sexta-feira, 24 de junho de 2016

A INCRÍVEL CARTA DE UMA SOBREVIVENTE A QUEM A ESTUPROU

Estudantes da Universidade de Stanford protestam: "Estupro aconteceu aqui" 

B. me enviou este email: "Você deve estar a par do caso da americana que foi estuprada por um nadador em Stanford, cujo caso teve veredito há poucos dias e que tem causado furor pelo fato de tanto o cara quanto o pai dele declararem que acham um absurdo serem condenados 'por tão pouco'.
Pois então, a garota que sofreu a violência escreveu uma longa carta a respeito do caso. Achei o texto um documento fortíssimo e que, apesar de um tanto quanto prolixo, mereceria uma divulgação para reflexões em tempo de frotas e gentilis e culturas do estupro. Portanto, tirei algumas horas do meu dia hoje para traduzir o texto para o português. Seria uma maneira de dar minha pequena e anônima contribuição pela luta do fim da cultura do estupro".
Muito obrigada, B. O texto é realmente longo, quase interminável, mas é poderoso pra caramba (tanto que o site que publicou a carta teve 4 milhões de acessos em poucas horas, tanto que a carta será lida na íntegra no Congresso dos EUA, e tanto que ela pode afetar a legislação americana em casos de estupro). Vocês precisam ler o que essa vítima, que não quis se identificar, escreveu. Ela leu esta carta formidável durante o julgamento do cara que a estuprou.

Excelência, se possível, gostaria de me dirigir, na maior parte desta declaração, diretamente ao réu.
Você não me conhece, mas você esteve dentro de mim, e é por isso que nós hoje estamos aqui.
Dia 17 de janeiro de 2015, uma noite tranquila de sábado em casa. Meu pai tinha preparado o jantar. Sentei à mesa com minha irmã mais nova, que nos visitava no fim de semana. Eu trabalhava em tempo integral e estava quase na minha hora de dormir. 
Havia planejado ficar em casa sozinha, assistir TV e ler, enquanto minha irmã ia a uma festa com amigos. Mas decidi que era minha única noite com ela, eu não tinha nada melhor pra fazer, então por que não, tem essa festa besta a dez minutos da minha casa, eu iria, dançaria como uma doida e deixaria minha irmãzinha constrangida. No caminho, brinquei que os calouros teriam aparelho nos dentes. Minha irmã tirou onda de mim por eu ir a uma festa de fraternidade vestida com um casaco de lã bege de bibliotecária. Eu me denominei “mamãezona”, porque sabia que seria a mais velha por lá. Fiz caretas, baixei minha guarda, bebi rápido demais, sem me dar conta de que minha tolerância tinha diminuído consideravelmente desde a faculdade.
A próxima coisa de que me lembro é que eu estava em uma maca em um corredor. Tinha sangue coagulado e ataduras nas minhas mãos e ombros. Pensei que talvez tivesse caído e estivesse numa sala da administração do campus. Estava muito calma, divagava sobre onde estaria minha irmã. Um auxiliar me explicou que eu havia sido violentada. Mesmo assim permaneci calma, tinha certeza de que ele falava com a pessoa errada. Eu não conhecia ninguém naquela festa. Quando finalmente me deixaram usar o banheiro, baixei a roupa de hospital que haviam me dado, fui baixar minha calcinha e não senti nada. Ainda me lembro da sensação dos meus dedos tocando minha pele e pegando o nada. Olhei pra baixo e não vi nada. Aquele tênue pedaço de tecido, a única coisa entre minha vagina e todo o resto, estava faltando e tudo dentro de mim havia sido silenciado. Ainda não tenho palavras para aquele sentimento. Para conseguir continuar a respirar, pensei que talvez os policiais tivessem usado tesouras para cortar a calcinha e usá-la como prova.
Daí senti pedaços de folhas de pinheiro roçando a parte de trás do meu pescoço e comecei a tirá-las do meu cabelo. Pensei que talvez as folhas tivessem caído de uma árvore. Meu cérebro dizia ao meu estômago para não colapsar. Porque o meu estômago dizia me ajude, me ajude.
Perambulei de quarto em quarto com um cobertor enrolado em mim, deixando um rastro de folhas de pinheiro por onde passava, um pequeno monte em cada cômodo por onde sentei. Pediram que eu assinasse papéis que diziam “Vítima de Estupro” e pensei que algo realmente teria acontecido. Minhas roupas foram confiscadas e fiquei nua enquanto as enfermeiras seguravam uma régua sobre vários dos arranhões no meu corpo e os fotografavam. As três de nós nos dedicávamos a pentear meu cabelo pra tirar dele as folhas de pinheiro, seis mãos encheram uma sacola de papel. Para me acalmar, me diziam que era apenas flora e fauna, flora e fauna. Tive múltiplos cotonetes inseridos na minha vagina e ânus, agulhas para injeções, pílulas, tinha uma Nikon apontada diretamente para minhas pernas abertas. Tinha bicos longos e pontudos dentro de mim, minha vagina manchada com fria tinta azul na busca por escoriações.
Após algumas horas, me deixaram tomar banho. Fiquei lá, examinei meu corpo sob o fluxo de água, decidi que não queria mais meu corpo. Estava aterrorizada, não sabia quem tinha estado dentro dele, se tinha sido contaminado, quem o teria tocado. Quis tirar meu corpo como um casaco e deixá-lo no hospital com todo o resto.
Naquela manhã, tudo o que me disseram foi que eu havia sido encontrada atrás de uma lixeira, potencialmente penetrada por um desconhecido, que eu precisaria fazer novamente o teste de HIV porque nem sempre os resultados saem imediatamente. Mas que, por enquanto, eu deveria ir pra casa e retomar minha vida normal. Imagine pisar de volta no mundo somente com essas informações. Me deram abraços enormes e saí andando do hospital pelo estacionamento vestida com um conjunto de moletom novo que providenciaram, já que me foi permitido ficar somente com meu colar e meus sapatos.
Minha irmã foi me buscar, rosto encharcado de lágrimas e contorcido de angústia. Instintiva e imediatamente, eu quis diminuir a dor dela. Sorri pra ela, disse para ela olhar pra mim, estou bem aqui, estou bem, está tudo bem, estou aqui. Meu cabelo está lavado e limpo, me deram o shampoo mais estranho, acalme-se, olhe pra mim. Olhe pra esse moletom engraçado, eu pareço uma professora de educação física, vamos para casa, vamos comer algo. Ela não sabia que por baixo da minha roupa eu tinha arranhões e ataduras na minha pele, minha vagina estava dolorida e com uma cor estranha depois de tanta manipulação, eu estava sem calcinha, me senti vazia demais para continuar a falar. Que eu estava com medo, que eu também estava devastada. Naquele dia, dirigimos pra casa e por horas minha irmã me abraçou.
Meu namorado não sabia o que tinha acontecido, mas ligou naquele dia e disse “estava realmente preocupado com você noite passada, você me assustou, você chegou bem em casa?”. Eu estava horrorizada. Foi então que soube que eu tinha ligado pra ele naquela noite, durante meu apagão, deixado uma mensagem incompreensível, que tínhamos conversado por telefone, mas que eu balbuciava tão forte a ponto de apavorá-lo, que ele havia dito repetidas vezes para eu ir procurar minha irmã. De novo ele me perguntou “O que aconteceu na noite passada? Você chegou bem em casa?”. Disse sim, mas desliguei e chorei.
Eu não estava pronta para contar ao meu namorado ou a meus pais que, na verdade, eu talvez tivesse sido estuprada atrás de uma lixeira, mas não sei por quem, quando ou como. Se eu contasse a eles, eu veria o medo em suas faces e o meu se multiplicaria por dez, então em vez disso eu fingia que a coisa toda não era real.
Tentei extirpá-la da minha mente, mas era tão pesada que não falava, não comia, não dormia, não interagia com ninguém. Depois do trabalho, eu dirigia para um lugar isolado para gritar. Eu não falava, não comia, não dormia, não interagia com ninguém, e tornei-me isolada daqueles que eu mais amava. Por uma semana após o incidente, não recebi nenhuma ligação ou novidade sobre aquela noite ou sobre o que tinha acontecido comigo. O único símbolo de que aquilo tudo não tinha sido um pesadelo era o moletom do hospital no meu armário.
Um dia, eu estava no trabalho, navegando as notícias no meu telefone, quando surgiu um artigo. Nele, li e soube pela primeira vez sobre como fui encontrada inconsciente, descabelada, longo colar amarrado em volta do meu pescoço, sutiã puxado para fora do meu vestido, vestido puxado pra baixo dos meus ombros e pra cima da minha cintura, nua da bunda até minhas botas, pernas totalmente abertas, tendo sido penetrada com um objeto estranho por alguém que eu não reconhecia. Foi assim que descobri o que tinha acontecido comigo, ao ler as notícias sentada à minha mesa no trabalho. 
Descobri o que aconteceu comigo ao mesmo tempo em que qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar do mundo descobriu o que aconteceu comigo. Foi aí que as folhas de pinheiro no cabelo fizeram sentido, elas não tinham caído de uma árvore. Ele tinha tirado minha roupa de baixo, seus dedos tinham estado dentro de mim. Eu nem conheço essa pessoa. Eu ainda continuo sem conhecer essa pessoa. Quando eu li sobre mim dessa forma, eu disse essa não pode ser eu.
Essa não pode ser eu. Eu não poderia digerir ou aceitar nenhuma dessas informações. Eu não poderia imaginar minha família ter que ler isso online. Continuei a ler. No parágrafo seguinte, li algo que eu jamais perdoarei; li que, de acordo com ele, eu gostei. Eu gostei. De novo, não tenho palavras para esses sentimentos. 
É como se você lesse um artigo sobre um carro que foi atingido, e encontrado amassado, numa fossa. Mas talvez o carro gostou de ser atingido. Talvez o outro carro não queria atingi-lo, só esbarrar nele um pouco. Carros caem em acidentes o tempo todo, as pessoas não prestam atenção, não podemos dizer de quem realmente é a culpa. 
No fim do artigo, depois que descobri todos os detalhes sórdidos da minha própria violação sexual, o artigo listava os tempos de natação dele. Ela foi encontrada respirando, inconsciente e com sua roupa de baixo quinze centímetros distante do seu ventre nu, curvada em posição fetal. Falando nisso, ele é realmente bom na natação. Coloque na roda o meu tempo dos 1500m nado livre também, se é disso de que se trata. Eu cozinho bem, coloque isso, acho que é no fim onde você lista suas atividades extra-curriculares para anular todas as coisas doentias que aconteceram.
Na noite em que as notícias surgiram, eu coloquei os meus pais sentados e contei que eu tinha sido violentada, não olhem as notícias, é desagradável, apenas saibam que estou bem, estou aqui e estou bem. Mas na metade da minha fala minha mãe teve que me segurar porque eu não conseguia mais ficar em pé. Eu não estava bem.
Na noite seguinte ao acontecido, ele disse que não sabia o meu nome, disse que não conseguiria identificar meu rosto em uma fila de pessoas, não mencionou nenhum diálogo entre nós, nenhuma palavra, apenas dança e beijos. Dança é um termo bonitinho; será que se trataria de dedos estalados e coreografias giratórias ou apenas de corpos pressionados contra o outro num cômodo lotado? 
Me pergunto se beijos seriam apenas rostos desleixadamente apertados contra o outro. Quando o detetive perguntou como fomos parar atrás da lixeira, ele disse que não sabia. Ele admitiu ter beijado outras garotas naquela festa, uma delas a minha irmã, que o empurrou pra longe. Ele admitiu que queria ficar com alguém. Eu era o antílope ferido da horda, completamente sozinha e vulnerável, fisicamente incapaz de me defender sozinha, e ele me escolheu. Às vezes penso que se eu não tivesse ido, isso não teria acontecido. Mas aí percebi que teria acontecido, só que com outra. Na noite seguinte ao acontecido, ele disse que pensou que eu tivesse gostado porque eu acariciei suas costas. Carícia nas costas. 
Nunca mencionou eu consentir, nunca mencionou alguma conversa entre nós, uma carícia nas costas. Mais uma vez, pelas notícias, descobri que minha bunda e minha vagina tinham sido completamente expostas ao ar livre, meus seios tinham sido apertados, dedos enfiados dentro de mim junto com folhas de pinheiro e detritos, minha pele nua e minha cabeça tinham sido raspadas contra o chão atrás de uma lixeira enquanto um calouro ereto metia no meu corpo inconsciente e seminu. Mas eu não me lembro, então como provar que eu não gostei.
Pensei que de jeito nenhum isso vai à justiça; havia testemunhas, havia sujeira no meu corpo, ele correu mas foi capturado. Ele vai propor acordo, pedir desculpas formais e ambos vamos continuar nossas vidas. Em vez disso, me falaram que ele havia contratado um advogado poderoso, peritos, investigadores privados que iriam buscar e encontrar detalhes sobre minha vida pessoal para usarem contra mim, para descobrirem furos na minha história e desqualificarem a mim e à minha irmã, de forma a mostrarem que esse ataque sexual na verdade tinha sido um mal-entendido. Que ele iria até onde fosse necessário para convencer o mundo de que ele apenas tinha se confundido.
Não disseram a mim apenas que eu tinha sido violentada, disseram que, já que eu não me lembrava, tecnicamente não poderia provar que tinha sido contra minha vontade. E isso me distorceu, me fez mal, quase me destruiu. A maneira mais triste de ficar confusa é quando se descobre ter sido violentada e quase estuprada [as leis americanas sobre estupro são diferentes das brasileiras; aqui, desde 2009, enfiar dedos também é considerado estupro], completamente ao ar livre, mas não se sabe se isso vale como ter sido violentada ou não. Tive que lutar por um ano inteiro para deixar claro que havia algo de errado com essa situação.
Quando me disseram que eu teria que me preparar para caso nós não ganhássemos, eu disse que não poderia me preparar. Ele era culpado no minuto em que eu acordava. Ninguém pode me dissuadir da dor que ele me causou. Pior de tudo, me alertaram, já que ele agora sabe que você não se lembra de nada, ele vai poder ditar o script. Ele pode dizer o que quiser e ninguém poderá contestar. Eu não tinha poder, não tinha voz, estava indefesa. Minha ausência de memória seria usada contra mim. Meu testemunho era fraco, era incompleto, e me fizeram acreditar que, talvez, eu não fosse suficiente para ganhar essa. Isso é tão danoso. O advogado dele lembrava constantemente ao júri que o único em quem eles poderiam acreditar era Brock, porque ela não se lembra. Esse desamparo era traumatizante.
Em vez de usar o tempo para me curar, eu usava o tempo para relembrar aquela noite em detalhes excruciantes, de modo a me preparar para as questões do advogado que seriam invasivas, agressivas e concebidas para me desviar do caminho, me fazer cair em contradição, à minha irmã, colocadas de modo a manipular minhas respostas. Em vez de o advogado dizer "você notou alguma escoriação?", ele disse "você não notou nenhuma escoriação, certo?”. Era um jogo de estratégia, como se eu pudesse ser enganada sobre meu próprio valor. A violação sexual tinha sido tão clara mas, em vez disso, aqui estava eu no julgamento tendo que responder a questões como:
Qual sua idade? Qual seu peso? O que você comeu naquele dia? Então o que você teve no jantar? Quem fez o jantar? Você bebeu durante o jantar? Não, nem mesmo água? Quando você bebeu? Quanto você bebeu? De onde você bebeu? Quem te deu a bebida? Quanto você normalmente bebe? Quem te levou até a festa? A que horas? Mas onde exatamente? O que você vestia? Por que você foi àquela festa? O que você faria quando chegasse lá? Tem certeza de que fez isso? Mas a que horas você fez isso? O que esse SMS quer dizer? Com quem você trocava SMS? Quando você urinou? Onde você urinou? Com quem você urinou do lado de fora? O seu telefone estava no silencioso quando sua irmã te ligou? Você se lembra de ter colocado no silencioso? Sério, porque na página 53 eu gostaria de ressaltar que você disse que estava ajustado para tocar. Você bebia na faculdade? Você disse que era louca por festas? Quantas vezes você desmaiou? Você costumava frequentar festas de fraternidades? Você tem um relacionamento sério com seu namorado? É sexualmente ativa com ele? Quando começaram a sair? Você trairia? Tem histórico de traições? O que você quer dizer quando diz que gostaria de recompensá-lo? Você se lembra que horas você acordou? Você estava vestindo seu casaco de lã? De que cor era seu casaco? Você se lembra de mais alguma coisa daquela noite? Não? Ok, deixaremos Brock preencher o resto.
Fui martelada com questões específicas e pontuais que dissecaram minha vida pessoal, vida amorosa, vida pregressa, vida familiar, questões fúteis, acúmulo de detalhes visando encontrar uma desculpa para esse cara que nem se deu ao trabalho de ter perguntado o meu nome, que tinha me desnudado alguns minutos após me ver. Após uma violência física, fui violentada com questões concebidas para me atacar, para dizer "vejam, os fatos dela não são coerentes, ela está fora de si, ela é praticamente uma alcoólatra, ela provavelmente queria dar, ele é como um atleta, certo, ambos estavam bêbados, não importa, as coisas de que ela se lembra do hospital são de após o fato, por que levar em consideração, Brock tem muito a perder, ele está sofrendo muito com tudo isso agora.
E aí veio a hora de ele testemunhar e aprendi o que significa ser revitimizada. Quero lembrar-lhe de que na noite seguinte ao acontecido ele disse que nunca havia planejado me levar ao seu quarto. Ele disse que não sabia por que estávamos atrás de uma lixeira. Ele levantou e saiu porque não estava se sentindo bem quando foi subitamente perseguido e atacado. Aí ele soube que eu não me lembrava.
Portanto, um ano depois, previsivelmente um novo diálogo surgiu. Brock tinha uma nova e estranha história que soava como um romance juvenil mal escrito, cheio de beijos e danças e mãos entrelaçadas e corpos apaixonados tombando ao solo e, o mais importante nessa nova história, de repente havia consentimento. Um ano após o incidente, oh, sim, ela disse sim pra tudo.
Ele disse que perguntou se eu queria dançar. Aparentemente eu disse sim. Ele perguntou se eu queria ir até o quarto dele e eu disse sim. Depois ele perguntou se ele poderia enfiar o dedo em mim e eu disse sim. A maioria dos caras não pergunta "posso enfiar o dedo em você?”. Normalmente essa é uma progressão natural das coisas, uma evolução consensual, não uma sessão de perguntas e respostas. Mas aparentemente eu dei permissão total. Ele é inocente.
Mesmo nessa história praticamente não há diálogo; eu disse apenas um total de três palavras, sim sim sim, antes de ele me por seminua no chão. Eu nunca tinha sido penetrada após três palavras. No futuro, se você estiver confuso sobre se uma garota pode consentir, veja se ela consegue falar uma frase completa. Você não poderia nem fazer isso. Apenas uma sequência coerente de palavras. Onde estava a dúvida? Isso é senso comum, decência humana.
De acordo com ele, a única razão pela qual estávamos ao solo era porque eu caí. Nota: se uma garota cai, ajude-a a se levantar. Se ela estiver bêbada demais para andar e por isso cai, não suba em cima dela, não a arqueie, não tire a calcinha nem enfie a mão na vagina dela. Se uma garota cai, ajude-a a se levantar. Se uma garota estiver usando um casaco de lã sobre o vestido, não tire o casaco dela de forma a poder tocar os seios dela. Talvez ela esteja com frio, talvez seja por isso que ela está de casaco. 
Em seguida na história, dois suecos de bicicleta se aproximaram de você. Você correu porque disse que sentiu medo. Quando eles te abordaram você não disse “Parem! Tá tudo certo, perguntem a ela, ela tá ali, ela vai dizer pra vocês”. Quero dizer, você tinha acabado de ter o meu consentimento, né? Eu estava acordada, né? Quando os policiais chegaram e interrogaram o sueco malévolo que te segurou, ele estava chorando tanto que não conseguia nem falar por causa do que ele tinha visto.
Seu advogado apontou repetidamente que, bem, não sabemos exatamente quando ela ficou inconsciente. E você está certo, talvez eu ainda estivesse tremulando meus olhos e não estivesse completamente mole, ok. Não era esse o ponto. Eu estava com a fala vacilante, bêbada demais para consentir muito antes de estar no chão. Eu nunca deveria ter sido tocada em primeiro lugar. Brock afirmou: “em nenhum momento vi que ela não respondia. Se em algum momento pensasse que ela não respondia, teria parado imediatamente.” Aí está o lance; se seu plano fosse parar somente quando eu estivesse literalmente inconsciente, então você ainda não entende. De qualquer modo, você não parou mesmo quando eu estava inconsciente! Outra pessoa te parou. Dois caras de bicicleta perceberam, no escuro, que eu não me mexia, e tiveram que te conter. Como você não percebeu enquanto estava sobre mim?
Você diz que teria parado e buscado ajuda. Você diz isso, mas quero que você explique como você teria me ajudado, passo a passo, a sair dessa. Quero saber, se esses suecos do mal não tivessem me encontrado, como teria sido o resto da noite. Pergunto a você: você teria colocado minha calcinha novamente de volta por sobre minhas botas? Desembaraçado o colar em volta do meu pescoço? Fechado minhas pernas, me coberto? Colocado meu sutiã de volta no meu vestido? Me ajudado a tirar as folhas do meu cabelo? Perguntado se as escoriações no meu pescoço e meu traseiro doíam? Teria ido procurar um amigo e dito "Você pode me ajudar a levá-la a algum lugar quente e confortável?" Eu não durmo enquanto penso sobre o que teria se passado caso os suecos nunca tivessem aparecido. O que teria acontecido comigo? Para isso você nunca terá uma boa resposta, isso é o que você não consegue explicar mesmo depois de um ano.
Além disso, ele afirmou que eu tive um orgasmo um minuto depois de me penetrar com o dedo. A enfermeira disse que havia lacerações e sujeira no meu genital. Isso foi antes ou depois de eu ter um orgasmo?
Sentar sob juramento e informar a todos nós que sim, eu queria, sim, eu permiti, que você é a vítima real atacada por dois suecos por razões que você desconhece, é doentio, é egoísta, é nocivo. Uma coisa é sofrer. Outra é alguém trabalhar incessantemente para diminuir a gravidade daquele sofrimento.
Minha família foi obrigada a ver fotos da minha cabeça presa a uma maca cheia de folhas, do meu corpo de olhos fechados coberto de sujeira, cabelo desarrumado, pernas dobradas, meu vestido até em cima. E mesmo após tudo isso minha família teve que ouvir seu advogado dizer que as fotos eram de depois do fato, então que deviam ser desconsideradas. 
Dizer que "sim, a enfermeira confirmou que havia vermelhidão e feridas dentro dela, mas isso é o que acontece quando você enfia o dedo em alguém e ele já admitiu ter feito isso". Ouvi-lo tentar criar uma imagem de mim, do animal sedutor das festas, como se de alguma forma isso fosse levar a crer que tudo isso era algo que estava fadado a acontecer comigo. Ouvi-lo dizer que eu parecia bêbada ao telefone porque eu sou tola e essa é minha maneira tola de falar. Apontar que na mensagem de voz eu disse que iria recompensar meu namorado e que todos nós sabemos o que eu queria dizer. Garanto que meu programa de recompensas é intransferível, especialmente para qualquer homem sem nome que se aproxime de mim.
Ele causou danos irreparáveis a mim e a minha família durante o julgamento e nós ficamos quietos, ouvindo-o recontar a noite. Mas, no fim, suas declarações sem base e a lógica distorcida do advogado dele não enganaram ninguém. A verdade ganhou, a verdade falou por si mesma.
Você é culpado. Doze jurados condenaram você por três crimes, isso dá trinta e seis “sim” confirmando sua culpa, isso é cem por cento, culpa unânime. E pensei: "finalmente é o fim, finalmente ele vai ter o que merece, desculpar-se verdadeiramente, ambos iremos superar essa e melhorar". Daí li sua declaração.
Se você espera que algum órgão meu exploda de raiva e eu morra, estou quase lá. Você está muito perto. Essa não é a história de mais um encontro baseado em muito álcool e decisões erradas. Ataque não é acidente. De alguma forma, você ainda não entende. De alguma forma, você ainda soa confuso. Agora lerei trechos da declaração do réu e responder a elas.
Você disse: "estando bêbado eu não pude tomar as melhores decisões, nem ela”. 
Álcool não é desculpa. É um fator? Sim. Mas não foi o álcool que me despiu, enfiou o dedo em mim, arrastou minha cabeça pelo chão comigo seminua. Eu ter bebido muito foi um erro amador que admito ter cometido, mas isso não é crime. Todo mundo aqui presente já teve uma noite da qual se arrepende de ter bebido demais, ou conhece alguém que o tenha feito. Arrepender-se de ter bebido não é a mesma coisa que arrepender-se de ter atacado alguém sexualmente. Ambos estávamos bêbados, a diferença é que eu não tirei sua calça e sua cueca, não te toquei inapropriadamente e fugi. Essa é a diferença.
Você disse: “se eu quisesse conhecê-la eu teria pedido o telefone dela em vez de perguntar se ela queria vir comigo até meu quarto”.
Não estou brava porque você não pediu meu telefone. Mesmo se você me conhecesse, eu não iria querer estar nessa situação. Meu namorado me conhece, mas se ele me pedisse para enfiar o dedo em mim atrás de uma lixeira, eu lhe daria um tapa. Nenhuma garota quer passar por isso. Nenhuma. Não me importa se você tem o telefone dela ou não.
Você disse: “eu estupidamente pensei que fosse ok fazer o que todo mundo em volta estava fazendo, que era beber. Eu estava errado”.
De novo, você não estava errado ao beber. Todo o mundo em volta de você não estava me atacando sexualmente. Você estava errado por fazer o que ninguém mais estava fazendo, que era empurrar seu pau duro nas suas calças contra o meu corpo nu e sem defesa, oculto em um lugar escuro, onde as pessoas da festa não iriam mais me ver nem me proteger e minha própria irmã não poderia me encontrar. Beber não é seu crime. Retirar e descartar minha calcinha como uma embalagem de bala e inserir seu dedo no meu corpo, aí é que você cometeu o erro. Indago por que ainda tenho que explicar isso.
Você disse “durante o julgamento eu não quis vitimizá-la de jeito nenhum. Foi somente o meu advogado e o jeito dele de lidar com o caso”.
Seu advogado não é seu bode expiatório, ele te representa. Seu advogado falou coisas inacreditavelmente degradantes? Certamente. Ele disse que você teve uma ereção porque fazia frio. 
Você disse que está no processo de criar de um programa voltado a estudantes do ensino médio e universitário, no qual você fala sobre sua experiência e “contra a cultura de bebidas no campus e a promiscuidade sexual que vem com ela”.
Falar contra a cultura de bebidas no campus. É contra isso que discursamos? Você acha que é contra isso que lutei o ano passado inteiro? Não sobre violência sexual no campus, ou estupro ou sobre aprender a reconhecer o consentimento. Cultura de bebida no campus. Abaixo Jack Daniels. Abaixo Skyy Vodka. Se você quer falar sobre alcoolismo, vá a um encontro do A.A. Você compreende que alcoolismo é diferente de beber e propositadamente tentar fazer sexo com alguém? Mostre aos homens como respeitar as mulheres, não como beber menos.
Cultura da bebida e a promiscuidade sexual resultante. Resultante. Como um efeito colateral, como fritas acompanhando o prato principal. Onde é mesmo que a promiscuidade entrou em cena? Não vejo manchetes do tipo "Brock Turner, culpado por beber demais e pela promiscuidade sexual resultante". Violência sexual no campus. Taí o primeiro slide do seu powerpoint. Não tenha dúvida que se você falhar em fazer disso o seu ponto principal, eu te seguirei a qualquer escola que você for e farei uma apresentação depois.
Por fim, você disse: “eu quero mostrar às pessoas que uma noite de bebidas pode arruinar uma vida”.
Arruinar uma vida, uma vida, a sua, você se esqueceu da minha. Deixe-me reformular pra você, "Eu gostaria de mostrar às pessoas que uma noite de bebidas pode arruinar duas vidas". Você e eu. Você é a causa, eu sou o efeito. 
Você me trouxe para esse inferno junto com você, me empurrou de volta para aquela noite de novo e de novo. Você colocou abaixo nossas fortalezas, eu colapsei ao mesmo tempo que você. Se você acha que eu fui poupada, que saí livre, enquanto você sofre o golpe maior, você está enganado. Ninguém ganha. Todos estamos devastados, todos tentamos encontrar algum significado no meio deste sofrimento. Seu dano foi concreto; perdeu seus títulos, diplomas, matrículas. Meu dano foi interno, invisível, carrego-o comigo. Você tomou de mim meu valor, minha privacidade, minha energia, meu tempo, minha segurança, minha intimidade, minha confiança, minha própria voz, até hoje.
Veja que uma coisa que temos em comum é que somos ambos incapazes de levantar de manhã. O sofrimento não me é estranho. Você me fez uma vítima. Nos jornais, eu era tratada por “mulher inconsciente intoxicada”, doze sílabas, nada mais do que isso. Por muito tempo, acreditei que era tudo o que eu era. Tive que me forçar para reaprender meu nome real, minha identidade. Reaprender que isso não é tudo que eu sou. Que eu não sou somente uma vítima alcoolizada de uma festa de fraternidade encontrada atrás de uma lixeira, enquanto você é parte da equipe americana de natação e estuda em uma universidade de elite, inocente até prova em contrário, com tanto a perder. Eu sou um ser humano que foi irreversivelmente ferido, que teve a vida parada durante um ano para descobrir se eu valia alguma coisa.
Minha independência, minha alegria natural, minha gentileza e meu estilo de vida estável tornaram-se distorcidos a ponto da irreconhecibilidade. Tornei-me fechada, raivosa, auto-depreciativa, cansada, irritada, vazia. O isolamento era por vezes insuportável. Você não pode devolver a mim a vida que eu tinha antes daquela noite. Enquanto você se preocupa com sua reputação destroçada, eu refrigerava colheres toda noite para quando eu acordasse, e meus olhos estivessem inchados de tanto chorar, eu colocá-las sobre minhas pálpebras para diminuir o inchaço e me permitir enxergar. 
Aparecia com uma hora de atraso no trabalho toda manhã, saía para chorar nas escadas, posso te contar todos os melhores locais para chorar naquele prédio onde ninguém pode te ouvir. A dor tornou-se tão forte que tive que contar detalhes particulares a minha chefe para que ela entendesse por que eu estava saindo. Precisava de tempo porque o dia a dia não era mais possível. Usei minhas economias para ir até onde eu poderia ir. Não voltei a trabalhar em tempo integral porque sabia que precisaria de semanas no futuro para o julgamento. Minha vida parou por um ano, minha estrutura desabou.
Não consigo dormir sozinha à noite sem uma luz acesa, como uma criança de cinco anos, porque tenho pesadelos de ser tocada onde eu não posso acordar, fiz isso de aguardar até o sol nascer e me sentir suficientemente segura para dormir. Por três meses fui dormir às seis horas da manhã.
Eu costumava me orgulhar da minha independência, agora tenho medo de sair para caminhadas à noite, de frequentar eventos sociais com bebidas entre amigos com os quais eu deveria me sentir confortável. Tornei-me um pouco grudenta, preciso sempre estar ao lado de alguém, ter meu namorado por perto, dormindo comigo, me protegendo. É constrangedor o quão fraca eu me sinto, quão timidamente eu me movo pela vida, sempre resguardada, pronta para me defender, pronta para enraivecer.
Você não tem ideia de quão duro eu tenho trabalhado para reconstruir partes de mim que ainda estão fracas. Demorou oito meses para conseguir falar sobre o que aconteceu. Não conseguia mais me conectar com amigos, com ninguém à minha volta. Eu gritava com meu namorado, com minha família toda vez que eles traziam isso de volta. Você nunca me deixou esquecer o que aconteceu comigo. Ao fim da audiência, do julgamento, eu estava cansada demais para falar. Eu ia embora vazia, em silêncio. Eu ia pra casa, desligava meu telefone e por dias não falava. Você comprou pra mim uma passagem para um planeta onde eu morava sozinha. 
Cada vez que um novo artigo saía na imprensa, eu vivia com a paranoia de que minha cidade toda me reconheceria como a moça que foi violentada. Eu não queria a piedade de ninguém e ainda estou aprendendo a aceitar ser vítima como parte de minha identidade. Você fez da minha cidade natal um lugar desconfortável para mim.
Você não vai me devolver as noites sem dormir. A forma pela qual eu descambo a chorar incontrolavelmente se estou vendo um filme e uma mulher é machucada, para colocar de forma sutil, essa experiência expandiu minha empatia por outras vítimas. Perdi peso pelo stress, as pessoas comentam que devo estar correndo muito nos últimos tempos. Há momentos em que não queria ser tocada. Tenho que reaprender que não sou frágil, sou capaz, sou saudável, e não lívida e fraca.
Quando vejo minha irmã mais nova sofrendo, quando ela se torna incapaz de seguir a escola, quando ela perde a alegria, quando ela não consegue dormir, quando ela chora tão forte ao telefone que não consegue nem respirar direito, repetindo incontáveis vezes que ela sente muito por ter me deixado sozinha naquela noite, desculpe desculpe desculpe, quando ela sente mais culpa que você, eu não perdoo você. Naquela noite eu tentei chamá-la e encontrá-la mas você me encontrou primeiro. A declaração final do seu advogado começou com “A irmã dela disse que ela estava bem, e quem a conhece melhor que a própria irmã?”. Você tentou usar minha irmã contra mim. Seus pontos de ataque eram tão fracos, tão baixos, era quase constrangedor. Você não encoste nela.
Você nunca deveria ter feito isso comigo. Em segundo lugar, você nunca deveria ter me feito lutar tanto para te dizer que você nunca deveria ter feito isso comigo. Mas aqui estamos. O estrago está feito e ninguém pode desfazê-lo. Agora ambos temos uma escolha. Podemos deixar isso nos destruir, posso continuar com raiva e em sofrimento e você em negação, ou ambos podemos encarar de frente, eu aceito a dor, você aceita a punição, e vamos em frente.
Sua vida não acabou, você tem décadas para reescrever sua história. O mundo é enorme, muito maior do que Palo Alto ou Stanford e você conseguirá encontrar um espaço para você onde poderá ser útil e feliz. Mas nesse momento, você não pode dar de ombros e ficar confuso. Você foi condenado de me violar, intencionalmente, a força, sexualmente, com intenções maliciosas, e tudo que você admite é ter bebido. Não fale de como sua vida foi revirada porque o álcool te fez fazer coisas ruins. Ache uma maneira de se responsabilizar pela sua própria conduta.  
Agora em relação à sentença. Quando li o relatório do oficial de justiça, não pude acreditar, consumida pela raiva, a qual, no fim, foi substituída por profunda tristeza. Minhas declarações foram reduzidas ao ponto da distorção e tiradas de contexto. Lutei duro durante esse julgamento e não terei o resultado minimizado por um oficial de justiça que tentou avaliar minha situação atual e meus desejos em uma conversa de quinze minutos, a maioria dos quais passados respondendo questões sobre o sistema jurídico. O contexto também é importante. Brock tinha ainda que soltar uma declaração e eu não havia lido seus comentários.
Minha vida está em suspenso por mais de um ano, um ano de raiva, angústia e incerteza, até que um júri composto por meus pares soltou um veredito que validou as injustiças por mim sofridas. Se Brock tivesse admitido culpa e remorso e oferecido um acordo no começo, eu teria considerado uma sentença mais branda, respeitando sua honestidade, grata por poder seguir nossas vidas. Ao contrário, ele correu o risco de trazer o caso a julgamento, piorou a situação e me forçou a reviver o sofrimento, enquanto detalhes sobre minha vida pessoal e sobre a violência sexual eram brutalmente dissecados perante o público. Ele empurrou a mim e à minha família para um ano de sofrimento inexplicável e desnecessário e deve sofrer as consequências de desafiar seu crime, de duvidar da minha dor, de fazer-nos esperar tanto por justiça.
Eu disse ao oficial de justiça que não queria que Brock apodrecesse na cadeia. Eu não disse que ele não merece estar atrás das grades. A recomendação do oficial de justiça de um ano ou menos na cadeia local é uma zombaria em relação à seriedade do cometido por ele, uma ofensa a mim e a todas as mulheres. Passa a mensagem que um estranho pode te penetrar sem consentimento e ele vai receber menos do que é definido como a pena mínima. Eu também disse ao oficial que o que eu realmente queria era que Brock entendesse e admitisse o que fez de errado.
Infelizmente, após ler a declaração do réu, estou extremamente desapontada e sinto como se ele tivesse falhado em demonstrar remorsos sinceros ou responsabilidades sobre sua conduta. Respeitei totalmente seu direito a um julgamento, mas, mesmo após doze jurados lhe terem condenado por três crimes, tudo o que ele pode admitir foi ter ingerido álcool. Alguém que não consegue assumir responsabilidades por suas ações não merece uma sentença mais branda. É profundamente ofensivo que ele tente diluir o estupro com uma sugestão de promiscuidade. Por definição, estupro não é a ausência de promiscuidade, estupro é a ausência de consentimento, e me perturba profundamente que ele nem mesmo consiga ver essa diferença.
O oficial de justiça alega que o réu é jovem e não tem condenações prévias. Em minha opinião, ele tem idade suficiente para saber que o que ele fez é errado. Nesse país, quem tem dezoito anos pode ser enviado à guerra. Quando se tem dezenove, é suficientemente velho para pagar as consequências de tentar estuprar alguém. Ele é jovem, mas suficientemente maduro para saber o que é certo.
Como se trata de uma primeira infração, eu consigo ver por onde vem a atração pela leniência. Por outro lado, enquanto sociedade, não podemos perdoar os primeiros ataques sexuais ou estupros cometidos com dedos. Não faz sentido. A seriedade de um estupro tem que ser comunicada claramente, não devemos criar uma cultura que sugere aprendermos que estupro é errado por meio de tentativa e erro. As consequências da violência sexual têm que ser suficientemente severas para que as pessoas exerçam bons julgamentos mesmo quando alcoolizadas, suficientemente severas para serem preventivas. 
O oficial de justiça levou em consideração o fato de que Brock perdeu uma bolsa de estudos para atletas conseguida a duras penas. Quão rápido Brock nada não diminui a severidade do que aconteceu comigo, e não deveria diminuir a severidade de sua punição. Se um infrator de primeira viagem oriundo de uma classe social desprivilegiada fosse acusado de três crimes e demonstrasse nenhuma responsabilidade pelas suas ações a não ser ter bebido, qual seria a sentença dele? O fato de que Brock era um astro do esporte em uma universidade prestigiosa não deve servir como direito à leniência, mas como oportunidade para enviar uma mensagem cultural forte de que violência sexual é ilegal independentemente de classe social.
O oficial de justiça declarou que este caso, quando comparado com outros crimes da mesma natureza, pode ser considerado menos grave devido ao grau de intoxicação do réu. Pareceu grave. É tudo o que tenho a dizer.
O que Brock tem feito para demonstrar que ele merece escapar dessa? Ele só pediu desculpas por ter bebido e ainda precisa definir o que fez comigo como estupro. Ele tem me vitimizado continuamente, sem parar. Ele foi considerado culpado de três crimes e é hora que ele aceite as consequências de seus atos. Ele não será liberado silenciosamente.
Ele terá um registro como estuprador para sempre. Isso nunca expira. Como o que ele fez comigo nunca expira, não vai embora depois de um determinado número de anos. Fica comigo, é parte da minha identidade, mudou para sempre a maneira como lido comigo mesma, a maneira como viverei o resto da minha vida.
Para concluir, gostaria de dizer obrigada. A todos, desde a estagiária que fez mingau de aveia para mim quando acordei aquela manhã no hospital até as enfermeiras que me acalmaram, incluindo o detetive que me ouviu e nunca me julgou, meus advogados que ficaram obstinadamente a meu lado, meu terapeuta que me ensinou a encontrar coragem na vulnerabilidade, minha chefe por ser gentil e compreensiva, meus pais incríveis que me ensinam a transformar dor em força, minha avó que levava chocolate à corte para me dar, meus amigos que me lembram como ser feliz, meu namorado que é paciente e amoroso, minha irmã invencível que é a outra metade do meu coração, e [a promotora do caso] Alaleh, minha ídola, que lutou incansavelmente e nunca duvidou de mim. Obrigada a todos e a todas envolvidas no julgamento, pelo tempo e pela atenção. Obrigada a todas as garotas de todo o país que escreveram cartas para o meu promotor repassar pra mim, tantos desconhecidos que se preocuparam e se importaram comigo.
Mais importante de tudo, obrigado aos dois homens que me salvaram, os quais ainda preciso conhecer. Eu durmo com duas bicicletas que desenhei pregadas sobre minha cama para me lembrar que há heróis nessa história. Que estamos tomando conta um do outro. Ter conhecido todas essas pessoas, ter sentido sua proteção e seu amor, é algo que nunca esquecerei.
E, finalmente, para as garotas em toda parte, estou com vocês. Nas noites em que se sentirem sozinhas, estou com vocês. Quando as pessoas duvidarem de vocês ou as ignorarem, estou com vocês. Lutei todos os dias por vocês. Portanto, nunca deixem de lutar, eu acredito em vocês. 
Como disse Anne Lamott, "faróis não correm por toda a ilha procurando barcos para salvar; eles apenas ficam lá, brilhando". Embora eu não consiga salvar todos os barcos, espero que, ao falar hoje, vocês tenham absorvido um pouco de luz, um pequeno saber que vocês não podem ser silenciadas, uma pequena satisfação de que a justiça foi servida, uma pequena segurança de que estamos chegando a algum lugar e uma grande, grande certeza de que vocês são importantes, inquestionavelmente, vocês são intocáveis, vocês são lindas, vocês devem ser valorizadas, respeitadas, inegavelmente, todos os minutos de todos os dias, vocês são poderosas e ninguém pode tirar isso de vocês. Para as garotas em toda parte, estou com vocês. Obrigada.

31 comentários:

Anônimo disse...

Não vou ler saporra toda não vou esperar sair o filme.

Marcia disse...

Incrível! Pode ser longa, mas não é nada trivial ou repetitiva. Apenas 6 meses de prisão... realmente, mulheres e suas dores não importam nada para o direito.

Anônimo disse...

Ao terminar de ler esse texto, fiquei pensando se eu fosse o juiz do caso.

Provavelmente condenaria o estuprador pela pena máxima e orientaria os policiais a jogá-lo junto com os demais detentos. Talvez assim ele entenda a extensão do dano que provocou.

Sportano disse...

Deu nojo, raiva e inquietação ao ler tudo que essa moça passou (e ainda passa e passará), ao ler as defesas do advogado, a postura do estuprador e a de quem achava que ele não merecia uma pena tão forte. "Que era um preço alto a se pagar por 20 minutos de ato". Que o "bichinho" ia perder a bolsa que ele tinha lutado tanto.

Seis meses. Míseros seis meses que tornam essa atitude branda demais em face à tudo que ela passou.

Acho que o que podemos levar como positivo dessa história é que pelo menos dessa vez não se conseguiu passar que a vítima procurou, que a vítima gostou. Pelo menos dessa vez, à vítima foi tratada pela grande maioria das pessoas (salvo aquelas interessadas em absolver o cara) como ela é, de fato.Uma vítima.

Uma vítima desse cara que acha que a mulher deve transar com ele. Que ele é homem, que isso não é nada demais. Uma vítima que poderia ser facilmente no Brasil.A terra na qual o c# de bêbada não tem dono.Terra na qual se a mulher vai pra uma festa dessas e tá bebendo (e muito) é pq está procurando, está pedindo.

Infelizmente, ainda temos que educar as mulheres a procurarem evitar determinadas situações (mesmo sabendo que estupros geralmente acontecem com quem elas conhecem).Mas mais do que isso, precisamos educar os homens pra não fazer nada, absolutamente nada sem o consentimento. E nem forçar a barra pra que o "consentimento" ocorra. Mesmo parecendo ridículo ter que ensinar isso aos homens.

Anônimo disse...

Essas coisas acontecem na faculdade. Quase já passei por algo assim. As vezes a garota bebe demais e o cara bebe demais e fazem esse tipo de coisa, aí a menina apaga ou o cara apaga. Não é certo, mas a "goró" potencializa a libido sexual. Eu só não entendi se ela foi ou não com ele pra cama ou se ele a arrastou.

Anônimo disse...

E lá vai mais um omen condenado por estupro, q novidade

E ainda tem quem goste disso (de omens), ainda não se deram conta do perigo q é se relacionarem com um

Anônimo disse...

Difícil terminar de ler sem derramar algumas lágrimas. Espero que essa mulher nunca se esqueça do quanto ela é incrível, forte e especial, e que isso nenhum estuprador pode tirar dela. Aliás, que todas as vítimas carreguem isso dentro de si. Uma vez uma psicóloga me disse que trabalhava com vítimas de estupro tentando fazê-las entender que o estuprador não tem poder pra mudar quem elas são. Eu pensei muito sobre isso.

Dan

Anônimo disse...

Não tem como não se emocionar.
Que força e luz incrível.
Muito amor pra ela nessa vida.
Tomara que esse caso traga mudanças positivas.

André disse...

Cesc,

Enfia um abacaxi no rabo. Ninguém foi pra cama. Ele estuprou uma menina desacordado atrás de uma lixeira. Se eles estivessem no mesmo grau de embriaguez o pessoal que a socorreu teria socorrido ele também.

André disse...

19:11,

Não havia relacionamento entre eles.

Unknown disse...

Eu todo o relato e chorei. Eunme senti na pele da vítima. Eu senti a dor por trás das palavras. Espero que ela algum dia possa viver plenamente após o ocorrido.

Anônimo disse...

Não tem como comparar o nível de embriaguez de uma moça que teve amnésia e um cara que "lembra como os fatos ocorreram". Não tem como comparar a "parcela" de culpa de um cara bêbado que estuprou alguém e uma moça bêbada que foi estuprada. Parem de inventar desculpa pra estuprador.

titia disse...

O que posso dizer? A dor foi grande, mas a admiração também. Essa mulher sofreu uma das coisas mais horríveis que pode acontecer com um ser humano, e as palavras dela causam dor, fazem chorar. Mas sua força e sua coragem também tocam, emocionam, e todos desejamos que ela se veja como a pessoa forte e maravilhosa que é, e que o monstro não conseguiu destruir.


Cesc Biavati, deixa eu te explicar direitinho como isso funciona, ok?

Quando homem e mulher estão sóbrios e consentiram, é sexo.

Quando homem e mulher estão no MESMO NÍVEL de embriaguez, pode ter sido uma decisão que nenhum dos dois tomaria sóbrio, não necessariamente um estupro.

Se um está mais bêbado que o outro, teremos um estupro.

Se um está COMPLETAMENTE APAGADO (como a moça do relato) e o outro está consciente, então É 100% DE CERTEZA QUE TEMOS UM ESTUPRO.

A moça estava COMPLETAMENTE APAGADA quando foi arrastada da festa pra trás de uma lixeira, teve suas roupas arrancadas e foi estuprada por esse lixo. Uma vez que ela estava COMPLETAMENTE APAGADA, não havia a menor possibilidade dela ter dado consentimento em nenhum momento, ou seja, a coisa já começou como um estupro. Mas não vamos ser tão severos com o Cesc, pessoal, o pobrezinho pode ter tido algum problema sério com o texto, tipo ele não deve nem saber ler, coitado.

donadio disse...

O texto é excelente. Vai ao ponto da maioria das questões, desmonta as falácias dos estuproculturistas, e é um texto pra cima, de uma pessoa corajosa, que não incentiva o medo, e que não cede em nenhum momento à misantropia que tantas vezes vemos. Ao contrário, é um texto que chama â esperança e à solidariedade. Muito bom mesmo.

donadio disse...

"Eu só não entendi se ela foi ou não com ele pra cama ou se ele a arrastou."

Então você não entendeu nada, por que não cama nenhuma em momento algum da estória. Que parte de "atrás da lixeira" você não entendeu?

Anônimo disse...

Chorei tanto. Parece um filme de terror sem fim. Um beco sem saída. Só de pensar que isso é real me da um medo e um desespero gigante, esse post me fez cair na realidade. Estou morrendo de medo #luto

Anônimo disse...

Da para sentir a tristeza dela em cada palavra:'(

Anônimo disse...

Eu entendi que ele havia a estuprado antes e depois deixada atrás da lixeira. Pode ter sido o sono e a rapidez que li o texto. 90% do texto foi "eu estou destruída, arrasada, não vou mais viver, vou chorar a vida inteira".

Com relação a essa titia, parece que esta nunca participou de festas de faculdade. Não sabe como funciona ou ainda tem aquela imagem de que todas mulheres são agarradas pelos homens e estupradas a força. Todo mundo ali bebe proporcionalmente e nenhuma costuma ir SOZINHA. Sempre vão com as amigas por segurança. Agora o que fazem lá, você sabe. Não dá para ficar levando testemunhas ou câmera para saber quem apagou primeiro do que outro de tanta cachaça.

Anônimo disse...

Pronto, o assunto principal desse blog agora são fanfics.

Anônimo disse...

Que agonia que senti ao ler este texto.
É por causa disso que tantas mulheres não denunciam estupro/abuso. Imagina a estrutura emocional que é necessário ter pra passar por um processo desses. A mulher já estava destruída e precisou aguentar tanto.
Meu Deus, que mundo insensível, as pessoas estão cada vez mais psicopatas.

lola aronovich disse...

Anon das 12:48, todo relato de estupro é fanfic pra vc, é isso? Legal saber que vc acha que estupros não existem, otário.


Cesc, vc é um completo imbecil.

titia disse...

Nossa Cesc, quer dizer que estupros são normais em festas de faculdade? Ainda bem então que não, eu nunca fui em nenhuma. E pelo visto fiz bem porque, afinal, de acordo com o seu relato os carinhas acham OK estuprar uma mulher apagada ou bêbada demais pra dar consentimento. Agora me diz uma coisa, se é normal vocês avançarem em mulheres que bebem, por que não fazem isso quando elas estão no meio das amigas? Por que vocês sempre esperam a moça bêbada estar sozinha pra ir atrás dela? E por que ao invés de conversar com ela no meio da festa insistem em levar pra um lugar "reservado"? E se o cara está tão bêbado quanto a mulher como você diz, por que eles ainda ficam pensando nesse esquema de avançar na mulher quando ela está sozinha e levar pra outro canto com menos gente enquanto ela não pensa em nada disso?

Dá nojo esses projetinhos de estuprador defendendo os Brothers aqui.

Anônimo disse...

Ninguem está defendendo essa prática não. Estou falando que, as vezes, a situação é tão complicada que não dá nem pra saber se foi estuprada ou foi um meio estupro. O caso relatado o cara tem mais que pagar mesmo e eu, por estar com sono, não reparei direito que ele a estuprou atrás da lixeira, mas sim que foi encontrada atrás da lixeira. As bebedeiras e idas para o quarto consciente ou semi-consciente é o que mais acontece nessas festas, não necessariamente que tenha penetração. É o momento, estado alcóolico e diversão. É diferente do cara ter total intenção de ver a mulher beber, perder a consciência e, de forma escondida, fazer o ato sem consentimento nenhum. Resumindo: O cara tá com a mulher, ja ta chapado e a mulher tambem, sempre vezes rola algo a mais, mesmo que depois algum se recupere e saia. Isso ai é estupro? Fala sério. O ambiente e o estado dos dois gerou isso.

Uma dica: Só maneirar na bebida, ainda mais com esses filhos da puta.

Isso aí de levar pro canto é por causa do som, ué. Você gosta de conversar gritando?

Denise disse...

Muito poderosa essa carta. E ultrajante essa sentença do juiz e a carta do agressor e do pai dele. Realmente em nenhum momento ele assumiu os seus atos, apenas pede desculpas por ter bebido. É aquela velha história, cultura do estupro não existe, o que existe é cultura do álcool. Pára o mundo que eu quero descer!

Anônimo disse...

Eu tive três amigas estupradas em festas da uni, em ocasiões distintas. Sempre na situação da pessoa beber até se intoxicar e descobrir o que aconteceu só quando acordou com o sol na cara e sem calcinha em algum canto. Sabe o que aconteceu com os caras? Nada, ninguém viu, ninguém vê, autoria desconhecida, inquérito que não vai pra frente. Sabe o que aconteceu comigo? Troquei de universidade e deixei de ir a qualquer festa (não beber em lugares assim é fundamental mas nem isso te ajuda caso você seja drogada sem perceber). Tirei meu diploma sem constrangimentos.

Não adianta, enquanto a CULTURA não mudar, podem dar mil canetadas legais que elas representarão, adivinha, isso mesmo, nada. Fora que o que não falta é polícia machista, promotor machista, juiz machista, de ambos os sexos. Bandido não tá ligando pra isso. Ah, e tem um detalhe fundamental: um amigo meu foi estuprado por 3 caras em uma festa quando era adolescente e, passado muito tempo, teve a oportunidade de confrontar um dos estupradores. O sujeito, na maior naturalidade, disse que não viu nada de mal no que aconteceu, que tava "todo mundo loko mesmo" (meu amigo estava DESACORDADO e ficou sabendo dos piores detalhes na boca de um de seus agressores) e que não pensava mais no assunto. É isso, se bandido caga pra lei, a pessoa que não se sente bandida caga o dobro. E faz e não perde uma noite de sono por isso.

"Ensinem os homens a não estuprar", concordo um bocado. Enquanto isso não acontece, vai do nosso bom senso também não se colocar de propósito numa situação em que você tem que contar com a integridade das pessoas para não ter seu corpo invadido.

MonaLisa Eternal disse...

Pra que ter empatia de estuprador? Ela estava disposta a um acordo se ele assumisse pra não virar uma bola de neve.

Mas como todo macho jamais vai admitir que não tem o poder de fazer o que quiser com o corpo de uma mulher. Maldito.

MonaLisa Eternal disse...

PS: Hoje em um carrinho de lanche, passava no Fantastico a reportagem do jogador de futebol acusado de estuprar adolescentes e um 'senhor' que havia acabado de chegar começou a falar que tudo é estupro agora, que só se fala nisso, que se qualquer um que estiver com uma menor será taxado de estuprador.

Não seremos mais silenciadas. Estupradores não passarão.

donadio disse...

"meio estupro"

Não inventa, cara. Não existe "meio estupro" na legislação brasileira.

Matheus disse...

Deveria. Ia te ensinar a sentir empatia pelos outros.

Kliffo disse...

Não é por nada, mas tem hora que a face da pessoa a denuncia. Olha pra esse cara. A face dele tem um ar de deboche,ódio e psicopata.

Anônimo disse...

Estuda em Stanford, faculdade mt foda pra entrar, teve um educação ótima...só se esqueceram de ensinar respeito. E o pai bosta ainda apoia...