domingo, 31 de dezembro de 2006

CRÍTICA: FILHOS DA ESPERANÇA / Que esperança?

Sem aviso prévio, dois dos melhores filmes de 2006 tiveram uma passagem meteórica por Joinville. Duvido que continuem em cartaz, porque seria bom demais pra ser verdade. Quem viu, viu, quem não viu deve vê-los assim que saírem em DVD. Estou falando de “Volver” e de “Filhos da Esperança”. Sobre o primeiro, nenhuma novidade. Tudo que o Almodóvar faz é amplamente aguardado. As expectativas são altas pra quem praticamente fez cinco obras-primas consecutivas. Mas e pro Alfonso Cuarón, diretor de “Filhos”, alguém dava alguma coisa? Tá certo que o mexicano fez o ótimo “E Sua Mãe Também”, e tem quem adore “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (não esta que vos fala), mas esse não é o melhor dos currículos. E de repente aparece “Filhos”, forte candidato ao Oscar de fotografia, que os críticos americanos chamam de “Blade Runner” do século 21. Um filmão.

Tem uma palavra que nem sei se existe em português: distopia. É o contrário da utopia. Utopia é o sonho de um mundo ideal, e distopia é “Admirável Mundo Novo”, “1984”, “Laranja Mecânica”, “Blade Runner”, e este “Filhos”, entre outros. São cenários de um futuro sombrio. Como eu adoro distopias e histórias sobre fim do mundo, sou suspeita pra elogiar “Filhos”. Só posso dizer que o troço é de uma angústia só e me deixou na beira da cadeira durante toda a projeção, sofrendo pacas. Quando veio um momento comovente, lá pelo fim, eu compareci. Dizer que chorei é covardia. Eu tive convulsões. Foi breve, mas doloroso.

“Filhos”, baseado num romance de uma tal de P. D. James, mostra o que será da gente em 2027. O filme não capricha nas tecnologias futuristas, ao contrário de “Minority Report” (que eu gosto muito). O mundo é um inferno, ponto, e nesse contexto não faz a menor diferença ter TV de plasma ou celulares de última geração. Alguns países e continentes (África, pra variar, e parte dos EUA) foram dizimados por guerras, inclusive nucleares. Na Inglaterra, imigrantes ilegais são mandados para campos de concentração. E, pra piorar, as mulheres não conseguem mais ter filhos. O último bebê nasceu há dezoito anos e é argentino, veja só onde fomos parar (imagina o futuro da humanidade depender de um argentino). Essa celebridade mundial morre e o pessoal de Londres enche as ruas com fotos e flores, como fizeram na época do acidente fatal da Lady Di. Cães e gatos são tratados como filhos. Os outros animais são queimados em estradas. Logo logo, assim que todo mundo morrer, a humanidade acaba. Pra mim, uma das imagens que fica é a do Davi de Michelangelo sem a parte inferior da perna. Mas tem que olhar rápido, porque o filme transborda de informação.

Nesse caos ainda somos presenteados com um elenco de primeira, como o Clive Owen, Julianne Moore, Michael Caine, e bons atores que nunca ouvi falar, com três nomes ainda por cima, só pra carreira não decolar. O impressionante é que a câmera nervosa enfoca um herói no meio de um tiroteio que nem pensa em pegar em armas, o que é muito diferente do que a gente tá acostumada a ver. De qualquer modo, fica a reflexão: se já nos comportamos desse jeito abominável hoje, sabendo que atrás vem gente, imagine se soubéssemos que a humanidade acaba aqui. Eu quase saí da sessão com vontade de fazer um filho. Quase.

Eu e o maridão não temos nem queremos filhos, um pouco por hedonismo e preguiça, outro pouco porque já tem gente demais no mundo, e mais um pouco por não querer deixar pra ninguém o legado da nossa miséria, como já escrevia Machado de Assis um século atrás. Sem falar que sinto cada vez mais que a humanidade é o vírus da Terra, como dizem em “Matrix”, e que a gente tá seriamente acabando com o planeta. E acabando mesmo, finito. Do jeito que está, e após ver “Uma Verdade Inconveniente”, tenho minhas dúvidas se ficará alguma herança pros netinhos. Existem comunidades que defendem a idéia do ser humano parar de se reproduzir, deixar a humanidade acabar, e aí começar tudo de novo, pra ver se dá certo dessa vez. Eu não chego a tanto, mas não consigo ver distopia como ficção científica. Pra mim é a realidade batendo à nossa porta, e salve-se quem puder.

PIOR FILME DE TODOS OS TEMPOS PARA SE ASSISTIR NO REVEILLON

Se você achou a crônica de Filhos da Esperança um péssimo meio de começar o ano, acompanhe minha história de reveillon. Descobri o pior filme de todos os tempos pra se assistir durante a passagem de ano. É “Johnny Vai à Guerra”, do Dalton Trumbo, de 71, sobre um rapaz sem braços, pernas, olhos, boca, nada, confinado a uma cama num hospital militar. Uma grande novidade pra ele é quando a enfermeira-chefe manda deixar a janela sempre aberta. Assim ele consegue detectar dia e noite e começa a medir o tempo. Ao completar um ano, ele quer comemorar, mas não sabe se é ano novo lá fora. Outro fato marcante ocorre quando uma enfermeira boazinha escreve “Feliz Natal”, letra por letra, no seu peito. Eu chorei baldes, óbvio. Depois fiquei pensando se a humanidade também não tá assim como o rapaz, incomunicável, quase em coma, esperando o fim, e celebrando reveillon e outros ritos de passagem só pra medir o tempo, por falta do que fazer. Ok, este é o texto mais deprê que você vai ler de mim em 2007. Prometo.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

VAMOS AOS CHUTES

Aqui vão alguns dos meus palpites pro Oscar. Pra melhor filme, a Academia deve ir mesmo de “Brokeback Mountain”. Pode ser polêmico e tal, mas não consigo imaginar outro (talvez “Crash”?). Aliás, pras quatro primeiras categorias o favoritismo é grande. Ang Lee pra diretor, Philip Seymour Hoffman pra ator, Reese Witherspoon pra atriz. O Oscar tem ido pra atrizes bem jovens nos últimos anos. Duvido que a Felicity Huffman tenha alguma chance. Qualquer outro vencedor nessas quatro categorias será zebra pra mim.

Pra ator coadjuvante as coisas complicam. Talvez o Paul Giamatti seja o favorito. Seria uma espécie de compensação por ele ter sido esquecido por “Sideways” no ano passado, e ele é um ator respeitado. Mas, pelo que entendi, ele faz um treinador de boxe, e o Morgan Freeman acabou de fazer o mesmo papel em “Menina de Ouro”. Então eu vou de George Clooney, já que o prêmio de coadjuvante pode ser a única estatueta que leve na noite. Fora isso, ele não engordou não sei quantos quilos pro papel? O páreo vai ser duro aqui.

Pra atriz coadjuvante a Rachel Weisz é favoritíssima. É onde “O Jardineiro Fiel” tem mais chances.

Roteiro original: todo mundo tá apostando em “Crash”, inclusive eu. “Boa Noite e Boa Sorte” é a segunda opção, pois seria uma forma de premiar o George Clooney. “Syriana” é muito confuso; a Academia não gostou do último Woody Allen, “Ponto Final”, e que diabos é “A Lula e a Baleia”?

Roteiro adaptado: em geral, melhor filme leva melhor roteiro, daí “Brokeback Mountain”. Mas eu não descartaria totalmente “O Jardineiro Fiel”. O livro que gerou esse filme é o mais conceituado entre os cinco indicados. E “Capote” é amado pelos críticos americanos.

Fotografia: ish, não sei. Por mim eu escolheria o “Batman”, mas acho que “Memórias de uma Gueixa” e “Brokeback” estão um pouco na frente. “Gueixa” porque é o tipo de filme em que pouca coisa presta além da fotografia, “Brokeback” porque vai ganhar melhor filme. Mas depende de quantas estatuetas serão dadas pro drama do Ang Lee. “Boa Noite” é em branco e preto, todo mundo fuma no filme, e quando o pessoal fuma a fumacinha faz um belo contraste. “A Lista de Schindler” não ganhou?

Direção de Arte: se houver justiça vai pra “King Kong”. Afinal, eles recriam a Nova York nos anos 30 e uma baita selva. “Memórias de uma Gueixa” só recria uma vila japonesa, e quem sabe o outro filme de época, “Orgulho e Preconceito”, divida os votos com “Gueixa”. “Boa Noite” é todo dentro de um estúdio e tem montes de close-ups, nem prestei atenção na direção de arte.

Figurino: tem todos aqueles quimonos de seda em “Memórias de uma Gueixa”. Acho que leva. “A Fantástica Fábrica de Chocolate” é o mais moderninho entre os cinco indicados, mas só me lembro da roupa do Johnny Depp (aliás, como não indicaram o filme pra maquiagem? Ele tá a cara do Michael Jackson).

Edição: olha o nome do filme, “Crash”. Ainda não vi, mas com esse título parece favorito pra montagem. Se “Munique” não sair com as mãos abanando, leva esse.

Maquiagem: ué, o leão de “Crônicas de Nárnia” não foi gerado por computador? O mérito de “Nárnia” foi ter deixado a Tilda Swinton com cara de bruxa, mas convenhamos que não deve ter sido difícil. Eu apostei em “Nárnia”, mas com muitas reservas. A maquiagem de “Star Wars” deve ser melhor. E a de “A Luta pela Esperança” deve ser a mais realista, então não sei.

Som: nessa categoria costuma ganhar o filme mais barulhento, por isso “King Kong”. Só não sei se “Guerra dos Mundos” tira votos dele. “Johnny e June” é um musical, logo a mixagem de som é ótima (“Chicago” recebeu a estatueta nesse quesito em 2003; “Ray” em 2004). Mas “Kong” se destaca.

Edição de Som: não entendi o que “Memórias de uma Gueixa” tá fazendo aqui. Vou de “King Kong” mesmo.

Efeitos Visuais: “King Kong”, né? Pobre Spielberg. Nenhuma estatueta pra enfeitar a ladeira desta vez, e olha que dois filmes dele concorrem.

Trilha Sonora: pode ser que “Memórias de uma Gueixa” esteja um pouquinho na frente. Mas a trilha é do John Williams, que já foi indicado 45 vezes (todo santo ano sem falta) e ganhou cinco. E a de “Munique” também é dele. Os votantes devem ficar divididos. E também, gente, como que um filminho tão meia-boca como “Gueixa” pode levar tantos prêmios? A trilha de “Brokeback” parece ter uns três acordes e é assinada por um argentino. De repente o favoritismo do filme conte pro argentino ganhar essa.

Canção Original: não conheço nenhuma. Votei na de “Ritmo de um Sonho” porque tem gigolô no título. Deve ser a mais bonitinha. De qualquer modo, graças a Deus que só foram indicadas três este ano. Só três números musicais pra aturar!

Animação: tanto “A Noiva-Cadáver” quanto “Wallace e Gromit” usam a mesma técnica de fotografar massinha de modelar. Ambos receberam excelentes críticas. Qualquer um dos dois pode levar. Eu chutei o “Wallace” mas torço pra “Noiva”.

Filme Estrangeiro: parece que tá entre os dois concorrentes do Terceiro Mundo, “Paradise Now” da Palestina e “Tsotsi” da África do Sul. “Paradise” é mais elogiado, mas também é bem mais polêmico, e os votantes judeus podem não querer premiar palestinos falando de homens-bomba. Se “Tsotsi” tiver criança na história, ganha.

Seja o que Alá quiser...

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

OSCAR PULVERIZADO

Foi um Oscar chato, pra variar. Mas pelo menos foi mais curto e só houve três números musicais (um pior que o outro). Quem só viu pela TV aberta foi brindado com a arrogância da Globo, que achou melhor transmitir Big Brother do que uma festa assistida por um bilhão de pessoas que ocorre apenas uma vez por ano. Assim, perdemos as seis primeiras premiações e todas as piadas da abertura.

Foi também um Oscar bastante previsível e, principalmente, pulverizado, como há muito não se via. Quatro filmes ganharam três estatuetas cada: “Crash – No Limite”, “O Segredo de Brokeback Mountain”, “Memórias de uma Gueixa” e “King Kong”. Esses dois últimos receberam estatuetas técnicas, mas importantes. “Munique” e “Boa Noite, e Boa Sorte” não levaram nadinha. Os Oscars para Philip Seymour Hoffman, por “Capote”, e para Reese Witherspoon, por “Johnny e June”, eram esperadíssimos. Não houve surpresa, nem pra Reese, que agradeceu toda a sua árvore genealógica. O Philip ao menos ficou emocionado e nervoso. Pra atriz coadjuvante deu a lógica, a Rachel Weisz, por “O Jardineiro Fiel”, a única unanimidade do meu bolão. A escolha do George Clooney como ator coadjuvante por “Syriana” já deve ter sido bem mais difícil, já que o Paul Giamatti dividia os votos. Mas foi uma forma de premiar o bonitão mais político da noite.

Eu senti que “Paradise Now” não levaria melhor filme estrangeiro quando o José Wilker, comentarista da Globo, disse que “lógico que iria ganhar”. Não acho que foi propriamente uma surpresa a vitória do sul-africano “Tsotsi”. Pense bem: um drama com uma criança contra um drama sobre homem-bomba, feito na Palestina. O tema de “Paradise” acabou sendo polêmico demais pros velhinhos judeus da Academia.

Surpresa mesmo só na última categoria da noite, a de melhor filme. Todo mundo esperando a consagração de “Brokeback Mountain”, e o Jack Nicholson abre o envelope e dá “Crash”. Mas não diria que foi uma zebra. O que provavelmente aconteceu é que “Mountain” foi pintado como favorito há meses, e o pessoal não agüentava mais ouvir falar. Fora as piadinhas e sátiras de que foi alvo. E também, os votantes certamente adoraram “Crash”, ou senão não o teriam indicado pra seis categorias. Lembre-se que o filme foi ignorado pelo Globo de Ouro. No final, no Oscar, não houve a aguardada celebração gay. Pelo contrário, os três Oscars dados a um melodrama tão anos 40 como “Gueixa” mostram como o conservadorismo segue reinando forte na Academia.

CRÍTICA: PECADOS ÍNTIMOS / No íntimo todo mundo é igual

Faz quase um mês que vi “Pecados Íntimos” em São José, e só agora chegou a Joinville. Até iria ver o ótimo drama de novo, mas começo a suar frio só de pensar no estado da cópia (“Ponto Final” e “Vôo United 93” vêm à mente, cheios de cortes e com os rolos trocados!). Bom, “Pecados” foi um dos filmes importantes de 2006 preteridos pelo Oscar, assim como “Filhos da Esperança”, “Volver” e “O Grande Truque”: praticamente todos entraram nas listas dos melhores do ano, até receberam uma ou outra indicação, mas acabaram saindo de mãos abanando. Sinal de que houve uma boa safra, como há muito não se via.

“Pecados” é um desses raros filmes adultos, o antídoto de “Norbit”. Mais do que moralista, o drama aponta pra uma vida que é um inferno (como se a gente não sacasse isso vendo o trailer de “Norbit”). Eu me senti melhor vendo “Pecados”, porque constatei que os problemas de todo mundo são bem maiores que os meus. Ou talvez o que o drama represente seja igualzinho ao que acontece em outros subúrbios mais pobres. “Pecados” aponta o preconceito e o tédio vividos pelas famílias americanas de classe média alta. O adultério surge como algo inevitável (pesquisas afirmam que um em cada dois brasileiros já traiu a mulher, e como disse um amigo, o outro é um mentiroso). Essa é uma das historinhas: a personagem da Kate Winslet, que fez doutorado em literatura inglesa (parece familiar?), vive uma enfadonha rotina de dona de casa sem intimidade com o marido e sem carinho pra sua filhinha. Ela se envolve com o bonitão paradão Patrick Wilson (convincente também em “Meninamá.com”), cuja esposa, Jennifer Connelly (de “Diamante de Sangue”), é uma profissional de sucesso que não liga pra sexo. Pra completar, há um pedófilo no pedaço (Jackie Earle Haley, indicado ao Oscar de coadjuvante). Todo o elenco tá perfeito (gostei bastante do Noah Emmerich, que faz o melhor amigo do Jim Carrey em “Truman Show”) e, se houvesse uma estatueta pra melhor elenco, o deste filme concorreria com o de “Pequena Miss Sunshine” e o de “Infiltrados”.

O título original, “Little Children”, ou “Crianças Pequenas”, pra mim se refere aos homens, todos umas criancinhas que se recusam a crescer. O pedófilo vive com e para a mãe, o bonitão sonha em voltar à adolescência, seu amigo também, e o marido da Kate, idem. Não que a personagem da Kate seja muito madura emocionalmente, mas é diferente. Não é uma imaturidade do tipo “eu quero! Eu quero! Agora!”, é mais de acreditar em amor romântico. Eu fiquei com pena de todo mundo.

A adaptação é a mais literal possível. O diretor Todd Field, de “Entre Quatro Paredes”, pegou o romance de Tom Perrotta (que escreveu “Eleição”. Não li nada dele, mas o cara só pode ser bom), e incluiu até uma voz em off bem esquisita. Acho que o que me incomodou foi que fosse voz de homem. Ou talvez que fosse meio épica: uma voz de épico narrando coisas tão banais. Mas seria difícil deixar a voz de fora. Ao menos não é a voz em off tradicional, acompanhando apenas um personagem (o protagonista, em geral), mas todos. É uma voz onipresente, como a de “Dogville”. Ah, outra coisa que remete à “Dogville” são as estátuas, os brinquedinhos decorativos de gesso. Mas “Pecados” lembra mais “Beleza Americana” e, óbvio, “Felicidade”, que tem o melhor retrato de um pedófilo visto nas telas. Quando apareceu a Jane Adams num papel parecidíssimo ao dela em “Felicidade”, não tive mais dúvidas da inspiração de “Pecados”. É “Felicidade” com menos humor.

Aliás, a trama que fala do pedófilo é complicada. Lógico que a comunidade se foca no carinha pra não ter que lidar com seus próprios fantasmas interiores. Ou seja, pra gente é fácil condenar os suburbanos que tiram seus filhos da piscina pública assim que o sujeito entra (essa cena, além de “Tubarão”, também me lembrou de algum filme com a Halle Berry, em que ela entra numa piscina de um hotel luxuoso e todos os hóspedes saem, por ela ser negra. E só voltam a entrar na piscina depois de trocada a água!). Mas e se eu tivesse filhos, qual seria minha reação? Se há um molestador de crianças à solta na vizinhança, eu não gostaria de tê-lo por perto. Mesmo que eu esteja vigiando e dê pra ver que ele não está fazendo nada de errado na piscina, vai que ele se excita em ver crianças em trajes de banho. Eu odiaria que um molestador se excitasse pensando nos meus filhos. Assim como é irritante pra gente, que é mulher, receber telefonema de um tarado arfando do outro lado da linha e perguntando “O que você está vestindo?”. Se você é homem, só passou por isso na condição de predador. Por outro lado, o pedófilo já foi condenado e solto e tem todo o direito de circular por onde quiser. E ele não molestou nenhuma criança (ainda?), só gosta de se exibir pra elas. Mas seria conveniente se ele evitasse lugares cheios de guris, não?

“Pecados” tem seus pecadilhos, como o personagem do marido da Kate, um cara sem qualidades redentoras. Parece que tiraram algo da história. Mas é um drama pra lá de inteligente, que faz pensar. Só dói ouvir a Kate Winslet reclamar por não ser bonita. Vai te catar, diretor!

CRÍTICA: PEQUENA MISS SUNSHINE / Pequeno grande filme

Finalmente vi “Pequena Miss Sunshine”, só que teve que ser num DVD pirata que alguém me mandou, já que o filme não vai chegar aqui mesmo. E adorei. Eu ri, eu chorei. Ri muito mais do que chorei, pra falar a verdade. Deve ser a melhor comédia do ano passado, e claramente um dos melhores filmes, junto com “Volver” e “Filhos da Esperança” (e também gostei muito de “Os Infiltrados” e “O Grande Truque”; tô esquecendo algum?). Merece todas as quatro indicações ao Oscar. Antes de vê-lo, duvidava que “Sunshine” pudesse repetir o feito de “Crash” e levar a estatueta de melhor filme. Mas agora... É um pequeno grande filme, o único “feel good movie” entre os cinco, desses que elevam nosso espírito e fazem bem à alma. É praticamente impossível não se deixar cativar. Sabe o clássico dos anos 70, “Ensina-me a Viver”? Acho tão bom quanto.

Um resumo pra quem ainda não teve a chance de se engraçar com “Sunshine”. Uma família viaja vários quilômetros numa van quebrada pra levar a filha caçula para participar de um concurso de miss mirim. Dentro vão o pai, Greg Kinnear (de “Melhor é Impossível”), um desses americanos pra quem o pior insulto na vida é “perdedor”; a mãe, Toni Collette (mãe também em “O Sexto Sentido” e “Um Grande Garoto”), que mantém a família unida; o avô, Alan Arkin (o embaixador americano de “O Que é Isso, Companheiro?”), viciado em heroína e revistas pornôs; o tio, Steve Carell (de “O Virgem de 40 Anos”, que eu não gostei muito mas ri um pouquinho, e aquele um que rouba a cena do Jim Carrey em “Todo Poderoso” como âncora), um acadêmico que acabou de tentar suicídio; e os dois filhos do casal, um adolescente, Paul Dano (nenhuma referência me diz nada), que fez voto de silêncio e afirma odiar todo mundo, e uma menininha de sete anos, Abigail Breslin (acredite se quiser, a filha do Mel Gibson em “Sinais”, aqui num papel mais interessante do que ser comida de alienígenas fascinados pelo milharal do Mel). O elenco todo tá tão bem que faz a gente querer que o Oscar invente uma nova categoria, a de uma estatueta pra melhor elenco, sem destacar um ator em particular. Talvez quem eu tenha gostado mais tenha sido o Steve Carell, divertidíssimo e até sexy atrás da barba e dos olhos que julgam tudo, mas é difícil dizer. Todos estão fantásticos. Inclusive a garotinha fazendo o perigoso papel de ser criança num filme americano, onde todas as crianças são gênios e gracinhas. Ela é uma gracinha mesmo, muito espontânea, e deve ser a segunda favorita na competição pro Oscar de atriz coadjuvante. O Alan Arkin concorre também, e deve ganhar se o Eddie Murphy não levar. Aposto como o Alan foi indicado pela bela cena em que ele ensina a netinha a rosnar.

Mas ser ótimo ator não vale muito se o roteiro não ajuda (vide “A Grande Família”, só pra ficar num exemplo recente). E no caso de “Sunshine”, cogito uma revolta sangrenta durante a cerimônia se a comédia não ganhar o Oscar de melhor roteiro original (já que “Volver” sequer foi indicado). O incrível é que este é o primeiro roteiro do Michael Arndt, assim como a primeira investida na direção do casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, que até então só dirigia clips musicais. Os três conseguiram construir figuras adoráveis, embora repletas de problemas. Desde o começo eu me apaixonei por todos os personagens, até o do Greg, que é insuportável. Gosto desses filmes praticamente sem vilões, em que ninguém é só bonzinho ou só malvado. Bom, talvez haja duas mulheres que ficam com uma pecha mais de vilãs e poderiam ser suavizadas um tiquinho: a do hospital e uma das organizadoras do concurso.

E, claro, desnecessário dizer que “Sunshine” joga no lixo esses concursos de beleza e toda a obsessão competitiva dos americanos. Quiçá o tema seja mesmo aquele levantado pelo adolescente, de que a vida inteira é um concurso de beleza, um após o outro (adoro a cena em que ele escreve no seu caderninho “Abrace a mamãe”). Mas até o concurso é tratado com certa delicadeza. Tudo bem, é um freak show cheio de mães desesperadas, pedófilos disfarçados, e meninas que vão crescer pra se tornar a Reese Witherspoon do ótimo “Eleição”. Mas a gente adora a Abigail, e não a condena por querer participar. E todos na família se esforçam pra que ela chegue lá. O que ela faz no seu show de talento me fez rir em voz alta e acordar o maridão, que dormia ruidosamente ao meu lado (ele não conseguiu nem ver os créditos iniciais, então acho que a culpa não é do filme).

Enfim, ainda não decidi se vou apostar em “Sunshine” no meu tradicional bolão do Oscar (faça o favor de participar), mas certamente já tenho pra quem torcer.

CRÍTICA: UMA NOITE NO MUSEU / Profissão perigo

Até que enfim estreou “Uma Noite no Museu”. Eu não estava ansiosa, é que o trailer foi o que mais vi na vida. Pelo menos, com a estréia espalhafatosa do produto principal, fico livre do trailer. E pode me chamar de ingênua, mas pelo trailer eu não tinha sacado que era filme pra criança. Tudo bem, é lógico que não imaginei que fosse uma aventura pra adultos pensantes, mas não sabia que era um tipo de “Jumanji”. Acho até que esqueceram de avisar o público porque, na sessão lotada em que estive, mal havia crianças. Mas os espectadores aparentemente adoraram. No final, houve até uma tentativa de meia dúzia de aplausos. E pude notar que a adolescente atrás de mim, que tagarelou com a amiguinha o tempo todo, realmente se envolveu. Quando um símio rouba a chave e abre a janela pela milésima vez, ela gritou: “Que macaquinho filho da mãe!”. Portanto, falar mal de “Museu” significa ir contra o entusiasmo do público e pode implicar em risco de linchamento. Como disse o maridão, sempre muito solidário: “Eu não queria estar na sua pele. Se alguém me perguntar, não te conheço”.

Daí decidi não detonar “Museu”. Claro que este filme, baseado num livro infantil, sobre a profissão perigosa de ser vigia noturno num museu que ganha vida, deveria ter vinte minutos a menos, no mínimo. Chega uma hora que cansa, porque a piada é uma só. E o Ben Stiller já fez este papel quantas vezes antes mesmo? Mas até que o negócio é inofensivo. Além de não conter nenhuma gag machista ou racista, as mensagens são edificantes. Deixe-me ver se lembro de alguma. Ah é, todas as profissões são nobres. Outra mensagem é que a História, com H maiúsculo, pode ser divertida. Não é uma novidade, mas, sei lá, talvez os fãs do Ben não conheciam. De qualquer forma, quer um exemplo melhor do que o rival romântico do protagonista não ser um babaca total, ou a ex não ser uma nojenta que ainda não descobriu o valor do pai do seu filho? O deslize, moralmente falando, é tentar endeusar um presidente americano. Aqui o Teddy Roosevelt, interpretado pelo Robin Williams, é um modelo de sabedoria. Inteligente, amigão, e ainda apaixonado por uma índia (que é a única mulher do museu. Quem conta a história é mesmo o vencedor). Na vida real o Teddy era mais adepto da Política do Porrete e de meter o bedelho no cotidiano de todos os paisinhos, o nosso inclusive.

Eu gostei do dinossauro, o Rex, que só quer brincar, apesar da gente já ter visto isso nos Flintstones. E do Átila, o Huno. E por falar em peças de museu, foi bom ver o Mickey Rooney e o Dick Van Dyke como velhos vigias. Só que o Mickey, assim como os leões (deve ser porque leão é o bicho mais difícil de gerar por computador, vide “Nárnia”), está desperdiçado. O Dick ao menos mostra seus dotes de dançarino no final, que remete à “Mary Poppins”. Ou seja, somando tudo, “Museu” definitivamente deve ser o melhor filme do Shawn Levy, o que não quer dizer muito, já que o sujeito dirigiu atrocidades como “Doze é Demais” e “Recém-Casados”.

Tem também uma personagem bem perdida no meio de toda a correria: a guia do museu. Ela está escrevendo uma tese de doutorado sobre a índia. Dá pra ver que ela não tem vida social, pois fica andando de táxi até altas horas da manhã. Até aí, normal. Mas as possibilidades são imensas. Imagina essa guia levar a índia pra defesa, à noite, pra impressionar a banca. O filme desperdiça esse potencial. Por que não juntar vários personagens históricos e ver como eles se saem? “Museu” só junta cowboys e romanos, e deixa os pobres maias trancafiados. Que sacanagem com os inventores do chocolate!

Ao sair da sessão, o maridão fantasiou o que ocorreria se os manequins das lojas do shopping também ganhassem vida durante a madrugada. Não ia ter muita graça, ia? Isso prova que museus são mais interessantes que shoppings. Aliás, um tempão atrás, eu estive no maior museu do mundo, o Smithsonian, em Washington. Eles diziam no panfleto que, se a gente dedicasse um minuto pra ver cada peça, levaria cem anos pra ver tudo. É fascinante. Eu me lembro de uma cozinha cheia de baratas que mostrava o que aconteceria no nosso dia a dia se houvesse um desequilíbrio ambiental no planeta. Pois é, naquela época ainda se usava o “SE”.

CRÍTICA: MIAMI VICE / Velhos vícios

Lembra da série de TV “Miami Vice”? Pois é, eu também não. Pra mim é uma coisa tão anos 80... Lembro do Don Johnson usando óculos escuros e carrões envenenados, e mais nada. Mas, pra falar a verdade, acho que confundo o troço com “Chips”. Ok, peçam a minha caveira, amantes da série. Porém, o filme tem pouquíssimo a ver com o que eu não vi na TV. A única semelhança é que o diretor é o Michael Mann, que na época era produtor da série. Não sei se você sabe que os críticos babam pelo Michael, colocando “Colateral” num pedestal. Eu gosto de “Fogo Contra Fogo”, gosto de “O Informante”, mas “Colateral” é um porre. E aquelas imagens em câmera digital, marca registrada do Michael, pra mim só distraem.

De todo modo, o “Miami Vice” feito pro cinema é bom, embora um pouco cansativo. Jamie Foxx (“Ray”) e Colin Farrell (“Alexandre”) interpretam dois agentes infiltrados no mundo da droga. Os caras têm os melhores brinquedinhos que o dinheiro do contribuinte pode comprar: helicópteros, aviões, lanchas, armas de última geração e ternos bem feitos, mas não conseguem um corte de cabelo decente. E nem um barbeiro pra cortar todos aqueles pêlos faciais. Quando eu não tava me concentrando nisso, pensava na inutilidade do combate ao tráfico. Os policiais matam um traficante e imediatamente aparece outro no lugar. Enquanto houver demanda, vai haver droga. Ainda mais no que deve ser o maior mercado consumidor do mundo (tô chutando, mas o terceiro país do planeta em população é tão top de linha em tantas coisas que consumo de droga não deve ser exceção).

Outro pensamento que tomou meu tempo foi calcular quanto ganha uma alta executiva da droga, papel da Gong Li (a malvada em “Memórias de uma Gueixa”). A Gong é o tipo de atriz que só fica linda em filmes de época. Em “Miami” ela não tá exuberante como nos seus outros trabalhos, tanto que nem a reconheci. E ela não fala inglês. Teve que memorizar suas falas foneticamente, o que soa estranhíssimo. Numa superprodução que custou mais de 135 milhões de dólares, não dava pra pagar um curso superintensivo pra Gong? (legal é ouvir os críticos americanos reclamando que não conseguem entender o que ela diz). Bom, o Colin se envolve com a Gong, pro desespero de seu parceiro. E, quando o Colin diz pro Jamie que está 100% do lado da Gong, pensei que o Jamie iria gritar “Eu mato essa Yoko!”.

“Miami” tem várias cenas de sexo que matam o ritmo do filme. Mas chega uma hora em que algo explode e alguém meio importante quase morre. Isso me levou a pensar nas raras vantagens de ser gordo. Calma que preciso contar minha experiência. Semana passada um vendedor desses produtos de “Quer enriquecer? Pergunte-me como” me avisou que pessoas com gordura abdominal estão com um pé na cova. Respondi que o preconceito contra os gordos é a única forma de discriminação politicamente correta hoje em dia, porque tem até o aval da ciência, mas que, em séculos passados, a ciência também era usada pra discriminar outras pessoas, como gays e negros. Aí saí da lojinha e levei o maior tombo da minha vida. Literalmente. Tropecei num desnível de calçada e caí feio, de frente, estatelada no chão. Mas não bati a cabeça e estou aqui vivíssima pra contar a história porque tenho, hum, como direi, amortecedores naturais. E isso me deu poder, porque descobri que jamais vou bater a cabeça numa queda. Depois fiquei sabendo que a mãe de uma amiga minha foi atropelada por uma moto, jogada longe mesmo, e só sofreu alguns arranhões porque foi protegida pela sua massa corporal. Ninguém fala nisso, né? Então quando uma mulher em “Miami” sofre uma perfuração no pulmão ou algo do gênero, eu realmente fiquei pensando que, se ela fosse gordinha, os ossos não perfurariam órgãos vitais com essa facilidade. Mas a gente é massacrada diariamente pra trocar essa camada protetora de matar agentes do FBI de inveja por shakes emagrecedores de 100 reais.

Certo, certo, o filme. Outro motivo razoável pra ver “Miami” é que o Brasil é mencionado algumas vezes, se bem que não pelas suas belezas naturais. Pelo menos não é tão citado como Colômbia, Paraguai, Haiti... O pessoal também fala bastante de Cuba, mas como um lugar onde o comércio de drogas não é bem vindo (ponto pro Fidel?). Ou seja, esses países subdesenvolvidos vivem querendo invadir os EUA com drogas pesadas. Ainda bem que os americanos contam com superagentes infiltrados e acima de tudo honestos no combate ao crime. E ainda bem que o Jamie não precisa se infiltrar no meio de supremacistas arianos, porque ia ser difícil.

CRÍTICA: MISSÃO IMPOSSÍVEL 3 / E por falar em coisas impossíveis...

Talvez você não acredite, mas eu adorei “Missão Impossível 3”. É muito melhor que os dois primeiros, se bem que não posso afirmar com certeza ter visto o segundo. É o mais espetacular filme de ação desde “Batman Begins”. E digo mais: dificilmente nesta temporada de verão (pra eles) em que pipocam arrasa-quarteirões veremos algo mais legal que “MI3”.

E logicamente não estou desfiando todos esses elogios apenas porque fiquei hipnotizada pelo Tom Cruise. Tem o efeito da musiquinha também, que não sai da minha cabeça. Tô tão lavada cerebralmente que nem a confundo mais com a melodia da “Swat”. Mas gostaria que ela se apagasse da minha mente como aquelas mensagens que se auto-explodem em cinco segundos. Amei a cena em que o Tom calmamente segura o objeto que vai se auto-explodir e começa a sair fumacinha. Eu teria jogado o troço pra fora da janela e me escondido embaixo da cama, temendo uma dessas explosões de filme de ação.

Certo, o Tom. O Tom é meio doido na vida real, fez escândalo em talk shows ano passado pra divulgar seu amor pela nova mulher, criticou a Brooke Shields por ela sofrer de depressão pós-parto, acredita numa religião esquisita, a cientologia. Ao ser execrado pelos comentaristas por causa da ridícula superexposição, o que fez o rapaz? Iniciou uma greve de fome até que a mídia se retratasse, como fazem garotinhos? Não, seguiu filmando. Justiça seja feita, o Tom pagou caro por todos esses deslizes, tanto que foi indicado à Framboesa de Ouro de pior ator (sem merecer, né?) por “Guerra dos Mundos”. Mas eu não ligo. Quando ele abre aquele sorriso, esqueço que ele é um bobalhão. No nosso futuro relacionamento, a gente não vai gastar muito tempo conversando mesmo. E, quando ele pular feito um mico no sofá da Oprah gritando “Eu amo a Lola!”, quem serei eu pra criticar?

Como ainda não posso anunciar meu romance com o Tom, vou me limitar a falar da estréia do J. J. Abrams, um dos criadores de “Alias” e “Lost”. Em “MI3” o Tom trabalha no FMI, sigla que, em filmes escapistas, não significa fundo monetário sanguessuga, mas Força de Missão Impossível. Desta vez ele está quase aposentado, apaixonado por uma enfermeira, o que, obviamente, é só um disfarce pra opinião pública não descobrir meu envolvimento com o Tom logo agora que ele teve um filho com a Katie Holmes. Há vários atores coadjuvantes de peso, como o Ving Rhames e o Billy Crudup. O Laurence Fishburne não tem muito o que fazer e menos ainda o de três nomes que jamais conseguirei decorar, o Jonathan alguma coisa Rhys, o bonitinho de “Ponto Final”. Mas é o vilão do Philip (por que ele não deleta o Seymour?) Hoffman que confere charme ao filme. É ótimo ter um senhor ator numa produção pipoca. Com todo o respeito a minha paixão, a melhor seqüência de “MI3” acontece dentro do Vaticano, quando o Tom aparece travestido de Philip.

Ah, achei uma novidade os vilões não morrerem de forma tremendamente sádica. Bom, eles morrem, claro, e você só pode me acusar de estar contando o final se nunca tivesse visto um filme de ação na vida. Mas no caso de “MI3” os vilões morrem de forma bem light. Ok, não é exatamente morte natural durante o sono, se não iria contra a fórmula. Mas pelo menos eles não morrem, ressuscitam, e precisam ser mortos e remortos cinco vezes (tipo baratas) antes de definitivamente baterem as botas. É tudo uma questão de ritmo, e essa superprodução não deixa a peteca cair em momento algum.

De volta à realidade, e já que assinei termo de compromisso jurando não mencionar todos os detalhes eróticos do affair Tom-Lola, travei um bate-papo com o maridão na saída. Perguntei pra ele se, por trás da máscara de monotonia, ele não seria um agente secreto muito do agitado. Ao que ele me fitou seriamente e pronunciou: “Bond. James Bond”. Nessas horas meu coração até balança ao abandoná-lo pelo Tom.

quarta-feira, 29 de novembro de 2006

CRÍTICA: X-MEN 3: Mutantes curados

Filas e mais filas. O gerente me disse que o ano só começou pra eles com “A Era do Gelo 2” (e a gente podia dizer que começou mal). Mas agora, com “Código” e “X-Men 3”, os cinemas estão tirando o pé da jaca. Pois é, voltou a eterna batalha entre Facas Ginzu (as que cortam tudo) e Meias Vivarina (impossíveis de serem cortadas). Quem ganha? O título ainda inclui um subtítulo totalmente enganoso, “O Confronto Final”. Olha, que não é final, não é mesmo. Mas que a quarta parte não será fácil após a matança e cura de meia tonelada de mutantes, ah, isso não será mesmo.

Desta vez a referência ao homossexualismo fica mais óbvia ainda, porque alguém descobriu uma vacina que cura mutantes e os transforma em pessoas “normais” (não dá pra usar essa palavra sem aspas). Já começa com um menino tentando cortar suas asinhas e o pai gritando “Oh não! Você também é um?! Não você!”. Se houvesse vacina pra fazer gays virarem heteros, os protestos seriam iguaizinhos: ser mutante não é doença, logo ninguém precisa de cura. O problema dessa analogia é que parece muito sedutor ser mutante. Será que a mensagem do filme é que os gays têm super-poderes? Esse subtexto deve ser perturbador pros adolescentes homofóbicos lotando as salas. Mas o público estava mais concentrado rindo numa cena em que um detetive afirma não existir fúria maior que a de uma mulher rejeitada. E quando o Wolverine chuta os testículos mutantes de um pobre coitado. E quando uma moça morre eletrocutada e seu piercing no queixo brilha. Não tô criticando! Adorei o Ian McKellen jogando caminhões pra fora da estrada. Comparado a outro produto Marvel, “Quarteto Fantástico”, “X-Burger Men” é uma obra-prima.

Se bem que colocar um exército de mutantes na tela gera conflitos, como o desenvolvimento dos personagens, que é nulo. Pra decidir o destino deles, só explodindo uns quatro de uma só vez. Confesso que torci pra que o mutante bonitinho de óculos, vulgo Scott, realmente tenha morrido. Ah, uma coisa instigante é notar que existe hierarquia até entre mutantes. Assim, vemos que um número 5 é mais forte que um número 3, e um número 2, imagino, ninguém quer ser. Mas se você fosse super duper poderoso, você acataria ordens?

A graça dessa franquia é comparar poderes, e decidir quais seriam mais úteis no nosso dia a dia. Por exemplo, o Wolvie parece indestrutível, mas quando o Magneto tá próximo, ele é de uma inutilidade febril. Se eu fosse a Vampira, aquela que suga a energia e eventualmente mata gente com um toque, talvez eu fizesse um sacrifício e voasse até Washington apertar a mão do Bush. E a Tempestade? Sem dúvida daria uma ótima ministra da agricultura, de preferência sem revirar os olhos toda vez que precisasse mudar o clima. Então perguntei pro maridão qual desses super-heróis ele gostaria de ser. Ele respondeu “a Jean” e seguiu-se esse diálogo. Eu: “Ih, só porque ela é um número 5. Só pra ganhar uma briga de mim! Mas por que a Jean? Ela não faz nada além de explodir pessoas”. Ele: “Não, isso num dia ruim. Ela devia estar com TPM. Normalmente ela poderia explodir as caixas de som dos nossos vizinhos pagodeiros e carregar malas”. E se não a Jean, o Xavier, concluiu o maridão. Eu: “Só porque você e ele são carecas!”. Ele: “Viu? Meio caminho andado”.

“X-Dog 3” seria mais interessante se mostrasse o que esses ex-poderosos fariam na rotina após a “cura”. Já tivemos uma amostra disso no segundo “Super-Homem” e “Homem-Aranha”, e era legal. Porque convenhamos: o mais bacana de todos esses super-heróis é acompanhar sua origem e sua queda (mesmo que sempre momentânea). Mas sou otimista e vou olhar pelo lado bom: aquela atriz com três nomes que faz a Mística (a azul) finalmente ouviu minhas preces e cortou o Stamos do seu sobrenome. Vou poder lembrá-la. Agora ela é só Rebecca... ahn... esqueci. Rominj?

CRÍTICA: ZUZU ANGEL / O nosso Missing

Estava receosa que “Zuzu Angel” fosse um pouco “Olga” demais, como pareceu no trailer, mas graças a Deus, nada a ver. O filme é bonito e honesto. A história você conhece se viu um Linha Direta que a Globo exibiu há uns anos: Zuzu foi uma estilista de sucesso nos anos 70. Vivia alienada fazendo roupa chique pra esposa de general até que seu filho Stuart, militante político, é torturado e morto pela ditadura. Aí a mulher vira fera. Ou seja, “Zuzu”, o drama, é o nosso “Desaparecido” (“Missing”). Todos esses filmes, e mais a ótima minissérie da Globo, “Anos Rebeldes”, que deu combustível às passeatas pró-impeachment do Collor, são importantes. Desde os mais velhinhos como “Pra Frente Brasil” até o recente “Cabra Cega”, passando por “O que é isso, Companheiro?” e “Lamarca” (também dirigido por Sérgio Rezende), todos nos relatam um pouquinho da ditadura. Num país sem memória como o nosso isso é fundamental, porque ainda tá cheio de gente que chama o Golpe de 64 de “revolução” e que acha que tudo era melhor nessa época. Pensando bem, o que falta é uma visão bem reaça defendendo os milicos, só pra me deixar com raiva.

No papel de Zuzu, a Patrícia Pillar dá um show. Gostei principalmente da voz, e a atriz tá cada dia mais bonita. A cena mais comovente é ela com a foto do filho durante um desfile. Mas podiam ter mais cuidado com uma narração em off no início, dizendo que a Zuzu “costurava pra fora”. Não sei o significado disso há três décadas, mas hoje a platéia ri. Outra coisa que me incomodou foi o racismo. Quer dizer, certamente não foi intencional, mas como a gente tá tão acostumada a não ver negros na tela, é chato colocarem um logo no papel desprezível de torturador (sem falar que é irônico a Zuzu pedir ajuda do Kissinger. A CIA foi de muita valia em instalar a ditadura por aqui, inclusive ensinando técnicas de tortura pros agentes). E o menino que faz o Stuart pequeno? Além de feinho é mau ator. Os três guris que aparecem brevemente recitam suas falas. Bom saber que um deles cresce pra virar o deslumbrante Daniel de Oliveira (de “Cazuza” e da novela das sete). Chega uma hora em que ele também vai recitar e soar bem falso. É o dueto entre ele e a Leandra Leal contra os porcos imperialistas. Entendo que precisem resumir discurso ideológico, mas ficou meio ridículo. O mesmo caráter “didático” também destoa quando a Zuzu dá bronca num padre que diz que não há tortura, só uns choquinhos elétricos à toa que não matam ninguém. A Zuzu não precisava explicar que ele não representa a igreja. E a homenagem à Elke Maravilha não funciona. Mas o filme é sempre interessante, não abusa da narração em off, e os flashbacks não cansam.

E não dá pra acusar “Zuzu” de ser meloso. Pra mim, pelo menos, não fez chorar. E olha que me fazer chorar no cinema é mais fácil que tirar pirulito de criança. Se tivessem posto a magnífica música do Chico Buarque durante o filme, não nos créditos, e adicionado algumas imagens, pronto, eu traria o dilúvio ao cinema. Agora sem brincadeira, considero não usar mais a canção do Chico um erro. A maior parte das pessoas não sabe que ele compôs “Angélica” pra Zuzu, mas repare na letra: “Quem é essa mulher / que canta sempre esse estribilho? / Só queria embalar meu filho / que mora na escuridão do mar”. É linda a canção, como, aliás, tudo que o Chico faz. Inclusive não vou perder a oportunidade de esfregar no nariz das minhas queridas-mas-definitivamente-arrasadas leitoras que possuo um autógrafo escrito “Lola, eu te amo. Chico Buarque de Hollanda”. Tá aqui emoldurado na parede da sala, embaixo de dois holofotes. Mas enfim, “Zuzu” conseguiu me fazer lembrar mais do Chico de “Cálice”, com a fumaça de óleo diesel, método de tortura comum na época, que do Chico de “Angélica”. E isso não é tão bom. Sei lá, fico imaginando o dia que fizerem a minha cinebiografia. Não vão usar as dezenas de canções que o Chico compôs comigo em mente? (atenção aos desafetos: Geni não é uma delas). Pode até ser que deixaram “Angélica” de fora porque a Zuzu não a ouviu em vida. Mas não justifica, já que nem tudo no drama passa pela ótica da protagonista. Eu aplaudiria essa licença poética.

CRÍTICA: VÔO UNITED 93 / Unidos não venceremos

Suponho que “Vôo 93” (“United 93”) seja superior à “As Torres Gêmeas”, mas pelo menos “Torres” me emocionou. Já “Vôo” é mais ponderado, menos histérico, ao contar o drama dos quarenta passageiros no único dos quatro aviões seqüestrados em 11 de setembro a não atingir seu alvo. Lembra daquele avião que caiu no meio do nada, e todo mundo ficou discutindo se o governo o teria derrubado? Esse aí. Como escreveu um crítico americano, falando sério, se não fosse a ação heróica desses passageiros, os EUA não teriam mais o Capitólio. “Vôo” deve ser o melhor filme do ano pros críticos de lá, mas eu não conseguia parar de pensar em, ahn, tenho vergonha de admitir, “Serpentes a Bordo”, e, principalmente, na tragédia do avião da Gol, em que morreram 154 pessoas. Imagina se fosse o contrário, se dois pilotos brasileiros voando um jatinho no espaço americano fizessem uma rota irregular com radar desligado e derrubassem um avião comercial cheio de ianques. O Bush já teria declarado guerra ao Brasil e os pilotos estariam presos em Guantanamo. Como é aqui, eles aguardam calmamente no Copacabana Palace.

Mas então, agora que viramos especialistas em transponder, caixa-preta, altitude e rotas aéreas, observar o funcionamento de salas de controle de vôo ficou mais relevante. Ainda assim, algumas cenas no começo de “Vôo” são meio chatinhas, longas demais. Só quando os controladores descobrem que há aviões seqüestrados é que a gente nota o nervosismo. Mas o filme do britânico Paul Greengrass (do ótimo “A Supremacia Bourne”) não perde tempo apresentando personagens. Ao contrário do cinema-catástrofe, em que conhecemos um pouquinho da vida de cada vítima, aqui a gente vê os terroristas rezando, um piloto conversando com outro sobre sua filhinha, a aeromoça dizendo que sente falta de seus bebês, e é só. A tragédia pessoal pesa menos que a coletiva, e isso confere certa sobriedade à história. Pelo menos “Vôo” não transforma os terroristas em vilões sanguinários, ou passageiros e tripulação em heróis automáticos. Tem muito pouco de “Vamos derrubar o avião pra não demolir um prédio público”. O pessoal ataca os terroristas na vã tentativa de se salvar mesmo. Bom, tá certo que, num dos pôsteres, o avião se dirige rumo aos céus, mas essa deve ser a versão local, pro público interno.

Não sei se foi porque o cinema trocou os rolos e vi toda uma seqüência em ordem inversa, mas achei anti-climático quando os terroristas invadem a cabine. Nunca pensei que seria tão fácil render dois pilotos. Por causa disso, hoje em dia não podemos mais viajar com tesourinha de unha, e os talheres são de plástico. Mas o maridão lembra que, querendo, dá pra matar alguém usando as hastes dos óculos, como ficou provado em “O Poderoso Chefão”. E existe em “Vôo” algo universal, pelo menos universal entre a classe média, bem familiarizada com vôos aéreos e celulares. Se você sabe que seu avião vai cair, o que diz pros seus entes queridos? Todos dizem eu te amo.

Pro filme não resta dúvida que o avião caiu—não que ele foi derrubado, seja pelos passageiros, seja pelos militares. Aliás, muito menos pelos militares. Isso contradiz o que muitos ainda acreditam, que o exército teria atirado contra o avião.

Mas a apresentação dessa tese é menos propagandista do que se pode imaginar. Por exemplo, uma legenda no final explica que os militares só souberam que o avião tinha caído minutos depois, ou seja, eles não podiam tê-lo derrubado. Mas notou a falha? Não é que o exército não quis, é que foi tão incompetente que nem sabia onde o avião estava. Como também desconhecia o mandatário do presidente, e só ele podia autorizar a derrubada de aviões. Será que ele ainda estava ouvindo historinhas infantis na escola, como mostrou o Michael Moore? Lembrei no ato de “Todo Mundo em Pânico 4”: um assessor informa o presidente sobre os ataques, mas o mandatário-mor da nação não quer deixar a escolinha antes de saber o que acontece com o pato.

De repente pareceu mais interessante ver um filme sobre o que aconteceu dentro dos aviões que se chocaram contra o World Trade Center. Mas enquanto os críticos americanos discutem se “Vôo” foi feito cedo demais, apenas cinco anos após os ataques, e os EUA proíbem que o ator iraquiano que faz um dos muçulmanos entre no país para prestigiar a première, eu me concentrei mais na melhor frase do drama. É quando o diretor de controle de vôo, responsável por fechar o tráfego aéreo nos EUA naquele dia fatídico, justifica: “Estamos em guerra com alguém”. So what else is new (qual a novidade)?

CRÍTICA: VOLVER / Almodóvar de volta, aleluia

Notando que “Volver” não chegaria a Joinville, tive de vê-lo em Curitiba. O gerente daqui até fez piadinha quando lhe perguntei se o filme desembarcaria em Joinville algum dia. O sádico respondeu: “Pode ser que venha, mas aí volve rapidinho”. É tão triste isso. Uma das melhores produções do ano não passa aqui. Deve ser porque as salas estão ocupadas demais exibindo coisas importantes como, sei lá, “O Segredo dos Animais”. Quem sabe quando “Volver” for indicado a alguns Oscars (certamente filme estrangeiro e roteiro, provavelmente diretor e atriz, com chance de indicação a melhor filme no geral), Joinville se digne a mostrá-lo?

Este é o quinto ótimo filme consecutivo do Almodóvar, depois de “Carne Trêmula”, “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale com Ela” e “Má Educação”. Pra mim “Volver” não é tão maravilhoso como suas duas obras-primas, “Tudo” e “Fale”, mas tá tão acima da média que é covardia compará-lo a Hollywood. O mais incrível é como esses cinco filmes são diferentes entre si. Tá certo que a gente vê uma só cena e se convence que esta é uma película do espanhol, mas o cara não se repete. E mesmo que seus roteiros não fossem extremamente bem elaborados, ver qualquer obra do diretor já é um prazer só pelo que ele faz com as cores. Aliás, pra quem acha que cinema narrativo tá com os dias contados, o Almodóvar vem provar que não é bem assim. Tem algum diretor mais narrativo que ele? Claro que ele não se incomoda em cortar a trama pra mostrar a Penélope Cruz cantando uma balada, porque a canção vai estar totalmente relacionada à história.

A história? Convém não saber nada. É só uma trama sobre mulheres onde os homens são apenas algozes ou inúteis. Esse espírito condiz com minha revolta dos últimos dias, que já ultrapassou o feminismo radical. Simplesmente cheguei à conclusão que algo de urgente precisa mudar na educação dos homens, que os prepara para resolver problemas sempre com agressão e violência. Sei que a culpa também é nossa, das mulheres, que os (des)educamos. Mas não é possível. Ô espécie pra fazer mal à sociedade! Tem algum componente na nossa educação feminina, totalmente repressora, que nos condiciona a conviver melhor em grupo. Não somos serial killers, pedófilas, estupradoras, e não batemos nos nossos maridos. Talvez esteja na hora de reprimir os homens também. Castrá-los um tiquinho, figurativamente falando, porque nem tudo é falo nessa vida. Tá, tá, sei que hoje estou no meu módulo terrorista (e o maridão não fez nada). Ok, voltando à história que não vou contar de “Volver”, digamos que só o Almodóvar pra nos fazer acreditar em tantas mudanças de gênero. No começo o filme parece ser um noir, mas quando ameaça enveredar por esse caminho, pára e pega uma outra rota. Então terá a ver com o realismo mágico, história de fantasmas? Não, também não é por aí. E assim por diante, nos surpreendendo a cada curva. Eu só iria mais fundo ainda no melodrama, pra me fazer chorar, porque mesmo sendo a maior manteguinha derretida do planeta y sus arrededores, como dizia meu amado pai, eu não chorei.

Realmente, só num filme do Almodóvar uma mulher aparece com uma mancha de sangue no pescoço, a gente fica petrificada que ela será descoberta, e quando seu vizinho aponta pro pescoço, ela descarta sem cerimônia: “Problemas de mulher”.

Pode ser que o público masculino goste da posição da câmera na cena em que a Penélope lava a louça. A câmera fica em cima, e vê-se um amplo decote. Eu tava mais preocupada com a Penélope não fechar a torneira enquanto ensaboa os pratos. Mas ando muito sensível em relação ao meio ambiente, mais ainda depois de ver o excelente “Uma Verdade Inconveniente” (também em Curitiba, lógico, que Joinville não tem necessidades pra mensagens ecológicas). “Verdade” é a versão documentário pro “Dia Depois de Amanhã”!

Volvendo, alguém me explica, por favor, porque só o Almodóvar consegue fazer da Penélope uma grande atriz? Mais misterioso: como que só nos filmes dele ela fica bonita? Todo mundo tá dizendo que ela lembra a Sophia Loren, e é verdade. É também um deleite ver a Carmen Maura de volta com o diretor que a fez brilhar em “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos”.

Mas elogiar o Almodóvar é chover no molhado. O sujeito tem um prestígio tão, mas tão grande, que basta contar o que presenciei num congresso acadêmico GLS e de gêneros. Uma mulher apresentou um artigo bem interessante dizendo que, em “Tudo Sobre Minha Mãe”, o Almodóvar apenas martela o velho mito machista de que toda mulher nasceu pra ser mãe, que isso é instintivo, e que só assim uma mulher pode se realizar. O pessoal caiu em cima. Pensei que a palestrante seria linchada. Ah sim, e é ridículo supor que o prestígio almodovariano se restringe aos círculos gays. Faz tempo que ele é considerado um dos grandes do cinema mundial, e ninguém dá a mínima se ele é gay ou hetero. Quero dizer, o gerente do cinema lá em Curitiba se preocupa com essas coisas. Ele apontou que “Volver” é menos gay que as películas anteriores do espanhol, porque desta vez só há uma personagem lésbica, uma amiga da Penélope com câncer. Cuma? Como que ele sabe que ela é lésbica? Só porque tem cabelo curto? Devo ter perdido alguma coisa.

CRÍTICA: TORRES GÊMEAS / Memorial do herói enterrado vivo

É aquele tipo de pergunta à la Kennedy: onde você estava quando o Kennedy foi assassinado? (que em “Harry e Sally”, pra mostrar o conflito de gerações, uma jovem indaga, assustada, “O Ted Kennedy foi assassinado?”). Então, onde você estava quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas? Eu estava em casa, mas só fiquei sabendo e liguei a TV horas depois. Já o Nicolas Cage e o Michael Peña (de “Crash”), que interpretam os personagens principais de “As Torres Gêmeas”, estavam embaixo de um dos prédios, ué. E sabe-se lá onde estava o diretor Oliver Stone (Oscar por “Platoon”, eca). Como o sujeito virou persona non grata depois de um documentário louvando Fidel e do homossexualismo em “Alexandre”, agora ele dá toda a pinta de querer se reabilitar. Ou seja, apresenta um “Torres” de direita, pisando em ovos pra não ofender os americanos, muito pelo contrário. Seria mais interessante vê-lo contar uma história de conspiração, que é a sua especialidade. Muita gente acredita que foi o Bush quem orquestrou os ataques terroristas para unir o país. Assim como se dizia que quem derrubou o avião com destino ao Pentágono foi o próprio governo. Ainda não vi “Vôo United 93”, mas deve ser melhor que “Torres”, até porque é contado em tempo real. Se bem que o gerente disse que parece ter sido feito sob encomenda do Bush, pra mostrar como os passageiros eram tão heróis que preferiram morrer a se chocar contra um prédio público.

Com “Torres”, o cinema todo tava fazendo “sniff sniff”. Eu, uma manteguinha derretida, obviamente chorei. Só um sem-coração total como o maridão não derrubou uma só lágrima. O filme é sentimental até a medula, construído pra comover, e eu sempre caio. Câmera lenta e música emocionante, eis a receita pra um dilúvio. Mas, pensando bem, se fizessem uma produção sobre uma das inúmeras criancinhas iraquianas e afegãs que certamente devem ter ficado presas em meio a escombros quando seus países foram bombardeados pelos EUA, não seria tão diferente, seria?

No fundo, a mensagem é que nossos maridos precisam estar entre a vida e a morte pra reconhecer o nosso valor. Perguntei pro maridão se ele, soterrado até o pescoço, finalmente me daria o merecido valor. Ele respondeu: “Talvez se eu deitasse na cama em casa a poeira se acumulasse e eu ficaria soterrado. Mas não sei se o seu valor viria à mente”. Depois eu quis saber se, nesse caso extremo, ele diria pra mim “Você me manteve vivo”. O verme rastejante respondeu que sim, essas seriam suas últimas palavras.
O Stone opta pela temática típica americana, a de glorificar o indivíduo. Deixam a cena os quase três mil mortos no atentado, substituídos por dois heróis. Ao focar a história inteira no drama desses dois homens e suas mulheres, de gente que não tem a menor idéia do que aconteceu, o Homem-Pedra esvazia o conteúdo crítico. Não é bem “As Torres Gêmeas”. Tá mais pra “Drama Particular nas Torres Gêmeas”. Até o Bush aparece positivamente, longe do presidente titubeante que vimos em “Fahrenheit 9/11”. Não é à toa que tem crítico ultraconservador chamando o filme de “pró-americano, pró-fé, pró-família, e pró-macho”. Quem sou eu pra discordar? Mas espectadores escreveram coisas mais relevantes. Por exemplo, um disse que é como ver um filme sobre o Titanic sem ver o navio afundar. Outro manifestou seu temor de que o fuzileiro (o personagem mais patriota e suspeito) iria matar, não salvar, os sobreviventes. Sei lá, se é pra conhecer o drama de alguém, eu preferiria ver os momentos finais das pessoas que pularam do prédio. Ao invés disso, o Stone nos leva ao fundo do poço de um elevador, onde há mais bigodudo por metro quadrado do que em todo o Iraque, imagino. É o memorial do herói enterrado vivo. Não deixa de ser uma boa metáfora pros EUA.

CRÍTICA: TODO MUNDO EM PÂNICO 4 / Adolescente tagarela em pânico

Eu e o maridão fomos prestigiar “Todo Mundo em Pânico 4”, e a sala tava tão lotada que tivemos de nos sentar na primeiríssima fila, com o nariz grudado na tela. E mesmo assim não escapamos da terrível praga dos adolescentes narradores, os notórios comentaristas de filmes durante a sessão. Por exemplo, na tela tinha uma paródia até legalzinha de “Menina de Ouro”, algo como uma boxeadora mordendo a orelha de alguém. E o meu colega de poltrona: “Ela mordeu a orelha!”. Na tela, moça cega dá bengalada na mais valiosa parte da anatomia masculina, que obviamente não é o cérebro, e o guri do meu lado: “Ela bateu no saco dele!”. Galvão Bueno tem um concorrente à altura. Mas até que entendo o papo todo durante a comédia. Se deixar pra falar depois, é possível esquecer tudo. No carro, o maridão já disse pra mim: “Olha, é bom você escrever sua crítica assim que chegar em casa, porque o troço tá se esvaindo da nossa mente com uma rapidez estonteante”. Eu: “Se tivesse uma imagem do filme se esvaindo da mente, ela seria como? Uma fumacinha saindo?” Maridão: “Não, nada tão substancial como fumaça”.

Difícil imaginar um filme mais inútil pra se criticar que este. Quero dizer, a faixa etária pra esse tipo de coisa não lê crítica, e quem gosta dessas paródias vai vê-las de qualquer jeito. Mas vamos lá. Confesso que ri bastante no começo. As gracinhas com “Guerra dos Mundos” funcionam, e com “O Grito” também. Mas todas as referências à “A Vila” deveriam ser extirpadas. Elas matam a comédia. E os chistes com “Jogos Mortais” não causam nem cócegas. Aliás, quem diachos é Dr. Phil? Mas justiça seja feita: o Leslie Nielsen dá um excelente presidente americano. A seqüência do vídeo de “Fahrenheit 11/9” é muito divertida, e, como foi provado pelo Michael Moore, baseada em fatos reais. O presidente é informado dos ataques, mas decide ficar na escolinha ouvindo a historinha infantil pra saber o que acontece com o pato. Inclusive, tá no trailer. O que não consta do trailer, e ainda assim é hilário, é o presidente discursando nas Nações Unidas. Não a parte em que o Leslie fica nu, mas quando ele olha pra sigla e diz que é muito bom estar na “NU” (UN, em inglês).

E no início tem o Charlie Sheen, que eu nem sabia que tava vivo. Aceitei bem a piadinha do gato se agarrando ao seu pênis gigante e sendo defenestrado pela janela. Meu radar de protetora dos animais não bipou porque dá pra ver que não é um gato de verdade. Ou talvez porque eu tinha visto o trailer de “Garfield 2” cinco minutos antes, e, sabe, depois de ver qualquer fotograma de “Garfield 2”, minha paixão por gatos cai consideravelmente. Acabei de notar que “Garfield, o Filme” é pra pessoas mentalmente deficitárias que odeiam felinos.

Acho que o principal motivo pro relativo sucesso dessa baboseira, parte 4, é o casal de protagonistas. Não me pergunte o nome dos atores. Mas eles são meiguinhos, têm cara de bobos, como no maravilhoso “Apertem os Cintos: O Piloto Sumiu”. Isso ajuda. Se bem que o chiste mais fofinho não foi identificado pela galera jovem, que mal respirava em 92. Em mais uma referência à “Guerra dos Mundos”, o herói aceita se esconder junto com a filhinha no porão de um homem. E, pra justificar, diz ser um excelente conhecedor do caráter humano, ou seja, ele sempre sabe em quem confiar. Aí aparece o homem e é o Michael Madsen. O Michael é aquele da clássica cena de tortura onde ele corta a orelha de um policial em “Cães de Aluguel”, do Tarantino. Pelo menos me senti vingada por nunca ter ouvido falar desse tal de Dr. Phil. Éramos os bisavôs do cinema.

Nesta comédia acéfala tem sujeito brincando com a meleca que tira do nariz, puns de vários sons, mulher tomando banho de xixi, e sujeito serrando o próprio pé, mas foi só quando apareceram dois cowboys de mãos dadas que o carinha do meu lado clamou em alto e bom tom, pros amigos ouvirem, “Que nojo!”. Foi seu jeito de dizer “Eu sou espada!”. Aliás, sabia que ia acontecer: alçaram o “Brokeback Mountain” à categoria de filme de terror.

Bom, tenho quase certeza que escapei do “Scary Movie” 2 e 3 e que vi o primeiro. Se todos os cinemas da cidade não estiverem passando “Código” e “X-Men”, eu provavelmente não verei o 5. Agora, imagine que você é um filme brasileiro esperando ser lançado. Ninguém quer lançar você antes da Copa. E todos os cinemas do seu país passam arrasa-quarteirões americanos. Deve dar um desânimo, né?

CRÍTICA: SUPERMAN, O RETORNO / Super nostálgico

Superman” voltou! E, antes de declarar o que achei, um serviço de utilidade pública. O gerente reclamou que o público não tá lá essas coisas por acreditar que se trata de uma refilmagem. Ele ouve bastante gente dizer, “Ah, eu já vi na TV”. Este “Retorno” é bem diferente dos ótimos filmes de 78 e 80, e mais diferente ainda se comparado aos péssimos exemplares de 83 e 87. Mais que uma seqüência do clássico de 78, é uma homenagem. Isso posto, devo acrescentar que o gerente tem muita sorte com o que falam pra ele. Porque pra mim o que o pessoal conta antes de eu entrar na sessão é que este é o “Filme do Pingolim Encolhido”, já que, aparentemente, tiveram que diminuir por computador um pouco do volume da calça do Super. Pra que me contam isso? O resultado é que a Lolinha vai ao cinema só pra se concentrar nas partes pudicas do Homem com a Cueca Fora da Calça. Mas isso é uma besteira, claro, pois todo santo super-herói sofre com o volume dentro daqueles uniformes apertadinhos. Desconfio que essa preocupação excessiva ocorra porque o diretor Bryan Singer (de “X-Men” 1 e 2) é gay assumido, e havia vários rumores que este “Retorno” seria um Super Gay. Não tem nada disso.

Ok, então o que mais a Lolinha viu quando não estava pensando no pingolim encolhido do Super? Viu uma historinha meio chinfrim, mas adequada pra apresentar o paizão dos super-heróis a toda uma nova geração que nem respirava em 87. Na realidade o Super vem de 1938, e isso se nota porque, no universo onde ele vive, o povo se informa através do Planeta Diário, não da Rede Globo. E também porque ele troca de roupa em cabines telefônicas. Como as cabines estão tão extintas quanto os dinossauros, agora ele tira a roupa no meio da rua mesmo. Mas tirar a roupa é fácil, apesar de caro. Quero ver é colocar a roupa. Não sei se o salário do Clark Kent dá conta de tanta camisa jogada fora no poço do elevador. De qualquer jeito, o Super é tão antigo que o maridão narrou que ele e os amigos faziam enquetes na década de 60 pra eleger qual herói voava melhor... e elegiam o National Kid. Eu devia ter pulado essa parte.

Mas pra qualquer um que vivia em 78 a música do John Williams traz uma carga emocional muito forte. Eu me senti com onze anos de novo. O elenco da vez tá bem razoável. O Gene Hackman fez o Lex Luthor definitivo, mas Kevin Spacey também tá bem. Os diálogos mais divertidos são os dele. Todo mundo ri quando ele pergunta pra Lois Lane: “Você tem certeza?”. Ou ele esclarecendo pra amante que o Super sabe quando uma mulher finge. Ou ele dando uma peruca prum menininho e dizendo, “O resto é meu”. Desta vez o Lex quer uma ilha só pra ele, o que tiraria espaço de metade dos EUA. O mapa não mostra direito, mas desconfio que parte da gente aqui (talvez o Nordeste) também seria coberta pelas águas. Felizmente nosso herói salva Porto de Galinhas.

Já o Brandon Routh, que faz o Super, tem uma missão mais difícil. Tem ocasiões que ele parece o Christopher Reeve, noutras um boneco de cera, mas quem ele mais parece mesmo é a Sandra Bullock. Sério, gente, coloca uma peruca nele e temos a Sandra. E ainda assim precisamos tirar o chapéu pro Brandon. O rapaz não tá apenas substituindo o maravilhoso super do Christopher, mas entrando no lugar de um astro canônico, que já era santo antes de morrer, desde o acidente que o deixou tetraplégico. O Brandon conquistou meu coraçãozinho cínico na minha cena preferida, quando ele e a Lois saem pra voar. Ela diz pra ele que seu namorado sempre a leva pra voar, ao que ele retruca “Mas não assim”. No momento seguinte ela sussurra “Tinha esquecido como você é quentinho” (e se o Super não fosse tão sério ele corrigiria: “Quentão! Quentão!”). Até guri de dez anos consegue sacar a conotação sexual.

A Lois não é um papel fácil, até porque o Homem de Aço poderia namorar qualquer uma das 3,5 bilhões de mulheres do mundo e, ouso dizer, uma enorme parte da população masculina, e a gente deve acreditar que o Super Fiel só tem olhos (e capinha, e collant) pra Lois. Aliás, preciso me lembrar de nunca pegar o mesmo avião que a Lois. Tudo bem que o Super a salva, mas ô mulher pra se meter em encrenca. Melhor anotar no meu caderninho pra nunca estar no mesmo país que a Lois, só pra garantir. A Kate Bosworth que faz a Lois é jovem demais. A Margot Kidder parecia mais inteligente. Sei lá, eu até acreditaria se a Lois da Margot ganhasse o prêmio Pulitzer. Mas gostei da Lois, ressentida, escrevendo artigo pichando o Super. É bom pros homens saberem do que uma mulher deixada pra trás é capaz. Se o maridão me abandonar, publico um artigo no jornal chamado “Porque o Mundo não Precisa do Maridão”. E ainda ganho o Pulitzer.

Acho que, de retorno a retorno, prefiro o do Batman, mas este “Superman” dá um bom caldo. Lá pelas tantas um pacotinho tímido despenca do céu e a gente pensa: é um pássaro caindo? Um avião? Nessas horas difíceis minha mãe se confunde e grita: “Não! É o Homem-Aranha!”. Homem de collant é tudo igual.