segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

CRÍTICA: RATATOUILLE / Quem mexeu no meu queijo?

Meu editor disse ter mais pavor de animação que de rato, então não vai ver “Ratatouille”. Como eu ainda temo mais roedores que desenhos, fui lá prestigiar a mais recente produção da Pixar, que os críticos americanos amaram. Dão uma nota média de 95. É que todo mundo adora a Pixar, o caviar da animação. E “Rata” é bonito e até ousado, a começar pelo título. Nas 262 vezes que vi o trailer, eles explicavam como se pronuncia. Viu como Hollywood é cultura? A gente até aprende francês!

Se bem que, na bilheteria, o pessoal se referia ao filme como “o do rato”. A gente deve ser mesmo obcecada por roedores, porque, do Mickey ao Ben (subtítulo: “O Rato Assassino”), eles sempre têm muito destaque. Eu cresci ouvindo que existem sete ratos pra cada humano. Faz tempo que doei os meus pra caridade, mas de vez em quando meus gatinhos me trazem algum de presente. Rato é menos asqueroso que barata, por exemplo, porque pelo menos é mamífero. Dizem que tem um DNA muito parecido com o do maridão. Bom, o ratinho de “Rata”, que sonha em ser cozinheiro, é pequeno, azul, tem focinho e orelhinhas rosas e grandes olhos, mas corrijam-me se eu estiver errada: ainda é um rato! Pode ser o melhor cozinheiro do mundo, e mesmo assim eu não gostaria de ter meu prato manuseado por um rato, ainda mais um rato francês, que não deve ser muito chegado à água. Se pelo menos fosse um hamster... Eu já tive um, e eles são fofinhos. Seguram biscoito com as duas patas e armazenam comida em suas bochechas. Ou seja, tem alguma coisa na minha cultura que me ensinou que rato é nojento, e hamster é uma gracinha. Meus gatos não aprenderam isso e, pra eles, tudo é refeição e pretexto pra brincar, com a desvantagem de hamster não ter cauda pra ser separada do corpo.

Também é cultural o que a gente aprende a gostar de comer e a não gostar. Desde o começo colocamos tudo na boca. Cabe aos nossos pais a responsabilidade de gritar “Feio! Feio! Isso não!” ao experimentarmos uma meleca ou uma lagartixa (e depois querem nos deseducar, dizendo que lesma é nojento, mas escargot é o que há). Não sei exatamente como chegamos a celebrar a culinária francesa, aquela que serve um pratão imenso com um rocambolinho no meio, a preços proibitivos. Mas pelo menos os franceses têm o hábito salutar de vetar crianças em certos restaurantes. Confesso ter pensado nisso durante a sessão, já que uma mãe levou seu bebê de colo para assistir à animação... e o bebê não parou de chorar e gritar um minuto.

O filme em si é bem mais silencioso, cheio de humor físico, inclusive com poucos diálogos, porque os ratos falam entre si, mas não falam com humanos (e não vestem roupinhas, graças a Deus! Alguns até andam de quatro!). Esse tipo de humor cansa um pouco (rato fugindo de velhinha com espingarda, rato fugindo de cozinheiros com faca, rato puxando cabelo humano). Na realidade, há momentos mais assustadores que engraçados, como quando o rato é exibido numa terra de gigantes, correndo pra não ser pisoteado ou atropelado. Faz dias que venho refletindo sobre como nós, humanos, somos dos maiores bichos da Terra. Estamos entre os mais altos e pesados (falo por mim). E, no entanto, somos mestres do universo apenas pelo detalhe do polegar opositor.

“Rata” quase poderia se chamar “Entre Ratos e Homens”, já que o universo gastronômico mostrado é totalmente masculino. Há apenas uma fêmea com falas no desenho. E há dois vilões, um com feições africanas, o que pega mal, e outro, um crítico, que mais ou menos se redime no final. As mensagens são todas nobres: roubar é errado, lavar as mãos antes de tocar em comida é importante. Mas o principal recado é que os críticos são as piores pessoas do mundo. O fim reserva um enorme sermão clamando que a pior porcaria é mais valiosa que uma crítica. Eu senti o baque. Tá, sei que um filme custa incomparavelmente mais caro, envolve a contratação de gente, leva um tempão, usa mais talento e criatividade que eu ao redigir um texto, mas não venha me dizer que, sei lá, “Minha Mãe Quer que Eu Case” é melhor do que qualquer outra coisa feita no planeta.

Estranho que um diretor tão badalado quanto o Brad Bird (de “Os Incríveis”) tenha que apelar pra esse tipo de discurso anti-crítica. Eu não daria nota 95, mas gostei muito de “Rata”. A cena em que o rapaz precisa jogar no rio o ratinho preso num vidro é a melhor. Partiu meu coração e me fez pensar em nunca mais matar um ratinho. Minha única reclamação é que as seqüências de comida animada não atiçam o paladar. “Rata” não é um “Festa de Babette” ou um “Chocolate”, que faz a gente sair da sessão e ir direto manjar. Mas o filme celebra o ato de comer, de como comer é um ritual social e prazeroso. Mulheres, não deixem que nos privem disso!

2 comentários:

Anônimo disse...

Lola, vc realmente acha que a mensagem do filme é a crítica aos críticos?

Em todos os momentos é afirmada a tentativa do rato sair de sua família, porém, no fim, ele arranja uma maneira de mantê-la junta com ele, assim como, o personagem principal, não lembro o nome, matém também um lugar onde ele consegue fazer sucesso juntamente com sua namorada e o rato, que já é tratado como mais que um amigo de trabalho, como um integrante daquela família (sendo, agora, alegórico).

A mensagem altamente reacionária deste filme é da afirmação do valor sagrado da família, onde, vc precisa formá-la, ou, caso não queria uma (à primeiro instante) vai perceber que ela é necessária/sagrada... Não dá pra fugir. Não adianta.

O papel do crítico no filme é o de desestabilizar a "família" - O restaurante que tem como personagens mais influentes, o protagonista, a namorada dele e o rato cozinheiro (que já faz parte do conceito de família como sendo o lugar confortável das relações íntimas e etc).

Lembra da cena que o crítico é levado para sua infância, com sua suposta mãe ao comer o prato?

O prazer está na comida da mãe.

É isso.

alice disse...

eu gostei bastante do filme, achei bem fofo.

vi a seguinte metáfora: ratos são os marginalizados. o Remy é o "pobre porem limpinho", que se esforça pra parecer com o dominante e se sujeita a ficar nos bastidores pra realizar seu sonho indiretamente. no final, o crítico diz a ele q ele deve se impor, pq ele é a grande estrela.

os parentes do Remy se conformam com a ideia de q aquele lugar e aquelas coisas não foram feitas pra eles, da mesma forma q várias pessoas pobres se sentem intimidadas e muito distantes de um Teatro Municipal, por exemplo. e no final, com a integração e aceitação dos ratos no restaurante, todos eles passam a conviver. os ratinhos ganham um segundo andar no bistrô, com decoração e comida de primeira, não comem mais lixo, não são mais obrigados a roubar. prova de q aquilo estava errado.

quando eu vi o filme, há algum tempo, não tinha reparado em 2 coisas q me incomodaram hoje, e q vc citou: o vilão ter aspecto de imigrante africano (ele até parece o Jafar, de Aladdin) e o fato da Colette ser a única mulher (síndrome de Smurfete, como dizem) e ainda por cima não ser tão reconhecida pela sua competência uma vez ofuscado pelo ratinho (ela não era tão talentosa quanto ele, aparentemente, mas se esforça em ensinar ao Linguini tudo o necessário pra ser um chef razoável.)

de qq forma, ela é um dos melhores personagens, adoro as falas em q ela desconstroi a imagem pedante do ambiente dizendo q ele só se torna aristocratico pq as pessoas esnobes querem manter esse status (e ela ainda reclama por ser um ambiente essencialmente masculino, de dificil acesso pra mulheres, e q ela tinha q ser a melhor pra poder continuar ali, mesmo n estando numa posição muito alta na hierarquia da cozinha)