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segunda-feira, 21 de setembro de 2020

ATAQUE NAS REDES SOCIAIS UM DIA DEPOIS DA FACADA EM BOLSO

Recebi este lindo relato que é também um alerta de algo que pode acontecer com qualquer mulher nas redes sociais.

Recentemente li uma reportagem sua no Intercept sobre os mascus. Acredito que em setembro de 2018 eu sofri um ataque que veio deles. E não faço ideia do porquê.
Era feriado de 7 de setembro, um dia depois do atentado a Bolsonaro, e eu comecei a receber muitas mensagens me ameaçando de morte nas minhas redes sociais. Perguntei a uma das pessoas que me atacavam o que estava acontecendo. E eles me enviaram uma montagem. Extremamente tosca e mal feita. A montagem era um documento com colagens de fotos: uma minha e de diversas outras mulheres que eu não conhecia. Tinha meu nome completo, minhas redes sociais. A montagem me acusava de ter passado a faca para Adélio Diniz, o homem que atentou contra o Bolsonaro. No dia eu estava trabalhando, fazendo estágio, em Minas Gerais, mas bem longe de Juiz de Fora. 
A fake news se espalhou. Primeiro no twitter, Facebook e whatsapp. Muitas invenções. Muitas mensagens de ódio, mensagens misóginas. Muitas querendo "cancelar meu CPF". Depois divulgaram meus dados e dados dos meus familiares. Foi muito assustador. Eu fiquei em pânico, morria de medo de sair de casa. No domingo a polícia federal veio na minha casa "tentar me ajudar". Uma abordagem que me deixou com mais medo ainda. Quando eles chegaram achava que eram apoiadores do Bolsonaro querendo me matar. 
Quando me acalmei e eles provaram serem policiais federais, quis prestar depoimento e levei todos os materiais que tinha de ameaça a mim. Descobri que a primeira pessoa que postou no Twitter era um perfil fake e anônimo e que tinha postado a montagem através de um link do fórum 4chan. 
Eu não conhecia na época esse fórum. Mas levei isso a PF, que parece ter ignorado. Eles diziam apenas que não era competência deles seguir com a investigação por se tratar de crime cibernético contra a honra. E a policia civil dizia ser competência da federal por ter envolvido um presidenciável. Nunca levaram o inquérito a frente. 
Eu procurei o Ministério Público, que também disse que era pra desistir e seguir minha vida. Não iam achar culpados e seria muito difícil tirar as montagens das redes sociais. Cansada e com medo eu segui. Segui com vários medos. Mas segui.  
Hoje faz pouco mais de dois anos do ocorrido e isso tem mexido muito com minha cabeça. Eu sempre pensava: por que eu? E as pessoas também me perguntavam, perguntam até hoje, e isso me deixa mal. Mas não foi só eu. Pelo menos cinco meninas foram apontadas como a "mulher da faca" e ela sequer existiu. Era uma apoiadora do Bolsonaro. Patético. Acredito que todas essas fake news se comprovam agora como um método do governo, de identificação com esses grupos intolerantes e uma forma de desviar a atenção. Tempos horríveis. 
Fico com medo de outras mulheres passarem pela mesma coisa agora que é ano eleitoral. Fico com medo pois parece ser um método e nesses tempos sombrios parece que a misoginia está se entranhado nas instituições políticas. Bom, estou escrevendo, primeiro pois quero dizer que você é uma mulher extremamente forte por ter aguentado toda essa violência durante tantos anos. E para dizer que me inspiro em você. 
Esses dois últimos anos também foram os últimos da minha graduação e me envolvi muito em pesquisa e temática de gênero. Tenho planos para um mestrado e quero seguir estudando feminismos. No início eu achava que essa escolha tinha se dado por que eu estava revoltada que crimes cibernéticos acometem mais mulheres. Depois de ler sobre você e os ataques que sofreu eu entendo que foi, também, um ato de resistência.  Continuarei de cabeça erguida e mais forte que nunca, muito devido a sua força e luta. Eles não vencerão! 
Minha resposta a ela: Muito obrigada pelo seu relato e o seu carinho. Nossa, você começou a ser atacada no dia seguinte ao atentado contra Bolsonaro?! Eles não perdem tempo mesmo...
Também já me associaram ao Adélio Bispo de várias maneiras. Parece que eu falei com ele por telefone no dia da facada. A linha dele devia estar congestionada de tanta gente que falou com ele (Manu, Jean Wyllys, Maria do Rosário etc)...
Deve ser terrível o que vc passou. Eles te escolheram como alvo e fizeram doxxing com vc (por isso conseguiram os seus dados e dos seus familiares). Provavelmente vc nunca vai saber quem foi. Às vezes é um carinha que era apaixonado por vc na escola e vc nem sabia e nem dava bola, e ele guardou esse rancor e viu uma chance de se vingar ao encontrar um grupo misógino. Ou um ex-namorado. Ou alguém em que vc deu um fora. Eles alvejam meninas e mulheres por qualquer motivo fútil nesses chans.
Tão revoltante quanto o que fizeram contigo foi a reação da PF, da polícia civil, do Ministério Público... Impressionante como estamos sozinhas e como não temos a quem recorrer.
Fico feliz que teve um lado bom: vc passou a estudar gênero e vai continuar no mestrado. Que vc continue forte e de cabeça erguida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

BOLSO ELEITO: POR QUE PERDEMOS?

Como boa parte do país e do mundo, estou desolada com a vitória de Bolsonaro. Até o último momento, eu achava que daria pra virar. Não deu. 
Certamente a diferença diminuiu. No início do segundo turno, algumas pesquisas falavam de mais de 20 pontos de distância. O placar final acabou sendo 55% para Bolso contra 45% para Haddad, contando apenas os votos válidos. Um resultado parecido ao de Dilma contra Serra em 2010. 
Bolso teve o dobro de votos de Haddad no Sudeste, região com a maior população do país. 
Já no Nordeste, segunda maior região, com 27% da população, Haddad ganhou fácil, com 70% dos votos válidos contra 30% de Bolso. O Estado que mais resistiu ao fascismo foi o Piauí, que deu a Bolso apenas 23% dos votos. Já Santa Catarina e Acre foram os Estados que mais votaram em Bolso: nada menos que 76%. 
Fora do Nordeste, Haddad ganhou apenas no Pará e Tocantins, por uma margem estreita. No Amapá e Amazonas, houve praticamente um empate.
No total, Bolso teve quase 58 milhões de votos. Haddad, 47 milhões. A soma de brancos, nulos e abstenções foi de 42,5 milhões. Em outras palavras, quase 90 milhões de brasileiros não votaram em Bolso, o que indica que a oposição a ele continuará sendo gigantesca, sem lua de mel. Mas eleição é isso mesmo: ganha quem consegue mais votos válidos.
E como aconteceu esta catástrofe que fará o Brasil regredir vários anos (talvez uns 50, prometeu Bolso em campanha -- e o que li ontem define bem o que esperamos: Bolso é o único candidato que torcemos para que não cumpra suas promessas)? Ainda não sabemos.
Um eleitor de Bolso se
manifesta nas redes sociais
Eu passei um ano ou mais tentando tranquilizar o pessoal de que alguém com o perfil de Bolso nunca seria eleito, que a comparação com Trump não era correta, porque aqui temos segundo turno. Mas algo aconteceu pra Bolso deslanchar para além do seu nicho de eleitores fiéis, de extrema direita como ele, que votaram nele não apesar das barbaridades que ele disse nos últimos 28 anos, mas justamente por causa delas. Eu pensava que Bolso não iria sair dos 25%. E, de fato, ele se manteve abaixo dessa faixa durante muitos meses. 
Mas aí aconteceu a facada, no dia 6 de setembro. Nos primeiros dias após o ataque, a intenção de voto a ele não subiu. Mas certamente estancou o crescimento do seu índice de rejeição que, segundo várias pesquisas, já rondava os 50%. E a facada fez com que seus adversários imediatamente parassem de criticá-lo. Foi nesse momento que ele ultrapassou o seu índice além do seu eleitorado fiel (e além disso o atentado lhe deu desculpas para nunca mais participar de um debate). 
Claro que isso também mais ou menos coincidiu com a saída definitiva de Lula da corrida eleitoral. Fazia um ano e meio que Lula era o franco favorito à presidência. Talvez, se permitissem que fosse candidato, seria eleito no primeiro turno (ele tinha 40% nas pesquisas, o dobro do segundo colocado, que era Bolso). Mas todo mundo sabia, e obviamente o PT sabia também, que tudo seria feito para que Lula não pudesse concorrer. 
Eu fui muito crítica à demora do PT em definir a candidatura de Haddad, que só foi lançada faltando menos de um mês para o primeiro turno. É difícil analisar o que poderia acontecer se Haddad tivesse sido definido candidato antes. A tão esperada transferência de votos de Lula para Haddad não veio. Quero dizer, veio, mas não como se esperava. Afinal, se Lula tinha 40% dos votos nas pesquisas, e Haddad terminou com 29% no primeiro turno (contra 46% de Bolso), é prova de que muitos votos não foram transferidos. É de supor, inclusive, que várias pessoas que queriam votar em Lula acabaram votando em Bolso (o que é muito difícil de entender, pra mim, mas mostra que Lula seguia sendo maior que o PT). Ou talvez quem queria votar em Lula e não pôde acabou desistindo de votar. 
Porém, a "onda Bolsonaro", o maior crescimento na campanha do candidato de extrema direita, se deu na última semana antes do primeiro turno. E esse motivo ainda carece de maiores explicações. Foi no momento que Edir Macedo (e, de bônus, toda sua emissora de TV, a Record) passou a fazer campanha para Bolso. Teve muita gente que culpou o lindo movimento Ele Não, organizado por feministas, que levou às ruas centenas de milhares de mulheres no dia 29 de setembro. 
Obviamente é ridículo culpar o Ele Não pelo crescimento de Bolso na última semana do primeiro turno. Hoje sabemos melhor o que aconteceu: milhões de disparos de mensagens contra Haddad e outros adversários pelo WhatsApp, como revelado pela reportagem da Folha. Essas mensagens foram muito eficazes em divulgar todo tipo de fake news, inclusive mentindo adoidado sobre o que foi o protesto Ele Não (as fake news de Bolso usaram imagens de outros protestos, de outros países, como se fossem do Ele Não, e investiram pesado na narrativa de "mulheres bonitas e limpas da direita" contra "mulheres moral e fisicamente sujas, feias e peludas da esquerda"). 
Nós falhamos porque não conseguimos responder com sucesso a essa narrativa mentirosa, que não é de hoje. E falhamos porque, mesmo não sendo responsáveis pelo crescimento de Bolso, não fomos capazes de aumentar a sua taxa de rejeição. Era esse o propósito de um movimento chamado Ele Não: muito mais do que catapultar qualquer outro candidato, mostrar qualquer um, menos ele, era aceitável.  
A pergunta que fica, pra mim, é: tem como vencer fake news no WhatsApp, num cenário em que a maior parte das pessoas usa a rede social como maior fonte de informações? Há que se reconhecer que a extrema direita (não só no Brasil, mas no mundo) foi muito mais hábil em usar esta ferramenta que a esquerda. E lógico que os experimentos não começaram agora, mas anos atrás. 
Um eleitor de Bolso foi votar vestido
de robô ontem. E as definições de
vergonha alheia foram atualizadas
com sucesso
Hoje vejo que aquele fenômeno que chamamos de "comentarista de portal de notícias" (ou seja, pode ter certeza que as opiniões mais preconceituosas e repulsivas sobre um determinado assunto virão nos comentários das notícias online) faz parte desse experimento. Eu pensava que eram grupos orquestrados que se organizavam para escrever as piores atrocidades, mas fui ingênua. Grupos organizados eles são, óbvio, mas não são rapazes frustrados que redigem (porcamente) a maior parte daqueles comentários. São robôs. Assim como, no Twitter, a campanha de Bolso se deu quase que exclusivamente através de bolsobots (na reta final, 5 em cada 7 tuítes pró-Bolso eram feitos por máquinas, não por pessoas). 
Seja lá o que eles fizeram, certamente foi eficaz, pois Bolso não ganhou no primeiro turno por muito pouco (menos de 4% dos votos). E não só isso: as milhões de mensagens bancadas com o Caixa 2 de empresários (que provavelmente nunca será investigado, e muito menos punido, pelo Tribunal Superior Eleitoral -- a piada do dia foi a declaração da ministra Rosa Weber de que o TSE "se saiu vitorioso" no combate às fake news) não só impulsionaram Bolso, 
como elegeram a segunda maior bancada de deputados federais e deram todo um gás pra candidatos a governador e senador que apareciam em quarto lugar nas pesquisas. 
Bom, gente boa e triste, depois eu continuo esta minha análise. Agora tenho que correr e sair pra trabalhar. Porque a vida continua, apesar do apocalipse.