Impacto Profundo dá novo sentido à expressão “cinema catástrofe”: um filme tão ruim que nada se salva O mais r
ecente filme de ação em cartaz no Estado tem a profundidade de um pires. Aliás, minto. Um pires é menos raso. Impacto Profundo é um festival de clichês, da primeira à última cena, e, além disso, é cinema pra criança. Pode levar o filhinho sem medo de atentado ao pudor, pois não há palavrões, violência ou sexo. A entrada é livre. Felizmente, a saída também.
A história é igualzinha a de Armageddon, com Bruce Willis, previsto para estrear em julho. Nos últimos tempos, Hollywood enfrenta tamanha falta de criatividade que não se contenta em fazer apenas um filme medíocre sobre o mesmo tema. Agora são dois. Recentemente foi a vez de O Inferno de Dante e Volcano se digladiarem na bilheteria, com vitória fácil do primeiro, que era bem melhor. Em breve assistiremos o duelo Impacto Profundo X Armageddon, Dreamworks X Universal. Quem vencerá? O qu
e importa? Desde já é uma batalha inglória.
Ah sim, o "tema" em questão: um meteoro vai se chocar contra a Terra e causar a provável extinção da espécie humana. Ou, pelo menos, dos americanos, que é no que se resume o mundo moderno desde Independence Day. O presidente (Morgan Freeman, que é negro. Só em ficção mesmo um povo racista elege um afro-americano. Jesse Jackson não conseguiu sequer ser candid
ato) envia um grupo de astronautas para destruir a ameaça. Eles falham, ou melhor, dividem o meteoro em dois, um pequeno e um grandão. Até aí já se passou metade do filme. O chefe-da-nação parte para o plano B, que consiste em colocar um milhão de americanos em minas subterrâneas, onde estariam protegidos e poderiam perpetuar a espécie. Duzentos mil são pré-selecionados, e os outros 800 mil são sorteados democraticamente. Imaginem se isso fosse real. Deste um milhão, quantos seriam psicopatas armados que atirariam em crianças saindo das escolas nas cavernas?![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjBIrtlSnI1A7mSTXKufhOmvB9DeVQm8dmgLa5ofcZ5vlm1H7gASVWr5A23BIaMJqgT-19s3p9y5iBieSaC3PfUvTcFiuG5i6S52Rfy8LFrl_nFTFPfe1p5biZZ_m4bqAnIoIcdy7LK3lfI/s200/1+deep+impac.jpg)
Mas Impacto Profundo não está nem um pouco preocupado com a realidade, é claro. Idéias que poderiam ser interessantes, como o pensamento dos escolhidos, saques, suicídios, novas seitas etc., são totalmente desprezados. A diretora Mimi Leder, a mesma de O Pacificador, prefere gastar o tempo mostrando fotos de infância de um dos protagonistas. Contando ninguém acredita. E falando em Deus, que o filme é profundamente religioso- quer dizer, voltando ao pires.
E tudo isso embalado a muita música melosa. Acho que não existe um só minuto de silêncio. O cinema atua
l chegou ao ponto de um personagem falar algo banal, como "oi", e entrar a música arrasa-quarteirão. Esse pessoal deveria assistir a Os Pássaros, de Hitchcock, para aprender como se cria clima e suspense sem um pio. A trilha sonora de Impacto é de James Horner, responsável por Titanic. A culpa não é da música em si, mas do uso que fazem dela. É simplesmente ridículo.
O elenco também é de amargar. Há grandes atores como Morgan Freeman, na pior interpretação de sua carreira, Robert Duvall velhinho e decadente, Vanessa Redgrave desesperadamente precisando de dinheiro - estão todos lá. Mas hors-concours mesmo é Téa Leoni, esposa do astro de Arquivo X David Duchovny na vida real. Stallone finalmente teria um par à altura, alguém que poderia contracenar com ele sem lhe roubar cenas. Téa é 100% inexpressiva e também parece sofrer de paralisia facial.
Uhm, é ela a protagonista; um show à parte. E ela é uma das pré-selecionadas para perpetuar a espécie!
Entre outros momentos memoráveis, há o encontro do casal de adolescentes no meio do trânsito caótico. O filme é tão moralista e infantil que o único par romântico é composto por dois púberes que até se casam no papel. Apesar de não pensarem em sexo, ganham um bebê no melhor estilo "toma que o filho seu". É para reforçar a idéia de família, de que casal sem filhos não pode ser uma família. Tal qual o mundinho Disney, onde Mickey e Donald não têm filhos, mas sobrinhos, o casal aqui consegue um bebê sem precis
ar passar pelo desgastante processo de reprodução.
Quando os astronautas lacrimejantes, logo antes de salvarem o planeta, começam a se despedir de suas famílias, tudo que consegui pensar foi "meu Deus, quantos astronautas são?". Sim, porque a meia dúzia diz adeus um por um. A esposa de um dos heróis invade a sala de controle com o bebê no colo, se joga na frente da câmera e diz: "Filhinho, mostra seu foguetinho pro papai". Juro que não estou inventando. É uma cena antológica: o maior símbolo fálico do filme faltando apenas alguns segundos para a aniquilação total da Terra.![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgt-ZjCENU0FljiMkMIhF__pJ9w8023_1zgR8X7_cV5VnrRfbz1c3IF-Yag4TNij3AiEP9VsoSZSvHfEqPmFmD6dw-JiT0YSe0qhyWFhmlcXzdAGBFcMpQ6aUzN8WuLgseG7g3JGp4qABWq/s200/1+deep+impa.JPG)
E é aqui que me senti especialmente lesada: a gente agüenta esta bomba toda pra ver somente a colisão de um meteoro (o menorzinho)? O tal do impacto profundo destrói só algumas cidades, e só por causa de umas ondas do mar. Definitivamente não vale o preço do ingresso ver a estátua da liberdade decepada ou a Casa Branca destruída (de novo? Eles economizam na maquete?). Impacto Profundo não tem nada de profundo, nem de impacto. Mas a verdade é que dá novo sentido à expressão "cinema catástrofe": um filme tão ruim que nada se salva.