domingo, 26 de novembro de 2000

MENÇÕES HONROSAS DE UMA DÉCADA NEM TANTO

Chego aqui à minha última lista – é a última, prometo – relativa à década que passou. Depois de classificar os melhores e piores, lembro das menções honrosas. São todos filmes dignos, instigantes, memoráveis, que, por um triz, não conseguiram tornar-se grandes como aqueles que figuram entre os nove mais na minha modesta e muito particular opinião (que são, em ordem alfabética: "Beleza Americana", "Ed Wood", "Fargo" [foto], "Os Imperdoáveis", "Pulp Fiction", "Silêncio dos Inocentes", "Um Sonho de Liberdade", "Trainspotting" e "Truman Show").
Nas listas anteriores, me esqueci de dizer que, apesar das produções inclusas serem faladas em inglês, o espanhol "Tudo Sobre Minha Mãe" é fantástico, e que, se "Proposta Indecente" não for um dos mais lastimáveis da década, então não sei mais o que foi. Só um parênteses: nesta comédia romântica (eu ri bastante), o Woody Harrelson acusa sua esposa, Demi Moore, de querer ir pra cama com o sujeito que lhe oferece um milhão de dólares. O detalhe é que o milionário em questão é o Robert Redford que, mesmo enrugado, ainda dá um bom caldo. Este filme também ressuscitou um velho fantasma – que as pesquisas não devem ser levadas a sério. Algum jornal fez um levantamento entre brasileiras e descobriu que 80% recusariam um milhão de verdinhas para passar uma noite com o Robert. Tá, tá, me engana que eu gosto. Eu até consideraria pagar algo ao Robert se ele me concedesse a honra de, sei lá, me deixar conferir se ele é loiro mesmo, mas vamos mudar de assunto Às menções honrosas, portanto.
Arrasa-quarteirões que não venderam sua alma: "Exterminador do Futuro II – O Julgamento Final" (91), "Titanic" (97), "Homens de Preto" (97), "Matrix" (99), "O Sexto Sentido" (99; foto). Ou: só porque fizeram fortuna não significa que são ruins. Adorei estas superproduções. "Titanic" é ótimo entretenimento, na mesma linha de "Exterminador II", também do Cameron, que ainda por cima faz pensar um pouquinho. "Matrix", então, leva a montes de reflexões, enquanto "Sexto Sentido" é romântico e aterrorizante. E "Homens de Preto" faz rir do começo ao fim. Tem uma das minhas falas preferidas, mesmo que emprestada de clássicos como "A Noiva de Frankenstein". A personagem que trabalha no necrotério declara "Odeio os vivos". Dá pra discordar dela?
Estranhos, mas bons: "Na Corda Bamba" (96) "O Doce Amanhã" (97), "Na Companhia dos Homens" (97), "Boogie Nights – Prazer sem Limites" (97; foto), "Felicidade" (98). Todas produções roteirizadas por diretores de primeira ou segunda viagem, no máximo. Todas independentes, com idéias e ritmos que vão contra a corrente. Mais próximo da idéia de filme de autor, impossível. Se você não viu algum desses, está na hora de ver. Mesmo que você não se apaixone, todos deixarão o gostinho de algo novo. E daí que o gosto seja amargo? Nem tudo na vida é açúcar. Mas prepare-se, que eles são diferentes. Fãs de Stallone não devem chegar perto. São todos americanos (menos "Amanhã", que é canadense), mas procure na seção de "cinema europeu" na sua locadora mais próxima.
Eles vivem! "A Lista de Schindler" (93), vinte minutos de "O Resgate do Soldado Ryan" (98; foto), "Cassino" (95), "Maridos e Esposas" (92), "Short Cuts – Cenas da Vida" (93). Sim, há esperança pra quem pensava que os diretores fundamentais haviam morrido (Kubrick morreu literalmente; Polanski e Coppola, figurativamente – o autor de "Apocalipse" e "O Poderoso Chefão" rendeu-se a quinquilharias como "Jack" e "O Homem que Fazia Chover" nos anos 90). Sem dúvida, eles não são mais os mesmos, mas ainda há a sombra do que já foram. Spielberg consagrou-se com a conquista do Oscar por "Schindler" e "Soldado Ryan". Scorcese cometeu pecados como "Cabo do Medo" e "A Época da Inocência" mas redimiu-se, em parte, com "Cassino". Woody Allen, longe de sua melhor fase (pra mim, sua última obra-prima é "Crimes e Pecados", de 89), e bem no meio do seu escândalo matrimonial com Mia Farrow, conseguiu encantar seus fãs com as tiradas inteligentes de "Maridos e Esposas". E Altman, bom, Altman teve uma década de 80 morta, então ele até que se recuperou bem nos 90, com originais como "Short Cuts" e "O Jogador", embora "Prêt-à-Porter" seja sofrível. Este devia constar da lista dos piores.
Humor inglês pra qualquer um ver: "Para o Resto de Nossas Vidas" (92; foto) e "Quatro Casamentos e Um Funeral" (94). Dois temas difíceis, ou melhor, três: AIDS, cerimônias de casamento e enterros. E não é que esses filmes ingleses tratam desses assuntos espinhosos com pouca pompa e muito humor? "Pete’s Friends", o título original do primeiro, é uma espécie de "O Reencontro", só que mais engraçado. E "Quatro Casamentos" não tem só a carinha bonita do Hugh Grant – que, cá entre nós, já seria suficiente (vide "Um Lugar chamado Notting Hill"). Tem ironia, diálogos hilariantes, personagens bem-delineados. O que mais se pode esperar de uma comédia?
Filmes noir fora de época: "Seven – Os Sete Pecados Capitais" (95), "Os Suspeitos" (95), "Los Angeles, Cidade Proibida" (97; foto), "Uma Outra História Americana" (98). Não sei se podem ser chamados de noir, mas são tramas pesadas e criativas. "Seven" e "Os Suspeitos", além de thrillers interessantes, ainda trazem a sensação Kevin Spacey. "Los Angeles" tem todo aquele clima dos policiais dos anos 40 – ah, e também conta com o Kevin, que sucede em roubar as cenas de um elenco fascinante. Em "Uma Outra História", o protagonista é interpretado por outro grande ator da década: Edward Norton. Tirando a fotografia em preto e branco, este filme não tem tanto da atmosfera noir. No entanto, é ideal para nos levar a pensar sobre quanto os pais influenciam os filhos.
Atores que viraram autores: "Dança com Lobos" (90) e "Quiz Show" (94; foto). Kevin Costner dirigir um épico pró-indígena foi uma grata surpresa. Eu chorei compulsivamente quando matam o lobo dele. Já o favorito do pessoal, "Coração Valente", também feito por um ator – Mel Gibson –, eu nunca gostei muito. "Quiz Show" ninguém conhece, embora tenha concorrido a alguns Oscars. Leva a direção do Robert Redford, aquele loiro maravilhoso que precisa pagar pra transar em certos filmecos. Em épocas de Show do Milhão, a história de um concurso fraudado de perguntas e respostas torna-se ainda mais pertinente.
Criança também é gente: "O Rei Leão" (94) e "Babe, O Porquinho Atrapalhado" (95; foto), ou devo dizer que os animais também são filhos de Deus? Estes dois filmes infantis são mais honestos e menos engraçadinhos do que outros. "O Rei Leão", além da animação inspirada, é praticamente Hamlet para crianças. E o australiano "Babe", sobre um porco que vira cão pastor, é de emocionar e fazer a gente boicotar carne suína por vários meses. "Babe" é meu recorde também. Nunca um filme me fez verter tantas lágrimas.Como era verde meu vale - Concorrentes que não ganharam o Oscar de 94: "O Piano" (foto), "Em Nome do Pai", "Vestígios do Dia", "O Fugitivo", "Lances Inocentes". Pelo visto, 93 não foi um ano de vacas tão magras quanto o restante da década. O neozelandês "O Piano" alcança uma façanha inédita: a Holly Hunter muda. Brincadeirinha. Este drama erótico merece todas as honras, assim como o irlandês "Em Nome do Pai", um dos poucos filmes politicamente engajados dos 90. "Vestígios do Dia", "Retorno a Howards End", "Razão e Sensibilidade", são tramas literárias brilhantemente atuadas, que não agradam os paladares mais apressadinhos. Ou você adora ou detesta. Eu adoro. Pra quem prefere a tendência da montagem picotada, "O Fugitivo", com o Harrison Ford, é uma ótima pedida. "Lances Inocentes", ou "À Procura de Bobby Fischer" (teve mais de um título), é obrigatório pra quem ama o xadrez. Ou pra quem queira refletir sobre como ambições paternas afetam os pimpolhos.
Quando Hollywood dança: "Evita" (96). Tudo bem, é aqui que minha reputação (???) vai pro brejo. Boa parte dos críticos odiou "Evita". Eu acho que é porque eles são jovens demais e nunca viram musicais. Ou então porque detestam a Madonna. "Evita" não tem diálogos, só canções e coreografias. Quem foi assistir ao filme sem saber disso se decepcionou. Convenhamos: o público de hoje não está habituado a musicais. É trágico, mas o pessoal nunca ouviu falar em Fred Astaire ou Gene Kelly. Sob este ângulo, o megasucesso da Broadway pareceu ultrapassado. No entanto, onde mais podemos ouvir "Não chores por mim, Argentina" ou presenciar uma primeira dama, uma santa em seu país, serchamada de vadia? Dá pra notar que "Evita" foi escrita por ingleses...
Poderosas: "Os Imorais" (90), "Thelma e Louise" (91; foto), "Instinto Selvagem" (92), "Melhor é Impossível" (97). "Thelma e Louise" é um filme francamente feminista. Aí vem um desavisado e acha desnecessário se fazer algo anti-machista numa época de direitos tão iguais. Que direitos iguais, cara pálida? Às vezes você não se sente em plenos anos 50, pré-revolução sexual? Bem-vindo(a) ao clube. "Os Imorais" exibe um trio de desonestos, com um John Cusack atormentado pela mãe e esposa. "Instinto Selvagem", mais conhecido por aquela cena da cruzada de pernas da Sharon Stone, já foi acusado de homofóbico, de chauvinista, de tudo e mais um pouco. O que não faz muito sentido, pois a Sharon tem todos os homens do filme comendo na palma da sua mão. Ela tem a força. Em "Melhor é Impossível", é a influência de uma garçonete (e de um cão, é verdade) que regenera o Jack Nicholson.
Vou parando por aqui. Daqui a pouco acaba a próxima década e eu ainda não terminei a lista dos filmes dos 90. Atrasada, eu?

4 comentários:

Giovani disse...

Lola, sempre achei que era o único que não considerava Instinto Selvagem machista e homofóbico de jeito nenhum. Tudo bem, a vilã é lésbica, mas, e...? E, você disse muito bem, tds os homens comem na mão dela. Não entendo o ódio que algund pelo filme.

lola aronovich disse...

Gio, eu mudei um pouco de ideia quanto à homofobia em Instinto Selvagem após ver o ótimo documentário The Celluloid Closet, sobre homossexualidade em Hollywood. Olhando só pra I. S., eu não acho o filme tão homofóbico, apesar de haver uma personagem lésbica mal-encarada, uma vilã bi, e ainda a psicóloga, que já foi obcecada pela vilã. Mas, no contexto de Hollywood, ele é homofóbico. Porque raramente há filmes que retratem gays e lésbicas positivamente (lembre-se, IS é de 92, uns 15 anos antes de Brokeback Mountain. Anterior a Filadélfia. E a Milk). Quanto ao machismo do filme, acho a personagem da Sharon super poderosa. O problema do machismo tá na personagem da psicóloga, que é carente e bem submissiva. Mas continuo gostando pacas do filme.

Werner Wild disse...

Nossa, Lola, boa parte dos filmes já tinha assistido, mas em comparação a você não vi nada! Bom que catei todos os nomes para poder baixá-los (se alugasse todos os filmes que já assisti teria ido à falência :). Obrigado pelas dicas!

Anônimo disse...

vc entendeu a epoca da inocencia??? nunca conheci uma feminista que nao tenha pelo menos respeitado o filme, e toda a violência contida naqueles costumes sociais....