sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

CRÍTICA: ASSASSINATO DE JESSE JAMES / No velho oeste ele morreu

A julgar pelas más línguas, “O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford” tem um histórico de traumas quase tão comprido quanto seu título. As filmagens terminaram dois anos atrás, e os produtores (entre eles o Brad Pitt) e o diretor Andrew Dominik ficaram brigando na sala de montagem. O diretor queria uma versão bem devagar, cheia de paisagens, enquanto os produtores exigiam algo mais à la Clint Eastwood, um faoreste de ação. Não sei quem ganhou, mas o filme é longo que dói, com quase três horas. Tem seu ritmo próprio, o que quer dizer que é lento, até arrastado às vezes, e não é pra todo mundo (o maridão dormiu profundamente). Eu gostei muito e, pra ser franca, gostei até mais depois de sair da sessão. É o tipo de filme que melhora quanto mais se pensa nele.

Mas não vá esperando um western agitado. Se esse for seu desejo, vá ver “Os Indomáveis”. “Jesse James” é mais um estudo de personalidades. Conta os últimos dias da vida do célebre fora-da-lei, até ser morto por um fã e membro do seu bando, que acaba ganhando fama só por matá-lo. Como Jesse, Brad está carismático como um total psicopata que não confia em ninguém, remetendo ao seu vilão de “Kalifornia”. Quando ele fala com um charuto na boca, lembra o Marlon Brando de “Poderoso Chefão”, só que mais magro e lindo. Mas o filme pertence mesmo ao Casey Affleck, irmão do Ben. Dá pra notar a semelhança, embora o Casey seja menos bonito. Considerando o que o Ben fez até agora, o Casey é muito mais ator. Ele tá perfeito no filme (e também dá show em “Medo da Verdade”, que estréia no Brasil em 7 de março). Casey faz o Robert Ford, um cara que deseja se enturmar, destinado à grandeza, segundo sua própria definição – só a dele.

O filme não endeusa o Jesse. É ele o verdadeiro covarde: bate em meninos, atira pelas costas, assusta até seus companheiros... E vive de sua lenda. O covardão é um traidor, claro, medroso, mentiroso, cheio de si. Mas o faroeste faz parecer que matar Jesse é quase uma legítima defesa. E o que acontece após a morte é deveras interessante e, por mim, poderia ser prolongado. Robert passa a encenar o assasinato em oitocentas apresentações teatrais, um recorde em repetir uma cena de traição. É o culto à celebridade que ainda tava engatinhando em 1882, ano em que Jesse bateu as botas, e que encontra-se no auge hoje, quando uma legião de fãs acompanha cada passo do astro que interpreta o Jesse, vulgo Brad Pitt.

O western é mais forte ao se concentrar nos seus dois personagens principais e no relacionamento entre eles. Quando os dois são deixados de lado e a câmera segue dois cowboys (e um deles se envolve com uma mulher casada), é até instigante, mas parece pertencer à outra trama. Deixa o filme meio solto, menos coeso (dava pra tirar uns 40 minutos, fácil). Acho que o longa seria até melhor se a narração em off fosse do covardão, não de um anônimo. Poderia ser como a parte mais brilhante de “O Som e a Fúria”, do Faulkner, em que um miserável como o Jason vira o narrador. Ou até seria fascinante se o irmão do Robert narrasse. Ele é interpretado pelo Sam Rockwell, tão bem que é como se o ator vestisse uma máscara de medo (o Sam chamou a atenção em “Confissões de uma Mente Perigosa” e como o maior vilão de “À Espera de um Milagre”).

Mas é após o fim do filme que nossos neurônios – um pouco entorpecidos, confesso – passam a funcionar, e as dúvidas levantadas engrandecem “Jesse”. Por exemplo, por que o criminoso permite que um carinha bizarro como o covardão integre o bando? Tá certo que, na época, não havia muita gente disputando a vaga (o irmão tinha se aposentado, e os outros membros estavam enterrados). Mas o Jesse, como sujeito inteligente, sabia que o covardão era perigoso. Logo, ou ele o “adotou” porque queria ser idolatrado, ou justamente pelo perigo representado. E por que o Robert idolatrava tanto o Jesse? (essa pergunta pode ser estendida: como alguém em sã consciência idolatra, sei lá, a Britney Spears?). Toda idolatria tem um lado sexual? Sem falar que “Jesse” me fez pensar também nos pobres cavalinhos que vivem com os cowboys, e que pulam e relincham toda santa vez em que alguém atira. Ao contrário do Robert, os equinos não queriam a companhia do Jesse. Não tavam nem aí pro mito.

P.S.: O Casey Affleck não só é irmão do Ben como cunhado da Jennifer Garner e, por ser casado com a Summer Phoenix, cunhado também do Joaquin e do falecido River. Digamos que o Casey tem muito em comum com o Joaquin – ambos têm irmãos mais reconhecidos, e ambos conseguiram sair da sombra dos maninhos famosos. Pro Joaquin o grande ano foi 2005, quando foi indicado ao Oscar por “Johnny e June”. Pro Casey é agora. Ele foi merecidamente lembrado pro Oscar de coajuvante por sua atuação em "Jesse" (se bem que é praticamente o protagonista). Se este não fosse o ano do Javier Bardem...


4 comentários:

Elaine Bittencourt disse...

O "medo da verdade" eh o Gone Baby Gone? Se for, gostei muito.

Realmente vc tem razao, Casey Affleck eh muito mais ator que o irmao.

Tem um outro velho oeste que eu gostei bastante, 3:10 to Yuma.

HUGS!

Mica disse...

Por que você ressuscitou o post, Lolinha? Passou na tv o filme? (só sei que me deu vontade de assistir de novo)

Unknown disse...

Filmao, já assisti várias vezes e não me canso de assistir de novo.

Umbra disse...

Vi o filme ontem, finalmente. Serei apenas eu que pensei que Jesse James (cuja perspicácia e capacidade de análise é tão gabada ao longo do filme) trouxe para junto de si o Bob porque pressentia que a sua verdadeira intenção era a de matá-lo? A minha teoria é a de que JJ, evidentemente deprimido e atormentado como é explicado no filme (chegando mesmo a falar em suicídio), trouxe o Robert Ford para junto de si para que ele o matasse. Não digo que desde o inicio pensasse assim, mas que ao longo da histórica ele vai percebendo que poderia colocar fim ao seu sofrimento psicológico, e mesmo físico, sem usar o suicídio (ato de cobardia que arruinaria a sua reputação).
Muito estapafúrdio? O que dizem?