segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

GUEST POST: O BINGO DO OSCAR

Aposto que American Sniper não passa no Bechdel...

Mauro, aluno de Psicologia da UFC, me enviou esse texto sobre as limitações dos filmes que concorrem ao Oscar (falando nisso, a cerimônia é domingo! Já fez suas apostas?).

Desde o ano passado, tento assistir ao máximo de filmes que concorrem ao Oscar, 1) porque sei que não vou poder fazer isso por muito tempo, e 2) para ter uma ideia dos filmes que, de uma forma ou de outra, influenciam a indústria cinematográfica como um todo. Isso não é tanto mérito dos filmes quanto da Academia, porque alguns são bem medíocres -- estou olhando para você, cota de propaganda militar americana. 
Foxcatcher tem uma mulher no filme
com talvez cinco falas
Este ano ainda não terminei a lista de filmes (ainda faltam dez das categorias que entram no bolão, por exemplo), mas percebi um padrão que, mesmo já sendo comum, faz os indicados serem quase monotemáticos: a relação atribulada entre um filho angustiado e um pai ausente (ou figuras paternas). Às vezes o protagonista é o pai, às vezes o filho. Podemos contar American Sniper, Grande Hotel Budapeste, Whiplash, Foxcatcher, O Juiz, Operação Big Hero... Todos eles concorrendo a grandes categorias, e muitas vezes bem pontuados.
Não cabe a mim dizer se um filme é construído sobre um tema interessante ou não, porque acredito piamente que uma obra de arte é reflexo do artista que a criou. Mas, sendo a indústria de filmes regulada pela vendabilidade de seus filmes, e considerando que seus profissionais são predominantemente homens brancos, é bem sintomático de Hollywood que tais filmes tenham recebido tanta atenção em uma só premiação. Onde fica a diversidade, onde fica a voz de outras pessoas?
Das narrativas que acessamos na cultura pop, e que ganham destaque, a maioria é masculina, hétero e branca. Isso pode ser visto ainda nesse Oscar. Além de só haver indicação para atores e atrizes brancas, ao montar minha tabela de filmes da premiação percebi algo que me incomodou bastante: 
Selma, apenas duas indicações
dos oito filmes que concorrem a Melhor Filme, só um possui uma indicação a Melhor Atriz, e três para Melhor Atriz Coadjuvante, enquanto que só dois não indicam nenhum ator; a maioria dos filmes das categorias de atriz, à exceção dos que estão na categoria de Melhor Filme, são indicados apenas para essas categorias ou, no máximo, figurino e design, enquanto que no caso dos atores, isso só acontece com um. 
Dito de outra forma: os filmes com papéis femininos importantes, por mais que ofereçam uma pluralidade refrescante de histórias e personagens, não recebem tanta visibilidade.
Assim, quando já estava cansado de assistir filmes com a mesma temática -- ou seria melhor dizer, o mesmo filme contado de outra forma? -- resolvi fazer um bingo com todos os clichês de filmes protagonizados por um homem cis branco hétero angustiado. 
Pus em prática quando comecei um dos últimos dessa leva, e não precisei pensar muito para lembrar quais eram, pois me bastava reconhecê-los à medida que iam acontecendo. O filme foi O Juiz e, embora não considere isso spoilers, deixo o aviso: o parágrafo a seguir contém “spoilers”. 
O protagonista age buscando reconhecimento de uma figura paterna? Check. As relações mais detalhadas e complexas ocorrem entre homens (pai-filho, irmãos)? Check. Falha no Teste de Bechdel? Na segunda regra (a regra em que mulheres conversam entre si), check. Todas as mulheres nomeadas são interesses românticos do protagonista? Esticando muito pouco a baladeira (embora uma das personagens femininas seja a filha dele, em determinado momento ela é equacionada à sua sobrinha, mostrando que em alguns anos, se ele não a reconhecesse, por que não?), check
A câmera faz male gaze nelas (cenas em que a câmera reproduz o olhar masculino, observando parcialmente o corpo da mulher, focando em partes do corpo)? Check. Há uma esposa troféu? Check. Uma mulher morre para engendrar o conflito do filme, sem ter qualquer outra função na história? Check. A completa falta de personagens não brancos? Além do adolescente negro classificado como maconheiro, check
Esses foram os que eu notei, mas se puderem, me ajudem a completar a lista. 
Para finalizar, aproveito o espaço para falar um pouco sobre o Teste de Bechdel. Por muito tempo me perguntei se era realmente de se esperar que todos os filmes passassem nele -- não porque não haja mulheres que conversem entre si sobre outras coisas além de homens (embora esse seja um fato chocante para muita gente), mas porque muitos filmes só têm, por exemplo, dois personagens relevantes. 
E, afinal, seria todo filme que passa no teste realmente positivo para a representação das mulheres na mídia? A resposta para ambas as perguntas acredito que seja não. Mas mais uma vez, é extremamente sintomático quão poucos filmes realmente passam nele -- mesmo aqueles filmes considerados femininos ou “chick flicks”, as comédias românticas, e que na verdade também são ditados por homens héteros brancos. 
Acredito portanto que passar no Teste de Bechdel não garante um bom filme, mas garante um mínimo de diversidade, que é aquele de, mesmo que por um minuto apenas, contar uma história que não gire ao redor de homens. E esse espaço definitivamente está em falta.

23 comentários:

Anônimo disse...

Série The Fall, tem duas temporadas, passa no teste Teste de Bechdel em 90% dos episódios (eu diria todos, mas como não tenho certeza vai o 90%). Protagonista declaradamente feminista. E atitudes feministas de outras protagonistas são observadas ao longo da série também.

Na primeira vez que eu vi duas mulheres conversando um assunto sério, que não era sobre homens, não sei nem explicar o que eu senti. Acho que de tão incomum eu fiquei um pouco incomodada - incomodada por saber que eu estava feliz vendo algo que deveria ser banal...

pp disse...

Lolinha, já fiz o depósito e te mandei o email. Ainda não tenho minha lista de apostas...

Fiquei curiosa pra saber se vc viu O Grande Hotel Budapeste e acabou gostando... ahahha

Anônimo disse...

OFF: http://oglobo.globo.com/brasil/marco-feliciano-diz-que-direitos-das-mulheres-atingem-familia-7889259

"... deputado critica as reivindicações do movimento feminista e afirma ser contra as suas lutas porque elas podem conduzir a uma sociedade predominantemente homossexual."

Ta serto

Anônimo disse...

the fall é bom, várias series britânicas estão acima da media dos eua, vale a pena investigar algumas do outro lado do atlantico

Julia disse...

Eu tinha começado a ver The Fall e parado porque não tenho muito interesse em ver séries em que existam serial killers misóginos, mas vou voltar a ver por causa das coisas maravilhosas que ando vendo sobra a personagem da Gillian Anderson.


http://lugardemulher.com.br/the-fall-a-serie-mais-feminista-no-ar-hoje/

http://www.buzzfeed.com/erinlarosa/moments-when-stella-gibson-was-a-total-badass#.gt0V4q0r2n

Anônimo disse...

Lola, este estúpido neo-nazista escreveu um artigo "demonizando" as pessoas obesas na história da arte. É possível responder algo para desmistificar o que ele falou? Afinal, as mulheres gordas não existiram sempre?
O link é esse; espirito1933.wordpress.com/2015/02/17/a-estetica-da-mulher-o-corpo/

Ta-chan disse...

Anônima 17 de fevereiro de 2015 06:07, se vc for ligar pra cada apanhado besta de palavras que vc vê na internet vai perder o juízo.

O moço do link que vc mandou é muito burro e não sabe que as mulheres que serviam de modelos nessas obras eram geralmente amantes de homens importantes e não tinham "afazeres duros".E outra naquela época tbm havia um padrão de beleza e ninguém pagava por um quadro que não estivesse de acordo com o ideal, pintura nenhuma reproduz fielmente a realidade, todas elas são retocadas.
Se ele não quer gostar de mulher gorda ou de mulher feia problema dele.Se ele quer ficar na internete reclamando anonimamente que estamos por ai vivendo e sendo felizes, foda-se.Melhor pra nos que ele fique triste e isolado no canto dele ;).

Anônimo disse...

Gente, vocês querem argumentar com neo nazista, sério? Ignorem.
Se não foi ele mesmo que postou o link aqui...

Raven Deschain disse...

Ainda acho incrível que a Lola não curta Tarantino. São histórias bobas? Ah sim, com certeza.

Mas ele simplesmente não coloca mulheres como lindas idiotas sem nenhuma serventia além de serem lindas.

E Oscar não é garantia de qualidade, neh? Kkkk

Raven Deschain disse...

Anon 0607, manda esse vídeo pra ele. Em várias fases da humanidade, mulheres gordas ou mais curvilíneas foram o ideal de beleza.

http://m.youtube.com/watch?v=Xrp0zJZu0a4

Copiado pelo celular, pra ver no desktop, apague o M ali do começo.

Anônimo disse...

The Fall é amor demais, gente, assistam! Stella Gibson é uma personagem e tanto, e não é só ela que é foda!

Thomas disse...

Foxcatcher é uma história real, baseada numa autobiografia de mesmo nome, escrita por um dos personagens principais do filme. É uma história sobre três homens.

Sério mesmo que você queria que forçassem uma personagem feminina que nunca existiu nessa história? Meu deus, Lola, assiste ao filme antes de falar bobagem pelo menos.

lola aronovich disse...

Putz, Raven, de onde vc tirou que eu não curto Tarantino? Adoro o Taranta! Não gostei de Django, mas amo Bastardos Inglórios, Pulp Fiction, Kill Bill, Jackie Brown, Cães de Aluguel...

lola aronovich disse...

Já vi Foxcatcher, Thomas. E a história "baseada em fatos reais" é totalmente fabricada. O verdadeiro relacionamento obsessivo que durou anos não foi entre John Du Pont e Mark, e sim entre John e Dave, o irmão mais velho. Leia as reações de Mark ao filme. Ele ficou indignado com as "liberdades" da trama (que incluiu um subtexto gay que, segundo ele, nunca ocorreu). O filme faz parecer que (SPOILERS SPOILERS SPOILERS) John mata Dave após alguns dias ou semanas após as olimpíadas, e, na realidade, foi quase 8 anos depois! Por isso o espectador fica confuso, se perguntando: WTF? Por que ele matou Dave?
Enfim, um filme que é tão diferente do que de fato aconteceu poderia, se quisesse, incluir personagens femininas. Poderia inclusive dar mais voz à mãe de John, que parece ser tão importante pras neuroses dele.
Óbvio que filmes sobre esportes raramente têm personagens femininas (no máximo, uma delas aparece pra ser namorada do protagonista e mostrar que ele é hétero). A crítica não é a um filme específico, e sim ao sistema. Por que, por exemplo, há tão poucos filmes sobre esportistas mulheres?

Thomas disse...

Nas as entrevistas que vi com o Mark, ele elogiou muito o filme. E eu sei sobre as inconsistências da história, mas a base da história é a relação dos três homens. Esse é o motivo do filme existir, então exigir uma personagem feminina nesse contexto não faz o menor sentido. A mãe do DuPont foi uma coisa inventada pro filme também, foi colocada ali só pra dar uma razão pro DuPont ser tão escroto.

Eu não acho que dá pra exigir personagem feminina, personagem negro ou gay em todo e qualquer filme. Isso vai depender da história, sobre o que é essa história, o foco dela. Claro que eu concordo que minorias deveriam ter mais representatividade no cinema, mas o meu ponto é que não dá pra exigir isso em todos os filmes.

Quanto a filmes sobre mulheres esportistas (ou mulheres como heroínas protagonistas em geral)você tá certa.

Enfim. Sei nem porque tô discutindo Oscar aqui, os únicos filmes que prestaram foram Foxcatcher e Whiplash. Tentei ver Boyhood, sou fã do Linklater, mas abrir um filme de 3 horas com Coldplay foi forçar a amizade. American Sniper além de ser chato me ofendeu como pessoa. Filminho-novela-motivador-edificante sobre Stephen Hawking: não, obrigado. Vou ver o Selma e o resto não me interessa.

2014 foi um ótimo ano pro cinema, mas esse Oscar... tá horrível.

Anônimo disse...

A minha opinião sobre a nova safra de filmes é positiva no que toca a fotografia. Os equipamentos estãos mais leves e hoje filmam com drones. A imagem está ficando cada vez mais cativante. O Grande Hotel Budapeste e A 100 passos de um Sonho são filmes que cativam pela bela imagem. Birdmand tem uma dinâmica muito especial com sua câmera frenética fazendo longas viagens. A escola de bela imagens de Martin Scorsese tem cada vez mais ótimos alunos. Parabéns indústria cinematográfica.

Lola a sua frase "porque sei que não vou poder fazer isso por muito tempo" me chocou. Espero não estar viva quando chegar esse dia em que a ditadura bolivariana implantar a censura de filmes. Felizmente o caminho da censura do cinema tem que passar primeiro pela censura da imprensa. Apesar de todos os esforços políticos a reação da sociedade ainda é grande e mantém esse fantasma bem distante de nosso país. Bem, nem tão distante, do outro lado de nossas fronteiras isso já existe.

Mary Janne disse...

Lola, vc viu isso? e depois falam nao existe cultura do estupro...é a cultura da oportunidade entao? coitada... http://noticias.r7.com/sao-paulo/fotos/apos-fugir-de-casa-adolescente-de-13-anos-e-estuprada-por-15-homens-em-osasco-17022015#!/foto/1

Mary Janne disse...

Lola, alguns links que falam sobre essa questão das mulheres em filmes:

http://www.nytimes.com/aponline/2015/02/15/us/ap-us-oscars-black-female-filmmakers.html?_r=2

http://variety.com/2015/film/news/women-lead-roles-in-movies-study-hunger-games-gone-girl-1201429016/

Raven Deschain disse...

Capaz, Lola?! Sonhei que li em algum lugar que vc não goztava dele, então. Jackie Brown *-*!

Raven Deschain disse...

Concordo com o Thomas. Tentei ver Boyhood e noooooossa, chessus, que filme terrivelmente chato. Caramba, um filme sobre a vida. Prefiro viver, pow.

lola aronovich disse...

Raven, amo Tarantino. Deve ser o cineasta mais resenhado por aqui. Tem 3 posts sobre Bastardos Inglórios, mais outros 3 sobre Kill Bill 1. E tem sobre Jackie Brown, é só procurar nas letrinhas ao lado, tem tudo lá. Preciso escrever sobre Pulp Fiction ainda.
Eu gostei de Boyhood, mas achei longo. Chega uma hora que não termina nunca, aí fiquei impaciente. Achei a ideia do filme mais interessante que a realização em si.

Raven Deschain disse...

Caramba, vou procurar mesmo. Aloka devo ter passado direto pelos posts.

donadio disse...

"... deputado [Marco Feliciano] critica as reivindicações do movimento feminista e afirma ser contra as suas lutas porque elas podem conduzir a uma sociedade predominantemente homossexual."

Então o deputado Marco Feliciano acredita que a heterossexualidade é uma construção social? Que se o Estado não proteger a heterossexualidade, ela pode acabar?

O que aconteceu com "Deus nos criou desse jeito"...?