Só que desta vez, sem dúvida, eles estão ganhando. “Bússola” arrecadou 25 milhões de dólares no seu fim de semana de estréia. Parece muito? É só a metade do que ganhou “As Crônicas de Nárnia”. Agora quase chegou aos 50 mi nos EUA, e 100 no resto do mundo. No entanto, pra cobrir o seu gasto estratosférico de 180 milhões, ainda vai precisar conquistar muitos corações e mentes. Esse desempenho pífio põe em risco a trilogia inteira. Se rendeu tão pouquinho, os produtores não vão querer investir na segunda e terceira partes (o lucro do estúdio é só 55% da renda total que o filme abocanha, o que significa que, pro filme se pagar, precisa gerar quase o dobro do seu custo). O detalhe é que “Bússola” não tá patinando na bilheteria por causa da pressão da direita cristã (ouvi falar que a Liga da Decência Católica, que tem poder em organizar boicotes nos EUA, é composta por apenas um carinha, que faz tudo pela internet), mas por ser tão fraquinho. Eu dormi em inúmeras cenas dessa trama que trata de uma bússola que fala a verdade, de universo alternativo, almas que adotam formas animalescas, e uma tal poeira que é um grande tabu. Várias vezes no filme a menina tenta conversar sobre o pó, e os adultos a calam: “Não diga isso! Não mencione essa palavra!”. Ou seja, chegar a um recinto e perguntar: “Qual é o pó?” tá fora de cogitação. Mas, pra mim, o pó é que o estúdio errou por suavizar demais o material polêmico. “Bússola” tenta se esquivar de todos os ataques, tirando da história qualquer elemento anti-religioso, Deus me livre, e isso não atraiu os espectadores que, de repente, gostam do debate (ou alguém teria visto “Je Vous Salue, Marie” se a Igreja não tivesse condenado o drama do Godard?).
O negócio mais criativo de “Bússola” é que cada pessoa tem sua alma em formato de animal, chamados de “dimons” (bem parecido com demônios), e esse animal-alma nos acompanha pra tudo quanto é canto. Perguntei pro maridão: “Se sua alma em forma animalesca não fosse automaticamente um verme rastejante, que animal você gostaria que fosse?”
“Um tigre.”
“Amor, lamento informar, mas acho que o bicho tem que ter alguma coisa a ver com a personalidade da pessoa.”
“Um tigre de bengala, então”.
Eu também quis saber qual animal seria o mais apropriado pra mim. Ele:“Uma jararaca.”
“Que jararaca o quê? Acho que um urso tava de bom tamanho.”
“Uma cascavel, talvez?”
“Não, anjinho, eu quero um mamífero.”
“Qual cobra venenosa você acha que mais combina com você?”, insistiu o tigre de bengala.
Eu poderia continuar narrando o papo, mas voltando ao filme, ele traz alguns atrativos dúbios, como o Ian McKellen como a voz do grande urso digital branco (que no Brasil tá dublado), Daniel Craig como tio desperdiçado, Sam Elliot como cowboy voador, e Eva Green como – juro que não entendi o que a Eva faz no filme. Deve servir de contraponto à vilã Nicole Kidman, que tá mais ou menos, mas seu personagem é estranho. Sua alma é um macaco muito do antipático, o que deveria chamar a atenção pra hipocrisia da sujeita, só que ninguém nota isso. Já a atriz principal chama-se Dakota Blue Richards, e gostaria de saber: o que é isso de todas as atrizes mirins chamarem-se Dakota? É uma epidemia? Com três nomes ela não vai muito longe. O menininho com três nomes de “Sexto Sentido” sumiu. Eu vejo pessoas mortas no horizonte praqueles que insistem em ter mais de dois nomes. E, aproveitando, tampouco vejo grande futuro pras continuações de “Bússola”.
P.S.: A tal bússola dá respostas pra todas as perguntas da humanidade. É só saber perguntar direito. Quem será o próximo presidente americano? O mundo vai acabar em cem anos devido ao aquecimento global? Ou as questões realmente importantes, como quem vai levar o Oscar? Ou: a Nicole está fadada a fazer filmes com o Daniel Craig pra sempre, apesar de não haver química alguma entre eles? (tô pensando em “Invasores”. Em “Bússola”, se eles tiveram alguma cena juntos, eu dormi).
P.S.2: No fascinante documentário “This Film is Not Yet Rated” (Este Filme Ainda Não foi Classificado), uma diretora independente sente-se ultrajada quando seu filme, que tem uma cena de uma adolescente se masturbando, é proibido para menores de 18 anos, na mesma época que o trailer de “American Pie” (produzido pelo Chris Weitz, diretor de “Bússola”) passa em todos os cinemas, liberado para maiores de 12 anos, mesmo com aquela famosa cena de um teen transando com uma torta. O documentário deixa claro que a censura americana é muito mais conivente com violência que com sexo, é mais rígida com filmes pequenos que com superproduções, e é contra qualquer demonstração de sexualidade feminina.
2 comentários:
Lola, vc chegou a ler os livros? Eu li e gostei bastante. Os dois primeiros são primorosos; infelizmente o terceiro tem coisa demais e o final acabou confuso (e um pouco frustrante, de certa forma). Mas ainda assim eu recomendo, é material bem acima da média por aí.
Vou confessar que estou desanimando de adaptações de livros para as telas, ainda mais quando são livros com muitos detalhes, muitos personagens. Se tiver polêmica, então... brrr!
O mais triste é que em certas cenas eu senti a mesma vibração do livro (como quando eles recuperam a armadura do Yorek) e aí vi como o material foi desperdiçado...
E só um adendo: o primeiro livro termina de uma forma bem pesada e trágica, chegaram até a rodar essa cena pro filme mas no final decidiram por cortar. Certamente pra ficar mais bonitinho.
Nossa, um só comentário, e basicamente a mesma coisa que eu ia falar... Os livros salvam. O livros são maravilhosos! Lê Lola, lê!
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