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terça-feira, 12 de abril de 2011

A HISTÓRIA DO CONSUMO ENGARRAFADO

Por eu ser chocólatra assumida, é possível pensar que eu não sobreviveria sem chocolate. Mas existe algo que eu consumo muito, muito mais que chocolate, e que eu realmente não poderia viver sem: água. Tomo entre quatro e oito litros por dia (dependendo do tempo que passo em casa). Amo água. Não bebo nada além d'água. Não gosto de refrigerante nem de bebida alcoólica. Até aturo suco, mas prefiro água mil vezes. E sem gás, por favor. Por isso, não entendo como tem gente que diz que odeia água, ou pra quem é um sacrifício cumprir a cota de dois míseros litrinhos por dia.
Um dos detalhes que mais gostei nos EUA é que, em qualquer restaurante que você vá, o primeiro item que te servem, totalmente grátis, é uma jarra d'água de torneira, geralmente com gelo. Portanto, quando eu saía pra comer, nunca gastava um tostão com bebida. Não sei por que não fazem isso no Brasil. Nossa água é bastante boa, apesar do que prega nossa mentalidade classe média consumista (que jura que quase nada que é público é bom). Eu bebo água de torneira direto (em casa eu fervo água), e nunca passei mal. O único lugar no mundo em que não pude beber água de torneira foi em Moscou, porque o líquido que saía era branco e parecia mais leite. Eu provei, e o gosto não era bom. Tive que recorrer a garrafinhas d'água. E adivinha qual era a marca? Uma multinacional de refrigerantes!
Não sei se você viu uma excelente série chamada A História das Coisas. É fácil de encontrar no YouTube, e tem sido passada com frequência nas escolas. A direita não gosta nem um pouco, porque os vídeos tratam de consciência ecológica e mostram como o capitalismo desenfreado é nocivo. Um dos vídeos chama-se A História da Água Engarrafada, e é interessantíssimo. É assim: nos anos 70, as companhias de refrigerante perceberam que suas vendas não cresciam. Havia um limite, porque os consumidores notaram que tomar refri não era a coisa mais saudável do mundo. O povo americano (o mais consumista do planeta) bebia água de torneira. Pô, beber água de torneira é praticamente de graça. Como pode um capitalista sobreviver dessa forma?! A saída dessas empresas foi lançar água em garrafinhas. Mas não funcionou, porque o público achou ridículo pagar por algo que tinha de graça. Logo, o primeiro ato das empresas foi vender a ideia que a água de torneira, essa mesma que os americanos consumiam há séculos, era de péssima qualidade, e reforçar tanto esse conceito que as pessoas associariam água de torneira apenas a tomar banho e lavar a louça. A segunda etapa foi a de sedução. Não adiantava apenas mostrar que a água de torneira era asquerosa. Era preciso inventar que a água vendida em garrafinhas vinha de fontes cristalinas (apesar das duas maiores empresas de água engarrafada nos EUA pegarem sua água... da torneira).
O capitalismo mais uma vez triunfou: criou uma demanda e fez com que os americanos comprassem mais de meio bilhão de garrafas d'água por semana, pagando duas mil vezes mais pelo mesmo produto que sai da sua torneira. E é claro que a maior parte dos consumidores, ao comprar uma garrafinha, vê no rótulo uma imagem paradisíaca de cachoeiras, e não todo o processo industrial feito pra engarrafar essa água. Os custos ambientais são gigantescos. Usa-se petróleo para fazer as garrafas, e também para enviá-las a vários cantos do mundo. E depois tem o problemão do que fazer com as garrafinhas. Menos de 20% são recicladas. A enorme maioria é mandada pra virar lixo em algum país em desenvolvimento, como a Índia ou... ói nóis aquitravez!
É verdade que em vários lugares a água de torneira é poluída, devido a empresas (incluindo aí as que vendem água engarrafada) que jogam seus resíduos tóxicos nos rios. Mas, em geral, a água é potável, o que por si só já é um privilégio e tanto, pois vivemos num mundo em que mais de um bilhão de pessoas não têm acesso à água (e ninguém morre sem chocolate, mas morre-se sem nosso líquido mais precioso, que ― surpresa! ― não é o petróleo).
Ao ver o vídeo, eu me lembrei daquele filme, Idiocracia, em que refrigerante é usado pra tudo, de irrigar as plantas (que morrem) à única bebida possível. Será que estamos caminhando pra essa mentalidade do “Ó! Não beba esse veneno chamado água de torneira!”?
Não se depender de mim. Assim como, num escritório responsável, substituem-se copos descartáveis por um copo fixo ou uma xícara pra cada funcionário, não custa nada se organizar e sair de casa com uma garrafinha d'água (com água fervida dentro, já gelada). É o que faço faz décadas. Nunca saio de casa sem água e um livro.
Quando cheguei em Fortaleza, no ano passado, imediatamente notei dois pontinhos. Primeiro, por causa do calor constante (a mesma temperatura o ano todo), o pessoal bebe muito mais água que em SC. Segundo, é raro alguém beber água de torneira. Foi colocado na cabeça de todos que a água não é boa. Os mais tolerantes ainda dizem que a água é potável, só não tem gosto bom. Eu demorei um tiquinho pra descobrir isso e, até lá, já tinha tomado litros e mais litros de água de torneira. E eu sei que é fantástico, mas sobrevivi. Aliás, sequer passei mal. Aqui a maior parte das casas têm um garrafão de 20 litros de água em cima de uma maquininha que a gela. Quando me falaram que eu não deveria tomar água de torneira, até pensei em comprar uma. Mas a máquina é cara, cerca de 450 reais. E um garrafão de 20 litros, que teria de ser trocado a cada três ou quatro dias aqui em casa, custa entre 3 e 6 reais, dependendo do bairro (lógico que no meu bairro o preço é 6). Não. Prefiro continuar fervendo água, numa boa.
E já provei uma pá de vezes água engarrafada de várias marcas, e posso dizer que algumas têm gosto ruim pacas e muitas impurezas. A gente tem mesmo que copiar o modelo americano de criar um desejo incontrolável por algo que não precisa? Quer dizer, todo mundo precisa de água. Mas ninguém precisa de água engarrafada, algo tão natural quanto a tinta que uso pra tingir meus fios brancos a cada seis meses.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

NÃO FUME PERTO DE MIM

Nunca fumei na vida, se a gente não contar aquela vez quando eu tinha uns oito anos, e minha mãe foi ao banheiro e deixou o cigarro aceso no cinzeiro, e eu pensei, “Se ela gosta tanto é porque deve ser bom”, e eu coloquei o troço na boca e quase morri de tosse. Aliás, realmente é algo pra se pensar: forçar uma criança a experimentar um cigarro na mais tenra idade garantiria que 99% nunca mais quisesse fumar qualquer coisa pro resto da vida. A menos que a criança em questão fosse aquele menino de dois anos na Indonésia, claramente uma anomalia. Com o tempo, fui ficando cada vez mais intolerante com cigarro. Hoje qualquer fumacinha perto de mim já é suficiente pra me deixar mal. E eu nunca, jamais, poderia beijar alguém que fuma.
Vi umas estatísticas interessantes sobre cigarro, de uma Pesquisa Especial de Tabagismo, do Ministério da Saúde (copiei de um jornal, mas tem alguns resultados aqui). Mulheres brasileiras começam a fumar antes que os homens (22% a mais de mulheres que homens fumam antes dos 15 anos). Gostaria de saber quantas adolescentes começam a fumar porque ouviram que isso tira o apetite. Mas as mulheres param de fumar bem antes dos homens, em geral por causa da gravidez. O índice total no Brasil é que 22% dos homens, e 13% das mulheres, fumam. Esse total de brasileiros fumantes caiu 45% nos últimos vinte anos, um número pra se festejar (inclusive entre os fumantes, já que 93% deles sabem que cigarro é nocivo pra saúde, e 52% pensam em parar). Um brasileiro gasta em média R$ 55 por mês com cigarro. No Sudeste este valor sobe para R$ 128,60. Lembro de um amigo que passou a poupar 200 reais por mês ao abandonar o vício. Em dez anos dá pra comprar um carro, mas quem precisa de carro? 45,6% dos brasileiros tentaram parar de fumar no último ano.
O melhor é não começar mesmo. Pra quê experimentar algo que a gente sabe que faz mal? Mas, pra mim, um bom motivo pra não fumar é não ser manipulad@ por uma indústria gigantesca que adota as piores práticas pra viciar o consumidor (quase sempre, quando ele ainda é menor de idade). Um bom thriller sobre isso é The Runaway Jury, do John Grisham, que depois virou filme em 2003 e substituiu a indústria tabagista como máfia pela das armas de fogo.
E não sei a quantas anda a proibição de se fumar em lugares públicos. É uma lei que não me afeta muito, já que eu saio pouquinho. Mas hoje em dia, aqui em casa, não tem nem mais cinzeiro.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

COISAS DESAGRADÁVEIS QUE VI NO AEROPORTO

Pois é, estive em Cumbica, Guarulhos, duas vezes em agosto, pra viagens muito rápidas por São Paulo (uma que valeu a pena, e outra que não). E vi duas coisas que me desagradaram. Não sei se você já viu, se nos outros aeroportos é assim também. Não se assuste que não é nada tão sério. Não é como se eu tivesse flagrado o Chico dizendo que ama outra fã.
A primeira: Lá estava eu perambulando, esperando o voo, quando vejo uma Kopenhagen. Entro só pra ver, porque os preços cobrados nessas chocolaterias de luxo sempre me fazem rir. (Ah é, um leitor que pelo jeito não me conhece muito bem disse que tenho “crenças de consumismo e luxúria”. Eu, consumista! Contei isso pra um outro leitor, e ele me apelidou de A Socialite Safadinha. Aham, define totalmente quem eu sou. Só acho estranho porque, até ontem, eu era comunista. Agora sou A Comunista Consumista. Pelo menos rima). Na vitrine da Kopenhagen tem uns biscoitos bonitinhos, tipo rosquinha coberta com chocolate, pra vender por quilo. Vejo o preço, em letras grandes: R$ 10,90. E penso: uau, até que não tá tão mal, se eu comprar 100 gramas custa 2 reais, cem gramas deve dar pra quantos biscoitos?, será que é bom?, será que eu compro mesmo?, eu realmente preciso disso?, e outras elocubrações mentais, porque a Socialite aqui pode ser Safadinha mas é meio pão dura, digo, economicamente responsável. Aí eu percebo em letras menorzinhas no mesmo cartaz, embaixo do R$ 10,90: 100 gramas. O quê?! Confesso que sou ingênua, e que se houvesse atendimento emergencial psiquiátrico no aeroporto eu teria sido levada dali rapidinho, por pensar que algum item por lá pudesse custar 2 reais. Mas 109 reais o quilo de um biscoito com cobertura de chocolate? É um biscoito, oras! Com todo o respeito aos biscoitos, eles são feitos com farinha. Uma fina camada de chocolate por cima não pode custar tanto! Se fosse cobertura de ouro em pó ficaria mais em conta, juro. Saí de lá rapidinho.
Da outra vez que estive no aeroporto voltei lá só pra conferir, porque, sei lá, vai que eles tivessem escrito o preço errado no cartaz. Não. Tava lá: R$ 10,90 por cem gramas.
A segunda coisa altamente desagradável: pertinho da chocolateria, havia uma placa do aeroporto. Dizia “Perdidos e Achados” e embaixo, em inglês, “Lost and Found”. É apenas o meu cérebro que dói ao ter que pensar em “Perdidos e Achados”? Não me interessa que seja a ordem lógica (primeiro a gente perde, depois alguém acha, claro), ou se em inglês se diz “Lost and Found”. Eu cresci ouvindo “Achados e Perdidos”. É muito pior do que se eu fosse forçada a falar “Molhados e Secos”, ou “Vinhos e Queijos”, porque quantas vezes eu já pronunciei essas duas categorias? Já Achados e Perdidos é toda hora. Imagine se os americanos tivessem que mudar a ordem da língua e passar a dizer “Found and Lost”? Acho que eles declarariam (mais uma) guerra!
Eu, como sou uma Socialite Safadinha Pacífica, proponho apenas uma passeata.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

DELÍRIOS DE CONSUMO DE BECKY BLOOM / Comprar é o paraíso... pra quem?

- É meu! É meu! Eu preciso desse pano pra ser feliz!

Não se preocupe que não vou falar muito desse filminho descartável que é Delírios de Consumo de Becky Bloom (em inglês, Confessions of a Shopaholic - veja o trailer aqui). Mas vou falar de consumo, ok? Antes, só um tiquinho sobre essa comédia romântica em que uma jornalista viciada em compras acaba contratada pra trabalhar numa revista de negócios:
- A protagonista é a Isla Fisher. E eu não sei quem é Isla Fisher (vi que na vida real ela é casada com o Borat). Só sei que parece ser irmã gêmea da Amy Adams. E se juntassem as duas com a que faz a secretária gracinha do The Office (Jenna Fischer), eu diria que são trimeas. Podiam fazer um terror trash, Ataque das Clones ou algo assim. (Estranho... Eu já vivi num mundo em que as pessoas não queriam ser confundidas. Queriam ser únicas. Eu sei, sou um dinossauro).
- Delírios tem umas piadinhas ofensivas pros finlandeses. Mas eu só tinha olhos pro galã, o Hugh Dancy (Clube de Leitura de Jane Austen). Ele é lindo, gente! Eu não me cansava de olhar pra ele. Quero um pra mim! Pago com cartão de crédito!
- Os pais da Becky guardaram dinheiro a vida toda, nunca foram consumistas, e tudo que eles conseguiram juntar foi... 13 mil dólares?! Sério? Sem falar que a Joan Cusack ainda não tem idade pra fazer a mãe de uma mulher de 32 anos!
- A favor do filme, posso dizer que nem eu nem o maridão tivemos vontade de sair do cinema no meio. E a gente não odiou a protagonista. E olha que seria fácil odiá-la: ela é fútil, burra, vive comprando coisas que não precisa, é totalmente descontrolada e, pra completar, é uma mentirosa compulsiva.
Quando o galã não tava na tela, tudo que eu conseguia pensar era num excelente documentário que vi nos EUA, Maxed Out. O trailer tá aqui, e dá pra ver o filme inteiro no YouTube (comece pela parte 1). Infelizmente não tem legendas, mas é obrigatório pra entender como os EUA se meteram neste buraco em que estão (estamos) agora. E pra entender como o capitalismo opera, claro.
Maxed Out mostra como funciona o sistema de crédito pros americanos. A dívida de Becky com cartões de crédito não é ficção: cada americano deve, em média, quase 10 mil dólares só em cartões. A parte do cobrador da dívida na comédia é perfeitamente real. Veja como é lindo o capitalismo: pequenas empresas, grandes negócios compram dívidas “impagáveis” por um preço bem baixo. Instalam um escritório com cinco funcionários pra irem atrás desses consumidores que estão tão, mas tão endividados que já desistiram de pagar o que devem (eles podem declarar falência apenas uma vez). Os funcionários passam a ligar pra esses devedores várias vezes por dia. Eles realmente bully seus clientes para que paguem. Não é invenção não. Eles espalham pros vizinhos os detalhes da sua dívida, ligam pro seu chefe, ameaçam a família. Na vida real, há muitos casos de suicídio (Maxed Out mostra alguns). O sorridente dono de uma dessas empresas de cobrança compara seus métodos com o dos piratas levando a pessoa até a bordinha da prancha pra jogá-la no mar.
Lógico, dirão os defensores do sistema, as pessoas são patas completas por comprarem tudo que veem pela frente com o dinheiro de plástico, sem pensarem se vão conseguir pagar depois. Mas culpá-las não é tão simples: vivemos numa sociedade que ensina que somos definidos pelas bugigangas que temos. Todo santo dia somos bombardeados por novas “necessidades” de consumo. A maior parte de nós nunca teve nada parecido com educação financeira. As companhias de crédito oferecem mil e um cartões sem pedir garantia alguma. Nos EUA, elas atacam nas universidades (aqui também, né?). Pegam jovens de 17, 18 anos, sem nenhuma responsabilidade mas cheios de desejo pra comprar, e lhes dão um cartão quase sem limite. Detalhe: não é preciso a autorização dos pais! E os juros são altíssimos (para cada dólar emprestado, a pessoa deve outros dois, entre juros e taxas de serviço). E não há nenhum controle do governo. É tudo legal. As empresas podem dar corda à vontade pro consumidor se enforcar.
Agora, se você quer saber como tudo começa, é fácil. É só ver este documentário sensacional Criança, A Alma do Negócio fala da realidade brasileira, que simplesmente copia o ultraconsumismo americano. É parecido. Delírios mostra uma Becky menininha, arrasada porque sua mãe, uma pão-dura miserável, não lhe compra sapatos da moda, só pisantes marrons sem salto. Que audácia! Onde já se viu colocar nos pés da sua princesinha uma sandália sem salto?! E mostra também a competição, aquilo de definir o outro pelo que tem (ou não tem). As outras garotas na loja tiram sarro de Becky. Claro que isso vai traumatizá-la, tadinha. Aí ela cresce e vira esse monstro consumista que vemos pelo resto do filme. Puxa, as meninas que compravam os sapatos da moda na loja e riam da Becky virarão o quê quando adultas? Monges budistas?
Criança, o documentário, fala coisas assustadoras: que as meninas começam a andar maquiadas aos 3 anos de idade (não pra imitar a mãe, que mãe não tá com nada hoje em dia, mas pra copiar o que veem nas suas cinco horas diárias de TV). Usam salto alto e alisam o cabelo. O que me chateia não é só a questão da futilidade, de como é absurdo que uma garotinha já se sinta inadequada tão nova (porque você se maquia pra “melhorar”, pra “disfarçar”, “pra ficar bonita”, certo? Aparentemente, não somos bonitas ao natural). É também o cerceamento dos movimentos, da liberdade. Uma menina de salto alto vai ter dificuldade pra correr. Se seu cabelo estiver todo arrumadinho, ela não irá querer se mexer, pra não desmanchá-lo. Deve ser por isso que todas as crianças do doc preferem comprar a brincar.
É a triste realidade: crianças sem infância vão virar Becky Blooms. Vão passar o resto da vida trabalhando em empregos que detestam pra comprar coisas que não precisam. E isso tudo pra sustentar um sistema moribundo, o capitalismo. Tá, hoje estou revoltada. Feliz Dia do Trabalho pra você também. - Oops! Acho que fui enganada.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

DIA DE COMPRAR TUDO

Não é que essa aberração tem nome? Turducken!

Toda quarta quinta-feira de novembro tem um dos feriados mais tradicionais dos EUA, o Thanksgiving, Dia de Ação de Graças. Parece que o dia anterior é o pior dia pra se viajar por aqui, já que todo mundo vai passar a festa com a família. 
Milhões de pobres perus são devorados, e um americano me contou uma história de horror: às vezes o pessoal coloca, dentro do peru, um pato inteiro, e dentro desse pato, um frango. Os detalhes grotescos de como eles fazem isso eu não quis saber, mas deve ser um espetáculo degradante. Bom, o Thanksgiving passou em brancas nuvens pra mim e pro maridão, porque fomos ao cinema e perdemos os desfiles. O que chamou nossa atenção foi o dia seguinte, apelidado de Black Friday.
Essa é uma das datas mais movimentadas do comércio ianque. As lojas abrem às 5 da manhã, e as filas dão voltas no quarteirão. Tem gente que chega às 9 da noite anterior e enfrenta um gelo de 3 graus negativos só pra ser o primeirão da fila e poder aproveitar as grandes ofertas. As lojas são sacanas. Elas anunciam um laptop que normalmente custa mil dólares por meros 400, mas não divulgam quantos desses há disponíveis (menos de quinze, pelo que me contaram). Quando as portas abrem, as pessoas correm, se atropelam, se acotovelam, derrubam prateleiras, essas coisas. 
Uns amigos nos levaram pra conhecer essa febre consumista. Chegamos às cinco da matina, ou seja, sem chance de abocanhar um laptop por 400 dólares. Ainda assim a fila era imensa – pense numa fila do INSS e multiplique por cinco, pra ter uma ideia. E o frio tava de matar. Como seguranças na porta controlavam quantos indivíduos podiam entrar de cada vez, não houve tumulto. Compramos um estojinho com 50 dvds virgens por 4 dólares, um pente de memória de 1 GB pro computador por 15, e uma mini-câmera de vídeo, dessas pra colocar em cima do monitor, por 10. Mas esses dois últimos itens foram bem suspeitos. Na realidade, tivemos que pagar 30 pela memória e 60 pela câmera e, pra conseguir a diferença de volta, precisamos mandar um formulário com o código de barras pelo correio. Em até dez semanas eles enviam um cheque de volta no valor de 65 dólares, no que chamam de “rebate”. Assim espero. Soa arriscado.
Depois da loja de eletrodomésticos, nossa amiga quis ir ao Victoria's Secret. Eu pensava que essa marca só vendia calcinhas e sutiãs, mas tem também perfumes e maquiagem. Assim que entramos, o namorado dessa amiga disse, “Bem-vindos ao meu inferno particular”. A visita valeu a pena pela cara dos rapazes acompanhando as mulheres. Imagina a expressão de um sujeito que madrugou, passou horas congelando numa fila, e agora encontra-se num lugar totalmente cor de rosa, espremido entre prateleiras pra tentar ficar fora do caminho das moças. Ah, você pode argumentar, mas a loja tá cheia de fotos de top-models em trajes íntimos. 
Veja bem, a essa altura do campeonato, a Giselle podia aparecer em pele e osso, que o olhar de peixe-morto em estado de coma permanente do carinha não mudaria. Sem falar que as fotos todas não são feitas pensando no público masculino, e sim no feminino, que se ilude pensando que é só adquirir um sutiã com lantejoulas e a palavra “sexy” embutida pra ficar idêntica a Giselle. 
Eu tentei me espremer ao lado dos marmanjos e, enquanto esperava, meus pensamentos iam de como apenas uma das minhas pernas pesa mais que uma top-model inteira à imagem da graciosa hipopótama dançando balé no “Fantasia” do Walt Disney. Devia ser o sono.
Agora já recuperada do meu pesadelo cor de rosa, fui descobrir que essa data de celebração ao capitalismo selvagem coincide com o “Buy Nothing Day”, dia criado há quinze anos pra que ninguém compre nada (no mundo cai em 24 de novembro). Aqui nos EUA algum gozador decidiu fazer com que a data do anti-consumo coincida com o auge do consumismo. Adivinha que lado ganhou.
Maridão (como esse homem é lindo, mon dieu) dialogando com painel do Diego Rivera na inauguração do DIA


Uma Tarde no Museu
Enfrentamos mais uma fila gigantesca no dia 23, mas essa por uma causa nobre. Após uma reforma iniciada em 1999, o Detroit Institute of Arts, vulgo DIA, reabriu suas portas. De presente, deu admissão grátis a todos. O museu é divino. Já na entrada há um mural do Diego Rivera (marido da Frida Kahlo) e muitos Van Goghs. Quero voltar lá mais vezes.