Eu feliz com a aprovação da lei, no início de 2018, com meu Calvin amado
Luana Ramos Vieira é bacharela em Direito e está se especializando em Ciências Criminais pela ULBRA/RS. Para obtenção do grau, ela escreveu um artigo sobre a Lei Lola, "Os crimes de misoginia e a possível (in)aplicabilidade da Lei no. 13.642/2018". Quando ela me contou, eu pedi para ela redigir um guest post sobre seu trabalho. Está aqui. Eu volto no final.
A Lei Lola, a Lei 13/642/18, atribuiu à Polícia Federal a investigação de "quaisquer crimes praticados por meio da rede mundial de computadores que difundam conteúdo misógino, definidos como aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres".
No meu artigo sobre a lei, eu analisei, em um primeiro momento, o fenômeno da violência, por se tratar de uma questão cultural que está presente em todas as sociedades.
A nossa sociedade, por exemplo, entende que a violência pode ser uma fonte de entretenimento, como é o caso das lutas do UFC e MMA. No meio dessa pesquisa, apontei que nós mulheres sofremos violência em função de sermos mulheres -- e por isso a violência contra a mulher tem um viés destacado de gênero.
A Lei Lola foi pioneira ao falar em “misoginia”, pois até então não se tinha utilização desse termo, embora as leis Maria da Penha e o feminicídio tenham claro objetivo de enfrentamento à misoginia. A relevância dessa lei é grande, pois sabemos o quão problemático pode ser o ambiente virtual, onde reina o anonimato, e os discursos de ódio são propagados em qualquer canto.
Procurei identificar uma possível correlação entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Nesta busca, verifiquei que muitas pessoas invocam o direito de se expressar, mas, na verdade, estão apenas propagando ódio pelas redes, o que deve ser combatido. A Constituição Federal nos assegura a liberdade de expressão, mas, naturalmente, todos os direitos nela elencados têm limites para que haja um equilíbrio harmônico na vida em sociedade.
Mas o que seriam esses crimes misóginos de que fala a lei? Afinal, o texto deixa isso em aberto. Percebo que crimes que difundam conteúdos misóginos incluem calúnia, difamação, injúria, ameaça, e até induzimento ou instigação ao suicídio, incitação ao crime e apologia ao crime. Todos estes presentes no Código Penal, dentre outros.
A misoginia, como a lei diz, é o ódio ou a aversão às mulheres. Segundo uma das perspectivas do misógino, ele espera determinado comportamento de uma mulher; e, quando a mulher não entrega esse comportamento, isso justifica para ele as diversas formas de violência contra a vítima, seja ela psicológica, física, sexual, patrimonial. A misoginia, enquanto ferramenta da cultura patriarcal e machista da nossa sociedade, interpreta o gênero feminino como inferior ao masculino, justificando as violências e inferiorização da mulher.
Para verificar a aplicabilidade da lei em casos concretos, eu realizei pesquisas de julgados nos sites do TJ/RS, TJ/SP e do TJ/RJ, no mês de maio de 2019. A busca se limitou aos termos “Lei Lola 13.642/18”, “Lei Lola” e “Lei 13.642/18”, “crime de misoginia”, “misoginia” e “misógino”. A pesquisa não retornou resultados.
Diante da ausência de resultados, questionei: seria a lei muito recente para aparecer nas buscas? Os termos que utilizei não estariam sendo utilizados pelos operadores do direito? Ou seria apenas o Estado utilizando o Direito Penal simbólico?
Chamamos de Direito Penal simbólico quando o Estado faz uma lei que não apresenta aplicabilidade fática. Na época da pesquisa (maio 2019), a lei já tinha mais de um ano de vigência e não localizei nada. A hipótese indigesta é que o poder público se propôs à cura de um problema, sem oferecer um remédio efetivo.
O que proponho é que a mudança de paradigmas por meio da educação consiste em uma opção relevante para desmontar o pensamento misógino, que foi criado, aprendido e passado ao longo do tempo e, portanto, pode ser modificado. Afinal, é mais produtivo prevenir os crimes do que ter de puni-los.
A edição da Lei Lola, sem dúvida, é um marco para as conquistas femininas e feministas. Quem de nós nunca sofreu algum tipo de violência por meio da internet, num chat ou num jogo online? O problema é muito sério e eu queria investigar.
Lola aqui. Infelizmente, falta vontade política para fazer valer a Lei Lola (entre outras leis). A lei foi sancionada em abril de 2018, e a deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), autora do projeto, organizou ações para divulgar a lei e contribuir com sua implementação. Tivemos, entre outras atividades, um debate na Universidade Federal do Ceará em maio de 2018 e uma audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, na Câmara dos Deputados, em Brasília, em junho do ano passado.
Sempre nesses eventos algum representante da PF é convocado para dialogar. Só que, infelizmente, o que a PF costuma fazer é enviar alguma delegada feminista, bem-intencionada, simpática à causa -- mas que não trabalha com crimes cibernéticos. Fica difícil saber se a PF está fazendo algo para implementar a lei.
Um ano depois, em maio deste ano, a deputada (que foi reeleita) protocolou um requerimento na Câmara dos Deputados para obter respostas da não aplicabilidade efetiva pela Polícia Federal para fazer cumprir a lei.
Em comunicado respondendo cobranças da deputada, a Polícia Federal informou que a Lei Lola constitui uma nova atribuição e que o órgão ainda precisa se estruturar internamente, e que o combate à violência requere ações integradas. A PF alegou ter dificuldades de investigação, de pessoal e de foco, e argumentou que crimes contra as mulheres ainda estão fora da relação de crimes de ódio.
Por isso é fundamental, a meu ver, que a misoginia seja criminalizada e também passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), como aprovou em junho de 2019 o Supremo Tribunal Federal em relação à homofobia. Sem o status de crime, a misoginia continuará a ser exercida na sociedade sem que a polícia a investigue.
Claro que a educação é o melhor caminho para combater não apenas a misoginia, mas todo tipo de preconceito. Mas, no Brasil deste momento fascista em que vivemos, qualquer proposta de diálogo com alunas e alunos sobre violência contra mulheres é vista como "doutrinação" e "ideologia de gênero". E isso sim vem sendo criminalizado através de iniciativas autoritárias como o Escola sem Partido.