domingo, 26 de novembro de 2000

CRÍTICA: A CELA / Abram a cela do circuitão!

Sinto-me um pouco envergonhada de resenhar filmes estritamente comerciais em pleno período de Mostra Internacional de Cinema, mas fazer o quê? Como diz o José Simão, filme em curdo com legenda em paquistanês, só em SP. Aqui em Joinville, tenho que ficar com A Cela que, francamente, não é ruim.
O fio condutor da história envolve um aparato tecnológico que permite a uma psicóloga entrar na mente de pessoas em coma (assim, mais ou menos como a lavagem cerebral que o cinemão faz com a gente). No começo, a cobaia é um menininho. Depois, a moça deve desbravar o intelecto de um serial killer. Evidentemente, o assassino guarda o segredo de onde está sua última vítima, ainda viva. Creio não estar fazendo grandes revelações ao contar que os intrépidos detetives ianques conseguem salvá-la no último segundo. Se você está injuriado, achando que eu estraguei o final do suspense ao revelá-lo, faz tempo que você não prestigia o circuitão americano, não?
A Cela tem a vantagem de ser um filme estiloso, com boa fotografia (ao contrário das produções terceiro-mundistas da Mostra), e uma direção de arte que com certeza será indicada ao Oscar. Os figurinos, muito criativos, me remeteram a Priscila, A Rainh
a do Deserto. Graças a eles, a protagonista Jennifer Lopez ganha a chance de se travestir de Pavão Misterioso, Virgem Maria, dominatrix, e até psicológa infantil, nas horas vagas.
A Jenny não deverá receber indicação, pobrezinha. Não é que ela esteja mal. É só um papel meio obscuro. O pessoal gosta de dizer que ela é a
hispânica do momento em Hollywood; que ela é o que a Sonia Braga já foi. Não é verdade. A Sonia, que Deus a tenha, nunca foi tão importante. Durante A Cela, meu marido perguntou, indignado, "Cadê a mulher mais sexy do mundo?", referindo-se ao prêmio que a Jenny acabara de ganhar nos EUA. Antes que eu respondesse "Aqui do seu lado, benhê", lembrei-lhe que a atriz-cantora já contracenou com cobras gigantes e Jon Voights canastríssimos em Anaconda. Quer dizer, em comparação, me veio à tona o anúncio do Virginia Slims, "You’ve come a long way, baby" (você foi longe).
A Cela quase poderia concorrer em Cannes – a um Leão de Ouro publicitário. Parece um retalho de belos comerciais, com cenários deslumbrantes, modelitos mil e câmera lenta. Há instantes dos mais psicodélicos de 2001, e referências a Seven, O Silêncio dos Inocentes, Hellraiser ou Hellbound (nunca sei qual é qual), além de uma operação do FBI que automaticamente nos faz pensar no Elian, o garoto cubano em sua estadia no país das maravilhas.
Não por acaso, o mote de A Cela é o abuso infantil. Quer prova? Adivinha quem, logo quem, tem um papel mezzo relevante? Dylan Baker, o ator da mais chocante história de pedófilos feita até hoje – o americano independente Felicidade (nas prateleiras de vídeo da minha cidade, pode ser facilmente encontrado na seção "cinema europeu"). Vince Vaughn, o Norman Bates do Psicose (pessimamente) refilmado, faz um detetive que sofreu moléstias na sua infância. E Vincent D’Onofrio, de várias interpretações esquisitonas – a mais repulsiva sendo a barata de Homens de Preto –, é o maníaco traumatizado.
Pra adentrar a cabeça dos outros, você deve estar em ótima forma, pois andará bastante. Dá-lhe montanhas e escadas com inúmeros degraus. Perguntei pro maridão se ele gostaria de entrar na minha (pausa para dar efeito) mente e ele disse que, nesta mente pervertida, de jeito maneira. Mas ele não gostou de A Cela. Eu sim.
E eu que tenho mente pervertida?! A Cela traz um cavalo (troca o "c" do título por um "s" e pronto: justifica todos os cavalos que aparecem no filme. Aposto que eles pensaram nisso) fatiado, mulheres afogadas em aquários, cães albinos, e um garoto brincando com bonecas que são, na realidade, cadáveres. Pensando bem, a mente de um roteirista de Hollywood pode ser muito mais perigosa que a de um serial killer.

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