

Venho pensando muito
nele esses dias. Ontem começou a mudança ortográfica que pretende unificar os países de língua portuguesa. Não me recordo da última reforma, em 1971, porque eu tinha quatro aninhos e havia acabado de chegar ao Brasil. Mas o maridão até hoje usa ele com acento. Desse jeito, “êle” denuncia bem a sua idade. Mas, enfim, estou com pena de todos os revisores. Vão sofrer no começo.
A língua nunca é fácil. Eu lembro quando trabalhava como redatora publicitária numa agência que se auto-intitulava uma “fábrica de catálogos”. Eu era a única redatora (catálogos usam mais imagens que textos), e era a revisora. Já contei que o pessoal que fazia arte na agência trabalhava mais do
que eu? Tadinhos, eles eram forçados a adotar um ritmo de linha de montagem mesmo. Daí de vez em quando eles olhavam pra mim, lendo algum livro no mesmo recinto, e começavam a cantar, em coro, parafraseando o “Eu Faço Vídeo” do "Rap do Vagabundo", uma canção do Casseta e Planeta: “Eu faço texto / Texto / Texto / Eu faço texto / Vagabundo é a p*** que pariu!” Ah, ótimas lembranças!
Mas eu também penava, já que precisava bolar slogans e chamadas pra empresas pequenas, aquelas da espéc
ie “meu primo cuida da publicidade do negócio”. Se não era o primo, era o cunhado do dono que manjava tudo de propaganda. E a gente tinha que ser educada e ouvir quietinha porque o cliente sempre tinha razão. Lembro quando tivemos que bolar um catálogo pra camas redondas. Tipo, você conhece alguém que tenha uma cama redonda e não seja dono de motel? Mas o dono da empresa insistia que a Capluma - acho que era esse o nome, que o nosso chefe, que errava todas as marcas na frente do cliente, chamava de Catapluma - podia vender camas redondas pra pessoas comuns. Por isso, não queria pro seu produto nenhum slogan com segundas intenções. Queria algo bem família. Eu nem me recordo do que sugeri pro sujeito, depois de divertir a
agência com slogans eróticos como “O seu prazer redondinho”. Era algo medíocre, mas por que me incomodei? O primo já tinha oferecido o slogan ideal! Um slogan limpinho, nada sexual, sem segundas intenções: “Capluma: a cama explícita”. Eu ainda tentei argumentar com o dono que, sabe, explícito sempre andava junto com sexo, e se não era pra motel que ele queria vender suas camas redondas, esse não seria o melhor slogan, mas ele já estava convencido. O catálogo foi impresso assim, enquanto o meu chefe repetia: “Catapluma, a cama explícita”.
Também lembro
de uma fábrica de adesivos. Não sei o nome. Mas bolei um slogan que hoje deve ter sido usado à exaustão, mas, vinte anos atrás não era tão clichê: “O seu outdoor ambulante”. O cliente gostou, aprovou, o catálogo foi impresso, e, já com ele em mãos, mudou de idéia. Provavelmente seu primo não havia gostado. Então ele queria que a gente refizesse o troço com outro slogan, pagando do nosso bolso. Como nos negamos a fazer isso (afinal, ele havia aprovado o slogan), o cliente passou a dizer que outdoor estava escrito errado. Que na verdade era out-door, com hífen. Foi uma guerra de dicionários (na época mal existia computador, muito menos internet). Finalmente, o Aurélio falou mais alto (claro que era outdoor!) e convencemos o cliente a ir passear. 
Mas pra você ver como hífen sempre foi um problema na minha vida. Infelizmente, essa reforma ortográfica não vai resolver isso. Vai ser esquisito escrever autoescola e infraestrutura, dobrar o r em multirracial, ou substituir microondas por micro-ondas. Minissaia eu já estava escrevendo assim, então tudo bem. O mesmo com super-homem, que continua desse jeitinho. Também será mui estranho escrever estreia, heroico, feiura, jiboia, deem, perdoo, tudo s
em acento. Mas eu me acostumo. Os hífens é que continuam confusos.
Minha maior queixa à reforma é por que não mudaram mais coisa de uma só vez? Por que não simplificar? Por que manter quatro tipos diferentes de porque? Pra quê manter a crase? Só pra alguém se sentir superior por saber as regras? Vejo um monte de gente morrendo de saudades do trema e fazendo réquiens como “adeus, treminha, você será lembrado”. Eu já não uso o trema há uns quinze anos. Nunca gostei dele. Eu sempre falei tranquilo, mesmo quando os dois pontinhos esquizos não estavam em cima do u. E também tive um trauma com o trema
. Sete anos atrás, meu diploma de graduação não chegava nunca do MEC. Todas as outras colegas recebiam seus diplomas, menos eu. Sabe o que aconteceu? Problemas com meu sobrenome, que é Aronovich (nome do meu pai) Aguero (nome da minha mãe). Tá, sei o que você tá pensando: como que alguém que se chama sopa de letrinhas Arono alguma coisa pode ter problemas com Aguero, que é bastante simples e cheio de vogais? Bom, em toda a minha documentação (carteira de identidade, título de eleitora, carteira de motorista, CPF etc) está escrito Aguero, sem trema. Mas na minha certidão de nascimento feita lá na Argentina há quatro déca
das, consta um treminha. E o MEC cismou que não poderia emitir um diploma sem trema se na minha certidão existe um. A secretária da faculdade decidiu pedir pra eles um diploma com o trema mesmo (apesar de não haver trema nos meus documentos), e o MEC, após mais meio ano, mandou um diploma tremido: Agüero. Porque devem existir muitas Dolores Aronovich Aguero no mundo, então convém escrever Dolores Aronovich Agüero, a única e inconfundível Lolinha pros íntimos. Portanto, por favor, não me venha chorar as pitangas do trema. Pra esses saudosistas, eu só posso perguntar: você escrevia liqüidificador, pingüim e lingüiça? Se escrevia, você é um elitista. Tem complexo de superioridade e se acha um ser divino escolhido por Deus. Descanse em paz, meu filho. Pra 99% dos brasileiros, entre eles os jo
vens que adotaram aquela língua exótica, o mixuguês, a reforma não significará nada. Se continuar escrevendo sequestro e cinquenta com trema vai te economizar grana na terapia, continue usando. Ninguém vai notar. Será inconsequente. Agora sem trema, aleluia.

A língua nunca é fácil. Eu lembro quando trabalhava como redatora publicitária numa agência que se auto-intitulava uma “fábrica de catálogos”. Eu era a única redatora (catálogos usam mais imagens que textos), e era a revisora. Já contei que o pessoal que fazia arte na agência trabalhava mais do

Mas eu também penava, já que precisava bolar slogans e chamadas pra empresas pequenas, aquelas da espéc


Também lembro


Mas pra você ver como hífen sempre foi um problema na minha vida. Infelizmente, essa reforma ortográfica não vai resolver isso. Vai ser esquisito escrever autoescola e infraestrutura, dobrar o r em multirracial, ou substituir microondas por micro-ondas. Minissaia eu já estava escrevendo assim, então tudo bem. O mesmo com super-homem, que continua desse jeitinho. Também será mui estranho escrever estreia, heroico, feiura, jiboia, deem, perdoo, tudo s

Minha maior queixa à reforma é por que não mudaram mais coisa de uma só vez? Por que não simplificar? Por que manter quatro tipos diferentes de porque? Pra quê manter a crase? Só pra alguém se sentir superior por saber as regras? Vejo um monte de gente morrendo de saudades do trema e fazendo réquiens como “adeus, treminha, você será lembrado”. Eu já não uso o trema há uns quinze anos. Nunca gostei dele. Eu sempre falei tranquilo, mesmo quando os dois pontinhos esquizos não estavam em cima do u. E também tive um trauma com o trema


