domingo, 31 de outubro de 2010
HOJE É O GRANDE DIA! DE NOVO
A maioria de nós achava que Dilma venceria no primeiro turno, mas não deu. Hoje vai dar. Agora sim vamos eleger a primeira presidente mulher do Brasil.
Nossa comemoração será uma festa. Veremos pessoas com largos sorrisos no rosto durante semanas, só por causa desse resultado. Já falei que participei muito intensamente da campanha de 1989, panfletando e conversando com pessoas por vários dias. Lula perdeu de Collor por uma miséria de votos. Eu vivia em SP na época, e foi SP que elegeu Collor. Se a maior parte do eleitorado paulista tivesse votado no Lula, ele ganharia. Mas, no dia seguinte ao da eleição, o que eu esperava ver? Pelo menos os eleitores do Collor sorrindo, celebrando. Nada disso. O clima era de velório. Sério mesmo. Era como se alguém tivesse morrido - talvez um país? Pela primeira vez desde 1961, o Brasil podia escolher seu presidente. E escolheu o Collor, um candidato fabricado pela mídia! De fato, não havia motivo pra comemoração.
Vamos imaginar só por um minuto (e já é tempo demais) que Serra vença hoje. Alguma dúvida que o clima de velório seria o mesmo de 89? Não haveria o que comemorar. Eleitor do Serra não vota nele, vota contra a esquerda. E é eleitor reaça, que nem gosta de governo, que acha que o Estado tem de ser mínimo, e que a política só atrapalha os “homens de bem” (e eles continuam usando essa expressão em pleno século 21, homens de bem, não pessoas de bem) de trabalhar e prosperar.
Felizmente, não vai acontecer. O Brasil vai saber superar seus preconceitos e votar numa candidata que promete continuar um governo maravilhosamente avaliado.
Novamente serei mesária. Gostei da experiência durante o primeiro turno. É exaustivo, mas o tempo voa, e não ocorrem grandes problemas. No dia 3 foram praticamente dois os pepinos: um, o de uma mulher que exigia que uma eleitora pudesse votar, apesar do nome na sua carteira de identidade ser diferente ao que estava escrito na seção. Tivemos que ligar pro juiz. Toda a atitude daquela mulher foi muito suspeita. Ela trouxe essa senhora e mais uma outra, ambas analfabetas, e queria ir com cada uma pra trás da urna eletrônica, pra “ajudá-las” a votar. E isso sem ter absolutamente nenhum parentesco com elas! Não permitimos, ela ameaçou fazer um escândalo, nós ameaçamos chamar a segurança, ela se acalmou.
O outro episódio desagradável foi cortesia de um homem de uns 30 anos, de classe média. Pedimos para que ele deixasse o celular em cima da nossa mesa, como pedimos pra todos. Por que isso? Pelo mesmo motivo que não deixamos crianças maiores (de colo tudo bem) acompanharem o pai ou a mãe na votação. Em 2006 houve denúncias de que crianças entravam para fiscalizar se a pessoa realmente estava votando em quem havia comprado o seu voto. E agora, que tantos telefones celulares têm câmera, fotografar o voto passa a ser uma possibilidade para os corruptos. Por isso, nosso treinamento de mesária foi para para que o eleitor não entrasse com o celular. Mas esse eleitor em particular revoltou-se com o nosso pedido. Subiu a voz e disparou: “Tem alguma lei que proíbe? Eu levo o que eu quiser!”. A atitude dele foi tão inesperada, tão estúpida, que nos deixou de mau humor por quase uma hora (e eu aposto minha vida que eu sei em quem ele vota). Mas, de resto, nenhuma irregularidade. Tudo tranquilo.
Hoje vai ser igual, imagino. Será mais rápido, já que o eleitor precisará votar apenas em uma candidata, não em seis. Será vapt-vupt.
Já falei que Dilma vai ganhar? Ela vai. Não sei de quanto. As pesquisas variam, e todas a mostram na frente, com vantagem entre 10% e 17%. Eu adoraria repetir o placar de 2006, de 61% a 39%. Mas não será assim. Tá mais pra 55 a 45 mesmo. Mas suponho que vantagem de Dilma será menor. Talvez 52% a 48%? Não podemos nos esquecer que todas as pesquisas erraram no primeiro turno. E que existe muito reaça com vergonha de declarar seu voto. E o favoritismo de Dilma ajuda, mas também atrapalha. Ajuda porque tem gente que vai na onda, que vota em quem acha que vai ganhar. E também, muito eleitor serrista pode não comparecer às urnas sabendo que ele vai perder. Mas isso funciona contra Dilma: muito eleitor dela pode não fazer questão de votar, sabendo que ela vai ganhar.
E uma coisa que pesquisa não capta de jeito nenhum é índice de abstenção. Estamos no meio de um feriado prolongado, e bastante gente já viajou. Isso deve afetar mais Serra (que tem mais eleitores ricos, com dinheiro pra viajar) do que Dilma. Mas Dilma também tem alguns eleitores ricos, e hoje em dia classe média baixa também viaja. E o número total desses eleitores endinheirados ainda é pequeno. Ainda acho que teremos uma abstenção altíssima, mas não tenho certeza de como isso afetará o resultado.
Tenho um pouquinho de medo do que os padres e pastores dirão a seus fieis agora de manhã, antes do povo ir votar. Imagino que o Ratzinger, vulgo papa, entrar na campanha na antevéspera, quando o assunto do aborto já fora superado, cause algum tipo de dano. Espero que não. De resto, parece que não houve bala de prata, ainda bem.
Bom, gente, este é um momento histórico. É a nossa chance de eleger a primeira presidenta, na frente dos EUA, França, Itália, Espanha, e vários outros países ricos. E podemos escolher entre um candidato machista, que pede pras meninas bonitas darem “chance” aos pretendentes que votarem nele, e uma candidata que simboliza uma enorme conquista feminina. É a nossa chance de escolher entre um partido que pôs o Brasil no rumo internacional e outro que tentou vender tudo que tínhamos pro estrangeiro. É nossa chance de seguir crescendo e melhorando o país ou trazer de volta aqueles que são poderosos com os humildes e humildes com os poderosos, como disse o Victor. É uma luta entre quem ama o Brasil e quem compara o país a um esgoto, planeja exílio em Miami e vive chamando pobre de burro. E é a gente que escolhe. Eu confio na inteligência do povo. É por isso que vamos ganhar.
Vamos imaginar só por um minuto (e já é tempo demais) que Serra vença hoje. Alguma dúvida que o clima de velório seria o mesmo de 89? Não haveria o que comemorar. Eleitor do Serra não vota nele, vota contra a esquerda. E é eleitor reaça, que nem gosta de governo, que acha que o Estado tem de ser mínimo, e que a política só atrapalha os “homens de bem” (e eles continuam usando essa expressão em pleno século 21, homens de bem, não pessoas de bem) de trabalhar e prosperar.
Felizmente, não vai acontecer. O Brasil vai saber superar seus preconceitos e votar numa candidata que promete continuar um governo maravilhosamente avaliado.
Novamente serei mesária. Gostei da experiência durante o primeiro turno. É exaustivo, mas o tempo voa, e não ocorrem grandes problemas. No dia 3 foram praticamente dois os pepinos: um, o de uma mulher que exigia que uma eleitora pudesse votar, apesar do nome na sua carteira de identidade ser diferente ao que estava escrito na seção. Tivemos que ligar pro juiz. Toda a atitude daquela mulher foi muito suspeita. Ela trouxe essa senhora e mais uma outra, ambas analfabetas, e queria ir com cada uma pra trás da urna eletrônica, pra “ajudá-las” a votar. E isso sem ter absolutamente nenhum parentesco com elas! Não permitimos, ela ameaçou fazer um escândalo, nós ameaçamos chamar a segurança, ela se acalmou.
O outro episódio desagradável foi cortesia de um homem de uns 30 anos, de classe média. Pedimos para que ele deixasse o celular em cima da nossa mesa, como pedimos pra todos. Por que isso? Pelo mesmo motivo que não deixamos crianças maiores (de colo tudo bem) acompanharem o pai ou a mãe na votação. Em 2006 houve denúncias de que crianças entravam para fiscalizar se a pessoa realmente estava votando em quem havia comprado o seu voto. E agora, que tantos telefones celulares têm câmera, fotografar o voto passa a ser uma possibilidade para os corruptos. Por isso, nosso treinamento de mesária foi para para que o eleitor não entrasse com o celular. Mas esse eleitor em particular revoltou-se com o nosso pedido. Subiu a voz e disparou: “Tem alguma lei que proíbe? Eu levo o que eu quiser!”. A atitude dele foi tão inesperada, tão estúpida, que nos deixou de mau humor por quase uma hora (e eu aposto minha vida que eu sei em quem ele vota). Mas, de resto, nenhuma irregularidade. Tudo tranquilo.
Hoje vai ser igual, imagino. Será mais rápido, já que o eleitor precisará votar apenas em uma candidata, não em seis. Será vapt-vupt.
Já falei que Dilma vai ganhar? Ela vai. Não sei de quanto. As pesquisas variam, e todas a mostram na frente, com vantagem entre 10% e 17%. Eu adoraria repetir o placar de 2006, de 61% a 39%. Mas não será assim. Tá mais pra 55 a 45 mesmo. Mas suponho que vantagem de Dilma será menor. Talvez 52% a 48%? Não podemos nos esquecer que todas as pesquisas erraram no primeiro turno. E que existe muito reaça com vergonha de declarar seu voto. E o favoritismo de Dilma ajuda, mas também atrapalha. Ajuda porque tem gente que vai na onda, que vota em quem acha que vai ganhar. E também, muito eleitor serrista pode não comparecer às urnas sabendo que ele vai perder. Mas isso funciona contra Dilma: muito eleitor dela pode não fazer questão de votar, sabendo que ela vai ganhar.
E uma coisa que pesquisa não capta de jeito nenhum é índice de abstenção. Estamos no meio de um feriado prolongado, e bastante gente já viajou. Isso deve afetar mais Serra (que tem mais eleitores ricos, com dinheiro pra viajar) do que Dilma. Mas Dilma também tem alguns eleitores ricos, e hoje em dia classe média baixa também viaja. E o número total desses eleitores endinheirados ainda é pequeno. Ainda acho que teremos uma abstenção altíssima, mas não tenho certeza de como isso afetará o resultado.
Tenho um pouquinho de medo do que os padres e pastores dirão a seus fieis agora de manhã, antes do povo ir votar. Imagino que o Ratzinger, vulgo papa, entrar na campanha na antevéspera, quando o assunto do aborto já fora superado, cause algum tipo de dano. Espero que não. De resto, parece que não houve bala de prata, ainda bem.
Bom, gente, este é um momento histórico. É a nossa chance de eleger a primeira presidenta, na frente dos EUA, França, Itália, Espanha, e vários outros países ricos. E podemos escolher entre um candidato machista, que pede pras meninas bonitas darem “chance” aos pretendentes que votarem nele, e uma candidata que simboliza uma enorme conquista feminina. É a nossa chance de escolher entre um partido que pôs o Brasil no rumo internacional e outro que tentou vender tudo que tínhamos pro estrangeiro. É nossa chance de seguir crescendo e melhorando o país ou trazer de volta aqueles que são poderosos com os humildes e humildes com os poderosos, como disse o Victor. É uma luta entre quem ama o Brasil e quem compara o país a um esgoto, planeja exílio em Miami e vive chamando pobre de burro. E é a gente que escolhe. Eu confio na inteligência do povo. É por isso que vamos ganhar.
sábado, 30 de outubro de 2010
VAI SERRA! SER DROIT NA VIDA
Venho querendo escrever este post faz tempo, mas falta tempo. E é hoje ou nunca, já que amanhã (até que enfim!) é a eleição e o assunto já estará velho. É sobre privatizações. Sei que é só mencionar esta tão temida palavra pros tucanos vestirem boné e camiseta de “I love Petrobrax” e “Banco do Brazil”. Mas antes de se fantasiarem eles sempre gritam “Terrorismo eleitoral!”. Pois é, a gente sugerir que eles vão privatizar tudinho se Serra for eleito (toc toc, cruz credo te esconjuro) é terrorismo, só porque o governo FHC, do qual ele fez parte, vendeu a toque de caixa um monte de estatais, e o governo paulista, nas mãos deles há 16 anos, também. E é só perguntar se eles vão acabar com o Bolsa-Família (porque, afinal, tem uns cinco anos ininterruptos que eles vêm falando mal do programa) pra eles chamarem os policiais com cassetetes e apontarem: “Aquela lá, seu guarda! Tá praticando terrorismo eleitoral!”. De onde se vê que qualquer tema incômodo pra eles é terrorismo eleitoral. E foi por isso que eles preferem falar de aborto, pra não ter que explicar seu posicionamento nesses temas.
Mas sabe o que definitivamente não é terrorismo eleitoral? A Regina Duarte ir pra TV dizer “Eu tenho medo” em 2002. O pessoal inventar que o PT vai invadir sua casa e separar um dos quartos pro partido. Ou espalhar que os militares não deixarão aqueles comunas governarem. Isso não é terrorismo, pois é baseado em ideias concretas e racionais.
Esses dias vi este vídeo, que certamente não é terrorismo eleitoral. Ele simplesmente diz que, se Dilma vencer (e vai vencer, gente!), será o fim do mundo como o conhecemos. O vídeo tá muito bem feito e é coisa de profissionais, não de militantes tucanos, se é que me entendem. A trama conta que Dilma, assim que eleita, não fará outra coisa além de perseguir Serra, quebrando seu sigilo fiscal e, provavelmente, jogando bolinha de papel nele. Serra volta a se exilar — nos EUA, que chega desses países de terceiro mundo. Acho um pouco estranho que até num cenário fantasioso o Serra fuja com o rabinho entre as pernas, mas o vídeo não é meu. O pau continua comendo no Brasil, com Dilma quebrando o país e fechando todos os meios de comunicação, esses bastiões da democracia. Ela também briga com Lula. Meu momento favorito em todo o vídeo é quando Serra volta, pra felicidade geral da nação, e FHC e Lula vão recepcioná-lo no aeroporto! E aí o vídeo diz que Michel Temer assume, mas sugere que é Serra que se torna presidente, porque quem precisa de eleições, não é mesmo? Democracia é o que vimos em Honduras!
Desculpas pra quem não tem senso de humor, mas o vídeo rivaliza com a série do “Voto em Serra pq” e na montagem da Globo no caso bolinhagate como o momento que mais me fez rir neste segundo turno.
Mas, privatizações. Primeiro que não acredito nem um tiquinho nas notícias que circularam por aí faz uns dias, sobre uma reunião a sete chaves entre FHC e investidores estrangeiros. Nessa reunião, FHC supostamente diz que, com Serra ganhando, eles vão promover uma grande liquidação de estatais, e que é agora ou nunca, amanhã não tem mais, freguês. Não duvido que FHC já tenha dito essas palavras a investidores estrangeiros várias vezes em sua vida, mas gente, ele não falaria isso alguns dias antes das eleições! Vamos deixar a ficção científica pro lado de lá, que eles são ótimos nisso.
Então, por que as privatizações são um assunto importante? Porque elas representam um projeto de governo que foi rechaçado não só aqui, mas em toda a América do Sul. Recomendo fortemente que vocês vejam Memórias do Saque, pra entender o que aconteceu na Argentina e o que tentaram fazer aqui. Nada disso é invenção. Um blogueiro vasculhou fontes "seguras", como a Veja, uma das maiores entusiastas das privatizações (assim como toda a mídia), e encontrou inúmeras matérias. Uns exemplos:
- Na Veja de 30/05/95, FHC diz ao ministro José Serra: “É preciso dizer sempre que este governo não retarda privatização, não é contra nenhuma privatização e vai vender tudo o que der pra vender”.
- Na mesma matéria: “O ministro José Serra anunciou um ritmo mais veloz na venda de estatais e incluiu as empresas de geração de energia elétrica na lista de privatizáveis”.
- A legenda da Veja do dia 29/5/95 diz: “O ministro José Serra comemora com a diretora do BNDES, Elena Landau, o sucesso no leilão que vendeu a empresa de energia para grupos estrangeiros por 2,2 bilhões de reais”. Tenho certeza que os estrangeiros que compraram a empresa comemoraram muito mais. Só os brasileiros não tiveram muito que comemorar, já que, cinco anos mais tarde, o Brasil entraria num colapso de energia, o famoso apagão.
- Veja em 10/95: “Serra é o responsável pela venda de estatais”.
- A Veja de 7/2/96 afirma que o governo FHC lamentou quando mais ouro foi descoberto no Pará, já que isso poderia afetar a privatização da Vale do Rio Doce (que, na época, controlava 40 empresas e faturava mais de 2 bilhões de dólares por ano). O ministro do Planejamento Serra tranquilizou os interessados na ocasião: “A descoberta dessa mina não altera em nada o processo de privatização. Só o preço, que poderá ser maior”. Quando a Vale foi privatizada, em três meses ela lucrou o que custou. Levanta a mão quem queria ter comprado a Vale por uma pechincha!
- Neste vídeo, numa entrevista entre amigos, FHC diz que Serra foi o privatista mais entusiasmado: “O Serra foi um dos que mais lutou a favor da privatização da Vale. Digo isso porque muita gente diz, Ah, o Serra, é estatizante, entendeu? Não. E da Light também. O Serra.”
- E isso aqui não tem a ver diretamente com privatizações, mas mostra as mentiras do Serra. É de uma entrevista de 2002 do então governador de Minas, Itamar Franco: “Serra nunca apoiou o Plano Real. Posso dizer porque fui presidente da República. Desde o início ele tentou bombardear o plano. [...] Se Serra fosse um homem verdadeiro, deveria defender a política deste governo [FHC], ao qual serviu por oito anos, ou dizer o que realmente pensa. [...] Ele deveria ter a decência de dizer que os genéricos surgiram no governo Itamar, não pelo Itamar, mas pelo grande ministro da Saúde que foi o Jamil Hadad”.
A única privatização que os reaças tentam defender é a das telecomunicações. Serra repetiu em vários debates que, se dependesse do PT, ainda estaríamos usando orelhão, ao invés de celular (bom, eu, que não tenho celular, espero que os orelhões continuem existindo). Mas a comparação é meio ridícula, porque naquela época, 1997, 98, mal existiam telefones celulares. É verdade que um telefone fixo custava caro e levava um tempão pra ser instalado — eu paguei R$ 1,200 pelo meu, e esperei durante um ano. Em compensação, algum tempo depois eu vendi as ações daquele telefone por R$ 1,500, e o telefone continuou sendo meu. Mas o que mais me lembro foi como disparou o valor da conta. O saudoso (pra eles) Sérgio Motta, vulgo Serjão, então ministro (morreu em abril de 98, no mesmo mês do filho do ACM), aumentou o preço da assinatura da linha, pra atrair investidores. Eu me lembro quando a assinatura custava R$ 3,86 por mês!
As privatizações são um assunto espinhoso pros tucanos porque a maior parte da população é contra (uma pesquisa do Estadão em 2007 revelou que até na privatização das telecomunicações 55% se opõe), porque foram realizadas sob fortes indícios de corrupção (nunca investigados por uma imprensa que estava — e continua — inteirinha nas mãos deles, por uma Polícia Federal que não investigava coisa nenhuma, e por um procurador mais conhecido como “engavetador geral da república”), e porque aumentaram muito as contas que pagamos por serviços básicos. A nossa internet banda larga é uma das piores e mais caras do mundo. Isso também é efeito das privatizações, que estabeleceram regras generosas pras empresas estrangeiras que ficaram com os nossos serviços.
E as privatizações tucanas também são criticadas e chamadas de "privataria" porque renderam 78 bilhões de reais, mas a dívida pública não parou de crescer. Em oito anos de FHC, eles conseguiram fazer com que nossa dívida pública, que era de 38% do PIB, subisse para 78%. E isso vendendo tudo que encontraram pela frente!
Bem, quase tudo. Não conseguiram vender o Banco do Brasil nem a Petrobrás, mas tentaram. Aquilo que o Serra disse num debate, que a mudança do nome para Petrobrax foi apenas um projeto mercadológico, é tudo mentira. O nome foi mudado, o que custou aos cofres públicos a bagatela de 50 milhões de dólares. Só que a repercussão foi tão negativa que tiveram que voltar atrás. Mas o importante não foi a mudança do nome, e sim o que ela representava: tornar a empresa mais palatável ao gosto do investidor estrangeiro. A privatização estava sendo estudada havia anos.
Repito: o que está em jogo é todo um projeto de poder que não vê problema algum em entregar nossos recursos nacionais a estrangeiros. Que vê o trabalhador como um entrave ao desenvolvimento. Que confia na boa vontade do patrão, sempre tão altruísta. Só um exemplo básico de como pensa o PSDB/DEM: nove anos atrás, eles propuseram a flexibilização das leis trabalhistas. Em bom português: acabar com 13o salário e férias (aqui no blog do fofíssimo Rogério ele entrega todos os detalhes).
O povo brasileiro pode ser conservador no sentido de ser contra a legalização do aborto e dos direitos homossexuais, mas também é contra doar nosso patrimônio pra estrangeiros. O povo adora fazer concurso público, porque é sua chance de ter um emprego que paga bem e é estável (algo que a nossa tão competente iniciativa privada não é capaz de suprir). Com Serra presidente, esses concursos vão minguar, até porque eles contratam quem eles querem sem concurso, só por indicação política (Roberto Freire e Soninha Francine que o digam).
É importante analisar a história. Por que pensar que os tucanos são diferentes agora? Eles nunca se arrependeram do que fizeram. Então é o seguinte: quem acha que nada deve ser público, que devemos pagar por todos os serviços que usamos, como saúde, educação, e segurança, sinceramente, tem mais é que votar no Serra mesmo. Mas, se você acredita que saúde e educação são direitos básicos de todo cidadão, se você já frequentou ou quer que seus filhos frequentem uma universidade pública e gratuita, de qualidade, se você algum dia pensa em fazer concurso público (para servir ao público), o projeto PSDB/DEM não é pra você. É muito simples. Mas pode chamar de terrorismo eleitoral se preferir.
(O título do post é referência a um poema do Drummond que diz "Vai Carlos! Ser gauche na vida". Como Serra não é de esquerda faz décadas, traduzi o gauche pra droit, direita).
Esses dias vi este vídeo, que certamente não é terrorismo eleitoral. Ele simplesmente diz que, se Dilma vencer (e vai vencer, gente!), será o fim do mundo como o conhecemos. O vídeo tá muito bem feito e é coisa de profissionais, não de militantes tucanos, se é que me entendem. A trama conta que Dilma, assim que eleita, não fará outra coisa além de perseguir Serra, quebrando seu sigilo fiscal e, provavelmente, jogando bolinha de papel nele. Serra volta a se exilar — nos EUA, que chega desses países de terceiro mundo. Acho um pouco estranho que até num cenário fantasioso o Serra fuja com o rabinho entre as pernas, mas o vídeo não é meu. O pau continua comendo no Brasil, com Dilma quebrando o país e fechando todos os meios de comunicação, esses bastiões da democracia. Ela também briga com Lula. Meu momento favorito em todo o vídeo é quando Serra volta, pra felicidade geral da nação, e FHC e Lula vão recepcioná-lo no aeroporto! E aí o vídeo diz que Michel Temer assume, mas sugere que é Serra que se torna presidente, porque quem precisa de eleições, não é mesmo? Democracia é o que vimos em Honduras!
Desculpas pra quem não tem senso de humor, mas o vídeo rivaliza com a série do “Voto em Serra pq” e na montagem da Globo no caso bolinhagate como o momento que mais me fez rir neste segundo turno.
Mas, privatizações. Primeiro que não acredito nem um tiquinho nas notícias que circularam por aí faz uns dias, sobre uma reunião a sete chaves entre FHC e investidores estrangeiros. Nessa reunião, FHC supostamente diz que, com Serra ganhando, eles vão promover uma grande liquidação de estatais, e que é agora ou nunca, amanhã não tem mais, freguês. Não duvido que FHC já tenha dito essas palavras a investidores estrangeiros várias vezes em sua vida, mas gente, ele não falaria isso alguns dias antes das eleições! Vamos deixar a ficção científica pro lado de lá, que eles são ótimos nisso.
Então, por que as privatizações são um assunto importante? Porque elas representam um projeto de governo que foi rechaçado não só aqui, mas em toda a América do Sul. Recomendo fortemente que vocês vejam Memórias do Saque, pra entender o que aconteceu na Argentina e o que tentaram fazer aqui. Nada disso é invenção. Um blogueiro vasculhou fontes "seguras", como a Veja, uma das maiores entusiastas das privatizações (assim como toda a mídia), e encontrou inúmeras matérias. Uns exemplos:
- Na Veja de 30/05/95, FHC diz ao ministro José Serra: “É preciso dizer sempre que este governo não retarda privatização, não é contra nenhuma privatização e vai vender tudo o que der pra vender”.
- Na mesma matéria: “O ministro José Serra anunciou um ritmo mais veloz na venda de estatais e incluiu as empresas de geração de energia elétrica na lista de privatizáveis”.
- A legenda da Veja do dia 29/5/95 diz: “O ministro José Serra comemora com a diretora do BNDES, Elena Landau, o sucesso no leilão que vendeu a empresa de energia para grupos estrangeiros por 2,2 bilhões de reais”. Tenho certeza que os estrangeiros que compraram a empresa comemoraram muito mais. Só os brasileiros não tiveram muito que comemorar, já que, cinco anos mais tarde, o Brasil entraria num colapso de energia, o famoso apagão.
- Veja em 10/95: “Serra é o responsável pela venda de estatais”.
- A Veja de 7/2/96 afirma que o governo FHC lamentou quando mais ouro foi descoberto no Pará, já que isso poderia afetar a privatização da Vale do Rio Doce (que, na época, controlava 40 empresas e faturava mais de 2 bilhões de dólares por ano). O ministro do Planejamento Serra tranquilizou os interessados na ocasião: “A descoberta dessa mina não altera em nada o processo de privatização. Só o preço, que poderá ser maior”. Quando a Vale foi privatizada, em três meses ela lucrou o que custou. Levanta a mão quem queria ter comprado a Vale por uma pechincha!
- Neste vídeo, numa entrevista entre amigos, FHC diz que Serra foi o privatista mais entusiasmado: “O Serra foi um dos que mais lutou a favor da privatização da Vale. Digo isso porque muita gente diz, Ah, o Serra, é estatizante, entendeu? Não. E da Light também. O Serra.”
- E isso aqui não tem a ver diretamente com privatizações, mas mostra as mentiras do Serra. É de uma entrevista de 2002 do então governador de Minas, Itamar Franco: “Serra nunca apoiou o Plano Real. Posso dizer porque fui presidente da República. Desde o início ele tentou bombardear o plano. [...] Se Serra fosse um homem verdadeiro, deveria defender a política deste governo [FHC], ao qual serviu por oito anos, ou dizer o que realmente pensa. [...] Ele deveria ter a decência de dizer que os genéricos surgiram no governo Itamar, não pelo Itamar, mas pelo grande ministro da Saúde que foi o Jamil Hadad”.
A única privatização que os reaças tentam defender é a das telecomunicações. Serra repetiu em vários debates que, se dependesse do PT, ainda estaríamos usando orelhão, ao invés de celular (bom, eu, que não tenho celular, espero que os orelhões continuem existindo). Mas a comparação é meio ridícula, porque naquela época, 1997, 98, mal existiam telefones celulares. É verdade que um telefone fixo custava caro e levava um tempão pra ser instalado — eu paguei R$ 1,200 pelo meu, e esperei durante um ano. Em compensação, algum tempo depois eu vendi as ações daquele telefone por R$ 1,500, e o telefone continuou sendo meu. Mas o que mais me lembro foi como disparou o valor da conta. O saudoso (pra eles) Sérgio Motta, vulgo Serjão, então ministro (morreu em abril de 98, no mesmo mês do filho do ACM), aumentou o preço da assinatura da linha, pra atrair investidores. Eu me lembro quando a assinatura custava R$ 3,86 por mês!
As privatizações são um assunto espinhoso pros tucanos porque a maior parte da população é contra (uma pesquisa do Estadão em 2007 revelou que até na privatização das telecomunicações 55% se opõe), porque foram realizadas sob fortes indícios de corrupção (nunca investigados por uma imprensa que estava — e continua — inteirinha nas mãos deles, por uma Polícia Federal que não investigava coisa nenhuma, e por um procurador mais conhecido como “engavetador geral da república”), e porque aumentaram muito as contas que pagamos por serviços básicos. A nossa internet banda larga é uma das piores e mais caras do mundo. Isso também é efeito das privatizações, que estabeleceram regras generosas pras empresas estrangeiras que ficaram com os nossos serviços.
E as privatizações tucanas também são criticadas e chamadas de "privataria" porque renderam 78 bilhões de reais, mas a dívida pública não parou de crescer. Em oito anos de FHC, eles conseguiram fazer com que nossa dívida pública, que era de 38% do PIB, subisse para 78%. E isso vendendo tudo que encontraram pela frente!
Bem, quase tudo. Não conseguiram vender o Banco do Brasil nem a Petrobrás, mas tentaram. Aquilo que o Serra disse num debate, que a mudança do nome para Petrobrax foi apenas um projeto mercadológico, é tudo mentira. O nome foi mudado, o que custou aos cofres públicos a bagatela de 50 milhões de dólares. Só que a repercussão foi tão negativa que tiveram que voltar atrás. Mas o importante não foi a mudança do nome, e sim o que ela representava: tornar a empresa mais palatável ao gosto do investidor estrangeiro. A privatização estava sendo estudada havia anos.
Repito: o que está em jogo é todo um projeto de poder que não vê problema algum em entregar nossos recursos nacionais a estrangeiros. Que vê o trabalhador como um entrave ao desenvolvimento. Que confia na boa vontade do patrão, sempre tão altruísta. Só um exemplo básico de como pensa o PSDB/DEM: nove anos atrás, eles propuseram a flexibilização das leis trabalhistas. Em bom português: acabar com 13o salário e férias (aqui no blog do fofíssimo Rogério ele entrega todos os detalhes).
O povo brasileiro pode ser conservador no sentido de ser contra a legalização do aborto e dos direitos homossexuais, mas também é contra doar nosso patrimônio pra estrangeiros. O povo adora fazer concurso público, porque é sua chance de ter um emprego que paga bem e é estável (algo que a nossa tão competente iniciativa privada não é capaz de suprir). Com Serra presidente, esses concursos vão minguar, até porque eles contratam quem eles querem sem concurso, só por indicação política (Roberto Freire e Soninha Francine que o digam).
É importante analisar a história. Por que pensar que os tucanos são diferentes agora? Eles nunca se arrependeram do que fizeram. Então é o seguinte: quem acha que nada deve ser público, que devemos pagar por todos os serviços que usamos, como saúde, educação, e segurança, sinceramente, tem mais é que votar no Serra mesmo. Mas, se você acredita que saúde e educação são direitos básicos de todo cidadão, se você já frequentou ou quer que seus filhos frequentem uma universidade pública e gratuita, de qualidade, se você algum dia pensa em fazer concurso público (para servir ao público), o projeto PSDB/DEM não é pra você. É muito simples. Mas pode chamar de terrorismo eleitoral se preferir.
(O título do post é referência a um poema do Drummond que diz "Vai Carlos! Ser gauche na vida". Como Serra não é de esquerda faz décadas, traduzi o gauche pra droit, direita).
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
DEBATE NA GLOBO. A GENTE COCHILA POR AQUI
Que porre foi esse último debate da Globo, hein? Conseguiu ser pior que o debate global do primeiro turno. Tanto que lá pelas tantas eu já tava debatendo com minhas pacientes seguidoras no Twitter se hamster era um rato com cauda e, mais tarde, se esquilo era um rato com cauda peluda. Concluí que, se houvesse esquilo no Brasil (e não venham me dizer que tem, são pouquíssimos!), ele jogaria amendoim na cabeça do Serra. E o tucano tocaria pro hospital pra fazer uma tomografia. Enquanto isso, a Globo já prepararia uma edição provando que o esquilo era petista, e que houve um segundo amendoim jogado na careca do Serra.
Certo, como vocês podem ver pelo nível deste post, não prestei muita atenção no debate. É que foi chato que dói. Não houve confronto algum. Poderia ter sido uma entrevista individual com cada candidato, e só com perguntas buscando “propostas” (eu só lembro de uma: Serra falou em varizes de novo, ueba! Devo ter perdido a parte em que ele promete um mutirão de tomografias pras duas professoras em sala de aula que levam bolinha de papel na cabeça). Depois fiquei aliviada quando William Bonner disse que o debate foi feito pra uma dúzia de indecisos. Posso ser indelicada sobre indecisos? Não acredito neles. Indeciso, a essa altura do campeonato, é um completo alienado. Diria até que indeciso não passa de um reaça enrustido, que tem vergonha de declarar voto no da bolinha (e eu empatizo com eles: eu também teria!). Me digam que o sujeito de classe média reclamando de ter que pagar impostos é um indeciso! Sei, sei. Pra cima de moi?!
Dilma esteve tranquila, muito melhor que que no seu primeiro debate. A evolução pra falar diante da câmera é visível. Mas o debate em si foi monótono, deu sono, deu vontade de falar de esquilo. E é ridículo a Globo se colocar como campeã da democracia. A Globo! Aquela que, no finalzinho do debate, deu close pro Serra. Se bem que, comparado com as manipulações que a emissora está acostumada a fazer, isso foi fichinha.
A grande vantagem do debate é que, se deus quiser e Ratzinger não atrapalhar, esta terá sido a última vez que vimos o Serra falar. Adeus, Serra. Você será lembrado. Pelo bolinhagate, pela campanha medieval, por fazer a discussão sobre direitos humanos retrocecer vinte anos em um só mês de segundo turno, pela baixaria dos santinhos apócrifos e emails mentirosos. No seu encerramento, no seu ato final na política brasileira (oxalá!), faltou apenas ao candidato pedir pra menina bonita escrever pros pretendentes dizendo que eles têm mais chance com ela caso votem no grosseirão. Pois é José, você definitivamente será lembrado.
Dilma esteve tranquila, muito melhor que que no seu primeiro debate. A evolução pra falar diante da câmera é visível. Mas o debate em si foi monótono, deu sono, deu vontade de falar de esquilo. E é ridículo a Globo se colocar como campeã da democracia. A Globo! Aquela que, no finalzinho do debate, deu close pro Serra. Se bem que, comparado com as manipulações que a emissora está acostumada a fazer, isso foi fichinha.
A grande vantagem do debate é que, se deus quiser e Ratzinger não atrapalhar, esta terá sido a última vez que vimos o Serra falar. Adeus, Serra. Você será lembrado. Pelo bolinhagate, pela campanha medieval, por fazer a discussão sobre direitos humanos retrocecer vinte anos em um só mês de segundo turno, pela baixaria dos santinhos apócrifos e emails mentirosos. No seu encerramento, no seu ato final na política brasileira (oxalá!), faltou apenas ao candidato pedir pra menina bonita escrever pros pretendentes dizendo que eles têm mais chance com ela caso votem no grosseirão. Pois é José, você definitivamente será lembrado.
AGORA MEUS ALUNOS SABEM
Esses dias tenho ido à faculdade com adesivo de quem eu vou votar pra presidente. Eu nem sabia se podia, mas vários colegas têm usado, e todos disseram tratar-se de uma manifestação democrática pessoal. Mas, numa das turmas, assim que entrei, meus alunos me olharam de um jeito esquisito, então decidi justificar: “Vim pra cá com esse adesivo porque vocês podiam estar curiosos em saber em quem eu vou votar”. Eles só faltaram rolar de rir no chão com a minha piadinha. Um falou: “É verdade, professora. Com os seus valores e as suas ideias, realmente não dava pra adivinhar o seu voto”. São uns fofos.
GUEST POST: AH, A TUCANADA JOVEM DE MINAS!
Uma leitora fofa me enviou um email que mais parece uma conversa, com nós duas sentadas na frente da casa, fofocando. Achei delicioso e pedi pra ela se podia publicar a mensagem, deixando de fora o nome dos participantes e o dela. Ela mora em Belo Horizonte. Por coincidência, no mesmo estado em que Serra deu sua mais recente bola fora, e por isso foi agraciado com a tag #serracafetao. Tomara que tenha perdido o voto de milhares de mulheres também. Não dessas que a leitora descreve aqui...
Senti muita vontade de fofocar com você, Lola. Até o primeiro semestre deste ano, eu cursava Direito em BH numa faculdade elitizadíssima, e não fiquei muito surpresa quando vi este vídeo e reconheci vários colegas. [nota da Lolinha: o que o Índio da Costa tá fazendo na sala de reuniões? Mais uma nota: é duro ver o vídeo até o fim. Antídoto: vejam, correndo, a série de vídeos hilários eu voto serra pq. Obrigada].
Mas quando cheguei a este site o meu queixo caiu. Ainda era época de 1° turno e li textos bem ofensivos contra Dilma Rousseff. Reproduziram basicamente aquele monte de lorota leviana sobre a petista, a trataram como terrorista. Fiquei enojada, senti a famosa "vergonha alheia". Não sei se esse texto ainda está no ar. Talvez tenham dado aquela repaginada para o 2° turno. Evito acessá-lo pra não dar ibope pra essa turma da pesada.
Ingressei na faculdade muito entusiasmada, e realmente tive bons primeiros anos, mas do meio em diante percebi que era um peixe fora d'água. Trata-se de uma faculdade considerada pela sociedade belorizontina a de melhor ensino entre as particulares. Mas o esquema é tenebrosinho: a galera só estuda por apostilas, apesar de terem uma baita biblioteca (muito frequentada por gente de fora, concurseiros...), possui muitos professores cheios de soberba, juízes, desembargadores que se acham o máximo mesmo sem mestrado ou doutorado. Os professores que advogam são mais legais... O DA vive em função de promover festas/baladas pra high society do Direito em Búzios, Escarpas do Lago, Brasília... promover palestras/ciclos de debates com temas importantes, que é bom, nada. Isso fica a cargo de um departamento da própria faculdade.
Lola, um escândalo que já rolou: um mauricinho desmiolado anonimamente enviou um e-mail criminoso, racista e preconceituoso sobre os nossos colegas que lá ingressaram pelo Prouni pruma lista de endereços de alunos e professores da faculdade. Fiquei muito chateada porque ele chegou a citar nomes e provavelmente eram de gente que eu conhecia e com quem gostava de conviver. A reitoria ficou de apurar o caso, rastrear o e-mail e punir o ofensor. Não sei em que pé está.
Bom, me espanto com a nossa juventude de direita. Essa turma do chapéu reinaldo azevedístico está aqui em BH, perto de mim, e me incomoda. Não entendo como querem estar no poder público se mal conhecem o país onde vivem. Lola, pra você ter uma ideia, estudei com filha de banqueiro, enfim, gente que se manda pro exterior em todo feriado e que só viaja pelo Brasil se for pras melhores praias... A gente saca na hora que vivem numa matrix, não conhecem a realidade do povo... e querem fazer política! Putz.
Fico preocupada com um dos sujeitos no vídeo. O rapaz fala bem pra kralho, é simpático, oratória que dá até raiva... na facul rola até uma piadinha: na sala de parto o 1° ato dele não foi chorar, já nasceu pedindo um voto pro médico. Temo que ainda veremos esse nome disputando altos cargos públicos.
E sim, são de família TFP, vovô político e tudo mais...
Desabafei.
Ah, apenas para constar, algo do qual muito orgulho: eu tinha tudo pra ser uma patricinha doidivanas, mas minha história é diferente. Tenho pais que foram "pirados" na juventude, se esbaldaram, e o meu pai e minha mãe votaram no Lula... dessa vez votaram na Marina, mas acho que vão de Dilma (minha mãe, certeza!). Meu pai já foi operário, hoje tem uma indústria de pequeno porte, empregamos cerca de 40 pessoas, tenho vida confortável, mas não suporto os direitosos, não suporto a classe mérdia.
Moro na zona sul, tenho vizinho deputado e psdbista que certamente torce o nariz pra campanha que fiz pro Lula e que faço agora pra Dilma...
E olha que interessante: minha depiladora me contou que a maioria da clientela fala mal da Dilma pra ela, diz que "só gente ignorante vota na Dilma", e que só eu e uma outra cliente que é muito rica, dona de uma concessionária, pedimos a ela que vote em Dilma. Ela conta que essa cliente nunca viu tanta gente comprando carro! Pra vc ver, Lola, o empresariado não tem do que reclamar, está enchendo a burra! Mas a classe mérdia, servidores do alto escalão, gente que vive de renda, esse povo da "tradicional família mineira" mostra que não sabe nada de Brasil, não sabe nada...
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
A ÚLTIMA DO SERRA
Eu sei que parece que tô inventando. Sei que depois da farsa do bolinhagate, ninguém podia esperar algo mais surreal do Serra. Sei que depois do Serra passar duas semanas ininterruptas falando de aborto, parecia que ele não chegaria mais baixo. Mas chegou, gente! Serra agora tá oficialmente abaixo do nível do pré-sal que ele tão avidamente quer doar pros estrangeiros. Olhem o que o lépido tucano disse num comício hoje em Minas:
“Se você é uma menina bonita, tem que conseguir 15 votos. Pegue a lista de pretendentes e mande um e-mail. Fale que quem votar em mim tem mais chance com você”.
Quer dizer, de manhã o sujeito se encontra com o papa pra condenar o aborto e salvar as criancinhas inocentes. E de noite ele pede pra meninas bonitas conquistarem voto pra ele em troca de “chance”. No meu livro isso tem outro nome. E as pessoas do Twitter, que são rápidas e espertas que só elas, num instante lançaram uma tag nova, que agora já faz o maior sucesso: #serracafetao
Eu deixei algumas colaborações:
- Imagina alguma menina escrever p/"pretendente" (o Serra é meio das antigas,ñ?): se vc votar no velhinho, tem mais chance comigo.
- Aí o pretendente responde: Se vc me pedir pra votar no Serra, ñ quero mais nada contigo. Adeus.
- No mundo do Serra, menina tem pretendentes. Saudades do século 19.
- Nesse mesmo evento do #serracafetao, mulheres gritaram pelo Aécio. Então podia ser assim:
- “Aécio, pegue sua lista de pretendentes e diga q, se a mocinha votar em mim, tem mais chance com vc”.
- Serra: “Pra que terceirizar? Mandarei email pras minhas pretendentes dizendo q elas têm + chance comigo se votarem em mim. Agora q a Monica sumiu mesmo..."
- Gente, ñ sejamos tão duras c/o Serra! Ele só tá querendo arranjar um emprego pra depois do dia 31/10.
- Serra mais uma vez revela o q pensa das mulheres. Não servem nunca p/ser presidentas, mas p/ganhar voto de macho.
- Primeiro os tucanos distribuíram cesta básica no RS. Agora distribuem "chance" c/menina bonita.
- Serra pra Bento XVI: "Se vc é papa, peça pros seus fiéis votarem em mim p/terem mais chance de ir pro céu".
- Depois dessa do #serracafetao, uma coisa é certa: ninguém pode acusar Serra de não ser um homem de propostas.
(E eu devia estar trabalhando!). Bom, hoje é apenas quinta à noite. Amanhã tem debate na Globo e esta pérola machista do Serra se perderá entre outras novinhas em folha. O que eu espero é nunca mais ter que ouvir suas ideias medievais depois do segundo turno.
“Se você é uma menina bonita, tem que conseguir 15 votos. Pegue a lista de pretendentes e mande um e-mail. Fale que quem votar em mim tem mais chance com você”.
Quer dizer, de manhã o sujeito se encontra com o papa pra condenar o aborto e salvar as criancinhas inocentes. E de noite ele pede pra meninas bonitas conquistarem voto pra ele em troca de “chance”. No meu livro isso tem outro nome. E as pessoas do Twitter, que são rápidas e espertas que só elas, num instante lançaram uma tag nova, que agora já faz o maior sucesso: #serracafetao
Eu deixei algumas colaborações:
- Imagina alguma menina escrever p/"pretendente" (o Serra é meio das antigas,ñ?): se vc votar no velhinho, tem mais chance comigo.
- Aí o pretendente responde: Se vc me pedir pra votar no Serra, ñ quero mais nada contigo. Adeus.
- No mundo do Serra, menina tem pretendentes. Saudades do século 19.
- Nesse mesmo evento do #serracafetao, mulheres gritaram pelo Aécio. Então podia ser assim:
- “Aécio, pegue sua lista de pretendentes e diga q, se a mocinha votar em mim, tem mais chance com vc”.
- Serra: “Pra que terceirizar? Mandarei email pras minhas pretendentes dizendo q elas têm + chance comigo se votarem em mim. Agora q a Monica sumiu mesmo..."
- Gente, ñ sejamos tão duras c/o Serra! Ele só tá querendo arranjar um emprego pra depois do dia 31/10.
- Serra mais uma vez revela o q pensa das mulheres. Não servem nunca p/ser presidentas, mas p/ganhar voto de macho.
- Primeiro os tucanos distribuíram cesta básica no RS. Agora distribuem "chance" c/menina bonita.
- Serra pra Bento XVI: "Se vc é papa, peça pros seus fiéis votarem em mim p/terem mais chance de ir pro céu".
- Depois dessa do #serracafetao, uma coisa é certa: ninguém pode acusar Serra de não ser um homem de propostas.
(E eu devia estar trabalhando!). Bom, hoje é apenas quinta à noite. Amanhã tem debate na Globo e esta pérola machista do Serra se perderá entre outras novinhas em folha. O que eu espero é nunca mais ter que ouvir suas ideias medievais depois do segundo turno.
RODEIO DE GORDAS: O PRECONCEITO DÁ UM PASSINHO À FRENTE
Olha só a coincidência: um dia antes de sair a notícia asquerosa sobre o rodeio de gordas (falarei mais disso daqui a pouco), uma das minhas turmas da faculdade me perguntou o que eu achava da lei contra a homofobia (o projeto PL122, que criminaliza a homofobia). Respondi que não tinha uma posição totalmente formada a respeito, mas que, como toda a comunidade GLBT é a favor, eu tendia a ser a favor também, já que acho que quem é discriminado tem mais discernimento para decidir sobre uma lei. Porém, por outro lado, liberdade de expressão é algo muito importante pra mim. A conversa foi longa (eles adoram debater comigo sobre um monte de questões que não têm absolutamente nada a ver com Inglês Técnico – já falei aqui sobre como muitos deles me decepcionaram no posicionamento conservador contra a legalização do aborto). Lá pelas tantas eu toquei na lei contra o racismo, defendendo que foi positivo a lei ter ajudado a coibir várias manifestações racistas, apesar de não acabar com a raiz do pensamento racista. Eles disseram que não dava pra comparar racismo com homofobia, já que as pessoas nascem negras, mas não nascem gays. Eu respondi que há bastante unanimidade entre os gays que se nasce gay sim, mas que não era essa a questão. Afinal, tem importância nascer de um jeito ou se tornar assim? Isso justifica que as pessoas te tratem mal? E dei o exemplo das gordas. Eu sou gorda, disse pra eles. E não nasci gorda, fiquei gorda quando chegou a puberdade. Mas e daí? Um caso daria direito a insultos, e o outro não? Enquanto vários alunos me olhavam com cara de que nunca haviam parado pra pensar em discriminação contra gordas antes, um disse que meu argumento era absurdo, porque ele tinha sido uma criança gorda, e olhe pra ele agora (é todo musculoso). Expliquei que genética é parte importante no tipo físico da pessoa, e lembrei que é esquisito que a gente aceita a genética pra algumas características, mas pra outras não. Tipo: nenhum baixinho fica tentando ser alto, mas todo gordo faz o possível e o impossível tentando ser magro.
Mas nem adianta, né? Toda vez que falo sobre aceitação do corpo aqui no blog, vem um batalhão dizer que só é gorda quem quer. Ou seja, já associam gordura com falta de caráter, ou, pelo menos, falta de determinação. O fato de 99% das dietas falharem (a pessoa até perde quilos mas acaba recuperando tudo e mais um pouco depois) não mostra o óbvio – que dietas não funcionam. Mostra que as gordas é que não funcionam porque são umas desleixadas. Elas simplesmente não fazem o esforço. Esforço que, pra muita gente, equivale a viver pra isso. Eu fiz reeducação alimentar uns quatro anos atrás, durante quase um ano, e até gostei. Cheguei a perder oito quilos. Mas eu vivia pra aquilo. Não havia um só momento que eu não pensava em comida, em quilos, em calorias, em ginástica. Eu não passava fome (não era dieta), mas gastava muito tempo e energia naquele único objetivo. Se valia a pena? Imagino que pra muitas das minhas colegas de grupo (a gente se reunia uma vez por semana, se pesava, recebia aplausos, bem vigilantes do peso) valia. Pra mim, pessoalmente, não. Notei que aquilo seria um esforço pro resto da vida, e decidi que eu só tenho uma vida, sempre fui gorda, e prefiro me empenhar em outras coisas. Mas é só falar algo assim que muita gente me equipara a uma terrorista: eu estou encorajando as gordas a serem gordas! (e sempre vem aquela hipocrisia de que a preocupação é com a saúde dessas pobres mulheres, não com a aparência).
Será que estou encorajando? Quem sabe. Mais uma coincidência: ontem recebi email de uma leitora. Reproduzo uma parte aqui:
Hoje estava conversando com uma grande amiga que estava em crise conjugal e sempre tem problemas de autoestima por ser gorda. Ela é linda, linda, mas tem dificuldades de ver a beleza, por conta desses padrões ridículos que nos impõem. Pois bem, recomendei a ela vários links do seu blog e ela me ligou hoje no Skype só pra me agradecer e dizer que os textos têm-na ajudado muito a vencer a barreira do preconceito que ela acabou desenvolvendo contra ela mesma. Ela me disse: “Aqueles textos que você me mandou me ajudaram demais. Estou indo à natação todos os dias agora, não por causa daquela paranoia de antes[de emagrecer], mas porque estou curtindo o meu corpo e adorando sentir ele se movimentando na água. Hoje eu consegui ficar olhando para mim mesma no espelho e me admirar! Tô muito bem, você não imagina o quanto! Ninguém me segura agora!!" Pô, Lola, não consigo escrever isso sem me emocionar (tô chorando agora). É lindo demais ver uma pessoa aceitando o próprio corpo, graças às suas palavras, sabia?
Claro que receber um email desses me deixa muito feliz. Mas, pra muita gente, eu só estou fazendo mal a essa moça. Porque agora, imagina só, ela pode olhar o corpo no espelho sem sentir repulsa! Ela gosta de ver aquele corpo balofo, disforme, grotesco, doente, se mexer! Como é que ela vai perder peso assim? Não, certos estão quem a lembram todos os dias que ela é gorda e horrível. Isso sim vai fazer com que ela aprenda!
Mas aprenda o quê, may I ask? Que ela é gorda? Juro que ela já tinha se dado conta. Que ela é horrível por ser gorda? Vai por mim: ela sabe disso desde criancinha. Que precisa emagrecer? Ela passou a vida toda tentando. Gente, a verdade é uma só: se ofender gordas fizesse que perdêssemos peso, não haveria uma só gorda no mundo. Todas nós já fomos insultadas. Todas nós já tentamos emagrecer, e a maioria vai tentar até morrer. A gente é brasileira e não desiste nunca!
Nos EUA existe um movimento chamado HAES, sigla para Health At Every Size (Saúde em qualquer tamanho). Ele prega que qualquer pessoa, gorda ou magra, pode ser saudável. E que, se a preocupação de todo mundo com o nosso corpo é mesmo bem intencionada (e é baseada na saúde, não num padrão de beleza inatingível), mais vale que sejamos gordas saudáveis. Dá pra se alimentar de um jeito saudável sendo gorda. Dá pra fazer exercícios sendo gorda. Dá pra ter colesterol baixo sendo gorda. Dá pra se sentir bonita sendo gorda. Dá pra ser amada sendo gorda. Dá pra ser feliz sendo gorda. E então, qual corpo uma pessoa vai tratar melhor? Um que ela ama ou um que ela odeia? Com que estilo de vida ela terá mais propensão a emagrecer? Fazendo ginástica, comendo comida saudável, ou não querendo sair pra não se expor, vivendo em depressão, se empaturrando de comida por causa dessa depressão? Sério, não é uma pergunta difícil.
Mas vai dizer isso pra uma quantidade imensa de gente que faz do ódio às gordas o seu estilo de vida! E por favor, gente, pensem antes de falar: o ódio às gordas é incrivelmente maior que o ódio aos gordos. Não estou dizendo que homens gordos não sofrem ou não são discriminados, mas, numa sociedade em que uma mulher é avaliada, acima de tudo, pela sua aparência, ter uma aparência fora dos padrões vai custar muito mais pra uma mulher que pra um homem. A aceitação do corpo é um desafio para praticamente todas as mulheres, sejam elas gordas ou magras. Xingar o corpo de uma mulher é uma forma de misoginia, porque diz que formas femininas são horrendas e, ao mesmo tempo, ensina a mulher que seu corpo não é sua propriedade. Uma forma de misoginia, aliás, amplamente aceita e difundida pela mídia. A mídia prega seu ódio diário contra mulheres pra vender produtos. E você, qual é a sua desculpa?
E qual a desculpa dos cerca de 50 rapazes universitários da UNESP (Universidade Estadual Paulista) que realizaram o “rodeio de gordas”? Um dos organizadores disse que era só uma brincadeira. Era divertido montar numa moça obesa e agarrá-la como um peão faz com um touro numa arena, enquanto amigos gritavam “Pula, gorda bandida!”. Não era divertido pra mulher gorda, lógico, mas ela nem humana é – foi comparada a um animal, uma vaca, um boi, um touro, algo pra ser montado com crueldade.
A imensa maioria dos comentários que li sobre o caso é de repúdio. Ainda bem. Talvez um “rodeio de gordas” seja exagerado demais pra nossa sensibilidade. Mas a raiz do prenconceito é a mesma: gorda não é gente, não merece respeito, nem ela mesmo se ama. E é uma burra também: com tanto amor dirigido a ela, como ela pode se odiar?
Update em 15/5/13: Na época, os três organizadores receberam apenas cinco dias de suspensão (foto acima). Porém, o Ministério Público forçou um acordo em 2011 para que cada um pagasse cerca de 20 mil reais em cestas básicas para instituições de caridade (ironicamente, instituições feministas e LGBT).
Um dos três se negou a assinar, e foi processado por dano moral coletivo. Hoje saiu a última condenação: este estudante terá que pagar trinta salários mínimos. Muito bom que alguma justiça foi feita. Que os nomes desses criminosos (que obviamente se dizem discriminados) fiquem registrados: Roberto Paulo de Freitas Negrini, Daniel Prado de Souza, e Raphael Dib Tebechrami. Pra mim, não resta dúvida que são mascus.
Mas nem adianta, né? Toda vez que falo sobre aceitação do corpo aqui no blog, vem um batalhão dizer que só é gorda quem quer. Ou seja, já associam gordura com falta de caráter, ou, pelo menos, falta de determinação. O fato de 99% das dietas falharem (a pessoa até perde quilos mas acaba recuperando tudo e mais um pouco depois) não mostra o óbvio – que dietas não funcionam. Mostra que as gordas é que não funcionam porque são umas desleixadas. Elas simplesmente não fazem o esforço. Esforço que, pra muita gente, equivale a viver pra isso. Eu fiz reeducação alimentar uns quatro anos atrás, durante quase um ano, e até gostei. Cheguei a perder oito quilos. Mas eu vivia pra aquilo. Não havia um só momento que eu não pensava em comida, em quilos, em calorias, em ginástica. Eu não passava fome (não era dieta), mas gastava muito tempo e energia naquele único objetivo. Se valia a pena? Imagino que pra muitas das minhas colegas de grupo (a gente se reunia uma vez por semana, se pesava, recebia aplausos, bem vigilantes do peso) valia. Pra mim, pessoalmente, não. Notei que aquilo seria um esforço pro resto da vida, e decidi que eu só tenho uma vida, sempre fui gorda, e prefiro me empenhar em outras coisas. Mas é só falar algo assim que muita gente me equipara a uma terrorista: eu estou encorajando as gordas a serem gordas! (e sempre vem aquela hipocrisia de que a preocupação é com a saúde dessas pobres mulheres, não com a aparência).
Será que estou encorajando? Quem sabe. Mais uma coincidência: ontem recebi email de uma leitora. Reproduzo uma parte aqui:
Hoje estava conversando com uma grande amiga que estava em crise conjugal e sempre tem problemas de autoestima por ser gorda. Ela é linda, linda, mas tem dificuldades de ver a beleza, por conta desses padrões ridículos que nos impõem. Pois bem, recomendei a ela vários links do seu blog e ela me ligou hoje no Skype só pra me agradecer e dizer que os textos têm-na ajudado muito a vencer a barreira do preconceito que ela acabou desenvolvendo contra ela mesma. Ela me disse: “Aqueles textos que você me mandou me ajudaram demais. Estou indo à natação todos os dias agora, não por causa daquela paranoia de antes[de emagrecer], mas porque estou curtindo o meu corpo e adorando sentir ele se movimentando na água. Hoje eu consegui ficar olhando para mim mesma no espelho e me admirar! Tô muito bem, você não imagina o quanto! Ninguém me segura agora!!" Pô, Lola, não consigo escrever isso sem me emocionar (tô chorando agora). É lindo demais ver uma pessoa aceitando o próprio corpo, graças às suas palavras, sabia?
Claro que receber um email desses me deixa muito feliz. Mas, pra muita gente, eu só estou fazendo mal a essa moça. Porque agora, imagina só, ela pode olhar o corpo no espelho sem sentir repulsa! Ela gosta de ver aquele corpo balofo, disforme, grotesco, doente, se mexer! Como é que ela vai perder peso assim? Não, certos estão quem a lembram todos os dias que ela é gorda e horrível. Isso sim vai fazer com que ela aprenda!
Mas aprenda o quê, may I ask? Que ela é gorda? Juro que ela já tinha se dado conta. Que ela é horrível por ser gorda? Vai por mim: ela sabe disso desde criancinha. Que precisa emagrecer? Ela passou a vida toda tentando. Gente, a verdade é uma só: se ofender gordas fizesse que perdêssemos peso, não haveria uma só gorda no mundo. Todas nós já fomos insultadas. Todas nós já tentamos emagrecer, e a maioria vai tentar até morrer. A gente é brasileira e não desiste nunca!
Nos EUA existe um movimento chamado HAES, sigla para Health At Every Size (Saúde em qualquer tamanho). Ele prega que qualquer pessoa, gorda ou magra, pode ser saudável. E que, se a preocupação de todo mundo com o nosso corpo é mesmo bem intencionada (e é baseada na saúde, não num padrão de beleza inatingível), mais vale que sejamos gordas saudáveis. Dá pra se alimentar de um jeito saudável sendo gorda. Dá pra fazer exercícios sendo gorda. Dá pra ter colesterol baixo sendo gorda. Dá pra se sentir bonita sendo gorda. Dá pra ser amada sendo gorda. Dá pra ser feliz sendo gorda. E então, qual corpo uma pessoa vai tratar melhor? Um que ela ama ou um que ela odeia? Com que estilo de vida ela terá mais propensão a emagrecer? Fazendo ginástica, comendo comida saudável, ou não querendo sair pra não se expor, vivendo em depressão, se empaturrando de comida por causa dessa depressão? Sério, não é uma pergunta difícil.
Mas vai dizer isso pra uma quantidade imensa de gente que faz do ódio às gordas o seu estilo de vida! E por favor, gente, pensem antes de falar: o ódio às gordas é incrivelmente maior que o ódio aos gordos. Não estou dizendo que homens gordos não sofrem ou não são discriminados, mas, numa sociedade em que uma mulher é avaliada, acima de tudo, pela sua aparência, ter uma aparência fora dos padrões vai custar muito mais pra uma mulher que pra um homem. A aceitação do corpo é um desafio para praticamente todas as mulheres, sejam elas gordas ou magras. Xingar o corpo de uma mulher é uma forma de misoginia, porque diz que formas femininas são horrendas e, ao mesmo tempo, ensina a mulher que seu corpo não é sua propriedade. Uma forma de misoginia, aliás, amplamente aceita e difundida pela mídia. A mídia prega seu ódio diário contra mulheres pra vender produtos. E você, qual é a sua desculpa?
E qual a desculpa dos cerca de 50 rapazes universitários da UNESP (Universidade Estadual Paulista) que realizaram o “rodeio de gordas”? Um dos organizadores disse que era só uma brincadeira. Era divertido montar numa moça obesa e agarrá-la como um peão faz com um touro numa arena, enquanto amigos gritavam “Pula, gorda bandida!”. Não era divertido pra mulher gorda, lógico, mas ela nem humana é – foi comparada a um animal, uma vaca, um boi, um touro, algo pra ser montado com crueldade.
A imensa maioria dos comentários que li sobre o caso é de repúdio. Ainda bem. Talvez um “rodeio de gordas” seja exagerado demais pra nossa sensibilidade. Mas a raiz do prenconceito é a mesma: gorda não é gente, não merece respeito, nem ela mesmo se ama. E é uma burra também: com tanto amor dirigido a ela, como ela pode se odiar?
Update em 15/5/13: Na época, os três organizadores receberam apenas cinco dias de suspensão (foto acima). Porém, o Ministério Público forçou um acordo em 2011 para que cada um pagasse cerca de 20 mil reais em cestas básicas para instituições de caridade (ironicamente, instituições feministas e LGBT).
Um dos três se negou a assinar, e foi processado por dano moral coletivo. Hoje saiu a última condenação: este estudante terá que pagar trinta salários mínimos. Muito bom que alguma justiça foi feita. Que os nomes desses criminosos (que obviamente se dizem discriminados) fiquem registrados: Roberto Paulo de Freitas Negrini, Daniel Prado de Souza, e Raphael Dib Tebechrami. Pra mim, não resta dúvida que são mascus.