmo que não tivesse traído ninguém. O Bolt traiu a noiva).
Então vai chorar pra lá. Falsa simetria aqui não pega.
Toda pornografia e uma violência contra a mulher assim como toda prostituição também, em uma sociedade estrutural machista e patriarcal a ilusão do consentimento feminino nestes casos não tem base alguma, afinal somos bombardeadas com a programação do mito do amoe românticos, do falso prazer sexual feminino héteronormativo o consentimento principalmente nestes casos não é nato mas sim compulsório, e deve ser desconstruído.
A verdade é que uma sociedade segura que devemos construir para nós todo tipo de assédio seja ele grosseiro ou disfarçado de "uma inocente paquera" e também todo consumo de pornografia e prostituição devem serem duramente criminalizados.
Isto e muito simples de resolver; não se relacionem mais sexualmente com homem nenhum! Pronto, seus problemas acabaram.
o Bolt é demais! ahhahaha o homem MAIS RÁPIDO DO MUNDO!
Quero ver se alguém, qualquer pessoa, consegue alcançá-lo.
22:44 você não se relaciona com nenhuma mulher e sua única reação é reclamar nos fóruns misóginos e dizer que as vadias que não aceitam dar pra você merecem a morte. Cadê os aplausos e os elogios pra cada uma dessas mulheres que não se relaciona?
Gente, que post maravilhoso. Vou passar pros meus alunos de saúde mental <3
Pobretão fechou o blog hoje, sua perseguição e de outras foi a causa disso, nesse país a liberdade de expressão e tolhida por pessoas como você.
Só tenho a dizer que agradeço muito pelo aprendizado que recebi esses anos, é também pela influência dele em milhares de jovens por todo o Brasil
Aham, sim, mascu, foi por minha perseguição que aquele fracassado fechou o blog fracassado dele. Vc não sabe ler? Seu próprio ídolo escreveu isso: "Porém lembro que o fechamento não é por feministas, nem mulheres, nem o estado. É por homens. Homens ferrando outros homens. Inveja. Raiva. Falta do que fazer. Sentimento destrutivo."
Agora que um dos blogs que mais simbolizavam o fracasso dos homens no Brasil fechou (mas não se preocupe: há muitos outros, e ele ficou de voltar), que tal rever seus conceitos? Deixe de ser um fracasso ambulante. Assuma responsabilidades. Não é culpa das mulheres vc ser um lixo. A culpa é sua.
Excelente post que mostra como a "desumanidade" ainda rola solta após a ferramente da internet se popularizar.
A humanidade era mais humana na idade média, não é mesmo
Excelente post! Vou usar para debater com os alunos da turma de direitos humanos.
Rsrs, rindo pacas aqui com os seguidores do 'Pobreta', rsrs. O blog era escrito por um cara que se autointitulava um fracassado, e que um monte de homens o tinham como exemplo. Que babaquice, rsrs. Aliás, o que esses nazistas estão fazendo aqui choramingando a 'morte do Pobreta'? O 'Escreva Lola Escreva' não é lugar para vocês estarem vomitando sua raiva pelo fechamento do blog, ao menos temporário, como disse o próprio 'Pobreta'. Esse blog foi uma lição pra mim, mostrou o quão doentes e fracassados são um punhado de caras. Só o ponto de partida do 'Pobreta' já fala por si, o próprio e os seguidores se reconheciam como fracassados.
UTILIDADE PÚBLICA! Esta disponível a plataforma para você, que teve dados íntimos dispostos na Internet sem o seu consentimento (nudes), ou para aquela pessoa que você conhece e passou por essa situação. Vamos criar uma rede de apoio!
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