quinta-feira, 23 de junho de 2016

GUEST POST: VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA TAMBÉM MACHUCA MUITO

A P. me enviou este relato:

Homem de verdade não bate em mulher, aprendi isso desde pequena. Criada em uma família matriarcal, nunca fui submissa ao machismo. Sempre estudei, trabalhei e com o tempo conheci melhor o feminismo. Sempre militei na internet. E nunca me vi vítima de uma agressão no relacionamento. Bom, era o que eu achava.
Na minha cabeça, sofrer violência estava relacionado a apanhar. Entretanto, conforme dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), uma em cada três mulheres é vítima de violência no mundo. Só que não é apenas a violência física e sexual, mas também a moral e psicológica.
De tão subjetiva e enraizada em nossa cultura ela passa despercebida. Segundo definição da OMS, violência psicológica é “Qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.”
Aí que entra a minha história. Vivi um relacionamento abusivo durante sete anos. Sim, sete longos anos, sem perceber. Por anos ele fez o que quis comigo e eu me sujeitava as suas imposições. No início ele era romântico e cavalheiro, nada mais do que um artifício para me manipular. Nunca respeitou meu tempo (quando o conheci ainda era virgem) e, sob o viés do romantismo e do amor, forçou a barra e eu cedi. Sob o viés do romantismo ele era manipulador, controlador, ciumento e obsessivo. 
Depois de um tempo ele se cansou e começou a ser frio e calculista. Sempre falava que a culpa de nossos problemas era minha, que eu não podia fazer nada (na época, por ser muito religiosa, eu não saía e tinha algumas restrições). Assim, ele fazia o que queria, saía com amigos, mulheres, baladas, bebidas. 
Fora que em vários momentos ele me ridicularizava diante dos poucos amigos que ele me apresentou, vários nem sabiam que namorávamos, falava que eu não era tão inteligente quanto ele, que eu era chata. Comparava-me com outras mulheres, dizia claramente quantas ele pegou. E mesmo assim eu estava cega, eu achava que estava errada, o tempo todo me culpava. Enfrentei minha família, larguei a religião, comecei a fazer terapia. Agora, pensei, podemos viver felizes, mas não foi assim. As humilhações, as comparações, as desculpas sempre continuaram.
Com o tempo ele criou outra desculpa: o trabalho. Sempre trabalhava, nunca tinha tempo, não podíamos viajar, sair e nos divertir. O que antes ele fazia com frequência, agora não podia. Mas ele saía, só que escondido de mim, e mesmo assim, eu continuava presa nesse relacionamento. Já estava sufocando, mas eu não tinha forças de sair. 
A baixa autoestima deixa a gente inerte, as palavras mal ditas deixam a gente sem chão. Eu sentia que, se ele não existisse, o meu mundo acabaria. E era isso que ele falava. As coisas começaram a piorar à medida que a terapia começava a fazer efeito e eu não aceitava mais suas imposições.
E eu, como qualquer vítima de agressão psicológica, estava sem forças. Por vezes tive vontade de entrar em um táxi e ir embora para casa, mas logo pensava: o que vou falar pra minha família? Várias vezes ele falava que isso era coisa da minha cabeça, que eu exagerava demais. Tudo meu era demais. E eu, como um bichinho acuado, ficava ali, naquela cama fria a noite toda sonhando para que no outro dia fosse diferente. O pior de tudo era ver que sua família compactuava com suas atitudes e a minha não sabia de nada.
A última tentativa de agressão foi quando ele terminou comigo. Acredito que ele queria me ver sofrer, mas por ironia do destino, me ver sem esses grilhões foi libertador. Com a ajuda da minha terapeuta e da minha irmã, à qual eu finalmente me abri, estou me livrando de um monstro que alimentei durante anos. 
Tem um texto que diz o seguinte:
“Quantas vezes ele me disse que ia dormir, que tinha um jantar com um cliente, que não ouviu o telefone, mas na verdade estava com outra? Quantas vezes ele ignorou minhas ligações e no dia seguinte disse que nada tinha acontecido? Era sadismo. Eu via como ele gostava desse poder. (...) Como eu poderia explicar que achava que a culpa era em parte minha, apesar de sentir vergonha de ouvir aqueles chavões saindo da minha boca. Ninguém realmente entendia. Ninguém o conhecia como eu. Minha função era protegê-lo da verdade do que ele fazia comigo. Não poderia deixar que achassem que ele era um monstro. Não contaria para ninguém. Estava totalmente sozinha. Mas ele nunca me bateu. Quando tudo terminou, não tive direito a luto. Ninguém era capaz de entender como amor, ódio, medo e conforto podiam coexistir. Não entendiam que, além de abusar de mim, ele era meu confidente, a pessoa para quem eu cozinhava, a pessoa que passava o domingo chuvoso assistindo TV comigo, a pessoa que ria comigo, a pessoa que me conhecia. (...)”.
Quem pode entender um comportamento desses, que vai do carinho à dor numa velocidade absurda?
As consequências desses anos que ficaram são grandes. Sofro com transtornos alimentares e de disfunção corporal, baixa autoestima, comportamento sexual inseguro, bem como medo de me relacionar de novo. 
Eu não sei quando vou me recuperar, sei que com a ajuda do feminismo, da minha terapeuta, da minha irmã e de alguns amigos irei conseguir. Cabe ressaltar que, assim como eu, milhares de mulheres são enganadas diariamente por seus companheiros, que as fazem acreditar que não são ninguém.
Nós somos muitas, nós juntas somos fortes e podemos vencer sim. Agradeço a todas as companheiras feministas que lutam diariamente e nos fazem entender que não estamos sozinhas.

46 comentários:

Biana disse...

Off topic - gente, cês já ouviram falar da gulaab gang? Trata-se de um grupo de mulheres de delhi que andam juntas com pedaços de pau para se protegerem de estupradores, já que as autoridades de lá não dão a minima pra isso. Tem filme e documentarios sobre elas. Estava vendo um da vice agora mesmo (nao sei se tem em ptbr).

Anônimo disse...

Que definição mais idiota de violência psicológica essa... É tão ampla que dá para acusar qualquer pessoa disso.

Anônimo disse...

O que diabos é "micro-machismo"?

Anônimo disse...

Também vivenciei um relacionamento abusivo tal como o seu, durante seis anos.

O conheci aos 18, era meu colega de faculdade, passamos juntos o curso de direito todo.
Eu nunca tinha namorado, era virgem e inocente de tudo, tinha acabado de sair do ensino médio, nunca tinha sequer bebido, saído a noite. Ele estava na segunda faculdade, morava sozinho, era todo descolado.

Acho que uma combinação de fatores me fizeram corresponder a ele. Era a primeira vez que reparava realmente que os caras se interessavam por mim, me achavam bonita, olhavam para o meu corpo. Meus amigos da escola me conheciam desde os 4 anos de idade e não nos enxergávamos assim. Além disso, estes meus amigos da vida toda se mudaram da minha cidade de uma vez e me vi muito sozinha.

Enfim. Hoje, 9 anos depois, aos 27, me pergunto por que?! não sei a resposta.
Ele forçou a barra em relação ao sexo o tempo todo, me pediu em namoro pra me comer. Claro que eu não sabia disso na época, achei que ele realmente gostasse de mim, mas hoje sei que não. Ele queria era falar que pegava a caloura gatinha, loirinha, virgem.

Nunca gozei com ele, a minha primeira vez foi horrível e eu choro sempre que lembro. Eu quis realmente aquilo? Sim, ele me pressionou psicologicamente de várias formas. Criou situações. Eu poderia ter sido mais impositiva, poderia não ter querido agradar ele. Assim que ele terminou o que estava fazendo, sem pensar em mim sequer um minuto, disse em tom de brincadeira que poderíamos terminar nosso namoro. Cheguei em casa assustada e depois chorei. Eu não disse que sim, mas também não disse que não. Isso é um consentimento? resolvi acreditar que era e encerrei o assunto. Eu estava psicologicamente dependente dele a essa altura e morria de medo de ele terminar comigo e, embora eu não gostasse realmente de sexo, eu fazia. Sim, é triste. Eu estou chorando aqui porque nunca contei isso pra ngm.

Eu era a namorada perfeita para ele apresentar pra família, todos me adoravam "como ela é linda, inteligente, meiga". os anos foram se passando, ele implicava com minhas roupas, com meus amigos, acabei me isolando até da minha família, embora ainda morasse com meus pais.

Ele me traía. Muito. Hoje sei, na época não. Traiu com uma "amiga" minha e com muitas e muitas outras. Eu era só pra ser exibida por ele, por ser namorável, por ficar legal numa foto no facebook.

Eu estava conformada com muita coisa depois de quase seis anos de namoro. Que talvez sexo realmente n fosse tudo isso que as pessoas falavam, e que era ok conviver com isso. Que homens são assim mesmo. Que pelo menos ele era um cara estudioso.

Um dia recebi uma mensagem no facebook de um desconhecido, me provando que meu namorado me traía com a então namorada dele. Não era a primeira vez que ele me traía assim, mas eu já tinha perdoado e acreditei que ele tinha se redimido. meu chão sumiu, chorei de desidratar uma noite toda.

De manhã engoli o choro, esperei ele voltar de viagem, deixei o carro dele que tava comigo na garagem e apenas terminei o namoro. Ele discordou, nao aceitou. Implorou por um tempo apenas e eu cedi. Eu estava perdida. Fui salva por amigos que me propuseram uma semana de balada intensa, aceitei. Me diverti como nunca, tinha acabado de tomar posse no meu primeiro concurso, aos 22 anos. Quando ele voltou para me pressionar a voltar, já tinha visto que a vida poderia ser muito mais legal sem ele e disse não com a maior certeza que já tive na vida.

Alícia (continua)

Anônimo disse...

continuação

Fiquei solteira por um ano. Não fiz sexo nesse tempo, nao sentia falta do que não conhecia, conheci muita gente legal, aprendi a beber e fiz amigos maravilhosos.
Hoje namoro há quase um ano um amigo que também conheci na faculdade. É legal namorar um amigo, me sinto respeitada, sinto confiança, aprendi a gostar de sexo, digo que a minha primeira vez na verdade foi com ele, porque por seis anos fui usada, nada mais.

Minha vida é totalmente diferente agora. Espero que a sua seja um dia também, porque sei o que você passou, e sei que isso dói tanto quanto um relacionamento que envolve violencia física.
Jurei pra mim mesma que se um dia tiver uma filha, ela nunca vai passar por isso. Quero que minha filha tenha uma história bonita sobre a primeira vez dela. Isso tudo me faz tão mal que eu sequer consigo desejar felicidade pra ele sabe?

Alícia

Anônimo disse...

(Viviane)
Ah, P., uma coisa que você apontou merece destaque: família e amigos. Uma das maiores dificuldades de sair de um relacionamento abusivo é o medo do julgamento. Julgamento esse reflexo de uma sociedade machista que nos culpa pelo mau caráter alheio, pois, afinal, nós "escolhemos".
Será? Alguém que ouve, desde criança, que é feia, desengonçada e nunca vai arrumar um marido (como se isso fosse objetivo central de nossas vidas) tem mesmo condições de não aceitar ser maltratada?
Nessas horas a sensação de solidão é imensa. Raras são as famílias que conseguem acolher as mulheres saindo de um relacionamento abusivo. Por isso, também, muitas não vêem saída...

Anônimo disse...

Bora desenhar para a pessoa entender... A definição te serviu? Procure um psicólogo e um psiquiatra. Pra anteontem.

Anônimo disse...

Bela definição de violência psicológica. Está embasada unicamente na interpretação subjetiva da vítima, e não na intenção do suposto agressor. Sua abrangência permite que qualquer opinião ou comportamento que desagradem a "vítima" sejam interpretados como uma agressão pessoal. Mas, realmente, não se pode esperar muito de uma cultura em que o maior motivo de orgulho, bem como o maior poder persuasivo, são conferidos a quem mais alega sofrimento.

Anônimo disse...

Infelizmente é o que mais acontece com as mulheres. A gente desde pequena é quase que obrigada a acreditar que para ser completa na vida, para ter sucesso, para ser aceita precisa de um homem, preferencialmente um marido. Acho isso um absurdo, eu sou totalmente contra casamento, acho a coisa mais imbecil do mundo que já inventaram, mas tudo bem né, o foda não é a pessoa querer casar, o problema está em acreditar que não terá nada na vida se não casar o quanto antes.
Não entra na minha cabeça a pessoa ter a NECESSIDADE de ter um homem ao lado, gente, estamos no século XXI, mulher não precisa de homem pra absolutamente nada, só pra não ficar sozinha mesmo, pra ser um companheiro, mas pqp, pra que isso, gente?
Vamos acordar, sozinhas também somos capazes. Homem é so um detalhe minimo na vida da gente, se apaixonar e for recriproco, otimo, mas se nao, se houver algum tipo de violencia, bola pra frente, manda o cara ir pastar!
Definitivamente vida não se resume a um pinto.

Anônimo disse...

micro-machismo; machismo reproduzido por homens com menos de 1,60m.

Anônimo disse...

O povo ai falando mal, mas violencia psicologica e isso SIM. Nenhum ser humano merece ser rebaixado desse jeito, não pelo fato de ser mulher, mas homem tambem. Tá que é minoria, mas tem mulher louca, possessiva, bate no cara, se mata pq não quis assumir...
Enfim, humanos são loucos, mas os homens parece que superam kkkkkkkkk

Anônimo disse...

O site "Brasil 247" já está no grampo da Polícia Federal e o blogueiro vai se f* por se associar e receber propina do PT.
Vamos ver quanto tempo até e Polícia Federal achar o caminho da roça que chegará neste blog aqui, da blogueira feminista esquerdista petista de carteirinha. Vai ser mais um "Tchau querida", bradado a todo peito pelo povo brasileiro com orgulho!
A diferença da presidAnta é que a blogueira vai curtir alguns anos de "banho de sol" exclusivíssimo em uma das nossas ótimas prisões brasileiras.

lola aronovich disse...

Vai nessa que é bom à beça, ô troll! Se eu dizendo que não recebo dinheiro do governo vcs não acreditam (apesar de não haver um só anúncio de qualquer coisa aqui no blog), se vocês não acreditam quando sai lista de blogs de esquerda que recebiam dinheiro pelos anúncios e meu blog evidentemente não está entre eles, bom, nada vai fazer vcs acreditarem, né? Melhor continuar no seu delírio conspiratório de que eu recebo a maior grana do governo. Ah, e das fundações judaicas também, né? Feminista é tudo rica! Ahahauahauahauah.
E o carinha que ganha R$ 70 mil por mês do governo Alckmin pra fazer blogs pra atacar os desafetos do PSDB? Parece que com esse vc não está muito preocupado. Melhor vir encher o saco de blogueira que não ganha um puto com o blog e precisa pedir doações ao seu querido leitorado.

Anônimo disse...

Lola querida,
Pq vc está pedindo doações dos leitores?
Nem sabia...

lola aronovich disse...

Faz tempo que peço, tanto que o botãozinho do PayPal já deve estar aí faz mais de um ano. Mas agora pedi pra pagar as custas de um processo. Tem um mascu que fez 25 vídeos me difamando ME processando. É surreal, mas é verdade.

Anônimo disse...

Gente esse povo é muito imbecil, só aparecer um blog feminista, fica com essa ladainha falando que recebe grana do governo. Tnc viu! O povo sonso.
Quanto odio de feminista que é esse, gente?
Odio de machista voces não tem não né?

Feminazi Satânica disse...

Sofri isso em todos os meus relaciomamentos antes de me casar com meu marido. É uma merda, mas hj estou mt feliz. Sou tratada como uma rainha e o trato como um rei. Se não for para ser assim, nem vale à pena.

Anônimo disse...

As mulheres se submetem num relacionamento "machista opressor branco heterossexual" e depois de anos saem xingando os homens de violência psicológica.
Por que vocês não terminam logo o namoro?
Acho que vocês gostam de sofrer.
Ser respeitada numa relação é bom senso e não feminismo.

E mais, de acordo com a definição de violência psicológica, tem muita mulher por aí que abusa psicologicamente de homens.

Anônimo disse...

Violência física, violência psicológica,violência sexual, violência de gênero....
Eu gostaria de saber o porque ainda se relacionam com homens, não deveriam abolir isto de suas vidas?! As provas que sim são expostas todos os dias aqui.

Anônimo disse...

Relacionamentos abusivos independe do sexo não? Ou entre casais lésbicos não existe essas atitudes? Talvez nos heteros exista apenas o pano de fundo do machismo, mas mesmo assim há mulheres que agem exatamente como o rapaz do texto.Até que ponto essa violência psicológica é causada pelo machismo?

Sófia disse...

Anôn das 09:31, what??

1º - O machismo não esta relacionado diretamente com homens, sim, existem homens feministas e mulheres machistas também. Partindo dessa premissa, é óbvio que a violência psicológica, não partirá sempre de um homem, existem homens e mulheres machistas por aí.

O machismo é 100% relacionado com a violência, já que o que prega é só isso. Acho que você ta fazendo confusão e não sabe o que é machismo, ou feminismo, bora pesquisar um pouco, aproveita o tempo e vai ler um tiquinho. Aqui mesmo no blog da Lola pesquise o termo machismo e você vai achar muita coisa.



Mila disse...

Nunca passei e espero nunca me envolver com um homem com o qual eu tivesse um relacionamento abusivo, mas imagino como deve ser difícil se livrar dessa situação. Como foi bem salientado pelas comentaristas, somos socializadas a acreditar que um marido é a meta da nossa vida, que a nossa vida afetiva é a que mais importa e como somos responsáveis pelo fracasso ou sucesso dela.
As mulheres que estão em relacionamento abusivo são julgadas o tempo todo. Se permanecem com o agressor, elas são taxadas de masoquistas, pq "quem manda se envolver com homem errado" (como se todo mundo tivesse isso escrito na testa). Se elas saem dessa situação, ainda têm de encarar o julgamento alheio por terem "destruído" a história ou a família que criou junto ao agressor por um chilique.
Elas ainda têm de lidar com esse dilema, pois muitos homens minam a autoestima da companheira para justificar seus abusos, alegando que estão fazendo um favor ao ficar com elas.

Anônimo disse...

'Burra, estúpida, inútil.' "Faça isso, ou eu dou na sua cara." "Faça aquilo, eu tô mandando". "Você é uma imprestável, não vai aprender nunca." "você não serve para nada, está errada". "Você vai ser pior do que a sua mãe, que é burra".

Ouvi essas frases por toda a minha adolescência, vindas de meu pai, que explodia em momentos de fúria, que aconteciam quase todos os dias, por qualquer coisa. Um homem que eu admirava, que tinha sido um pai extramente amoroso na minha infância, se tornou um monstro enquanto eu crescia. Ou, talvez, ele sempre tenha sido esse monstro, e se voltou contra mim na medida em que eu me tornava adolescente.

Eu ouvia seus gritos por qualquer coisa, se ele me pedia um copo d'gua e eu 'demorasse' mais do que alguns segundos, pronto: eu era burra, estúpida e imprestável, mesmo tendo levado o copo d'gua.
Gritava comigo por que eu deixe a mochila da escola no lugar errado, gritava comigo por que a varanda da casa não estava adequadamente limpa, gritava comigo sempre que me via quieta. Ou seja, o tempo todo, pois eu evitava contato com ele ao máximo.

Aliás, ele não me pedia nada com por favor, ele gritava e me intimidava por qualquer coisa que achasse que eu deveria fazer, em qualquer momento em que eu estava por perto. Trabalhavamos junto no sítio e fazer qualquer tarefa com ele era um inferno. Nada, nunca, estava suficientemente bom, jamais. E esse descontetamento era demonstrado com gritos e ameaças.

Para mim, era claro: ele odiava trabalhar no sítio, odiava ser pai, e descontava no restante da família todas as suas frustrações, por que, ora, ele podia. Incapaz de pedir ou conceder o divórcio a minha mãe, nos tortura psicologicamente esperando que desaparecessemos da sua vista.

Nunca apanhei, mas sentia medo, raiva e angústia todos os dias. Hoje sei que ele é doente, embora nunca tenhamos conseguido fazer ele se tratar, sua fúria se abrandou com os anos, não por acaso quando saí para estudar.

Minha mãe, a mulher mais formidável e corajosa que eu já conheci, que me criou para ser feminista e dona da minha vida, está com ele, algo que nunca consegui aceitar, pois ele sempre foi ainda mais rude e mal-educado com ela.

Essa violência psicologica deixou rastros terríveis em mim. Sou ultra-crítica comigo mesmo, me saboto em vários níveis, sobretudo profissionalmente. Já faço terapia a 7 anos, e ainda choro compulsivamente quando preciso falar sobre violência psicológica.

Ele só encostou em mim uma vez, aos 14 anos: me deu um soco no braço, e eu fiz um escândalo. Me deixou quieta por meses, eu me alegrei de ver o quanto ele se corroeu pela culpa.

Anônimo disse...

Cont. O problema de viver num relacionamento de violência psicológica é que, ainda que agressor e vítima tenham posições de poder diferentes, há manipulação de ambos os lados. Você não é apenas agredida, você vai se tornando uma pessoa má, assim com o seu agressor.

Eu, pelo menos, preciso me controlar hoje, para não repetir com as pessoas que mais amo, partes do comportamento abusivo do meu pai. Sempre me pergunto: como pode? Eu sei que dói, eu sei onde dói, eu sei que os danos são permanentes, e ainda sim, se eu ficar com raiva, sou capaz de gritar e agredir psicologicamente alguém, só porque estou irritada. Ou, pior, ser uma megera ultra crítica com o trabalho de alguém, como um prazer sádico mesmo em dizer um 'NÃO' redondo para outra pessoa. Um puta comportamento babaca e destrutivo.

O ódio é uma linguagem maldita. Pessoas como ódio agem, mas nem sempre agir é melhor do que ficar passiva. Nunca vou ser mãe, pois morro de medo de repetir com uma filha, ou um filho, o padrão abusivo de violência psicológica ao qual fui submetida. Curiosamente, meu pai nunca me perguntou se eu pretendo ser maẽ, tenho mim que ele sabe exatamente qual é a minha resposta.

O doido disso tudo, é que esse ser que me atormetou por tantos anos, e que agora, as vezes, ainda humilha minha mãe, sempre me incentivou a estudar, custeou minha graduação, meu mestrado, nunca disse o que eu deveria fazer da minha vida profissional, me apoio em todas as 'grandes escolhas' que eu fiz. Curiosamente, ao escolher uma profissão diferente da dele, fui viver longe de casa. No fundo sei que ele achava que eu seria mais feliz longe dele, e isso embora necessário e acalentador, também dói.

Anônimo disse...

08h27: Porque são heterossexuais e heteroafetivas. E, do mesmo jeito que ninguém escolhe ser homossexual, ninguém escolhe ser heterossexual. Talvez pessoas não-binárias e bissexuais possam ter a escolha de se relacionar apenas com mulheres, o que não garante uma vida livre de violência doméstica.

Além disso, há também a questão da criação: mulheres são criadas desde a mais tenra idade para acreditarem que suas vidas só serão completas se tiverem um marido (o que não é verdade).

Anônimo disse...

A tal violência psicológica e patrimonial, não sei não, parece-me que pela definições muita mulher também comete-as contra homens.

Quando uma mulher ameaça pedir pensão, tem-se aí violência patrimonial e psicológica?

Pior é definir discriminação. Discriminação se traduz por efeitos (restrições indevidas, comportamento excludente, etc) não é uma coisa que se possa dizer "Discriminou!" ou aí qualquer coisa que desagrade vira discriminação.

Pior é a mania de se contar um só lado da história. Nunca se ouve o outro. Conflitos nascem de forma bilateral às vezes. Não é um só "batendo", ainda que as batidas de um sejam mais visíveis.

BLH

Anônimo disse...

11:58
mimimi

Marcia disse...

BLH

Não acho. Pior mesmo é tripudiar sobre um relato de dor, oferecendo zero empatia, por que veja bem, é possível que existam outras dores. Ser tão pequeno moralmente não te incomoda não?

Que óbvio que mulheres podem também cometer violência ninguém discorda. Que essa é sempre a primeira desculpa esfarrapada para desacreditar uma vítima mulher também é evidente.

Me explica: qual a culpa direta que a moça do relato tem pela possível violência psicológica (palavras suas, você não me deu um mísero relato sequer onde um homem foi violentado por uma mulher) sofrida por outros homens? Ela deveria se calar e engulir a dor, por que você acha que outros homens também sofreram?

Mas que porcaria de argumento...

Anônimo disse...

º - O machismo não esta relacionado diretamente com homens, sim, existem homens feministas e mulheres machistas também. Partindo dessa premissa, é óbvio que a violência psicológica, não partirá sempre de um homem, existem homens e mulheres machistas por aí.

O machismo é 100% relacionado com a violência, já que o que prega é só isso. Acho que você ta fazendo confusão e não sabe o que é machismo, ou feminismo, bora pesquisar um pouco, aproveita o tempo e vai ler um tiquinho. Aqui mesmo no blog da Lola pesquise o termo machismo e você vai achar muita coisa.

Primeiro mandar o outro estudar e pesquisar é de uma arrogância, eu sei bem o que é machismo, frequento esse blog e outros a anos, leio sobre o assunto, coloquei um ponto a reflexão, e vc respondeu, na sua optica o machismo é 100% relacionado com a violência psicológica, em 100% dos casos?Inclusive entre mães e filhas e vice-versa?

Rafael

Cão do Mato disse...

Xingar? Humilhar? Diminuir a auto-estima? Não é por nada não, mas as mulheres fazem isso quase tanto quanto os homens. Só que nós somos obrigados a aguentar o tranco, senão logo somos tachados de fracos...

Cindy disse...

Será que é consciente? Sei que é relação de poder, mas gente, isso é doentio.

Me identifico, também tive um relacionamento longo e ele me manobrava para que seus desejos fossem atendidos. Me indigna que nós mulheres sejamos tão suscetíveis a isso. AMO o feminismo por isso, dá uma conscientização e empoderamento de que somos pessoas, acima de tudo, e não devemos nos sujeitar a isso - e, no entanto, me pego fazendo coisas que critico, como não usar uma coisa que eu adoro porque o outro não gosta. Paro na hora, me benzo, livrai-me disso, amém!
Mas por que é tão difícil ser forte?
Por que tudo isso tá tão enraizado?

Anônimo disse...

": Porque são heterossexuais e heteroafetivas. E, do mesmo jeito que ninguém escolhe ser homossexual, ninguém escolhe ser heterossexual."

Então para você seria uma especie de determinismo biológico? Eu não acredito, acredito que um comportamento prejudicial pode e deve sim ser desconstruído. E a comparação com a homossexualidade e na verdade uma falsa simetria por ser tratar de comparar um grupo historicamente oprimido com algo que afirma e qualifica o status quo, e como comparar o que sofre um negro socialmente falando com os problemas pessoais de uma pessoa branca.

Anônimo disse...

Mulheres não se relacionarem afetivamente e não fazerem mais sexo com homens e uma afirmação politica e uma questão de revolução. Tem todo meu apoio.

Anônimo disse...

º - "O machismo não esta relacionado diretamente com homens, sim, existem homens feministas e mulheres machistas também."

Não miga melhore, isto o que você afirmou e como dizer que "o nazismo não esta diretamente ligado aos nazistas" O machismo esta ligado ao grupo que se beneficia dele, ou seja seus agentes opressores os homens, mulheres não se beneficiam do machismo e sim muitas se adaptam a ele por uma serie de motivos entre eles as construções sociais do mito da proteção masculina e o mito do amor romântico, o mito do prazer com penetração que são sistematicamente induzidos na psique feminina desde o seu nascimento, somos socializadas a gostar de homem não e natural. Mas logo percebemos que tudo tem um preço e o preço disto tudo e liberdade da mulher.

Anônimo disse...

Sim, é claro que mulher também comete violência psicológica.
Tenho alguns exemplos próximos disso.

O namorado de uma amiga terminou o namoro com ela, ela inventou que estava grávida e perdeu o bebê depois, segundo ela por conta do nervoso que passou com o término. Voltaram.
Uma prima mais velha, quando o casamento já havia terminado, começou a por em dúvida a paternidade das filhas que teve com o então marido, dizendo que não tinha certeza que eram dele.
Ontem no noticiário uma mãe envenenou a filha com água sanitária (por duas vezes, na segunda o hospital desconfiou que não era mero acidente) com a intenção de matá-la. Enviou mensagem no celular do ex, através do número da vizinha, já que estava bloqueada, dizendo que a filha havia morrido e ele precisava ir lá reconhecer o corpo, isso depois de se passar pela vizinha inúmeras vezes e tentar persuadi-lo a voltar para a família.

Sim, mulheres também pode ser doentes.

E para quem perguntou o que faz uma pessoa ficar presa a um relacionamento abusivo por muito tempo, realmente não sei. Falo isso, como disse acima, por experiência própria. Eu não precisava do meu ex financeiramente, morava com meus pais e tinha uma vida tão boa quanto a dele. Nao tínhamos filhos, não tinha nada mesmo que me prendesse a ele. Foi um período de fraqueza psicológica, de meninice iludida que passei. De desesperança. Ele se aproveitou disso, consciente ou não, a assim vivemos.

Também concordo que a definição de violencia psicológica é subjetiva demais, elástica demais. Mas eu sei o que passei. Alícia

Anônimo disse...

Não se trata de pequenez moral. Se trata de se observar a clara manipulação em cima de certas coisas com objetivos não-declarados.

A impressão que se tem quando se menciona certos tipos de violência é: isso é coisa de homem, isso acontece o tempo todo, com todas, em todo lugar e tudo é violência.

O argumento não é "deveria se calar" tão mais do que "isso/aquilo é produto de machismo". Ao invés de se inventar uma razão especial e universal pra tudo, tem de se reconhecer que as pessoas fazem o que fazem por serem idiotas e outros motivos tantos, não porque existe um fantasma assombrando todos e ditando ordens.

Eu inverto a pergunta: qual é a culpa dos OUTROS homens no fato de uma mulher sofrer violência de um CERTO homem? Quanto mais um conceito tão liquefeito como "violência psicológica"?

BLH

Anônimo disse...

Me vi em praticamente tudo deste post.

Namorei por três anos, e infelizmente não conseguia enxergar todos os sinais que estavam diante de mim.

Ele sempre me manipulou de muitas formas, me isolou completamente do convivio com amigos e outras pessoas, enquanto ele levava a vida normalmente.

Trabalho em um local que ele frequenta e conhece outras pessoas que trabalham comigo, muitas das nossas discussões foram por eu ter contato com alguem do trabalho, se ele chegasse e visse alguem, de preferência algum homem em minha sala, eu sabia que ia ser discussão na certa.

Ele nunca permitiu que eu saísse com alguma amiga, e quando eu saia sozinha era uma chuva de perguntas de todos os tipos. Porém, ele saía quando queria, ia na casa dos amigos e dizia que estava em casa e quando eu descobria e reclamava, ele dizia que a culpa era minha, pois eu que não dei atenção pra ele.

Mesmo quando eu não estava a fim, ele queria ter relação sexual e fazer o que desse na telha, e ainda contava como era com todas as outras mulheres.

Ele tentou controlar até mesmo minhas redes sociais, fazendo com que eu me cansasse a tal ponto de excluir todas, as dele continuam normalmente.

Ele foi tão manipulador, e eu o odeio bastante por isso, por tudo o que fez comigo e por muitas outras coisas.

Consegui terminar com ele e mesmo assim ele não me deixa em paz, vira e mexe me manda msg dizendo que eu deveria me arrepender do que eu fiz com ele, que eu sou uma pessoa ruim e que afasto todo mundo.

Estou esgotada dele e das atitudes, venho pegando nojo só de olhar para ele e para as coisas tão imaturas que ele faz.

Agora ele deu pra vir no meu local de trabalho e estacionar o carro em um local que eu o veja, ou ele vem na hora em que estou indo embora, somente para eu "dar de cara" com ele.

Ele me fez muito, muito mal, e ainda faz, pois tudo isso vai demorar um bom tempo para passar e eu esquecer e tocar minha vida.

Como dizem, há dois tipos de pessoas: as âncoras e as que são puxadas por elas. E eu fui puxada por uma bem grande, que me levou bem para o fundo.

Carol.

Anônimo disse...

Violência psicológica é uma realidade dura e cruel. Minha sogra viveu anos de violência psicológica e não admite, o meu sogro batia demais no filho mas não encostava nela. Pra família ele é um homem maravilhoso de bem, ela se gaba que nunca apanhou e quem apanha é fraca, que se ele encostasse o dedo nela matava ele com água fervendo. Ela fala por falar, pq viu o filho ser espancado a infância e adolescência inteira e não fez nada, ele humilhava, xingava, fazia terrorismo psicológico com ela e ela não acha que isso seja violência. Hoje ela é uma mulher ansiosa e depressiva, eu queria muito que ela fizesse terapia mas não tenho jeito de ela aceitar. Meu marido por incrível que pareça saiu ileso dessa situação apesar de toda violência.

Marcia disse...

E quem disse que a culpa é de outros homens? Entenda, responsabilidade é bem diferente de culpa. O que se afirma aqui é que o machismo é um sistema que privilegia homens e que constrói uma identidade masculina violenta e nociva, para mulheres e para os homens mesmo, vide aí qualquer estatística de homicídio masculino no ocidente, vocês se matam.

Ninguém disse que todo homem violenta e agride toda mulher, está se debatendo o porquê de tantos homens agrediram tantas mulheres, sendo que o contrário não é tão frequente, para ser bem boazinha com a interpretação das estatísticas dos últimos 30 anos.

O possível é lógico, concordo. Mas todo possível tem a mesma frequência estatística no mundo real. Você ainda precisa mostrar que mulheres agridem homens com a mesma frequência com que são agredidas. E instituto de pesquisa as vozes me disseram não conta, faça o favor.

No mais, as evidências que você insiste em ignorar saltam aos olhos. Nem você mesmo relatou um caso em que uma mulher lhe agrediu (física ou psicologicamente) e veja quantos relatos de mulheres agredidas (detalhe: por homens) se encontram nesses comentários.

O que seria mais provável?
Por isso o seu argumento é moralmente pequeno. Ele se baseia em argumentos lógicos sem lastro empírico direto, e impessoalmente servem para dizer que todos os relatos de violência aqui são equivocados.

E não, de uma vez por todas: pedir pensão não é violência psicológica, é direito dos familiares, sejam eles quem forem. Nenhuma lei impede que o marido peça pensão para mulher, por exemplo. Agora me explique, por que isso não acontece? Qual é a porcaria de sistema que insiste em dizer que cuidar de filho é atribuição exclusiva das mulheres? Acha ruim pagar pensão para ex? Simples, peça e mereça a guarda integral dos filhos.

Marcia disse...

Alícia,

só existe uma faixa etária, na lista das vítimas mulheres por assassinato, em que mulheres matam mulheres na mesma proporção de que homens matam mulheres. Quando a vítima tem menos de 1 ano de idade. E, nesses casos, a agressora principal é mãe, seguida do pai ou padrasto.

Mais um dos motivos pelos quais eu acho que o aborto deveria ser legal. Nem toda mulher deve ser mãe, infanticídio ta aí para mostrar isso também. Maternidade compulsória é terrível, especialmente para filhas e filhos não amados.

Antes que os engraçadinhos da manipulação das estatísticas surtem, vamos deixar uma coisa clara: de cada 100 mulheres mortas, 12 são crianças pequenas. As outras 88 continuam sendo assassinadas pelos crápulas costumeiros: companheiro, pai, irmão, tio, que como de costume, são mais de 90% dos agressores.

Anônimo disse...

(Viviane)
Márcia, parabéns pela paciência em responder ao troll (sim, esse BLH é troll contumaz aqui no blog). Embora sua argumentação mostre claramente como alguns usam lógica para desqualificar as experiências de outras pessoas, lamento dizer que não vai adiantar, a não ser que sua intenção seja marcar posição.
É por isso que eu falo (correndo o risco de a moderação não aprovar) que a única diferença entre um cara desses e os "mascus" é a habilidade de redação. Em março deste ano, eu discuti um tema parecido (outro guest post sobre relacionamento abusivo) com um tal de Rafael, em que eu repeti a palavra "empatia" até cansar e desistir. Sério, de que vale a lógica sem a ética?

Polli disse...

Eu fui vítima de violência psicológica por mais de 10 anos. O agressor foi o meu pai. Na Bahia, as relações intrafamiliares são marcadas por uma hierarquia de poder: os mais velhos mandam e os mais novos se calam. Se os pais dizem que isto é o certo, você, como filho, deve ouvir calado, senão apanha. Toda essa visão de família estimula a homens machistas exercerem um domínio, em casa. Se é o pai, está certo.

Ele pode agredir dois cachorros seus, a ponto de cegá-los, só porque você se negou a sair do quarto, uma vez, porque ele, descontrolado, chutava a porta do seu quarto. Mas ele é pai, ele pode. Ele pode tentar quebrar a janela do teu quarto, por motivo nenhum, simplesmente para mostrar quem manda. Sim, ele pode. É o teu pai. Ele pode controlar todos os seus horários, alegando a violência urbana como pretexto para o controle, enquanto xinga-te, humilha-te, diz que você será incapaz de conseguir qualquer coisa. De que você não será nada. Sim, ele pode. É o seu pai!
Ele pode invadir o seu quarto, em plena madrugada, para dizer o que quiser, e bater infinitamente a porta do quarto. Mesmo que, no dia seguinte, você tenha aula e precisa acordar cedo. Ele pode quebrar o teu notebook porque você se negou a ouvir as ofensas que ele tinha pra te dizer. Ele pode tudo. Pode trair a tua mãe, em casa, com uma pré-adolescente de 14 anos (o que hoje ele poderia responder por estupro de vulnerável). Pode esquecer a tua irmã, na escola. Ele pode espiar a tua irmã enquanto ela toma banho e você sentir medo todas as vezes quando vai tomar banho. Ele pode queimar as tuas roupas e teus bens. Ele pode te insultar por fazer um curso de inglês às custas da tua irmã, mas simplesmente usufruir da TV paga por ela, sem se julgar por isso. Pode beber o dinheiro todo do trabalho dele (porque é alcoólotra, sim, mas também porque a tua mãe pode muito bem sustentar a casa sozinha... ele não tem nada a ver com isso!).

E, principalmente, ele pode sair impune disso, se vitimizar, te transformar num monstro que não respeita o próprio pai. Sim, ele pode. Porque, agora, está com uma neuropatia e nós, as vítimas, devemos tratá-lo a pão-de-ló, ele ditando o que deve ou não deve acontecer na casa. Quem deve atendê-lo ou não (mandando o cuidador não trabalhar, certo dia, porque soube que a minha mãe, depois de 30 anos de violência, e antes dele adoecer, pediu o divórcio. Ele pode fazer um escândalo porque alguém não quer mais se submeter a ele). Ele pode tudo. Porque é teu pai. E nunca te bateu.

E você, que é insegura e se sente facilmente acuada. Você, que sente dificuldades para se expressar até hoje e se sente fraca e impotente. Que se sente burra e incapaz, volta e meia. Você deve ainda doar parte da sua vida porque ele, quem sabia de tudo e sobre todos, um verdadeiro sabichão, acabou com a própria saúde. Você deve "perdoar porque é seu pai", mesmo ele nunca tendo pedido perdão e só tentado manipular a situação para ser a vítima. Você quem não presta. Você.

Marcia disse...

Viviane, eu assino embaixo! Sou professora e pesquisadora de direitos humanos, não me interessa a lógica da violência (só como inimigo a ser conhecido), ética sempre!

E sim, eu sei que não vou mudar a posição tacanha dele, mas é um jeito de marca posição. Outras pessoas mais empáticas podem querer debater meus argumentos sem fazer disso uma defesa do próprio egoísmo.

Anônimo disse...

Polliana Santos, eu chorei com o seu relato. Eu sei muito bem o que é a submissão sem fim por meio da violência, e te digo: você vale muito! Seu pai, não presta. Sério, existe um limite muito claro entre ter uma doença mental que leva ao descontrole, e ter o prazer sádico de humilhar as próprias filhas. E, infelizmente, ambas as coisas parecem andar juntas quando se trata do seu pai. Também relatei aqui as violências psicológicas que vive com meu pai, e te digo: perdão só se dá depois que alguém pede, e você está pronta para perdoar.

Também carrego as marcas da insegurança, também me sinto fraca e impotente. Obrigada por escrever esse relato, acalentou minha alma saber que não estou sozinha. Te mando um abraço e dois beijos carinhosos e espero que a vida nos reverse relações familiares melhores. Fique firme, eu sei que vou tentar.

Anônimo disse...

Obrigada, Lola. Me senti contemplada de um comentario que fiz. Me fez muito bem esse guest post!

Polli disse...

Anônima 18:10, muito obrigada pelas tuas palavras! Vamos, sim, superar tudo isso!!! Grande abraço e beijos também!