Sexta descobri, através de uns tweets entre a Cristine e a Bianca, um blog fenomenal sobre como é fazer arte no Brasil. Tudo bem, como disseram as duas fofas citadas acima, o blog vale pra todo mundo que já fez um freela alguma vez na vida, seja escrevendo, traduzindo (como eu já fiz! Parei porque sou péssima tradutora), revisando (também já fiz, em outra reencarnação), trabalhando com informática, ou desenhando. Sempre vai ter alguém muito cara de pau achando que seu trabalho é um mero hobby e exigindo que você trabalhe de graça. Lógico que essas pessoas oferecerão algo em troca, como prestígio (afinal, você associou seu nome ao dela!) e oportunidade (no próximo serviço vamos te pagar sem falta, ou senão quando nosso negócio deslanchar). Mas DiVasca trabalha com desenho e, como um dos seus sábios clientes em (im)potencial lhe disse, “Eu sou advogado e sei o quanto vale o dinheiro, não se pode cobrar isso por alguns desenhos”. DiVasca conta suas agruras como ilustrador e designer, e olha, este deve ser o segundo melhor blog de humor que conheço (os blogs mascus, desculpe, ainda são os que me provocam mais gargalhadas). Ele não só desenha divinamente, como escreve muito bem. Tanto que eu tava lá na faculdade vazia (servidores em greve, colegas ainda de férias ― as aulas começam amanhã!) e comecei a rir muito alto, e não consegui fazer quase nada do que fui fazer. Tem tanto post hilário, começando por este, “Eles podem te chamar pra uns freelas”, em que um senhor lhe pede um desenho de bebê pro chá do seu neto. É sempre triste ver um homem crescido gritar “Desenho completo, Chirrin!” pra tela do seu computador, mas ele mereceu. Este cliente também é uma beleza. Todo mundo já conheceu um, né? Aquele que explorou outro e agora quer explorar você. Assim, ele diz pro Di: “to te mandando um rascunho que um menino fez, só que não terminou porque eu achei muito caro. Dá pra fazer em cima desse mesmo, cara? ahh e faz baratinho pra mim porque é super simples”. Mas quando uma mulher pede pro nosso ilustrador fazer sete caricaturas pra uma nova editora em troca de “trabalhos futuros”, e ele diz: “Cecilia, você é impressionante”, e ela responde: “Obrigada, fofo”, aí eu já desconfio. Sei que tem muita gente sem nenhum simancol, mas tanto assim? DiVasca tenta esclarecer: “Eu faço um trabalho gratuitamente pra você e como pagamento me promete mais trabalhos gratuitos?”. No post seguinte que li no blog minha inveja do Di chegou a níveis absurdos. Gente, por que eu não sei desenhar? Imagina o charme que é poder sacanear seus amigos, colegas e trolls com um infográfico! “Por que o Ribeiro chamou Paulo José a sua sala” é um clássico. Este é um post em cinco partes, que vai ficando cada vez mais surreal e engraçado. Não vou negar que a fixação do ilustrador com pir*cas e ânus não seja um tanto quanto homofóbica, mas não tenho como ficar brava com alguém que escreve “Super pir*ca mega blaster destroyer anal massacre 5.000 of death”. Imagina como deve ser ótimo você fazer um desenho do tipo “O que Di Vasca acha de Paulo José?”, um colega de escritório. Mas nada é mais engraçado do que quando a pobre vítima, Paulo José, envia seu próprio desenho por email pra todo o departamento. E ele recebe mensagens de volta do tipo “Vc num devia desenhar não”. Eu ri muito alto no “Aquilo é uma pá?”, e na descrição da moça que mandou aquele infográfico pro cliente sem ver. A parte seguinte é um email do chefe da agência. O assunto? “Perdemos uma conta”. Impagável. Ah, toda essa gandaia me lembrou tanto do meu tempo de redatora em agência de propaganda! Pena que não havia internet.Di Viasca também tem uma resposta à altura pra quem pede um trabalho “pra ontem” (se bem que, como a Bianca ensinou, basta cobrar uma “taxa de urgência” que o cliente desiste da urgência na hora). Este post “Um linkbuilding mútuo”, além de excelente, serve pra todas as vezes em que alguém nos pede um favor em troca de muitos contatos. Di responde a um rapaz: “Não me entenda mal, não é que eu não quero fazer o trabalho de graça pra você (estou com muita vontade mesmo) [...]. Concordo que o linkbuiding é bem melhor que dinheiro, mas acontece que eu tive uma experiência bem esquisita ao tentar adquirir uma geladeira dessa forma”. E lá vai ele relatar o chat com a atendente de telemarketing. E o cartão de visitas que ele faz pra uma cliente? E a resposta à clássica pergunta (só o valor muda ao longo dos tempos) “O que podemos fazer com R$ 100?”.Tem também este de uma ex-colega da facul que pede pra ele fazer a ilustração de despedida pro gatinho. Envolve um pouquinho de crueldade ilustrativa com o bichano, mas como não é real, não me ofendeu nem me alarmou. Eu acho o máximo como a colega no início pede um favor mega-fófis e sua linguagem vai se modificando. De repente ela tá falando palavrão. Olha, é ver pra crer, e pra chorar de rir. Depois vi nos comentários que o post é inspirado neste excelente post de um ilustrador australiano que mora nos EUA e já tem livro publicado e tal. Mas achei o do Di melhor por causa dessas modificações da linguagem da moça. Ela vira uma personagem mais real (olha eu começando a fazer crítica literária com uma troca de emails!). Aliás, isso de criar um post escrevendo e respondendo emails parece muito promissor. Tentarei fazer algum dia. Nem preciso saber desenhar!Bom, agora que já ajudei a divulgar o incrível blog do Di, não espero nada menos que ele faça uma total reformulação visual do meu bloguinho. Se ele topar, eu até indico ele no Twitter. Tenho muitos contatos, sabe? Uma oportunidade de ouro!
Pelo menos tenho o printscreen enviado pelo Alfeu
Opa! Preciso correr e escrever sobre os dois milhões de visitas antes que o blog ultrapasse este número. Minha primeira dúvida é se são dois milhões de visitas ou duas milhões de visitas. Agora que escrevi o troço por extenso tá em parecendo que são dois milhões, mas de toda forma digitei no Google pra saber, e os blogs espertinhos que comemoraram tal marca optaram pelo numeral 2, só pra não se comprometerem. Assim fica fácil!
Confesso que ando meio cansada dessas comemorações. Em junho foi meu aniversário (tava rindo aqui relendo os diálogos espirituosos do maridão, que viajou ontem e volta hoje, espero, o que explica a total falta de fotos comemorativas), agora em agosto será o 21o ano de “casamento” (quando chegar a data eu explico as aspas). E parece que foi ontem que celebrei o terceiro aniversário do blog (em janeiro), ou mesmo a marca do um milhão de visitas, no final de outubro (as primeiras mil visitas foram em fev 08, dez mil em abril 08, quinze mil em maio 08, 25 mil em junho 08, 50 mil em agosto 08, cem mil em nov 08, duzentas mil em março 09, e meio milhão em nov 09, aí aprendi a celebrar mais esporadicamente. Demorei, mas aprendi! Só coloco os links das outras comemorações porque aqueles posts estão muito mais inspirados que este).
O que levou o blog a outro patamar foi mesmo minha entrada no Twitter (ai meu deus, outra comemoração: primeiro ano de Twitter no final de agosto). Durante muitos e muitos meses de 2009 e 2010 o blog ficou estacionado nas 35, 40 mil visitas por mês. Havia pequenas oscilações mês a mês, mas era pouca coisa. E eu já estava bastante conformada. Achava que 40 mil era um número decente de visitas vindas de leitor@s fieis. Mas foi só entrar no Twitter que o blog rapidamente passou as 50 mil visitas, e depois as 70 mil (ok, coincidindo com as eleições — todo blog que fala de política dispara no número de visitas durante o período eleitoral). Hoje quase 19% das visitas do blog vem através do Twitter, e boa parte (mas não sei quantas) pela minha conta no Twitter. Ou seja, quem tem blog e acha que dá pra divulgá-lo sem entrar no Twitter, you're doing it wrong. Mas óbvio ululante, todo mundo já sabia disso e vivia me falando pra eu entrar, e eu aqui, resistindo, feito uma boba. Hoje todo mundo me diz pra entrar no Facebook — que já representa 13% das visitas do blog, então é óbvio que essas pessoas estão certas. Mas tenho medo. O Twitter já é viciante, e eu já fico muito, muito mais tempo que posso na internet. São inúmeras horas por dia, e desse jeito não sobra tempo pra fazer mais nada (tipo escrever e publicar artigos acadêmicos, algo imprescindível quando se é professora universitária de uma federal).
Ish, não tem a menor chance de eu publicar este post antes dos 2 milhões. (Agora já passou da marca faz tempo! O Alfeu me enviou um printscreen, que publico acima. Fico feliz que o número 2 milhões tenha sido alguém que conheço pessoalmente. Como prêmio, vou deixar o Alfeuzinho ganhar de mim no xadrez. Ahn, pra quem não sabe, essa gracinha que é o Alfeu mora em Lages, vive viajando pra jogar torneios internacionais, é cinéfilo, e um dos jogadores mais fortes de SC e do Brasil. Cartas pra redação!).
Então, continuando, depois de chegar às 80 mil visitas num mês, em outubro, o blog ficou nesse patamar (caindo pra 61 mil em dezembro, mês de férias) durante meio ano. A explosão mesmo veio em maio, quando o blog inexplicavelmente, sem nada de especial acontecendo (apenas alguns posts mais populares), teve 95 mil visitas e impressionantes 155 mil page views. E aí no começo de junho aconteceu toda a polêmica com o Marcelo Tas — que, a julgar pela falta de notícias, desistiu de me processar (ainda bem!) — e os números do blog foram totalmente atípicos, porque definitivamente não é comum ter 83 mil visitas em um dia. Em junho foram 327 mil visitas e 466 page views, um número absurdo que o blog jamais terá novamente. E zuzo bem. Este blog, além de feminista (ou seja, ele trata de muitos assuntos indesejados), é feito por uma só pessoa (sem contar querid@s leitor@s que colaboram com excelentes guest posts) que não é absolutamente nenhuma celebridade e que não vive da internet, porque senão morreria de fome. Então ficarei estupidamente satisfeita se o blog conseguir se firmar numas 120 mil visitas e 200 mil page views por mês. Acho um número fantástico. Não há dúvida que a briga com o Tas e com o CQC em geral trouxe muit@s nov@s leitor@s, principalmente seguidor@s no Twitter. Tanto que durante este mês de julho, mês de férias em que (imagino) a maior parte dos blogs vê seus números despencarem, o bloguinho terá umas 97 mil visitas e 170 mil page views, um número estrondoso pra quem viajou durante metade do mês. Quer dizer, eu deixei vários posts agendados e tal, mas parece que não é a mesma coisa — se eu não estou aqui, vocês não estão aqui, suas/seus dependentes químic@s!
Bom, como este já é o post mais chato do universo y sus arrededores, cheio de números, vou aproveitar pra dar mais alguns: até agora, em três anos e meio de bloguinho, foram 58 mil comentários, 2249 posts, 3.327.000 page views, 2616 seguidor@s no blog, e 5450 no Twitter. Pessoalmente eu acho que boa parte dos meus posts aqui são meros detalhes, e o que conta mesmo é o debate que vocês trazem pras caixas de comentários. Nisso eu não sou modesta — não conheço outro blog com comentaristas tão inteligentes, divertid@s, perspicazes, como @s que aparecem aqui. Sei que tenho minha parcela de responsabilidade em atrair tanta gente boa e competente, mas insisto: quem aparece aqui só pra ler os posts, e pula os comentários, não sabe o que está perdendo.
Muitíssimo obrigada a tod@s vocês. Eu me sinto muito amada, viu? E escrevo sempre pensando em vocês, e não nos trolls (que parecem ter tirado férias também, zeus seja louvado) ou no meu hate club, que, à medida em que o blog cresce, cresce também (parece inevitável, tipo Gremlins na água). São vocês que me mantem informada, que sugerem pautas, que abrem novas perspectivas, que me levam pra outros caminhos, enfim, que me fazem dedicar uma parte imensa do meu dia a escrever sem me cansar. Só posso agradecer. De coração.
Fiscal da dengue interrompe escavação Permitam-me ser honesta como sempre. Antes de ir ver Assalto ao Banco Central (mas bem depois de decidir que queria ver o filme), fiquei sabendo, via Twitter, da polêmica envolvendo a produtora e o crítico de cinema Pablo Villaça. Não é nada tão gigantesco, então imagino que tenha um monte de gente que não sabe. Vou contar o que entendi. Pablo, que é crítico profissional com um bom tempo de estrada e muitos leitores, não gostou de Assalto (leiam sua crítica aqui; concordo com algumas coisas — é realmente absurdo o retrato do Lima Duarte no escri, ou “Banco Central” escrito em letras garrafais na tela do computador do banco —, discordo de outras). A produtora de elenco não gostou da crítica de Pablo e escreveu um tweet que parece muito preconceituoso, dizendo que Pablo (que é mineiro) tem cara de cearense. Seria melhor ter ficado quieta, né? Até porque parte do filme foi rodado aqui em Fortaleza. E o que seria cara de cearense? Eu também tenho? Mas desconfio por que a produtora (que é também a mulher do diretor Marcos Paulo) ficou furiosa com Pablo. Ele exagera em dizer que a aparição de um minuto da também atriz (ela faz a namorada da detetive feita pela Giulia Gam) é caricatural. Sua presença na tela é tão breve e pouco importante que acho injusto pegá-la pra Cristo. Lógico que sua personagem não acrescenta nada pra trama, mas aí a culpa não é da atriz, é do roteiro. Meu problema com o filme é que não entendi seu propósito. É só entretenimento? Porque, se for, ele não faz rir (na sessão em que eu estava, houve alguns poucos risos baseados unicamente no personagem gay interpretado por Vinicius de Oliveira), não comove, não faz perder o fôlego nas cenas de ação ou de sexo. Li no site deles que o filme é uma obra de ficção. Deve ser, porque eu saí do cinema sabendo menos sobre o assalto ocorrido em Fortaleza do que quando entrei. E, pô, eu fui pra me informar mais sobre a história do maior assalto a banco no Brasil!Tudo bem, não esperava um documentário. Mas queria conhecer melhor os participantes, suas conexões, o que aconteceu com eles, talvez suas motivações. E também queria saber um pouco mais sobre o local em que o assalto aconteceu. Infelizmente, o filme mostra tão pouco de Fortaleza que poderia ter sido filmado em qualquer lugar. Não deu nem pra saber aonde fica o tal banco.Eu morava em Santa Catarina na época do assalto, em agosto de 2005. Foi um crime espetacular e muito noticiado pela mídia: um túnel imenso cavado por baixo do banco, e quase 165 milhões de reais roubados. Obviamente envolvia uma grande quadrilha, sem lugar pro amadorismo. Mas meu interesse maior ao longo desses seis anos foi constatar aquele velho clichê de que o crime não compensa. Toda notícia que saía no jornal era de um integrante preso, morto, ou sequestrado, quase sempre extorquido por policiais e outros bandidos. Sei que pouco dinheiro foi recuperado (cerca de 20 milhões em dinheiro e mais outros 20 em bens). Quase nada disso aparece no filme. Tá, mas se não vão mostrar o planejamento ou a execução do crime, pelo menos vão mostrar o que cada participante faz com o dinheiro, certo? Ahn, não. E olha que essas partes costumam ser minhas fantasias preferidas. Você cometeu um crime e/ou precisa sumir da face da Terra. O que fazer? Praonde ir, pruma cidadezinha no fim do mundo ou pruma metrópole bem distante? Como mudar o nome? Como lavar o dinheiro? Tem como depositá-lo num banco suíço? Eu e o maridão conversamos sobre o assunto após a sessão e constatamos que não levamos o menor jeito pra coisa. Não temos qualquer inteligência criminal. Mas juro que o papo foi mais interessante que o filme. Desculpe, o elenco tá bem, o filme até tem um ritmo decente, pelo jeito a bilheteria tá indo de vento em popa, e eu sempre torço pro cinema brasileiro dar certo. Mas achei Assalto muito decepcionante. E mais não tenho vontade de falar sobre ele.Pronto. Se alguém quiser me achar com cara de cearense, já vou avisando que adoro esta cidade e este Estado que escolhi pra morar desde o ano passado. Mas sou tão cearense quanto fui americana durante o ano em que vivi nos EUA.
Anúncio de macarrão: carne pronta para consumo Não há dúvida que o consumo de carne na nossa sociedade é vendido como algo masculino. Afinal, mulher tem que gostar de salada; homem, de churrasco. Como nossa cultura relaciona o consumo voraz de carne ao apetite sexual (e esse apetite, como estamos cansadas de saber, não cai bem para as mulheres certinhas), a propaganda faz tudo para ligar carne à masculinidade, como se estivéssemos ainda no tempo das cavernas, em que nossos valentes antepassados saíam com suas travas para caçar Tiranossauros Rex (é, tem gente que acha que Flintstones é documentário). Há inúmeros exemplos na propaganda desse clichê. Ainda hoje o homem é pintado como um eterno caçador, que sai à noite à caça de carne, cerveja, mulher. Animais ganham outro nome quando são comidos (não comemos boi nem vaca, comemos bife); mulheres são reduzidas a meros nacos de carne.
O especismo indiscutivelmente passa pelo machismo. Há pelo menos um livro importante sobre o assunto, chamado The Sexual Politics of Meat: A Feminist-Vegetarian Critical Theory, de Carol J. Adams (a Deborah traduziu um pedaço na segunda metade do seu FAQ Vegan). A opressão e a exploração dos animais tem muito a ver com a opressão das minorias humanas, como mulheres e negros (veja, por exemplo, o Vegans of Color, que trata de lutas raciais e anti-especistas).
A Deborah, que já havia nos agraciado com um excelente guest post sobre veganismo, desta vez se junta a Patrícia Nardelli para escrever um texto cujo tema, a meu ver, deve ser pensado em todas as nossas lutas.[Deborah] Quem afaga um cão e come uma picanha “sangrenta” é “mau”? Não, mas é de fato especista, ou seja, alguém que trata determinados animais como “coisas” e outros enquanto “indivíduos”, o que é muito similar ao machismo: “É claro que não sou machista! Amo minha mãe, minha filha e minha irmã! O que não defendo é mulher que não se dá o respeito!”. [Patrícia] O especismo se define exatamente por isso: é a consideração de que uma espécie é superior às outras e, portanto, detém direitos sobre ela. Não à toa, é bem parecido com o racismo e o sexismo. Quem assistiu ao documentário Terráqueos (veja aqui) ou leu Libertação Animal do Peter Singer (sem entrar aqui no mérito da discussão bem-estarismo x abolicionismo) sabe que a comparação é proposital e filosoficamente embasada. Para ficar mais claro, a definição da Wikipédia é muito bem resumida: Especismo é a atribuição de valores ou direitos diferentes a seres dependendo da sua afiliação a determinada espécie. O termo foi cunhado e é usado principalmente por defensores dos direitos animais para se referir à discriminação que envolve atribuir a animais sencientes diferentes valores e direitos baseados na sua espécie, nomeadamente quanto ao direito de propriedade ou posse. De modo similar ao sexismo e ao racismo, a discriminação especista pressupõe que os interesses de um indivíduo são de menor importância pelo mero feito de se pertencer a uma determinada espécie. De acordo com a igual consideração de interesses, de qualquer que seja a espécie os interesses semelhantes devem ser respeitados.
Deste modo não se trata, como se equivocam muitas pessoas, de atribuir igualdade entre as espécies. Nós abolicionistas não somos cegos, reconhecemos que as espécies diferem entre si, que suas diferenças são, oras, específicas. Dentre elas está a que nos torna humanos, nossa capacidade específica de produzir cultura da maneira como produzimos. E de modificá-la. Entendemos, portanto, que é do interesse do animal senciente manter-se vivo e não sentir dor. Deste modo, temos o dever de respeitar este interesse, pois ele não deve valer menos do que o meu interesse em, por exemplo, saborear uma picanha. Não é do nosso interesse impedir que raposas matem galinhas, por exemplo, mas é do nosso interesse insistir em uma mudança em nossa própria cultura, que cria galinhas em massa sob condições cruéis para serem utilizadas por nós. Eu acho sim, que há uma enorme diferença entre mim e uma raposa. Ela nem precisa de uma faca para comer a galinha, afinal. [Deborah] Neste vídeo o chef Jamie Oliver mostra para um grupo de crianças como os nuggets são feitos. O nojo inicial é substituído por apetite quando ele usa forminhas para dar-lhes bom aspecto, e depois de fritos ninguém os recusa. Acostumamos com a aparência dos alimentos, e se não comemos olhos de bode é porque não nos acostumamos com isso desde as primeiras refeições. Há quem julgue exótico e tenha nojo de assistir degustação de insetos, sem saber que biscoitos de morango, sorvetes, balas e diversos alimentos com a cor vermelha, rosa ou roxa utilizam um corante de insetos esmagados: cochonilha. As divisões são muito claras entre o que é comestível ou repulsivo: coração de galinha, pata, joelho, orelha, língua e demais partes do porco são permitidas, enquanto um espeto com corações de gatos ou uma feijoada canina gerariam ondas de protestos. [Patrícia] Edmund Leach, em seu texto Aspectos Antropológicos da Linguagem: Categorias Animais e Insulto Verbal, atenta para o fato dos nomes animais serem modificados depois de mortos para fins alimentares, em especial no que diz respeito aos animais de grande porte: “Assim, quando morto, bullock (novilho) torna-se beef (carne), pig (porco) torna-se pork (carne de porco), sheep (carneiro) torna-se mutton (carne de carneiro), calf (bezerro) torna-se veal (vitela) e deer (veado) torna-se venison (carne de veado)”. É pertinente a citação no sentido que ilustra o distanciamento existente entre o animal que foi morto e a comida em questão. Distanciamento também relacionado à lógica de consumo capitalista ocidental, onde a relação de reciprocidade e de convívio com o animal, típica da economia com base familiar, é quebrada. O documentário A carne é fraca (veja aqui) atenta para o caráter alucinatório da propaganda de carne, na qual o/a protagonista, no caso do frango, para dar um exemplo, é muitas vezes um frango sorridente que anuncia a própria carne (o blog Suicide Food, comida suicida, traz inúmeros exemplos). A propaganda mascara a realidade da produção tanto da carne quanto dos derivados animais através da divulgação de animais sadios e satisfeitos, criados com carinho e dedicação. Leach também coloca que do ponto de vista de um “eu” masculino as mulheres são divididas nas seguintes categorias (a referência são parâmetros culturais ingleses): 1) As muito próximas, uma categoria fortemente incestuosa; 2) Parentes, mas não muito próximas, com quem o casamento é proibido ou desaprovado, mas relações sexuais são toleradas ou esperadas; 3) Vizinhas/amigas não parentes, uma categoria daonde podem sair esposas e 4) Estrangeiras distantes, com quem não se têm relações sociais. As categorias pelas quais são divididos os animais também são quatro e compatíveis, a saber: 1) Aqueles muito próximos, fortemente não comestíveis (como animais de estimação, por exemplo); 2) Domesticados, mas não tão próximos, como animais de fazenda, normalmente comestíveis se novos ou castrados; 3) Caça, onde se alternam sentimentos de amizade e hostilidade, e 4) Animais selvagens distantes, que não são comida. O ponto aqui é chamar a atenção para o que queremos afirmar quando dizemos que nós mulheres somos tratadas como pedaços de carne. A categorização entre a comestibilidade e o parentesco é tão próxima que nós, mulheres, somos vistas como coisas, propriedades, dos homens.
Se você não conhece, aproveite as informações seguintes (e muitas mais aqui), dessas que você não verá numa revista feminina ou na TV: a Mooncup é uma fabricante de coletores menstruais de silicone, dispositivos que eu espero que logo logo tomem conta do mercado e substituam absorventes e tampões, que são uma desgraça pro meio ambiente. Um coletor, também chamado de copinho, custa caro (uns 70 reais), mas dura entre cinco e dez anos, é muito mais higiênico (você que esteriliza), faz com que as mulheres tenham uma relação mais íntima, digamos, com sua anatomia (você dobra o “copinho”, coloca dentro da vagina, depois tira, joga o sangue no vaso, lava). Todo mundo que usa adora. Então por que só ouvi falar do tal copinho no começo do ano? Duh. É lógico que a mídia não vai divulgar um produto que pode extinguir um de seus maiores anunciantes (tá aqui uma exceção pra confirmar a regra). Pense só: aquela metade da população mundial conhecida como mulheres usa milhares de absorventes descartáveis durante sua vida reprodutiva. Nada de errado com menstruar, faz parte do cotidiano, mas os copinhos chegaram com tudo pra promover um jeito mais prático, confortável, ecológico, e inodoro (como o sangue não entra em contato com o ar, não causa cheiro) pra conviver com o fluxo. Toda a divulgação tá sendo feita boca a boca. No Brasil dá pra encomendar os copinhos; é só vasculhar na internet (a Miss Cup, por exemplo, é brasileira). Mas essa fabricante, a Mooncup, pediu as suas consumidoras que enviassem os nomes que dão pra suas vaginas. Recebeu uns 14 mil nomes (ainda pode colaborar), e selecionou 25 pra usar na espetacular “The Vagina Song” (a canção da vagina). Já viu? Tá no YouTube.
Eu não tenho nome pra minha. Aliás, eu só chamo vagina de vagina. Acho o som de b*ceta horrível; x*xota eu até acho bonitinho, parece estilo de dança. Mas imagino que você tenha nome pra sua? Não sei se você notou que na mesma página em que tá a música há um patrocinador. Adivinhe qual? Escondidinho da Sadia. O que, convenhamos, também é um excelente nome pra vagina. Eu mesma já traduzi pra calzone uma vez, baseado em alguma comediante americana (não lembro qual) que apelidou a vagina com o apropriado nome de Hot Pocket.
De qualquer jeito, a campanha é ótima: ame sua vagina. Porque, em época de cirurgia estética vaginal (sim, já que até vagina e ânus devem seguir um padrão de beleza, acredite se quiser), campanhas pra que aceitemos todas as partes do nosso corpo são importantes. Só aviso que a música é graciosamente colante, e você não vai conseguir deixar de cantar “Love love love your vagina” durante dias.
P.S.: Não estou recebendo um centavo pra fazer propaganda dos copinhos, até porque não tenho nem vou comprar um (é bem provável que eu entre na menopausa em breve e minha menstração diga bye bye). Quer dizer, a menos que o Submarino esteja comercializando coletores menstruais e eu não tô sabendo (porque recebo uma porcentagenzinha das compras feitas no Submarino através do blog).
P.S.2: Eu rio um monte com este relato da Luci sobre sua primeira experiência com o copinho. Vamulá, moças: love your vagina.
Candidatas dançam no Miss Brasil 2011 Não vejo um concurso de miss faz muito, muito tempo. Lembro mais das fotos da revista Manchete na década de 80. Ah, e lembro também de uma vez, em meados dos anos 90, em que fui jogar um torneio de xadrez em Concórdia, SC. Enquanto eu e outras participantes saíamos do local dos jogos, à noite, as misses entravam (não me pergunte se era concurso Miss SC ou Miss Brasil), já muito arrumadas. Elas pareciam todas iguais: brancas, cabelos compridos, magras, altas, longas pernas, um tipo físico que não se parece em nada com o brasileiro. Mas isso eu já sabia, assim como sabia que esperar representatividade e diversificação num concurso de miss ou numa passarela de moda não é realista. O que realmente me chamou a atenção naqueles breves instantes em que duas espécies totalmente diferentes ― eu e as misses ― nos cruzamos na saída do lugar foi como elas estavam pintadas. Nunca vi mulheres tão maquiadas em toda a minha vida. Não dá pra ver na TV quantas camadas de pó vão na cara de alguém pra dar aquele look natural de quem só passou um batomzinho e um rímel à toa. Aquilo não era maquiagem, era uma superprodução. Essa é a minha maior recordação em matéria de misses, mas cada um tem as suas. Afinal, o Miss Brasil é um concurso que nos acompanha há 57 anos, e que resiste a qualquer mudança da sociedade. Seu maior charme, imagino, é justamente ser tão conservador, tão careta. Bom, uma pessoa que admiro um monte, a Daiany, professora universitária em Natal, tem outras memórias. Ela viu o Miss Brasil pela TV e redigiu essas interessantes reflexões. A minha percepção dos concursos de beleza mudou muito ao longo da vida. Mas lembro que, na minha infância, a figura da miss já era anacrônica. E representava a síntese coroada do que havia de mais tradicional nos atributos de beleza feminina: juventude, elegância, graça, simpatia, tudo isso ornado com um corpo de simetria orquestrada (90-60-90), cabelos armados e traços harmoniosos ― não raro associados ao fenótipo caucasiano da loura de olhos azuis, está aí Vera Fischer que não me deixa mentir.Nos anos 1980, a ideia de um bando de moças desfilando de maiô ou pomposos trajes de tafetá, à guisa da aprovação de um júri ― em geral, majoritariamente masculino ― que premiaria a mais bonita com um manto e uma coroa, já era uma coisa vista como cafona e sem sentido. Mas, claro, beleza e juventude nunca caem na cotação do mercado. E os concursos deram um jeito de se reciclar. Lembro de ter assistido, quando criança, algumas cerimônias no SBT. Destas, recordo a vitória de Deise Nunes, uma negra linda de cabelo black esvoaçante, ousada quebra de paradigmas, já que há anos vínhamos coroando misses de ascendência europeia, a despeito da grande população negra de nosso país.Eram os tempos pós-modernos ditando as suas regras de inclusão e diferença. No Brasil, no entanto, a modinha durou pouco, acho. Pelo menos não registrei nada memorável depois da Deise Nunes. E é fato que eu fui fazer coisa melhor da minha vida. Veio a juventude, os livros, os namoros, a maturidade. E, logicamente, a compreensão da desigualdade de gênero. Foi quando me tornei consciente de que ― parafraseando uma frase do filme Pequena Miss Sunshine ― a vida é um eterno concurso de beleza, cujos critérios de premiação são ululantes e, sendo assim, jamais haverá justiça possível.Mas (não escreveria esse texto se não existisse um “mas”), tenho um amigo queridíssimo, inteligentíssimo, e que vale o esforço da tolerância, que após tanto debater comigo sobre possíveis “aspectos positivos” dos tais certames alcançou o meu benefício da dúvida. Foi ele quem me falou que toda uma geração de atrizes hollywodianas (incluindo ganhadoras de Oscar, como a Halle Berry, e eternas indicadas, como a Michelle Pfeiffer) foi cooptada pelo cinema graças a aparições como rainhas da beleza. Contou também das famosas misses universo indianas, frequentemente escolhidas em função das respostas brilhantes que davam na ‘seção de perguntas’ dos concursos. E suas vitórias possibilitavam bolsas de estudos para que pudessem estudar física quântica ou engenharia nuclear fora de seus países. Ok, admito, não dá para culpar ninguém por ser bonita nem por usar isto a seu favor, conhecendo a dimensão dos obstáculos que alguns contextos oferecem às mulheres. Francamente, concursos são uma droga, mas as misses em si até que podem ser legais ― quem sou eu pra julgar?Por um tempo, eu me tornei condescendente com os concursos de beleza. Ao ponto de topar assistir e comentar via MSN com esse meu amigo o mais recente Miss Brasil. Pensei que, yey, pode ser divertido. Meio como ir a uma festa de debutantes, tomar todas e rir das gafes alheias. Bem, começa o concurso. Ok, não dá para dizer que não seja engraçado. As coreografias desarticuladas, os vestidos que parecem papel de bala amassado, o aspecto fake que ganha todo um contorno kitsch no pastiche latino da coisa. Tudo ia bem, até que, sei lá, a ficha caiu. Aquela sensação de festa estranha com gente esquisita começa a martelar. Primeiro, a estranheza de que os pódios nem sempre são reservados às mais bonitas (ok, critérios subjetivos, mas já explico). Em seguida, o mal estar de identificar que o palco é também espaço para alfinetadas e comentários deploráveis (como o da apresentadora que sutilmente avisa aos telespectadores que a então miss 2010 precisou perder os 15 kg que ganhou ao longo do seu reinado). Por fim, presenciar o espetáculo trágico de assistir uma coroação (da candidata que, aliás, nem achei a mais bonita, mas me parecia a mais elegante, a que melhor dominava a arte do desfile na passarela) sob um coro de vaias e de xingamentos (‘peladona’, diziam).A ignorância é uma benção, já disse alguém. Para o meu azar, prefiro saber das coisas, cacoete de ex-repórter que não se contenta com cobertura midiática que atribui a execração da ganhadora a uma predileção do público pela segunda colocada (francamente, elas nem eram tão diferentes assim). Depois de fuçar alguns fóruns sobre misses, ler depoimentos de quem esteve no evento, observar documentos postados pelos vários comentadores indignados e trocar ideias com o amigo que me acompanhou nessa jornada, cheguei a algumas constatações e conclusões.Constatações: o Brasil anda ensaiando uma fábrica de misses, num processo similar ― mas nem de longe tão bem sucedido ― ao da Venezuela. Há uma série de missólogos aptos a orientar as possíveis candidatas, que prometem aperfeiçoar beldades potenciais com aulas de inglês, formação para o palco e aprimoramento da aparência, com dieta e exercícios e plásticas diversas. Os tais também se incumbem de encaixar suas protegidas em concursos nacionais, averiguando se não seria possível construir uma carreira de Miss Brasil encampada numa disputa estadual fora do circuito de seus estados de origem. Rio Grande do Sul e Minas Gerais são os atuais pólos formadores de Miss Brasil. Há alguns anos (salvo em 2009), vêm revezando vitórias no concurso nacional, apostando num tipo específico de mulher: a morena tropical, de curvas discretas, nariz aquilino e longos cabelos escuros. E alcançaram alguns avanços significativos, como o segundo lugar da mineira Natália Guimarães no Miss Universo, melhor desempenho de uma brasileira desde 1972.Comportando-se como verdadeiros doutores Frankenstein, os assessores de misses custeiam do próprio bolso ― ou amealhando parceiros ― as transformações, formação e mesmo a moradia de suas misses. Em troca, elas se tornam aprendizes disciplinadas e dispõem o seu corpo a todas as mudanças requisitadas pelos mentores. Alvo destes experimentos, a gaúcha Bruna Felisberto já contou seu drama à mídia nacional. A moça denunciou ter sido levada a realizar uma cirurgia no nariz, na qual perdeu grande parte da cartilagem necessária a uma respiração adequada. Também acusou o seu “guia” de abandoná-la às vésperas do concurso, deixando de acompanhá-la ao Miss Brasil. Ele, ao constatar que seu bibelô estava danificado, parou de investir.Pois bem, esse senhor, em vez de ter ido para a cadeia ou, pelo menos, ter sido impedido de ferrar com a vida de mais garotas, continua promovendo concursos e cooptando jovens por aí. A sua última protegida, adivinhem, é a atual Miss Brasil. Isso explicaria parte do coro dos revoltados que a vaiaram (segundo fontes dos fóruns, eram missólogos indignados, não torcedores baianos da segunda colocada). No entanto, a grande alegação, que resultou nos gritos de ‘peladona’, não foi o reinado controverso do gaúcho na política da carne e queijo (RS e MG), mas o descumprimento da candidata ao item ‘g’ do edital do certame, que exige da miss em questão “nunca ter sido fotografada ou filmada totalmente despida, expondo os seios e partes íntimas”.Por vias não divulgadas, encontraram uma foto da Miss RS com os seios descobertos. Uma bonita imagem, sutil, com ótima iluminação, na qual ela posa serena, nada vulgar. Ou seja: um protesto equivocado movido por uma grandíssima bobagem, que sequer menciona as desagradáveis intrigas e irregularidades dos bastidores. Afinal, que regulamento é este que exige das misses uma espécie de postura ‘imaculada’ em pleno século XXI? Sem fotos de nu artístico e (pasmem!) com o estado civil obrigatório de solteira? De qual emprego se toleraria, hoje em dia, que a disponibilidade para viagens esteja vinculada ao estado civil? Acordos sexuais e afetivos são de foro íntimo, não é da conta de ninguém com quem uma jovem sexualmente ativa vai se deitar, nem se isso é feito sob contrato civil. E o direito ao próprio corpo dessas moças, cadê? A exibí-lo e conservá-lo de acordo com os critérios delas (e necessidades vitais, bom lembrar) de saúde e bem estar? Pra piorar, em vez da Miss RS dizer que fez uma linda foto com os seios nus, ela, devidamente orientada, afirmou que não sabe quem tirou a foto, que a foto não foi posada, mas clicada a esmo por um estagiário oportunista. Portanto, “a foto sequer existe”. O equivalente em desculpa à plástica desastrosa de sua ex-miss RS.De um lado, a hipocrisia de seus agressores; do outro, uma defesa hipócrita. Tudo isso só é possível graças à atmosfera conservadora e cínica do concurso. Pra fechar o elenco do circo: o organizador do evento fez parte do júri. E, não só: um dos jurados mais influentes é nada mais que um cirurgião plástico, Dr. Robert Rey, personagem de um programa nível açougue de brejeirice sobre as plásticas que realiza na sua clínica em Beverly Hills. Conclusões: (1) Os concursos de beleza de hoje ampliaram seu escopo do que seja belo, mas seguem praticando a eugenia [nota da Lola: a Jux apontou num ótimo post que não havia nenhuma negra entre as 27 candidatas], confinando mulheres a padrões sujeitos à reprodução em série de certos tamanhos de corpos, narizes e cabelos, para que correspondam a um ideal típico de beldade nacional. Por outro lado, ter nascido ‘bela’ tornou-se irrelevante, basta ter potencial para alcançar o padrão e disposição para acatar todas as intervenções cirúrgicas recomendadas pelos missólogos. (2) Pode parecer teoria da conspiração, mas a verdade é que é realmente estranho que as protegidas dos misssólogos influentes, a despeito de sua popularidade, continuem a vencer sucessivas competições nacionais. (3) Os direitos e vontades das misses não são vistos como prioridade em nenhum momento; elas são tratadas como bonecas infláveis de carne e osso, marionetes capazes de se deixar lapidar e ensaiar à exaustão, que servem, provavelmente, à projeção de algum frustrado que seria bem mais feliz, talvez, se promovesse essas transformações em seu próprio corpo. (4) Pelo menos no Brasil, palcos de concursos de beleza são ambientes hipócritas, extremamente hostis às mulheres, onde elas serão, indiscriminadamente, alfinetadas, vaiadas e xingadas, longe de serem respeitadas como as reais protagonistas da festa (o que, ao que parece, realmente não são), e sem que seus detratores sejam advertidos.Depois de tomar conhecimento de tudo isso, dificilmente verei outro concurso. Meu amigo, que também se diz desapontado, afirma que sabe dessas coisas, mas segue assistindo, “não sabe por que”. No fim da festa, depois de muitos goles de bebida barata e bolo confeitado, sinto-me empanturrada pelo glacê amargo de um bolo colorido por fora, mas podre por dentro, recheado com pedaços de corpos descartados e sonhos desvalidos.