Mais tarde descobrimos que essa mulher descartável era uma prostituta. Normal, porque em “Bala” praticamente todas as fêmeas são prostitutas (num nível de perversão que lembra “Sin City”, não por coincidência outra adaptação de histórias em quadrinhos. Taí um universo próspero pra se vingar de todas as mulheres que já desprezaram um adolescente espinhudo). O problema é que o bebê ainda precisa mamar, então o Clive encontra uma outra prostituta, esta feita pela Monica Bellucci. Quando a vemos pela primeira vez, ela tá realizando uma fantasia erótica masculina, amamentando um cliente. No início, o instinto promíscuo da Monica é maior que o maternal. Ela não pode ser deixada um minuto sozinha com o bebê que vai logo levando um sujeito prum beco pra descolar uns trocados. O poço de virtudes que é o Clive desaprova: “Imagino o que você não faria pra colocá-lo numa boa escola”. Mesmo assim, ele se envolve com ela, que só parece gostar de transar sem ser paga quando corre risco de vida. Dá a impressão que, se o Clive tivesse que optar por ela sozinha, sans bebê, e uma cenoura, ele nem olharia pra Monica. O Clive adora cenouras e as usa como máquinas mortíferas. As cenouras, símbolos fálicos que são, têm mais utilidade que a Monica, por exemplo (compare com o poder feminino de “Grindhouse”).
Numa outra cena, o Clive dá umas palmadas numa mãe que, segundo ele, não sabe como cuidar do seu pimpolho. Cabe a um homem instrui-la. O Clive diz também que odeia um “pussy” com uma arma. “Pussy” tem dois significados: covarde e a genitália feminina. Como fica claro no sádico desfecho do vilão, essa segunda definição tem mais a ver com o espírito do filme. Eles detestam qualquer parte feminina mesmo (menos os seios, que servem pra dar leite). O malvadão, Paul Giamatti (outro que, como a Monica, precisa urgentemente mudar de agente), tem uma cena meio necrófila com o corpo de uma mulher morta. Ele também quer mamar. E aí finalmente dá pra entender o título. No contexto geral do filme, cheio de prostitutas apanhando e sendo inseminadas, “Shoot’em Up” adquire um outro significado, que tem muito mais a ver com ejaculação que com balas. Aqui as fêmeas servem apenas como receptoras de esperma e, infelizmente, na falta de alternativa, portadoras de bebês.O maridão, por ser homem, ignorou essas leituras, e tentou rir em voz alta quando o Clive se auto-ejeta do seu carro pra entrar num caminhão alheio. Pois é, quem gosta de ver vídeos com cenas de dublês provavelmente vai gostar. “Bala” tem toneladas de cenas impossíveis. Minha preferida é a que mostra um bebê mecânico que chora. Ahn, mais importante que perguntar como um casal sem dinheiro e sem equipamento fez essa máquina, é perguntar quando. Isso foi durante o sexo? Dentro do tanque? Enquanto pulava do avião? Como eu estava altamente entediada, perguntei pro maridão se eu e ele não somos iguaizinhos ao Clive e a Monica, mas sem o bebê. Ele disse: “sem a cenoura também”.
Pode ser que eu esteja redondamente enganada e a intenção do filme não seja propagar ódio contra as mulheres, e sim fazer pelas cenouras o que Popeye fez pelo espinafre. A única coisa que dá pra saber ao certo é que o bebê, com sua predileção por heavy metal e tiros raspando nos seus ouvidos, vai ter problemas quando crescer. No mínimo será um psicopata, mas pelo menos um psicopata surdinho.
P.S.: Além de lindo e charmoso, o Clive Owen está perfeito no mediano “Closer – Perto Demais”, e num dos melhores filmes do ano passado, “Filhos da Esperança”. Não dá pra fazer só bons papéis. Mas o Paul Giamatti anda exagerando. Após uma performance sem força em “O Ilusionista” e seu personagem tenebroso em “The Nanny Diaries” (ainda sem estréia no Brasil), em “Bala” ele interpreta um demente que cita o maior sucesso do ator, “Sideways”. Não é sacanagem um indicado ao Oscar gritar “F***-me, Sideways”?
2 comentários:
Não vi e nem vou ver.
Closer mediano?
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