quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

A LITERATURA COMO ÁLIBI DA PEDOFILIA

Suely Lima é brasileira e vive na França desde 2016. É bacharel em Relações Internacionais e mestre em Sociedade e Fronteiras. 
Ela me enviou este texto sobre um livro que foi lançado na França no final do ano passado e que está causando grande polêmica, pois é de uma moça que, aos 14 anos, se "relacionou amorosamente" com um escritor de 50, Gabriel Matzneff. Hoje esse autor, que está com 83 anos, está sendo visto como pedófilo, mas, na época, intelectuais discutiam se adultos "transarem" com menores de idade podia ser uma forma de libertação sexual. 
Por incrível que pareça, Matzneff não escrevia sobre fazer sexo com crianças de 12 a 16 anos -- que ele descrevia como "uma experiência sagrada" -- num diário secreto a sete chaves. Ele publicava livros sobre isso. Em outros países, ele seria preso. Na França, ele era festejado. Participava de programas de TV como convidado, recebia prêmios literários. Essa farra acabou agora, com a publicação de O Consentimento (ainda sem previsão de lançamento em português), de Vanessa Springora.
Suely escreve sobre este tema espinhoso.

"Aos quatorze anos, não se deveria ter um homem de cinquenta anos te aguardando na saída de seu colégio, não se deveria morar num hotel com este homem, nem se encontrar na sua cama, seu pênis na sua boca na hora do lanche. De tudo isso eu tenho consciência, apesar de meus quatorze anos, eu não sou completamente desprovida de senso comum. Dessa anormalidade, eu fiz de alguma forma minha nova identidade. Inversamente, quando ninguém se surpreende com a minha situação, eu tenho a intuição de que o mundo ao meu redor não vai bem."
No livro O Consentimento, Vanessa Springora narra sua história na primeira pessoa, a história de uma vítima de um célebre pedófilo francês. Vanessa Springora (V.) nasceu em 1972. Gabriel Matzneff (G.), em 1936. Há uma diferença de 36 anos entre eles. Quando se encontraram pela primeira vez, V. tinha 13 anos, G., quase 50. Na época, a maioridade sexual na França era de 15 anos de idade. Contudo, o “consentimento” “parecia” não ter idade. Essa foi a defesa de célebres pedófilos que contaram com o apoio de parte da elite intelectual, artística e literária francesa. A relativização do "consentimento": 
"E, de fato, como admitir ter sido abusada, quando não se pode negar ter sido consentido? Quando, no caso em questão, sentiu-se desejo pelo adulto, que apressou-se em tirar proveito disso? Durante anos, eu também recusei essa noção de vítima, incapaz de me reconhecer como tal” (p. 163). 
Capa de um dos livros
publicados por Matzneff
Em 1986, V. acompanha sua mãe num jantar literário onde ela encontrará o célebre escritor G. pela primeira vez. Durante todo o jantar, V. recebe olhares insistentes de G., que dias depois passa a escrever para ela cartas “românticas” e a provocar encontros “imprevistos”, “casuais”. Após seguidas insistências de G., V., que acabara de completar 14 anos, aceita encontrá-lo. V. pensou que beberiam um café numa ‘Brasserie’, mas G. diz ter preparado algo para ela em seu estúdio, próximo ao Jardin de Luxembourg. V. visita o estúdio de G. pela primeira vez, onde trocam beijos e carícias. No segundo encontro, G. a sodomiza. Esse é o início de uma “relação” entre um homem de 50 anos e uma menina de 14 anos, “relação” que durará 2 anos.
Filha de uma editora, V. é amante da literatura. G. a proíbe de ler alguns de seus livros e seus Cadernos Negros. Proibição que V. obedece até o momento em que ela se encontra vivendo com G. num hotel em Paris, depressiva, sem amigos, distante da família, morando com um homem que é mais velho que seu pai. V. passa a questionar o mal estar de sua “relação” com G., sem conseguir nomear tal mal estar. A leitura dos livros e cadernos proibidos é a gota d’água da “relação”. 
Pelos escritos de G., V. toma consciência tratar-se de um pedófilo, de um predador sexual que caça e abusa de menores de idade, e depois registra os atos em livros e em seus cadernos publicados. Após o rompimento, G. também publica detalhes e fotos de sua “relação” com V., como sempre fez com suas vítimas. Um pedófilo assumido, público e militante.
De lá pra cá, a vida de V. é marcada por esse trauma. Com a ajuda da psicanálise, V. finalmente se reconhece como vítima. Em 2013, ao tomar conhecimento que G. acabou de receber um dos mais importantes prêmios literários da França, V. decide escrever o romance O Consentimento. O livro é um ‘récit’, a narrativa da vítima escrita de maneira mais objetiva possível, uma chamada para a razão. Dividido em cinco partes, ela narra sua infância (L’enfant); explicita suas vulnerabilidades que, reunidas, colocam-na na condição de presa perfeita (La proie); tece sobre a dominação e anulação de V. por G. (L’emprise). Chega-se então no ‘livramento’ (La déprise), quando V. abandona G. e tenta seguir sua vida. Na quinta parte do livro (L’impreinte), V. trata das marcas deixadas por esse abuso e das dificuldades na sua trajetória. Por último, V. tece sobre sua vida adulta e as razões que a levaram a escrever este livro (Écrire):
"Por tantos anos, eu giro em círculos na minha jaula, meus sonhos são povoados de assassinato e vingança. Até o dia em que a solução finalmente se apresenta, ali, diante dos meus olhos, tão óbvio: pegue o caçador por sua própria armadilha, tranque-o em um livro" (p. 10).
Hoje V. é editora na editora Grasset (uma das quais, no passado, publicou “romances” de G.), é casada e tem um filho. Com a escrita e publicação deste livro, Vanessa Springora faz um belo serviço à sociedade e às vítimas de pedófilos e predadores sexuais.
Para alguns, a vida em Paris pós-1968 é marcada pelo mantra “é proibido proibir”. Demandas por mais liberdades e narrativas “contra a ordem” impactam diversos setores, sendo a literatura um deles. Entre as personalidades na cena literária parisiense, Gabriel Matzneff, conhecido predador de meninos e meninas menores de 15 anos de idade, publica livros e cadernos de sua vida pessoal em detalhes e fotografias, sendo a totalidade desses relatos intitulada Carnets Noirs (Cadernos Negros).
Matzneff escreve desde 1953 até o presente. Entre livros e "cadernos negros", detalha suas relações sexuais com menores de 16 anos como se fossem “romances”, “aventuras amorosas”, “relações sexuais consentidas”. Um de seus livros recebe o nome Les Moins de Seize Ans (Os Menores de Dezesseis Anos), publicado em 1974. Neste livro, assim como em seus cadernos (disponíveis em uma página na internet até o lançamento do livro de Vanessa Springora, quando o referido site pessoal “saiu do ar”), ele detalha suas “experiências sexuais” em Manila (Filipinas) com meninos “prostitutos” entre 11 e 12 anos, adjetivando-os de “apimentados”.
Apesar de conhecido pedófilo e militante em favor da pedofilia, Matzneff é uma celebridade na cena literária, artística e intelectual parisiense. Em 1977, escreveu uma carta aberta em favor da descriminalização de relações sexuais entre menores e adultos. A carta, intitulada "À propos d’un procès" ("Sobre um julgamento"), era contra o encarceramento de três homens acusados de manterem relações sexuais (com registros fotográficos) com menores de treze e quatorze anos de idade. 
Essa petição foi publicada pelo jornal Le Monde no dia 26 de janeiro de 1977, e em seguida pelo jornal Libération, e contou com 69 assinaturas de intelectuais, psicanalistas e filósofos franceses, majoritariamente de esquerda, entre os mais conhecidos Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Roland Barthes, Gilles e Fanny Deleuze, Louis Aragon, André Glucksmann, Francis Ponge, Philippe Sollers, Jack Lang, Bernard Kouchner, François Châtelet, Félix Guattari, Patrice Chéreau, Daniel Guérin, Guy Hocquenghem, etc. [Nota da Lola: durante os anos 70, a extrema-direita também defendia pedofilia, mas como uma ferramenta de dominação e controle dos adultos sobre crianças, como meio de educação inspirada na Grécia Antiga]. 
No dia 23 de maio de 1977, o jornal Le Monde publicou outra petição, uma demanda para a descriminalização de relações sexuais entre adultos e menores de quinze anos: ‘Un appel pour la révision du code penal à propos dês relations mineurs-adultes’ (‘Uma demanda para a revisão do código penal que trata das relações entre menores e adultos’). Entre os 80 signatários estavam, além Gabriel Matzneff e os citados acima, Louis Althusser, Michel Foucault, Jacques Derrida, Françoise Dolto, Pierre Simon, Philippe Sollers, Alain Robbe-Grillet, Alain Cuny, etc.
Na data de 4 de abril de 1978, o canal de TV France Culture levou ao ar o ‘Dialogues’ (Diálogos), programa gravado em 1977 com Michel Foucault, Guy Hocquenghen e Jean Danet, no qual passam 1 hora e 11 minutos relativizando relações sexuais entre adultos e menores de idade, “argumentando” que pedófilos têm sido equivocadamente encarcerados por relações sexuais “consentidas”, além de fazerem uma enorme confusão entre ‘pedofilia’ e ‘homossexualidade’. Encabeçando esse “movimento” pró-pedofilia, o jornal Libération publicou até mesmo anúncios de adultos de 25, 27, 35 e 40 anos, à procura de “jovens” de 12 a 20 anos para “passarem um final de semana juntos”.
Conforme exposto por Cécile de Kervasdoué e Fiona Moghaddam em artigo publicado no dia 3 de janeiro de 2020 no site ‘France Culture’ sob o título ‘Quand dês intellectuels français défendaient la pédophilie’ (‘Quando os intelectuais franceses defendiam a pedofilia’), o caso de Gabriel Matzneff não foi um caso isolado. Assim como Matzneff, diversas pessoas públicas não somente explicitavam suas “preferências” e “experiências” com menores de idade em emissões e escritos públicos, como militavam em favor da pedofilia. Dentre eles, alguns receberam prêmios por seus trabalhos, sendo o último prêmio literário recebido por Matzneff o ‘Théophraste Renaudot’, em 2013.
A tolerância, o silêncio, a ausência do contraditório, a falta de oposição, a normalização, a naturalização, a complacência e a aceitação, tornaram esses fatos ainda mais chocantes. No dia 2 de março de 1990, a escritora canadense Denise Bombardier e Gabriel Matzneff estavam entre os convidados da emissão televisiva literária francesa ‘Apostrophes’ (canal ‘Antenne 2’, hoje ‘France 2’). 
Todos riam, sorriam e faziam “piadinhas” enquanto Matzneff ostentava suas relações “amorosas” com menores de idade e destilava seu machismo contra mulheres com mais idade. Denise Bombardier foi a única a manifestar sua indignação e enjoo em relação ao pedófilo (a partir de 1:35 aqui ou a partir de 13:50 aqui). Ela afirmou que a literatura não podia servir como álibi para a pedofilia.
Frente a frente com Matzneff, Bombardier diz acreditar viver num outro planeta. Aponta que no fim do século XX defendemos o direito, dignidade e integridade das pessoas, sendo o direito das crianças uma das coisas defendidas, ao mesmo tempo em que crianças e adolescentes são protegidos. Ela qualifica Matzneff como lamentável, chama a atenção para os traumas que essas meninas abusadas por ele carregam para o resto da vida, diz não compreender como seus livros são publicados, pois além de chatos e repetitivos, detalham como Matzneff sodomiza meninas de 14 e 15 anos. 
Questiona a cumplicidade das pessoas do meio literário francês, e pergunta como é possível aceitar esses abusos de poder contra as crianças e jovens e ao mesmo tempo denunciar outras violações de direitos. Indignada, pontua que se Matzneff fosse um trabalhador anônimo de uma empresa, ele já estaria acertando suas contas com a justiça da França.
Após o lançamento do livro de Vanessa Springora, Denise Bombardier concedeu algumas entrevistas, nas quais testemunha que não conseguiria se olhar no espelho se não tivesse feito tal intervenção. Sobre esse episódio, Springora menciona que Bombardier foi a única pessoa a intervir publicamente contra o pedófilo, e conclui que, infelizmente, o escritor, como sempre, ganhou a partida: "Fim de jogo. O célebre escritor venceu a mulher desagradável e agressiva, que passou por ‘mal amada’, invejosa da felicidade de meninas muito mais desabrochadas que ela” (p. 110).
Habituado com a impunidade, Gabriel Matzneff foi finalmente intimado a comparecer perante o Tribunal Penal de Paris por conta de uma denúncia feita por uma associação contra a pedofilia (‘L’association L’Ange’) no mês de dezembro de 2019. No dia seguinte à publicação do livro de Springora, um procurador anunciou uma investigação para tentar encontrar outras vítimas do pedófilo. Até aqui, a única pessoa ouvida pela mídia era o algoz. O livro de Vanessa Springora veio romper com essa ausência de fala das vítimas. Mulher das letras, Springora questiona: “não há limite para a literatura?”
O livro tem chacoalhado a mídia francesa e a sociedade. Publicação de mea culpa atrás de mea culpa. E, evidentemente, subterfúgios atrás de subterfúgios. Alguns argumentam que não se pode confundir "pedofilia", termo que significaria “amor pelas crianças”, com "pedocriminalogia", termo que significa pedofilia. Outros argumentam que “é culpa da época”.
Para terminar, compartilho três entrevistas concedidas por Vanessa Springora após a publicação de seu livro: aqui, aqui, e aqui (todas em francês, sem legendas).

9 comentários:

Anônimo disse...

https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2020/01/22/governo-de-minas-investiga-caso-de-coronavirus-em-belo-horizonte.ghtml

Vai ser uma delícia. O caos absoluto, eu vou te matar e ninguém vai ligar, vão estar todos preocupados em salvar a própria vida, hehehehe :3

Anônimo disse...

Caetano Veloso...

Anônimo disse...

Cara, já que mandar se tratar não funciona, se mata você. Que vida mais vazia ter como único objetivo ameaçar e aterrorizar pessoas pela internet. O que é que te prende aqui nesse blog? As pessoas que aqui comentam não gostam de você, não corroboram com a sua visão de mundo (que é muitíssimo restrita devido à alienação causada pelo seu transtorno) e sequer acham suas ameaças uma “brincadeirinha engraçada”. Isso é doença e eu sei por experiência própria, pois também já surtei e usei a internet como bengala psicológica. Acabe com esse sofrimento se não quer se tratar, mate-se.

Anônimo disse...

18:02, ore bastante, reflita e veja se vale a pena... vc tem valor pra Deus e existem muitas pessoas que gostam de vc, acredito nisso. Tem coisas que não compensa, por mais que vc julgue ser uma boa alternativa. Olhe para seu coração e procure concretizar o que faz vc se sentir bem consigo mesmo. Muita paz. Deus é grande!

Anônimo disse...

Mata nada, ô imbecil!
Vc não mata nem sua fome. Recolha-se à sua insignificância. Só acredito que vc mata (ui!), no dia em que vc efetivamente matar e estiver no noticiário anunciando que vc cometeu o crime. Até isso acontecer (nunca), vc só estará fazendo papel de palhaço, como agora. Palhaço! Mata que eu quero ver! Vai! Vc não é homem?

Anônimo disse...

Não há nenhuma dúvida de que este escritor é um criminoso, mesmo que as vítimas fossem adultas! Ele nunca manteve namoro com nenhuma delas, o objetivo era apenas sexo mediante fraude ou assédio!!
A idade de consentimento varia muito de acordo com cada país. Aqui no Brasil é de 14 anos e não é raro adolescentes casados com pessoas bem mais velhas.Não há nada de ilegal nisto, pois está de acordo com a lei do país. Nos Estados Unidos é de 18 anos mas para consumo de bebidas alcoólicas é 21 anos. Já para dirigir veículos automotores varia de 14 a 16 anos(com supervisão de adulto)! Há portanto grande variação nas idades de permissão para os diversos atos da vida civil, de acordo com a cultura de cada país.

Anônimo disse...

Complicado

Mais complicado ainda é o fato de q a maioria das personalidades q defenderam isso aí abertamente e com grande destaque foi o pessoal da esquerda intelectual e cultural, inclusive a famosa feminista Simone de Beauvoir

O esqueleto no armário da galera social-progressista

Anônimo disse...


Oi Lola te admiro muito sou sua admiradora e adoro o seu blog. Sinto nojo de adultos que se relacionam com adolescentes.

Vc esta acompanhando o BBB tem jogador de futebol que ja foi acusado de agredir a esposa estou enojada como estas coisas acabam ignoradas

Anônimo disse...

Vom..mas isto também não é nada novo...já é sabido há bastante tempo.