quinta-feira, 5 de março de 2015

GUEST POST: COMBATER AS OPRESSÕES, NÃO A VIDA ESTUDANTIL

Angélica, que concluiu sua dissertação em Londres com distinção (sobre a privatização da água na Bolívia em 2000), e está cheia de planos para o doutorado (vai falar de Belo Monte), estudou na Universidade Federal de Ouro Preto durante cinco anos, entre 2003 e 2008. 
Diz ela: "Longe de mim defender macho criminoso e práticas imbecis reiteradas. Mas é necessário que se pondere. Há coisas maravilhosas desse sistema de Ouro Preto e a vivência na universidade que colidem com relatos tão parciais". Então vamos a sua opinião:

O meu relato é sobre o que lutar contra, para que tenhamos grandes resultados. Falar de Ouro Preto envolve um universo de contradições; espero colaborar com a luta e com a discussão.
Quando li o guest post sobre trote em Ouro Preto, já imaginava o que estaria por vir. É complexo e terrível o relato, e piores são as denúncias sobre violação de direitos humanos relacionados às festas de Ouro Preto. Há fatos dramáticos da história institucional das repúblicas de Ouro Preto relacionados à opressão. Houve óbitos de moradores de repúblicas que foram imediatamente associados ao consumo de álcool e outras drogas.
Trote na UFOP
Acredito que a fama que se fez ao longo dos anos impede qualquer outra versão midiática dos fatos, mesmo que apurados e desvinculados. De fato, temos mais é que denunciar mesmo e dar visibilidade. Chega de opressão de qualquer forma no espaço pensante de mais alto nível da vida acadêmica: a casa. Onde estudantes moram, comem, dormem, dividem experiências, estudam, conversam, conflitam, fazem amigos e festas, aprendem a viver essa etapa da vida e essa instituição republicana. Não pode haver opressão.
Eu morei em uma república de Ouro Preto, a Rebu –- a primeira república federal para mulheres, fundada em 1975. Até então, havia poucas casas femininas, e as "repúblicas federais" eram exclusivamente masculinas (é importante mencionar que as repúblicas não recebem fomento público para manutenção e moradia. As repúblicas federais, onde não se paga aluguel, pertencem à universidade, mas tiveram diversas formas de aquisição e foram doadas. A mais recente forma de surgimento de repúblicas federais foi feita pela própria comissão de repúblicas, e novas casas públicas vêm sendo construídas. Existem também repúblicas particulares e o alojamento da universidade). 
A Rebu foi conquistada com a luta de grandes mulheres que, em plena ditadura militar, estudando curso superior fora de casa, resistiram a uma rocha machista quase inquebrável. Tanto a instituição da universidade quanto todos os aspectos da vida na cidade eram (e são) machistas. Falo sobre a Rebu porque nela vivi maravilhosos anos, que edificaram meu caráter. Apesar de o ambiente estudantil de Ouro Preto não se restringir absolutamente às repúblicas, a casa onde morei fez grande diferença na minha construção pessoal e na luta política e social de Ouro Preto.
Como em qualquer instituição, as repúblicas têm liberais e conservadores. Exercitando a “difícil tarefa de se amar a democracia”, é de se perceber nítidas mudanças comportamentais nas gerações republicanas. Me formei em 2008 e, sempre que volto à casa, fico impressionada com a capacidade de reflexão e o brilho das atuais moradoras, a constante discussão política e a necessidade de criar novos mecanismos de relacionamento na vida republicana. 
Eu sou otimista, vejo que a força dessas repúblicas e suas práticas vêm amadurecendo com o tempo. Mas não é suficiente. Precisa de mais gente atuando firme para que essas mudanças aconteçam. Precisa da universidade, dos movimentos, de agentes externos para apoio e construção. Alguns republicanos podem até ser ignorantes à gravidade da situação, mas tem mais gente boa do que gente ruim, faltam lideranças para essas mudanças. 
Esse sistema é carente de apoio público, que deve ter a iniciativa de dialogar com essas repúblicas para a construção. Pela característica sazonal dos moradores, que ficam o período da graduação na república, as mudanças a longo prazo requerem mais participação para enfrentar as práticas danosas, sem desconfigurar as características fundamentais da instituição: a inclusão, o legado, a autonomia, a história e interação positiva dessas casas na vida da cidade, a possibilidade de participar dessa moradia estudantil absorvendo as grandes lições de vida coletiva.
Lendo relatos como esse, é de se pensar sobre quem mora nessas repúblicas, por que agem dessa forma, quem são os estudantes da universidade federal que mantêm ou negligenciam esses relatos, se foram realmente negligenciados por todas e todos. Há centenas de repúblicas femininas em Ouro Preto, há milhares de mulheres. É falso generalizar: nesse combate, devemos atingir os opressores e descobrir simpatizantes. Em caso de abuso de qualquer forma, as mulheres devem se unir. 
Pode soar romântico de alguma forma, é preciso muita educação humanista e paciência histórica, mas cada vez mais estamos falando de conscientização para fortalecer a luta. Como instituições históricas, de gestão e financiamento próprios, com suas práticas reiteradas, importantes para a cidade, as repúblicas têm muito a oferecer na luta para combater opressões. São força por si, protagonistas numa mudança que acontece lentamente todos os dias por dificuldades às vezes em até alcançar o discurso feminista e de inclusão, perante todo o machismo e abuso que se pratica na sociedade.
É importante pontuar que existe muita gente que considera que abusos são tradições, ou são liberdade de discurso, que o politicamente correto chegou para dar fim à toda aquela época de outrora em que bom mesmo era fazer piadinha com oprimido e, de alguma forma, exercer poder. 
Os ídolos dessa galera são esses Jackass Gentili que viram um filme americano sobre os colleges e se empolgaram. Não é só em Ouro Preto que se justificam opressões com tradição, mas para mim é muito difícil compreender que na cidade onde mais se prega a liberdade, continuamos mantendo essa gente tão careta e covarde.
Meu argumento é que os pretextos não sejam contra as repúblicas ou a vida estudantil de Ouro Preto, mas ao machismo institucional, à verdade que tanto se nega sobre quebra de preconceitos que vem à tona. É difícil melhorar o sistema. É uma pedra que se rola morro acima, por enquanto. Os movimentos feministas já foram até Ouro Preto protestar e questionar, mas acredito que devem ter mais sororidade com as mulheres que moram nessas repúblicas, de forma a buscar um entendimento do que de fato acontece, como se enfrenta e de onde sairão as soluções. 
Muitas das estudantes ainda estão despreparadas para o feminismo como uma luta construtiva, seja dentro da universidade, seja no comportamento estudantil. Eu tenho muito mais intuição na força conjunta das mulheres republicanas de Ouro Preto do que em ataques com a intenção de destruir as repúblicas, já patrimônio cultural da cidade.
Mulheres e homens de Ouro Preto, combatamos o machismo.

Hino da Rebu
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra, deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta, não sou freira nem sou puta
Porque nem toda feiticeira é corcunda,
Nem toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho que muito homem
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque

21 comentários:

Anônimo disse...

"Pode soar romântico de alguma forma, é preciso muita educação humanista e paciência histórica, mas cada vez mais estamos falando de conscientização para fortalecer a luta"

Tão romântico quanto uma garota menor de idade ter que voltar pra casa porque foi ameaçada de estupro.

República, que não seja a federativa, não tem soberania e está sujeita às mesmas leis que todo mundo. Menos romantismo e mais realismo, por favor.

Angélica disse...

Há luta. Esse é o ponto.
Ameaça de estupro é abominável.
Mas não é exclusividade de OP, ou de república. República federal ou particular seguem praticamente as mesmas regras...

Anônimo disse...

Nao acredito que tem gente que defende as republicas de Ouro Preto dizendo que ajudou a formar o carater.

Bruno disse...

Eu defendo. Morei lá, de 1995 a 1999 e moldou sim meu carater.
Nao acredite em tudo que voce vê na mídia. As republicas ajudam muito mais que atrapalham.

Anônimo disse...

É sempre com base na tradição e na suposta construção da cidadania que tentam defender as repúblicas de Ouro Preto. Usar algum critério minimamente justo (principalmente socioeconômico) para a escolha dos moradores não querem, né..?

Angélica disse...

Existem milhares de repúblicas em Ouro Preto, diversas formas de escolha de moradores. A discussão é muito válida. Devemos argumentar para construir e melhorar (a luta é política e institucional, e sempre pra mudar) não destruir tudo como se nada fosse minimamente justo. Pensar assim é imediatamente desconhecer o tema.

Anônimo disse...

Mas é preciso pensar numa reforma profunda no sistema de moradia universitária em Ouro Preto. De que forma é feita a escolha atualmente? Por que em Ouro Preto não é utilizado o mesmo critério de Mariana, por exemplo?

Há muito tempo que o sistema de repúblicas em O.P. tem diversos problemas e os pontos positivos que possam existir não os apagam. Outros sistemas, utilizados pela própria UFOP em outros campi e por outras universidades, tem se mostrado muito mais interessantes e não excluem o desenvolvimento interpessoal e o amadurecimento da vida compartilhada, que parecem ser as maiores qualidades levantadas.

Anônimo disse...

Milhares de repúblicas particulares, correto? Pois federais são um número bem menor, em sua maioria não utilizam critérios que levam em conta a necessidade da moradia para a permanência d@ alun@. Seleção também que não é devidamente regulada/auditada/fiscalizada, ao contrário do que se espera de qualquer utilização de bem público, colocando a totalidade da seleção na autogestão e no que os republicanos julgam ser "espírito de solidariedade e senso de comunidade".

Angélica disse...

Toda discussão para mudança é válida, desde que o esforço seja construtivo. Meu ponto, sem fugir muito do tópico do post, é com o que tem pra hoje: o machismo de cada dia, em todas as instituições, principalmente na universidade de forma geral.
Com relação a todas as mudanças comportamentais de tudo que envolva a instituição, apesar de não morar lá há anos, precisamos de mais organização e força com relação a temas sociais. Ao contrário do que se afirmou, o espaço é dinâmico com muita gente pensante, subestimar e atacar pode ter pouco efeito. Mas eu entendo o tom, é necessário falar sobre um elefante branco que temos na sala. Seja qual for a condução para a melhora, a existência e vida (como algo orgânico mesmo) das repúblicas são importantes e defendo sim o amadurecimento constante e a permanência desse sistema.


Angélica disse...

Lembrando que, com relação ao machismo, seja a república federal, particular, de Mariana, ou a (o) estudante de qualquer tipo de moradia, machismo é machismo e deve ser combatido. As práticas não são exclusivas de repúblicas federais, e, como mencionado, a maciça maioria das repúblicas são particulares.
Nesse ponto, o problema é maior e envolve toda a comunidade estudantil.

Anônimo disse...

Não adianta enquanto nosso país não tiver leis rígidas a serem cumpridas sempre vamos ficar ao Deus dara

Anônimo disse...

lola vc conhece o termo meninista?

Anônimo disse...

ou meninist

Anônimo disse...

A falta de participação da universidade na gestão do sistema de repúblicas federais é apenas uma evidência de como dá a ele completa autonomia. E muitos abusos ocorrem justamente no período de 3 meses em que acontece a seleção. E não é de hoje que se furtam a tomar qualquer providência quanto ao que acontece nas casas. Obviamente a sua ação não poderia ser a mesma nas particulares, mas não há como fechar os olhos por isso.
É necessária uma mudança geral, mas parece muito mais palpável que ela se inicie com ações nas repúblicas que pertencem à universidade. E é muito difícil, pois qualquer proposta atualmente é vista por muitos como um ataque à cultura republicana. Machismo existe em qualquer lugar (infelizmente), mas a situação em Ouro Preto é alarmante há bastante tempo e os relatos tem sido constantes e graves demais para respeitar essa cultura a qualquer preço.
Não é a realidade de toda república, claro que não, mas são acontecimentos constantemente naturalizados e silenciados por aqui.

Anônimo disse...

Lola,
Eu li aqui no seu blog sobre o tal do Adriles do BBB e hoje vi uma chamada no UOL sobre ele que me chamou a atenção... advinha o que ele está fazendo na casa: sendo stalker de uma menina!!

Ele está 'apaixonado' e ela disse que não aguenta mais ficar na casa com ele. E ela diz se sentir mal por 'rejeitar' ele...

Ah se tivesse como ela saber o que ele já fez aqui fora, não? Penso que a Globo deveria ter responsabilidade por colocar um cara com esse histórico lá...

Anna disse...

Oi, Lola, tudo bem? Meu comentário é totalmente off post. É pra perguntar se você já sabe da campanha 'Eh tudo vaca' feita por uma blogueira de 'beleza'. Nela, é dito que todas as mulheres são vacas e se descreve os tipos de vaca. O vídeo já tem mais de 200 mil visualizações no youtube e camisas estão sendo vendidas pela usehuck. Agora o site está em manutenção, acredito que pela polêmica das camisetas de cunho sexual divulgadas por crianças..
Vou colocar o link do blog com o vídeo: http://www.edobabado.com.br/babados-da-vida-tipos-de-vacas/
E aqui o link das camisetas: http://www.edobabado.com.br/uma-novidade-mais-que-especial-%E2%99%A5/

Por favor, Lola, não aprove esse comentário, pois estaremos promovendo a página.

Se você achar pertinente e tiver um tempo na sua já atribulada vida, você podia escrever um post sobre isso? É importante falar sobre a permanência do machismo em situações assim, como você já apontou antes, e questionar nossa atitude frente a essa campanha. Não sei se muitas pessoas feministas conhecem o caso, mas a maioria dos comentários das mulheres favoritava a campanha, inclusive desejando mortes violentas aos tipos de 'vacas'.

Obrigada, Lolinha :)

Anônimo disse...

Não seguem.

Anônimo disse...

Os ex alunos das repúblicas tem uma fidelidade doentia pelo lugar, uma visão distorcida e são venerados pelos atuais moradores. Acho patético. Podem chorar, falar a vontade, quem já morou sabe como é. Engraçado que se fosse tão bom assim, casas com 10 quartos e que existem há mais de 40 anos não teriam apenas 56 ex moradores nos quadrinhos de fotos penduradas. Faz as contas, não dá uma média de 2 moradores por ano de existência da maravilhosa casa. Realmente, quem fica deve ser pq ama aquilo mesmo! Meus pêsames coleguinhas. Feminismo passa longe da rebu e das outras. Conheço e afirmo. Então achei o post pouco produtivo e nada imparcial. Eu me baseio na vivência lá (não briguei com ninguém em ouro preto), na observação, vivência de amigos, relatos. será que seu relato é imparcial? (autora do post) Não acrescenta em nada, só tenta defender "os seus". Beijos

Anônimo disse...

Ué Lola, mas A Dilma nõ disse que seu Governo teria a educação como principal norte?

"A direção da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) determinou a suspensão do pagamento das tarifas de água e luz, além de redução nos gastos com limpeza, vigilância e portarias de suas unidades.

De acordo com nota, assinada pelo reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramirez, a instituição foi forçada a economizar 33% dos gastos neste ano por conta do decreto 8.389/2015 da presidente Dilma Rousseff, que impôs restrições à execução orçamentária dos órgãos públicos federais, até que seja aprovado o orçamento de 2015, restringindo o limite mensal de execução financeira da UFMG em 1/18 avos.

Na nota, o reitor diz ainda que o decreto "agrava a situação financeira, instalada nos meses de novembro e dezembro de 2014, nos quais houve redução substancial no repasse de recursos destinados às universidades federais"."

Anônimo disse...

Esse corte não foi só para universidades federais, foram pra vários órgãos. Já leu o texto da Lei ou ficou só com notícias mesmo? É prática comum isso, quando o orçamento deixa de ser aprovado no ano anterior é costume do governo fazer cortes orçamentários em alguns órgãos, até que o novo orçamento seja aprovado. Culpa da Dilma ou do congresso que fica enrolando pra votar?

Anônimo disse...

texto do decreto*