Seu corpo é mais capaz do que você pensa. É? Pode ser? Deve ser?
O post da semana passada pedindo que os homens se mexam para combater a violência contra a mulher rendeu excelentes comentários que podem dar bons posts. Um deles é este da Laeticia, pedindo ajuda pra um problema local (e, portanto, desconhecido):
Aproveitando o ensejo deste texto, queria compartilhar com vc uma "história de horror" que está acontecendo nas imediações da Unicamp, universidade onde estudo. Algumas alunas sofreram tentativas de estupro num caminho por dentro de um bosque que liga a Unicamp à cidade universitária. Os casos não têm repercussão fora do campus pq a violência não chegou a ser "concretizada" – interessante, pq é bem provável que o psicológico das garotas não tenha sido abalado em nada pelas ocorrências, não?
Enfim: ninguém se responsabiliza pela segurança naquele caminho, porque a Unicamp (governo estadual, portanto) alega que não pertence a ela; o município lava as mãos por alegar que a área pertence à Unicamp. E assim caminha. O engraçado é que a polícia (ronda escolar) foi muito mais solícita quando se tratou de expulsar alunos do campus em virtude de um festival proibido... rá!
Bom, em virtude deste abandono, já estão surgindo até mesmo oportunistas... hoje recebi um e-mail de uma academia de jiu jitsu, convidando as mulheres a fazerem aulas de defesa pessoal. Legal, né? Bem mais fácil todo mundo lavar as mãos, e as alunas que se virem! Aliás, as alunas pobres, porque as da elite não andam a pé – Campinas é uma das cidades com maior frota de automóveis. Bem, não vem ao caso... a situação é crítica, Lola. Essa sugestão de aula me deixou enfurecida. Porque, além da questão de segurança pública, rola o velho machismo conformista aí, não? Propor aulas de comportamento em sociedade aos homens, não vi ninguém propor, até agora. Mais fácil ensinar defesa pessoal às mulheres... é, porque aluna da Unicamp não costuma andar lá muito sexy, então a desculpa de "ah, a menina deu deixa pro estupro" não cola. Vamos dizer que elas são fracotes, então! Realmente, esses seres com vagina não aprendem nunca, não?
Se puder divulgar isso, nem que seja no twitter, aos seus alunos, aos seus amigos, sei lá... sinceramente, estamos sem voz.
Voltando aqui, tem muita coisa interessante no comentário da Laeticia, que chama atenção para um problema real e de difícil solução, porque o governo estadual vai dizer que a culpa é da universidade, e a universidade vai dizer que a culpa é do governo, até que, talvez, depois do primeiro estupro ser noticiado pela imprensa, venha a exigência por uma solução concreta.
O mais fascinante pra mim é essa discussão da cobrança em cima das mulheres para que aprendam algum tipo de defesa pessoal. Obviamente, isso é jogar a responsabilidade em cima das mulheres (logo as vítimas em potencial), livrando a cara da sociedade e dos homens agressores. Esse tipo de mentalidade equivale a dizer “É, estupros existem, e sempre vão existir, porque é assim que as coisas são, mas se as mulheres 1) se vestissem decentemente, 2) evitassem caminhos perigosos, e 3) aprendessem técnicas de defesa pessoal, os casos de estupro diminuiriam”. Logo, se ainda houvesse estupros numa sociedade perfeita e utópica como essa, seria só culpar a vítima. Problema resolvido! (quer dizer, já fazemos isso, não?).
Então tem que ficar claro que não cabe à vítima resolver o problema do estupro. Cabe ao estuprador, aos homens que não mexem uma palha sequer e fingem que o combate contra o estupro não é com eles, e à sociedade que não muda a forma de educar e continua ensinando que mulheres são um enorme buffet self-service à disposição dos homens.
Por outro lado, sinceramente, se eu tivesse uma filhinha e quisesse que ela fizesse algum tipo de exercício físico, eu a colocaria pra ter aulas de judô, caratê, sei lá. Eu uniria o útil ao agradável. Talvez ela nem precisasse usar o que aprende, mas eu gostaria que ela adotasse uma atitude destemida, de estar pronta para o enfrentamento mesmo.
Na realidade, esse tipo de mentalidade cai na mesma vala comum daquela dos dispositivos anti-estupro, sabem? No país com um dos maiores números de estupros no mundo, a África do Sul (onde há muitos estupros em grupo, e muitos estupros “corretivos”, para “curar” lésbicas, o que remete ao post anterior, em que uma leitora, com razão, reclamou que as discussões sobre homofobia centram-se sempre na agressão aos gays, não às lésbicas, como se a vida das lésbicas numa sociedade homofóbica fosse um mar de rosas. Bom, deve ser, porque um leitor homofóbico atendeu à reclamação, respondendo que não teria problema algum em fazer sexo com lésbicas. Ha ha, um egocêntrico acha que seu pênis é o centro do universo e não consegue entender que, sei lá, talvez as lésbicas não queiram transar com ele?), algumas ferramentas foram desenvolvidas para tentar impedir estupros. E a discussão é sempre essa de que estamos transferindo a responsabilidade de evitar estupros para as mulheres. Mas, se você morasse na África do Sul, ficaria esperando que o governo fizesse alguma coisa e que os homens se conscientizassem que mulheres não são seu playground particular, ou usaria uma camisinha dentada? (quer dizer, imagina usar isso toda vez que sair de casa?). Ahn, não estou dando respostas, até porque não tenho opinião formada sobre nada disso. Quero levantar uma discussão.
E muit@s de vocês vêm pedindo um post sobre a situação do Rio. Não tenho grande interesse em escrever sobre o assunto, não. E nem tempo, que a correria por aqui alcançou um ritmo ridículo. Mas, por favor, sintam-se à vontade pra falar sobre isso nos comentários.
Como todos sabem, o Brasil vive uma total democracia racial, com irrestrita liberdade de oportunidades para brancos e negros, e o fato da maior parte dos pobres serem negros não passa de uma infeliz coincidência. Juntando-se ao coro do surrado “não somos racistas” chega o “não somos homofóbicos”. Comentei com meus alunos os terríveis incidentes dos últimos dias. Sabe quais, né? A gangue de jovens que atacou supostos gays na Av. Paulista, o oficial do exército que atirou num rapaz no Rio após a Parada Gay (mas não foi de propósito; a arma disparou; foi só pra intimidá-lo), o jovem de 18 anos preso por beijar um menino de 13 num cinema (se fosse uma menina de 13, alguém chamaria a polícia?), uma das maiores universidades privadas do Brasil, a Mackenzie, que colocou em seu site um artigo defendendo a “missão” religiosa de condenar a homossexualidade. Mesmo depois de tudo isso, meus alunos insistem que não, de jeito nenhum, não é verdade que um gay seja assassinado a cada dois dias no Brasil. E juram que os fatos que citei são frutos do acaso, não resultado de uma cultura amplamente homofóbica. Enquanto isso, um leitor no meu blog afirma que não é homofóbico, só não gosta de gays e quer ter o direito de chamar os “viados” pelo que eles são, “viados”. Pra ele tal termo não é ofensivo; afinal, ele, que o usa, não é homofóbico. Ele deve tratar as mulheres como “vadias” e os negros como “crioulos”, mas tenho certeza que tampouco é machista ou racista. E nós não deveríamos ligar pra linguagem, e sim pra violência, já que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Lógico que não tem! Aposto que os jovens da Av. Paulista que se armavam de bastões de luz branca pra arrebentar a cara de qualquer homem “suspeito” se referiam aos gays com o maior respeito! Aposto que eles não pegaram esse hobby de sair por aí de madrugada espancando gays após ouvir um discurso diário de que gays são viados, pedófilos, imorais, sub-humanos, a escória. Não, eles simplesmente se levantaram um dia e tiveram essa ótima ideia de entretenimento de bater em gays, se possível até a morte. Esses rapazes, juram seus pais, também não são homofóbicos. Foi apenas uma briguinha entre jovens. Pior: uma das vítimas teria cantado alguém da gangue, e o pobre alvo do assédio moral simplesmente reagiu, quebrando uma lâmpada fluorescente na cabeça do outro! (eu devo ter perdido alguma coisa: como um grupo de rapazes que sai de madrugada cheio de ódio pra dar e armado com bastões de luz pode se dizer vítima de alguma coisa, ainda mais de assédio moral?). Da última terça pra hoje, surgiram mais notícias que evidentemente não tem qualquer relação com a homofobia (e olha que sou desatenta): um grupo neonazista ameaçou matar travestis em Porto Alegre; um travesti foi morto a pedradas em Tubarão (mas melhor nem falar de travesti, que meus alunos não veem diferença entre gay e travesti. Ahn, dica: homossexual é quem gosta de alguém do mesmo sexo. Travesti é alguém que se transforma em outro sexo. Se um homem vira mulher, através de um longo processo de transformação, e passa a gostar de homem, ele é uma mulher gostando de homem. Logo, não é gay. Acontece que meus alunos não aceitam que alguém mude de sexo, mesmo que, em todos os casos de transexualidade, as pessoas se descobrem aprisionadas num corpo que não era delas desde crianças. Isso não importa, segundo meus alunos. Nasceu homem, morre homem. Quer dizer, homem em termos, porque eles tampouco acham que homem gay é homem. É, eu também fico confusa. Para explicar melhor, um aluno disse que, se houvesse um vírus que matasse todos os homens do planeta, os travestis que se tornaram mulheres também morreriam. Essa é a justificativa dele pra não aceitar jamais que alguém mude de sexo: um vírus tão perigoso quanto inexistente); em Salvador, um diretor e roteirista de uma série gay foi forçado a beber gasolina e comer terra (e provavelmente estaria morto se não fosse um caminhoneiro que parou para interromper o ritual); e um já lendário deputado federal de direita, Jair Bolsonaro, disse na TV Câmara que pais deveriam bater no filho com tendências homossexuais para corrigi-lo. Sua declaração, um modelo de como a linguagem não tem qualquer ligação com a violência, foi: “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele. Olha, eu vejo muita gente por aí dizendo: 'ainda bem que eu levei umas palmadas, meu pai me ensinou a ser homem'”. Mas é certeza absoluta que, se chamarem a atenção do honorável deputado, ele também negará ser homofóbico. Ou machista. Pois é, somos um país tão tolerante às diferenças que ninguém é homofóbico! Lembram, né? O Marcelo Dourado, vencedor do BBB, que tinha uma suástica tatuada e fazia careta pros três gays da casa, também não era. Quem disse? Ué, o Pedro Bial, aquele mesmo que uma vez em off falou que balé era “coisa de viado”. Se bobear, até o pessoal da internet que criou a tag “homofobia SIM” não é homofóbico! Não, eles só estão lutando a favor da liberdade de expressão. E, se ninguém é homofóbico, se a homofobia não existe no nosso país (só no Irã), se nós não somos homofóbicos, não temos problema algum. Nada a combater. Podemos seguir matando um gay a cada dois dias sem o menor sentimento de culpa. E se os jornais parassem de noticiar esses casinhos isolados, também ajudaria.
(Posso brincar com isso porque eu realmente apoio o MST e a reforma agrária) Falando com uma amiga que conhece o Lenda Urbana faz mais tempo que eu, ela me conta que morreu de rir com meu post de sábado retrasado, embora torça para que o rapaz em questão nunca leia o meu blog, pois ele é tímido e ficaria com vergonha. Tá. Querem saber o nome que ela dá à Lenda Urbana? Latifúndio Improdutivo! Eu quase rolei no chão de tanto gargalhar, porque taí um termo apropriado pro bonitão. Mas essa amiga querida (que eu conheci através do blog) não para:- E isso que você ainda não viu ele sem camisa, pra saber a extensão do solo fértil não aproveitado...- Mesmo com camisa já deu pra entender o tamanho do desperdício! E por aí vai. Ah sim, e ele não é gay. Como podemos ter certeza? Porque há pelo menos uns três rapazes gays no grupo, e eles sabem. Ahn, não que eu soubesse que qualquer um dos três era gay. A conversa comigo é geralmente assim:Amiga: Tal e tal é tão devagar que levou um ano pra notar que Joãozinho era gay.Eu: Joãozinho é gay?!E óbvio que o maridão também não tinha reparado. Típico. Maridão diz, totalmente sem noção, sem nem se esforçar em ser engraçado: “Pensei que ele fosse carioca”. Amiga: Mas que X e Y são gays você tinha reparado, certo?Eu: O quê? Eles são gays?Amiga: São namorados!Eu gritando pro maridão, que tá fazendo a barba no banheiro: “Amor, você sabia que X e Y eram gays?”.Ele: Não, por quê?“Por quê?” é ótimo! Tipo, mesmo com nossa amiga contando a gente não acredita. Claro que saber da orientação sexual dos nossos novos amigos muda tudo na nossa vida. Pelo menos temos alguém pra culpar se nosso casamento heterossexual não dar certo.
P.S.: E eu sei que não presto, mas tudo que consigo pensar ao ouvir Latifúndio Improdutivo no contexto do Lenda Urbana é a linda música que o Chico fez do poema do João Cabral. Maldita monocultura!
Fiquei horrorizada com a notícia de uma menina de 15 anos que morreu após ser espancada pelos pais. O caso aconteceu na terça-feira em Cafelândia, cidade de apenas 16 mil habitantes no interior de SP, e ainda há versões conflitantes. O fato é que os pais de Larissa, evangélicos (mas convém não se fixar neste ponto pra não descambar em precoceito religioso — afinal, até parece que violência contra mulheres e crianças é exclusividade de alguma religião!), não queriam que a filha namorasse. Ela tinha um namoradinho de 14, da mesma escola, que conta que ela apanhava com frequência. No dia, a mãe bateu nela com uma cinta e, depois que o pai chegou, a violência continuou por parte dele com chutes na cabeça. Poucas horas depois, ela teve tremores, foi levada a um hospital, e morreu. A mãe foi internada em estado de choque. Primeiro foi divulgado que apenas o pai seria indiciado, e só por lesão corporal seguida de morte. Agora já se fala que a acusação de homicídio doloso (intencional) será para ambos. O delegado fez umas declarações meio absurdas, dizendo que foi uma fatalidade, que a menina pode ter se suicidado tomando shampoo (?!), que o pior castigo prum pai é perder a filha. O advogado de defesa, que já conseguiu tirar o pai da cadeia, negou os chutes na cabeça: “Ele disse que deu uns chutes no traseiro da garota apenas”. Chutes (no plural!) no traseiro pode, na cabeça não, é isso? Pra chutar o traseiro de alguém, a vítima precisa estar deitada, caída, indefesa. Como alguém pode chutar a própria filha? A história é terrível demais. Lendo os comentário por aí, no entanto, vejo que todo mundo está revoltado. Tirando uma ou outra reação como a enquete que vi num blog, do tipo “Se você fosse um dos jurados, condenaria ou absolveria o pai?”, em geral o pessoal está indignado. Então torço para que este caso escabroso sirva pra alguma coisa, pra gerar reflexão e diálogo, pra fazer os pais pensarem. Primeiro que é mais um caso óbvio de machismo, ou alguém em sã consciência conseguiria imaginar pais batendo no filho por ele namorar?! Só se ele quisesse namorar um outro menino, aí sim. Mas os pais ficariam orgulhosos em ver seu filho de 15 anos namorando uma menina. É o que se espera dos garotos, né? Que pratiquem sua sexualidade. Já as garotas devem se manter dentro de casa, seguras (ahã), longe de predadores sexuais, podendo ser vigiadas pelos pais, já que desejo sexual feminino é algo pra ser combatido, sempre. Se filhos são vistos como propriedade dos pais, filhas são muito mais, numa sociedade patriarcal como a nossa. O corpo da garota não lhe pertence — pertence aos pais. E, quando crescer, se ela tiver um bom casamento, seu corpo pertencerá ao marido. É assim que as coisas são, certo? (como não se cansam de repetir os conformistas).Mas aí eu fico pensando se o que causa essa reação condenatória das pessoas não são as circunstâncias. Olha só que pitoresco: cidadezinha do interior (em que a criminalidade é muito menor que em cidades grandes), menina namorando na praça com menino da mesma idade, tudo tão inocente! Quem pode se opor a esse cenário bucólico? E se a menina estivesse namorando um rapaz de 25 anos? E se eles tivessem sido flagrados num motel, não numa praça? E se ela usasse drogas? Um “corretivo” dos pais seria justificado nesses casos?Vejo com desconfiança a reação das pessoas, porque elas costumam vibrar e aplaudir sempre que uma novela mostra um pai “decente” batendo na filha. E elas próprias batem. Claro que elas creem que têm ótimos motivos pra bater. Elas batem pra educar, não pra matar. Ahn, alguém acha que os pais de Larissa queriam realmente matá-la? Queriam “corrigi-la”, educá-la! Felizmente são poucos os pais que chutam a cabeça dos filhos, mas volto a repetir a pergunta: e chutar o traseiro tá ok? Pais vão dar palmadinhas (que eles, e só eles, acham que não doem) nos filhos até que idade? Porque passando dos dez, doze anos, fica até meio patético dar palmada no bumbum. Mas quem falou que todas aquelas “palmadinhas pedagógicas” dos últimos dez anos corrigiram a criatura? Ela continua errando, ora! E agora palmada não resolve mais. Entra o quê no lugar? Diálogo é que não é! Tapa no rosto? Soco? Não, soco não, que deixa marca. Cinta em que parte do corpo agora?Foi feita uma experiência num bairro de classe média na África do Sul. Quando há barulho de bateria no meio da madrugada, vários vizinhos reclamam. Quando há barulho de briga doméstica, de um marido espancando a mulher que grita, desesperada, ninguém interfere. Em quase todo lugar do mundo é assim. Temos até um provérbio pra isso: em briga de marido e mulher não se mete a colher. Pois bem, com criança é pior. Imagina se alguém vai se intrometer na educação que os pais dão aos filhos? A criança pode chorar sem parar, a gente pode ouvir os golpes, e continuar pensando: “Alguma ela aprontou. Os pais sabem o que é bom pra ela”. Vizinhos não se metem por que eles mesmos fazem isso em casa.E aí, quando o governo sugere uma nova mentalidade, uma lei que condene qualquer tipo de violência física contra uma criança (e não sei por que tanta gente considera que bater em mulher é covardia, mas em criança, desde que sejam os pais, não), vem uma gritaria da sociedade, pregando que o Estado quer se intrometer no seu direito sagrado de educar os filhos. Engraçado como a gente não vê essa gritaria pra parar de vez a violência doméstica, mas ela surge como reação a quem ousa tentar pará-la. Que tal adotar um novo grito de guerra: “Bater nunca mais”? Nem palmadinha, nem beliscão, nem tapa, nem cinta, nem chute no traseiro ou na cabeça. Substituir tudo isso por apenas amor e diálogo, é possível? Porque, francamente, pra mim soa tão ultrapassado bater nos filhos como proibir que uma menina de 15 anos namore numa pracinha. É muito, muito antigo. Um costume que deveria ter sido enterrado junto com nossos ancestrais.
Momentos de terror Duvido que alguém se lembre qual foi o maior sucesso do cinema vinte anos atrás. Impossível se lembrar, mas foi Esqueceram de Mim. Eu chequei. Pode acreditar. A segunda maior bilheteria ficou com Ghost – Do Outro Lado da Vida. Até aí tudo bem. Ghost sempre entra na lista das mais queridas histórias românticas, e com a morte do Patrick Swayze, falou-se muito do filme que fez dele um astro definitivo. A terceira maior arrecadação de 1990 coube a Dança com Lobos, que recebeu o Oscar (sete estatuetas, pra ser mais exata). Que um épico revisionista sobre índios americanos tenha feito tanto sucesso é mais uma prova de quanto o público se infantilizou nessas últimas décadas, ou você conseguiria imaginar Dança com Lobos entre os dez mais de 2010? (Tá certo que Avatar, com o qual Dança é constantemente comparado, rendeu os tubos no ano passado, mas é diferente. Avatar é de ação. Dança tá mais pra contemplação. Eu adoro os dois, viu?). Se eu tivesse que dizer quais desses três campeões de bilheteria de 1990 está mais datado hoje, escolheria Esqueceram de Mim. Claro que a defesa da propriedade privada (o tema do treco) segue fortíssima atualmente, mas não sei. Tem algo muito anos 90 em Esqueceram. Era uma época estranha. Época em que Macaulay Culkin era considerado uma gracinha com toda uma carreira pela frente. O filme envelheceu quase tão mal quanto ele.
Sou parte do problema. Todos nós somos. Você também. Hoje é dia de combate à violência contra mulheres, e estou completamente sem tempo para escrever algo decente (a tag no Twitter é #FimdaViolenciaContraMulher). Mas esta semana tive uma discussão (amigável, espero) com um aluno quando falávamos da violência contra as mulheres. Quer dizer, é meio difícil falar disso como se fosse algo no ar, uma abstração, sem aquela equação de agressor e vítima (que, se sobrevive, preferimos chamar de sobrevivente). E o aluno não gostou de ver seu gênero, o masculino, sendo tratado como algoz. Tod@s nós já ouvimos essas queixas antes: que não são todos os homens, que não dá pra generalizar, que isso é injusto com os homens. Que não são todos os homens é tão óbvio que é ridículo que necessite de resposta. É lógico que não são. Mas são muitos homens. Se conseguirmos mudar a cabeça desses homens, fazê-los com que parem de ver mulheres como propriedade particular, já resolvemos grande parte do problema. Porque é esse sentimento de posse que faz com que homens sintam que podem fazer o que quiserem com “suas” mulheres: estuprá-las, esmurrá-las, matá-las se elas ousarem tentar se separar. Gostaria de propor algo a cada homem que se sentir injustiçado com a acusação de que, sim, homens estupram, homens matam, homens são pedófilos, homens são serial killers (preciso mesmo explicar que não estou dizendo que todos os homens são tudo isso, apenas que a esmagadora maioria dos estupradores, pedófilos e serial killers são homens?). Use a energia que você gastaria pra desmentir esses fatos em outra coisa. Ao invés de gritar “Não são todos os homens!”, “Eu não sou assim!”, e “Assim você me ofende!”, gaste esse vigor todo pensando: o que você pode fazer para diminuir o problema? Mesmo que o problema não seja diretamente seu (afinal, você não é um agressor), ele é parte integral do mundo em que você vive. Aliás, no mundo em que eu vivo também. E eu não preciso ser agredida para lutar para que isso pare de acontecer com mulheres ao redor do planeta, preciso? Então você também não precisa agredir pra fazer deste o seu problema. Afinal, se tantos homens são agressores, é meio ridículo que uma pauta como combate à violência contra as mulheres seja apenas feminina. Tem que ser, acima de tudo, uma prioridade masculina. Portanto, assuma a sua parte: o que você pode fazer para que este problema imenso de toda a sociedade diminua (o ideal seria que desaparecesse, mas vamos começar pela diminuição)?
Permita-me algumas sugestões: se você tiver um blog, escreva sobre isso. Escreva sobre quando você começou a autoanalisar o seu sentimento de posse. Escreva sobre o que viu de desigual no relacionamento entre os seus pais. Escreva sobre o ciúme doentio que você sentiu aquela vez da sua namorada. Escreva quando descobriu que as mulheres merecem respeito. Por que escrever? Primeiro, porque você coloca esses sentimentos pra fora. Faz pensar. E, desta forma, você é capaz de convencer outros homens a fazer o mesmo. Mais do que eu, uma feminista confessa que eles vão olhar com desconfiança. Que tal formar grupos de discussão de homens? Isso existe nos EUA entre homens feministas, homens que reconhecem que há algo de errado na sua formação, algo que faz com que sejam violentos com mulheres. Homens que querem mudar esse quadro. Nessas reuniões, eles discutem conceitos como o que é ser homem (é ser violento? É recorrer à violência para resolver conflitos? Quando esse aprendizado começou? Como apagá-lo?). Sabe, palavrinhas que para feministas (tanto mulheres quanto homens) estão ultrapassadas, mas que continuam vivíssimas no senso comum, palavras como hombridade, macheza, mulherzinha. Note que, discutindo esses conceitos, você estará não apenas atacando o machismo, como também a homofobia, que sempre caminha de mãos dadas com o machismo. Fale com seus amigos sobre estupro. É, é tabu, eu sei, é aquilo que só psicopatas fazem na calada da noite, aguardando vítimas desconhecidas cruzarem o seu caminho. Pois bem: não é. A maior parte dos estupros não é cometida por psicopatas anônimos, mas por amigos e familiares da vítima. E, se as estatísticas apontam que quase 30% da população feminina no mundo já foi vítima de abuso sexual, é sinal que tem muito homem do tipo “longe do clichê do estuprador anônimo” estuprando. E não duvide: toda mulher tem uma história de horror pra contar. Histórias de horror que acontecem por apenas um motivo: por elas serem mulheres. Converse com seus amigos. Quando que vocês “forçam a barra”? Quando uma mulher diz não, ela deve ser levada a sério? (ahn, sim, deve, mas não se surpreenda se seus amigos, e algumas amigas, acharem que não). O que vocês homens podem fazer para que o estupro suma da face da Terra? Ou é demais sonhar com um mundo em que nenhum ser humano seja forçado a fazer sexo contra sua vontade?Que outras sugestões você tem? Pense! É o seu mundo também. Faça a sua parte. Faça a coisa certa.
Pode parecer que gosto, mas não gosto de lavar roupa suja em público. Só que considero este um debate importante demais pra ficar num só grupinho, o de sempre, só entre algumas blogueiras feministas. Temos um grupo de blogueiras feministas por email (do qual ando lamentavelmente faltosa, por não ter tempo), mas uma discussão sobre a ausência de mulheres na histórica entrevista do presidente Lula só está rolando prum grupinho. Acho injusto. Quero que tod@s participem. Antes, um pouquinho de contexto. Gosto muito da Maria Frô, nick de Conceição Oliveira. Foi graças a ela, e só a ela, que fui chamada de última hora pra participar do Encontro de Blogueiros Progressistas. E isso depois de eu chiar muito pelo fato que praticamente todos os participantes de mesas e coordenações eram blogueiros homens. A Maria Frô tem um ótimo blog, atualizado diariamente, e é mais ativa ainda no Twitter. Mas, como ela faz parte da comissão dos Blogueiros Progressistas, defende com unhas e dentes esses blogueiros. Depois de um tempo, imagino, a pessoa para de achar estranho que esses blogueiros conheçam apenas duas blogueiras, ela e a outra Conceição. E sabem por que conhecem? Porque ambas escrevem pro Vi o Mundo, que pertence a um desses blogueiros.Num email, ela disse que, se não somos chamadas, é porque nossos blogs têm um baixo número de visitas. Não somos nós que não somos representadas nesses eventos, são nossos blogs que não têm a popularidade desejada. Se quisermos ser chamadas, precisamos nos mexer. E citou o blog dela e outros dois (de homens) como exemplos de blogs que têm 500 mil page views (diferente de visitas) por mês. É um pouco de miopia demais pro meu gosto. O blog dela tinha 500 mil page views antes d'ela entrar pro Vi o Mundo? Os outros dois blogs citados teriam tantos acessos se não fossem linkados a torto e a direito pelos blogs gigantes, aqueles com 4 milhões de page views por mês? Se esses blogs passassem a linkar blogs de mulheres, será que esses também não alcançariam 500 mil page views? Bom, abaixo está uma parte do email que respondi pra ela. A Cynthia, feminista que faz parte da blogosfera desde 2002, é que pediu pra que eu fizesse um post disso, porque ela acha que valoriza o meu trabalho e o de outras blogueiras:"Pô, Conceição, vc conhece o meio! Sabe que tem muito blogueiro progressista machista pra caramba. Sabe que eles não conhecem blogs de mulheres. Sabe a visão que eles têm de blogs de mulheres. Pior que a visão que têm de blogs de mulheres, é a visão que têm de blogs feministas! Pra eles, feminismo não é político. É só um bando de histéricas reclamando de barriga cheia. SEMPRE que eles falam de feminismo, eles derrapam feio, mostram uma visão preconceituosa, provam que não etendem nada do assunto. E não querem aprender, não. Isso de só convidarem blogueiros (tirando as duas únicas blogueiras que eles conhecem) aconteceu no Encontro Progressista, aconteceu nessa entrevista, vai acontecer no próximo evento importante. Por que eles mudariam, né? Pra eles tá bom. Pra vc e pra Conceição também tá bom. Desse jeito a gente pode continuar tratando a falta de representatividade das mulheres na política, na blogosfera, nos cargos de alto escalão, como... culpa das mulheres. Elas que não se mobilizam, elas que não têm interesse, elas que são limitadas, tadinhas (o mesmo vale pros negros: negros só não estão na política porque não ligam pra isso! Aí vem os homens brancos ocupar o espaço que ninguém quer!). É duro, viu? Eu gasto horas no meu blog, atualizo todo dia, consegui levar um blog feminista, de nicho de mercado mesmo, a 100 mil page views por mês, sem ajuda alguma da blogosfera progressista, apesar de tantas vezes escrever sobre os mesmos assuntos, só que sempre com um viés feminista. Um blog totalmente independente, tocado sozinha. Nunca pensei que chegaria a 100 mil page views, que considero um número extraordinário. Ou muitos blogs têm isso? Quais blogs que participaram da entrevista têm isso? Quais foram os critérios pra escolha? Mas aí eu ouço que 100 mil page views é migalha, e que eu que não me esforço o suficiente, ou sou limitada, e por isso não consigo alcançar 500 mil. Quando vc sabe muito bem que, mesmo que o meu blog tivesse 500 mil page views por mês, eu ainda assim não seria chamada! Porque o pessoal da comissão não me lê, nem lê outros blogs feministas. Não existimos pra eles.”Voltando aqui: gente, cuidado com o um peso e duas medidas. Tem blogueiro homem por aí que inclui um parágrafo, uma linha lamentando a ausência de blogueiras na entrevista, e é chamado de nobre e sensível, puxa vida, esse sim não é machista! Enquanto eu aqui, por ser mulher, sou uma destemperada invejosa reclamando por não ter sido chamada. Entendem a diferença? Mesmo se eu não fosse blogueira, reclamaria ao ver uma entrevista em que todos os entrevistadores são homens. Ainda mais uma entrevista de blogueiros. Repito: a maior qualidade da blogosfera é a diversidade. Diversidade que ainda não chegou aos ouvidos de vários blogueiros progressistas. Pelo contrário. As piadinhas feitas com as nossas reclamações (minhas, de outras blogueiras, e de praticamente qualquer pessoa com um mínimo de justiça social que passava os olhos pela lista) foram nesse nível: “é entrevista com o presidente ou congresso de ginecologia?”. Sim, porque tem internauta (de esquerda!) que acha que, pra mulher participar de algum evento, só se for o de ginecologia. E não como palestrante, bem entendido. E aí, blogueiros progressistas? Dá pra ter um tiquinho de autocrítica e aceitar que o machismo de vocês não é assim tão diferente do dos reaças? Dá pra aceitar que não houve representatividade na entrevista? Ou vão fingir que não e repetir o mesmo erro no próximo evento? Quando a gente tentar arranjar uma entrevista com a Dilma só com blogueiras, seremos tratadas como radicais separatistas?
Hoje às 9 (será que aqui no Nordeste será às 8?) Lula vai conceder a primeira entrevista de um presidente brasileiro a blogueiros. Na realidade será uma coletiva com a participação de dez blogueiros que irão ao Palácio do Planalto, e também de internautas, que mandarão suas perguntas online. A entrevista é importante porque valoriza um veículo de informação e opinião que ainda está engatinhando, mas que começa a ganhar corpo. Ou alguém duvida da força da blogosfera nessas eleições? Absolutamente tudo foi discutido em tempo real por uma infinidade de vozes. Esse fenômeno se viu em 2006, lógico, mas sem a mesma força. A tendência com a popularização da banda larga é que mais e mais gente tenha acesso a blogs, tanto pra lê-los quanto pra escrevê-los. Os governantes não podem mais fingir que a internet não existe. Portanto, a iniciativa de Lula é ótima. Como blogueira, fico muito feliz. Ao mesmo tempo, como blogueira, não fico muito feliz. O problema óbvio é a falta de representatividade na escolha dos dez blogueiros. Apenas uma blogueira foi convidada, e ela não pôde ir. Primeiro que é um pouquinho chato que a blogosfera progressista considere que temos apenas duas blogueiras mulheres, a Maria Frô e a Conceição Lemes. Gosto muito delas, mas ambas são do Vi o Mundo, um dos maiores blogs da internet, criado pelo Luiz Carlos Azenha. Já esperneei um monte de vezes: gente, nosso grande diferencial em relação à velha mídia é, além da nossa independência, nossa diversidade. A velha mídia (e nesta crítica preciso incluir a Carta Capital e a Caros Amigos) conta com uma esmagadora maioria de homens brancos entre seus colunistas de opinião. A blogosfera tem mulheres, negros, gays, etc etc, e todas essas pessoas têm o potencial de trazer uma visão um pouco diferente da dos privilegiados. Mas, a julgar por quem seleciona blogueiros para eventos importantes, como uma entrevista com o presidente, parece que só temos blogueiros – e o “ros” é especificamente masculino. Sinceramente, se tal seleção viesse do Instituto Millenium, eu entenderia. A direita não dá a mínima pra representatividade. Acha isso frescura. Mas a esquerda não deveria ser diferente? No momento em que elegemos a primeira mulher presidente, no momento que essa presidente se empenha para trazer pelo menos um terço de mulheres para ocupar ministérios, pega mal que a blogosfera progressista faça tanta questão de ser um clube do Bolinha. P.S.: Adorei a entrevista (tuitei um pouco sobre ela), que foi linda e maravilhosa, com um Lula muito à vontade. Mas o fato de só haver blogueiros homens e brancos me incomoda. Porque é um sintoma. Eles cometeram o erro de "esquecer" blogueiras no Encontro Progressista, e agora "esquecem" pra entrevista. No próximo evento importante, pode ter certeza que "esquecerão" também, assim como "esquecem" de linkar blogs escritos por mulheres. Isso porque ainda pensam que blogueira não escreve nada sério. O universo de blogueiras que escrevem seriamente que eles conhecem se restringe a duas mulheres. Tá na hora de abrir a mente e virar progressista pra questões de gênero, raça, orientação sexual...