quinta-feira, 7 de junho de 2018

JUNOT DÍAZ ROMPE SEU SILÊNCIO, PARTE 2

Gente, como o artigo do Junot Díaz traduzido pelo Vinícius ficou grande demais (equivale a uns dez posts, e olha que os posts aqui costumam ser longos), tomei a decisão de dividi-lo em dois. Leiam a primeira parte antes. Aqui está o final. 

Pouco antes de eu sair da pós-graduação e me mudar para o Brooklyn, publiquei meu primeiro conto, sobre um garoto dominicano que vai ver outro menino, cujo rosto foi devorado, e no caminho ele é sexualmente abusado. (Sério.) E então, em uma daquelas reviravoltas insanas, ganhei na loteria literária. A partir desse conto consegui um agente, consegui um contrato, apareci na New Yorker, publiquei meu primeiro livro, Drown, que não vendeu nada mas me deu mais publicidade do que qualquer escritor jovem jamais deveria receber. 
Qualquer outra pessoa teria surfado aquela onda de boa sorte direto para o pôr do sol, mas não foi assim que aconteceu. Eu claramente queria ser conhecido, em algum nível, estava morrendo por uma chance de ter um rosto real, mas quando aquele momento finalmente chegou eu não consegui; eu pressionei a máscara com ainda mais força. Depois de Drown eu poderia ter ficado em Nova York, mas em vez disso fugi para Syracuse, onde a neve nunca parava e o isolamento me engolia. Parei de escrever completamente.
Carreiras literárias inteiras caberiam nos anos em que eu não escrevi. Nesse meio tempo eu conheci S⁠. Se [o movimento cultural afro-americano] Black is Beautiful tivesse uma porta-voz, seria ela; S., que jogaria fora mil anos de família para que desse certo. Não importa; nunca fomos capazes de fazer sexo. As intromissões sempre atingem onde dói mais. Nunca soube com quem eu poderia fazer sexo e com quem eu não poderia até eu tentar. S⁠. encontrou outra pessoa, acabou se casando com ela. Eu passei para outras mulheres. Os anos se passaram. Eu nunca tirei a máscara; nunca procurei ajuda.
E por um tempo meu centro aguentou. Por um tempo.
Ninguém pode se esconder para sempre. Eventualmente, o que costumava esconder a verdade não funciona mais. Você fica sem escapatórias, sem saídas, sem jogadas, sem sorte. Eventualmente, o passado encontra você.
O que aconteceu foi que conheci alguém: Y. No romance que publiquei onze anos depois de Drown, dei ao meu narrador, Yunior, um amor supremo chamado Lola, porque na vida real eu tive um amor supremo chamado Y. Ela era a femme-fatale dos meus sonhos. Uma garota de escola pública criada em Washington Heights, que trabalhou muito, que nunca fugiu de uma briga, e que podia ficar dançado Ochun pela sala.
Criaturas mitoló-
gicas da Repú-
blica Dominicana,
ciguapas vivem
nas florestas
Nós combinávamos como loucos. Como se nossos ancestrais estivessem torcendo por nós. Eu era o nerd dominicano com quem ela sempre sonhou. Ela realmente disse isso. Ela não tinha a menor ideia. Eu me apaixonei por sua família e ela pela minha. E a mãe dela -– Dios mío, como aquela señora me amou. Eu era o filho que ela nunca teve. E antes que você pudesse dizer “corra”, eu havia criado outra história de romance, mas essa era mais elaborada e mais insana do que qualquer outra que eu já havia feito. Nós compramos um apartamento juntos no Harlem. Nós noivamos em Tóquio. Conversamos sobre ter filhos. Até a escrita começou a surgir novamente. Negros que eu nunca tinha visto antes estavam orgulhosos do nosso relacionamento e nos diziam isso. Dois dominicanos “bem-sucedidos” do gueto que se amavam? Tão raro e tão precioso quanto ciguapas.
Claro, havia sinais de problemas. Passei pelo menos seis meses do ano deprimido e/ou chapado ou bêbado. Poderíamos fazer sexo, mas não com frequência -- as intromissões muitas vezes surgiam, um ménage à trois empata-foda infernal.
Com ou sem sexo, eu a “amava” mais do que jamais havia amado alguém. Até contei a ela, num momento desprotegido, que algo havia acontecido no meu passado. 
Díaz sobre incluir palavras em espanhol
Algo ruim. 
E porque eu a “amava” mais do que jamais havia amado alguém, e porque eu havia revelado a ela o que revelei sobre o meu passado, eu a traía mais do que já havia traído alguém. 
Eu a traía como un maldito perro.
Conhecia muitos homens que viviam vidas duplas. Merda, meu pai tinha vivido uma, para o arrependimento eterno da minha família. E aqui estava eu repetindo o destino patrimonial. Eu tinha uma vida dupla como se eu estivesse em uma revista em quadrinhos.
Y. recebia o máximo do meu eu real que eu era capaz de mostrar. Ela vivia com minha depressão e minha fúria sem escrita e com os raros momentos de leveza, de clareza. As outras mulheres viam principalmente minha máscara, logo antes de eu as dispensar.
A máscara era forte.
Mas nenhuma máscara é tão forte assim. Ninguém é tão perfeito. Nenhum amor é tão besta assim. 
Um dia Y. não gostou de uma resposta que lhe dei sobre onde eu tinha estado. Tenho certeza de que ela estava tendo dúvidas havia um tempo -- especialmente depois que uma mulher apareceu em uma leitura minha e começou a chorar quando eu disse oi. Y. decidiu bisbilhotar meus e-mails, e como eu não era bom com senhas nem colocava e-mails antigos na lixeira, levou menos de cinco minutos para ela encontrar o que estava procurando.
Uma decepção pode derrubar um mundo. Eu sei que derrubou o dela. Derrubou o mundo dela e o meu.
Outra mulher poderia ter me matado por princípio, mas Y. simplesmente imprimiu todos os e-mails trocados entre eu e as outras, todas as minhas tentativas de sedução ridículas, todas as fotos, as provas de minhas traições, e quando cheguei em casa de uma das minhas viagens entregou-as para mim.
Quando percebi o que ela me deu, eu apaguei.
O que é o que tende a acontecer quando o mundo acaba.
Poucos meses depois, ganhei o Prêmio Pulitzer por um romance narrado por um irmão dominicano que perde a mulher dominicana de seus sonhos porque não consegue parar de traí-la. Quando descobri que ganharia o prêmio, meu primeiro pensamento não foi “estou feito”, mas “talvez agora ela fique comigo”.
Ela não ficou. Alguns meses depois, Y. botou a cabeça no lugar e me expulsou completamente de sua vida. Ela ficou com o apartamento, o anel, sua família, nossos amigos. Eu fiquei com Boston. Nunca nos vimos de novo.
Quando era criança, ouvi dizer que os dinossauros eram tão grandes que, mesmo que recebessem um golpe fatal, demoraria algum tempo até que seu sistema nervoso descobrisse. Esse era eu. Depois que perdi Y., me mudei para Cambridge em tempo integral e, durante o ano seguinte, tentei “deixar pra lá”. Por algum tempo pensei seriamente que ficaria bem. A máscara havia explodido em vários pedaços, mas continuei tentando usar os fragmentos como se nada tivesse acontecido. Teria sido cômico se não tivesse sido tão trágico. Tentei usar sexo para preencher o buraco que eu tinha acabado de explodir no meu coração, mas não funcionou. Não me impediu de tentar.
Perdi semanas, perdi meses, perdi anos (dois). E então um dia acordei e literalmente não consegui sair da cama. Um arquipélago de tristeza estava em mim, um mar escuro de dor. Numa convulsão embriagada, tentei pular do terraço do apartamento do meu amigo na República Dominicana. Ele me agarrou antes que eu pudesse colocar meu pé em um banquinho próximo e não me soltou até eu parar de tremer.
No mundo do tratamento, dizem que muitas vezes você tem que chegar ao fundo do poço antes de finalmente procurar ajuda. Nem sempre funciona assim, mas é assim que foi para mim. Eu tive que perder quase tudo e mais um pouco. E mais um pouco. Antes de finalmente estender minha mão.
Tive sorte. Eu tinha amigos ao meu redor prontos para intervir. Tinha um bom seguro na universidade. Me deparei com uma grande terapeuta. Ela havia lidado com pessoas como eu antes e se dedicava à minha cura. Demorou anos -- anos difíceis e dolorosos -- mas ela recolheu o que havia de mim. Não acho que ela tenha conhecido alguém menos inclinado à terapia. Eu lutei a cada passo do caminho. 
Mas continuei aparecendo e ela nunca desistiu. Depois de muito esforço e muitos contratempos, minha terapeuta lentamente me fez pôr de lado minha máscara. Não para sempre, mas tempo suficiente para eu respirar, viver. E quando finalmente estava pronto para voltar àquele lugar onde fui desfeito, ela ficou ao meu lado, ela segurou minha mão e nunca a soltou.
Sempre presumi que, se alguma vez voltasse àquele lugar, aquela ilha onde eu tinha naufragado, eu nunca escaparia; eu seria arrastado e destruído. Ainda assim, ironia das ironias, o que me esperava naquela ilha não era minha destruição, mas quase o oposto: minha salvação.
Durante esse tempo escrevi muito pouco. Na maior parte, sublinhei passagens em meus livros favoritos. Grifei esse trecho em particular pelo menos uma dúzia de vezes: “Então a escuridão me dominou, e perdi o pensamento e o tempo, e vaguei longe em estradas que não vou contar”.
E então havia esse trecho do meu próprio romance:
"Antes que toda a esperança morresse eu costumava ter esse sonho estúpido de que a merda poderia ser salva, que estaríamos juntos na cama como nos velhos tempos, com o ventilador ligado, a fumaça de nossa erva flutuando acima de nós, e eu finalmente tentaria dizer palavras que poderiam nos salvar.
Mas antes que eu possa moldar as vogais eu acordo. Meu rosto está molhado e é assim que você sabe que isso nunca vai se tornar realidade.
Nunca, nunca."
Já se foi quase uma década desde a Queda. Eu não sou quem fui uma vez. Não sou nem o irmão que não podia tocar numa garota nem o idiota que dorme com todas. Estou em terapia duas vezes por semana. Eu não bebo (exceto no Japão, onde me permito tomar uma cerveja). Não magoo as pessoas com minhas mentiras ou minhas escolhas, e onde posso faço as pazes; eu assumo a responsabilidade. Aprendi que o reparo nunca para.
Estou até num relacionamento e ela sabe tudo sobre meu passado. Eu contei a ela sobre o que aconteceu comigo.
Eu contei a ela e aos meus amigos. Até o mais duro dos meus garotos. Eu contei a todos eles, danem-se as consequências.
Algo que nunca pensei ser possível.
Tanta coisa mudou. Mas algumas coisas não. Ainda há momentos em que a depressão ataca e os meses desaparecem debaixo de mim, quando a ideação suicida retorna. A escrita não voltou, na verdade. Mas há bons períodos, e eles estão começando a superar os ruins. Todos os anos, me sinto menos como os mortos, e mais como uma parte dos vivos. As intromissões são menores agora e, quando chegam, não me atingem completamente. Ainda tenho aqueles sonhos horríveis de vez em quando, e eles ainda são péssimos, mas pelo menos eu tenho recursos para lidar com eles.
E ainda assim...
Ainda assim, apesar de toda minha cura, ainda sinto que algo importante, algo vital, me escapou. O impulso de me esconder, de me separar de meus colegas, dos meus companheiros escritores, dos meus alunos, do círculo da vida permaneceu sinistramente forte. Durante as palestras públicas que dou em universidades e conferências, às vezes comento sobre o dano intergeracional que a violência sexual sistêmica infligiu às comunidades da diáspora africana, na minha comunidade. Mas eu já me assumi e disse que fui vítima de violência sexual? Eu disse coisas alusivas aqui e ali, mas nada acionável, nenhuma afirmação definitiva.
Nas últimas semanas, esse senso de algo desfeito só aumentou, junto com o velho medo -- o medo de que alguém descobrisse que eu havia sido estuprado quando criança. Não é coincidência que eu comecei recentemente uma turnê de um livro infantil que eu publiquei e de repente estou cercado por crianças o tempo todo e tenho que discutir minha infância mais do que nunca na minha vida. Me encontrei contando mentiras, falando sobre um garoto que nunca existiu. Ele nunca verifica as fechaduras nas portas do quarto quatro vezes por noite, não morde forte a própria língua. As falsas histórias estão retornando. Há até manhãs em que meu rosto fica rígido.
E então, num dos meus eventos, outra sessão de autógrafos -- esta no Brattle Theatre, em Cambridge -- uma jovem se aproximou e começou a me agradecer pelo meu romance, por uma de suas protagonistas, Beli. Beli, a mãe dominicana que sofreu um abuso sexual catastrófico durante toda a vida.
Eu tive uma vida muito parecida com a de Beli, disse a jovem, e então, sem aviso, ela se afogou em lágrimas. Ela queria dizer mais para mim, mas antes que ela pudesse ela ficou consternada e saiu. Eu poderia ter tentado pará-la. 
Eu poderia ter falado “eu também eu também”. Eu poderia ter dito as palavras: eu também fui estuprado.
Mas não tive a coragem. Me virei para a próxima pessoa na fila e sorri.
E sabe de uma coisa? Foi bom estar por trás da máscara. Parecia como estar em casa.
Eu penso em você, X. Penso naquela mulher da Brattle. Penso no silêncio; penso em vergonha, penso em solidão. Penso na dor que causei. Penso em todos os anos e toda a vida que perdi para o esconderijo e para o medo e a dor. A máscara tomou mais de mim do que jamais dei. Mas principalmente penso sobre como é dizer as palavras -- para minha terapeuta, todos aqueles anos atrás; contar à minha parceira, meus amigos, que eu tinha sido estuprado. E como é dizer as palavras aqui, onde o mundo inteiro -- e talvez você -- possa ouvir.
Toni Morrison escreveu: “Qualquer coisa morta que volta à vida dói”. Em espanhol, dizemos que quando uma criança nasce é dada à luz. E é assim que soa ao dizer as palavras, X. Como se eu tivesse uma segunda chance para a luz.
Na noite passada tive outro sonho. Não foi ruim. Eu era jovem. Apenas um garoto. Ninguém havia me machucado ainda. 
Um avião estava jogando panfletos anunciando uma luta do Jack Veneno, e todos nós, garotos em Villa Juana, estávamos correndo em grande empolgação, colhendo os panfletos em nossos braços.
Eu mal me lembro daquele garoto, mas por um breve momento eu sou ele de novo, e ele sou eu.  

10 comentários:

Anônimo disse...

Junot Díaz? Não foi esse rapaz que foi acusado por diversas mulheres por conduta sexual impropria?

Anônimo disse...

Leia o texto, ele fala sobre isso ai

titia disse...

Sim, 18:27, e que deve ser punido ao mesmo tempo em que recebe tratamento e apoio. Clubinho 8 ou 80 é coisa de criança, colega. Ninguém aqui tem cérebro de formiga.

Anônimo disse...

Gostei muito de saber da história deste escritor. Que bom que ele decidiu falar sobre isso. Fica bem explícito para pessoas como eu, que não sofreram ataques sexuais, o quanto este tipo de violência fica marcado no corpo e alma e pode simplesmente definir toda sua vida. Espero que, com este relato, pessoas que sofreram este tipo de trauma consigam procurar ajuda e se livrar (na medida do possível) desta angústia.
Muito importante entendermos também a reação em cadeia que a violência gera.

Anônimo disse...

Muita uzomice para meu gosto.

Paulo Cunha disse...

Nada havia lido do Junot Diáz, nem sobre ele. E não vou guglar. Se ele é acusado de abuso sexual, acho que só reforça o que disse várias vezes em seu texto, que nunca havia se tratado. Se as acusações forem recentes, acho que só reforça minha leitura do texto. Ele está longe de realmente superar seu trauma.

Para conseguir falar sobre seu passado, ele precisou construir dois "personagens". A X que carrega o mesmo peso que ele, mas foi capaz de ir até a sessão de autógrafos e, naquele momento, estava lá muito mais inteira do que ele. E a máscara que encobre e justifica todas as suas ações. E dela a culpa de sua incapacidade, de suas falhas, de sua cretinice. Dele, aberto em primeira pessoa, temos a criança aterrorizada, o adolescente quase perdido. Depois, é a máscara que age, a máscara que é forte, nunca ele que foi fraco ou conivente com as vantagens de estar em uma posição de poder.

Mas se for verdade que ele escreveu em seus livros tantos episódios autobiográficos, então talvez ao escrever esse conto - e com tantos elementos narrativos, não consigo colocar essa história em outra categoria - ele realmente esteja começando a enfrentar sua máscara. E quiça, comece pagando as dores e os horrores que tenha cometido com outras pessoas.

Anônimo disse...

Entendo o sofrimento pelo abuso, mas isso não tem relação direta com a escrotidão dele com as mulheres. Tudo o que ele narrou sobre suas ações em relação às mulheres, é a história de todos os homens com as mulheres. Não vi um homem diferente nos relatos, mas o homem comum, normal, universal, atemporal, estabelecendo relacionamentos comuns e tratando as mulheres como os homens normalmente tratam. Ele relaciona com o abuso, mas não existe essa relação, do contrário, como explicar as ações de todos os outros homens?

Acho que ele deve se tratar em relação ao trauma, mas duvido que isso altere sua forma de se relacionar com as mulheres.

Ele trata as mulheres com desprezo porque é homem e não porque foi abusado na infância. Ele trai porque é homem, ele abandona porque é homem, ele não consegue se conectar emocionalmente com as mulheres porque é homem. E homens são assim em relação às mulheres. Em relação a isso, ele pode descansar porque é um homem absolutamente normal.

Cão do Mato disse...

E você se formou em Psicologia onde mesmo?

Anônimo disse...

Lá onde não é da sua conta.

Anônimo disse...

Anônima das 08:30. Eu creio que o sofrimento do abuso explica - mas não justifica, em parte, o comportamento predatório e abusivo que ele demonstrou com várias mulheres. Antes a maldade que nos é dirigida tivesse um padrão só, uma história só. Vítimas de abuso, sejam homens ou mulheres, têm potencialmente problemas sérios de relacionamento com outras pessoas. Mas como você bem apontou, todo e qualquer homem está na posição de ser educado a ser cruel com mulheres, e aqui mora a distinção central disso tudo.

Não duvido do sofrimento dele, não recuso solidariedade. Qualquer vítima de estupro, com estratégia de defesa ou não, precisa de muita coragem para recontar publicamente o abuso sofrido. E todo agressor conta essa parede de silêncio para viver impune e continuar abusando. Só a fala quebra essa defesa social dos abusadores.

Todavia essa história, a história dele, não tem um efeito só (não sei se ele pensou nisso, mas para fins de impacto de discurso, também não importa). É sofrimento, e é também, estratégia para 'se desculpar' pelos abusivos cometidos contra as várias mulheres que tiveram a má sorte de cruzar com ele. O autor aí está em busca de perdão para ele (o que é crueldade com ele mesmo, quando pensamos que uma vítima não deveria sentir-se culpada por ter sido abusada), ele ainda não fez nenhum discurso chamando às mulheres abusadas pelo nome, e pedindo desculpas individualmente por cada ação cometida (é como se o fato dele reconhecer que foi abusado, automaticamente obrigasse cada uma dessas mulheres a perdoar, por que ele 'está se perdoando' - ainda é uma posição egoísta, ainda coloca homens agredidos em posição moral superior às mulheres agredidas).
E, sinceramente: até uma geração inteira de feministas grite a pleno pulmões que o mínimo do começo da conversa reparadora entre abusadores e abusadas, deve ser o reconhecimento do mal feito, antes da 'explicação' do porquê ele ocorreu, duvido que algum homem, vítima ou não de abuso, vai imaginar que é esse o tratamento correto a se dar a alguém que ele ofendeu.

Importa demais que um homem vítima de estupro venha a público contar sua história. Continua sendo igualmente importante que um homem abusador trave um pedido de desculpa adequado às mulheres que molestou. Ter 'sofrido um mal maior', não pode ser a única coisa oferecida a quem ele ofendeu, por que isso importa para outras questões e pessoas, não tem ação reparadora direta para quem foi abusada.

Marcia.