Última vez que falo sobre o trote absurdo da Agronomia da UnB, mas é que hoje descobri uns detalhes que queria compartilhar com vocês. Primeiro, vi o vídeo. Sim, claro que veteranos gravaram a “festa da humilhação”. Não vou por o link aqui porque é inexplicável que este vídeo ainda esteja no YouTube (mas é facílimo de encontrar). Só tirei algumas imagens que não mostram a cara das calouras que participaram. Mas o que se vê são várias alunas (bem mais de quatro, ao contrário do que disse a veterana no seu comentário) participando. Algumas aparecem com um sorriso tímido, outras já chegam cabisbaixas. No vídeo não se vê o presidente do Centro Acadêmico vestido de mulher com a faixa presidencial. O que está registrado é ainda mais elaborado, como você pode ver pelas fotos. É um boneco, com a linguiça na altura das calças. A linguiça está coberta com um preservativo, e um rapaz vestido de mulher (acreditem: veteranos se travestiram para rebater a fama homofóbica do curso) comanda a festa, colocando mais leite condensado a cada vez, dizendo pra caloura até onde deve chupar (“Até aqui, viu?”, mostra com o dedo; "Garganta profunda!"), e julgando se a caloura fez ou não direito. Se não fez, afirma: “Vai fazer de novo!”, e coloca mais leite condensado. Enquanto isso, um coro grita hinos como “Ovo, ovo, ovo, vai até o ovo” (mais de 250 estudantes acompanharam o trote). Todas as calouras, depois de cumprida sua obrigação, saem com a cabeça baixa, mostrando ânsia de vômito. Aí um dos calouros dá uma declaração pra um jornal dizendo: “A brincadeira não tinha cunho sexual”. Imagina se tivesse. Descobri também que a denúncia partiu das próprias alunas. Foram elas que chamaram a atenção da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República que, por sua vez, pediu explicações à reitoria da UnB. Então não podemos nos guiar por outras alunas que participaram ou, no caso de veteranas, acompanharam o trote e não viram nada de mais. Alunas –- aquelas que não foram forçadas a participar, fizeram porque quiseram (porque claro, né, quem não vai colocar a boca numa linguiça com camisinha e leite condensado que já foi chupada por umas dez bocas diferentes? É o sonho de toda universitária!) -- não gostaram nada da brincadeira. E por isso denunciaram.Tenho uma explicação pra tentar entender por que o curso de Agronomia, que tem muito mais mulheres que homens, não vê seus trotes como machistas. Encontrei a comunidade da Agronomia - UnB do orkut, que tem 849 membros. Logo em sua primeira página encontra-se este lema: "Nós somos da agronomia,
Fiéis paus d'agua da putariaO nosso negócio é cana, mulher e cama toda semana
Arroz se come com feijãoCachaça se toma com limão
Porém se a pátria amada precisar da Agronomada...
Puta merda que cagada!"Um hino desses já exclui as mulheres, certo? "Nós somos da agronomia" e "nosso negócio é mulher" mostra que "nós" não incluímos mulheres. Fica mais fácil humilhar quem está fora do grupo. No fórum da comunidade sobre o famoso trote, há observações como essas:- “Era tão mais fácil qdo usávamos só melaço e penas de galinha em calouros alégicos a abelhas...”
- “vamos concordar que o trote da agro não é tão inocente assim... mas podiamos voltar a quebrar a costela (ou seria clavícula?) dos calouros, né não buteco?”- “Inocente não, mas comparado a de outros cursos, e aos antigos trotes da agro , esse foi light.”Ah sim, e durante o trote, havia um juramento que os calouros tinham que repetir. O Correio Braziliense é que publicou, e não há dúvida de sua veracidade, pois foi tirada uma foto do cartaz: “Eu, calouro burro, muito burro mesmo, mais burro que o Juliano, prometo respeitar, obedecer e amar os meus veteranos. Não dar em cima de nenhuma caloura. Não vencer os campeonatos de futebol. Assinar a chamada para meus veteranos. Fornecer as minhas colegas de semestre (irmã, prima, amiga) para meus veteranos. Para as calouras: não diminuir o p. dos veteranos. Não brigar nos eventos. Não ficar barriguda e careca”.Acho que não preciso desenhar, né? Notem como a sexualidade das alunas está veiculada sempre aos homens que mandam (calouros devem fornecer mulheres, calouras devem respeitar o totem sagrado que é o p. dos veteranos).Numa mentalidade dessas fica mais claro compreender por que esses alunos fazem brincadeiras como as da linguiça sem ver qualquer problema. E se ofendem quando alguém acusa o curso de machista e homofóbico. As mulheres são muito bem tratadas, disse uma veterana. Imagina se não fossem.
Quando começa a vida?, decidem os homens. Cardeal: No momento da concepção. Juiz: No nascimento. Adolescente: Quando vc pega sua carteira de motorista.
Espero que os homens que chamem mulheres que abortam de vagabundas e irresponsáveis saibam que 1) essas mulheres não fizeram o filho sozinhas, e 2) se fosse o homem quem ficasse grávido, o aborto seria legalizado. Sério. Não há a menor dúvida disso, porque ninguém ousaria dizer a um homem que seu corpo não é dele. A questão inteirinha do aborto é uma questão sobre o controle do corpo da mulher. Convém pintar a mulher como um ser alterado, nada confiável, fraco das ideias, que precisa ser controlado. Os reaças que são contra a legalização do aborto acreditam que, sendo contra, não existem abortos. Eles somem, pluft, num passe de mágica! Acontece que eles seguem acontecendo, sempre em número maior que em países onde o aborto é legalizado. E abortos ilegais acabam matando a mulher. Mas esse é um efeito colateral que os pró-vida até gostam, né? Pena de morte pra mulher que aborta! Pois bem, ao não legalizar o aborto, vocês assinam essa sentença. Mas o incrível é que a direita é quem mais fala em liberdade individual, em não permitir que o Estado interfira na vida das pessoas. Eles lutaram contra a obrigatoriedade de usar cinto de segurança, lembram? Porque, se a pessoa quisesse correr o risco de não usar cinto e morrer num acidente, problema dela, não do Estado. No caso do aborto, o discurso muda. Nesse caso a mulher não existe como indivíduo. Um embrião passa a ser muito mais importante que a mulher que o sustenta e carrega. Claro, até que esse embrião nasça. Porque então os reaças que chamam mulheres de vagabundas não querem mais nada com o bebê, e muito menos com a mulher, esse ser não-confiável, que precisa ser vigiado durante toda a sua gravidez. Depois de nascer, é cada um por si. E a direita detesta todos os impostos, inclusive aqueles que constroem creches e orfanatos. Bom, o post sobre o planeta estar chegando aos 7 bilhões de pessoas não tinha nada a ver com o aborto, mas isso não impediu que um reacinha aparecesse pra dizer que a esquerda quer legalizar o aborto para reduzir a população mundial. O que não faz o menor sentido, pois, pra reduzir a população, é muito mais vantajoso manter o aborto ilegalizado – dessa forma, morrem mãe e embrião. A Laura deixou excelentes comentários: “Me incomoda demais esse negócio de responsabilidade no discurso anti-aborto. Muita gente vem e fala que quem aborta é vagabunda. Dizem que é adolescente irresponsável ou mulher que saiu abrindo as pernas dando por aí. Aí você mostra a pesquisa do Ministério da Saúde que fala que a maioria das mulheres que abortam tem entre 20 e 29 anos e estão em relacionamento estável. Aí o discurso muda de figura. A pessoa vem com argumentos mais comedidos, para de falar de vagabunda e irresponsável, vem falar de mais campanhas de conscientização.O que eles não entendem é que a mulher que aborta não quer seguir com a gravidez. Ela não quer estar grávida. Nem é questão de poder ou não sustentar a criança. É não querer estar grávida. É o corpo dela. Toda pessoa tem direito de ter autonomia sobre o seu próprio corpo. Tanto faz se é vagabunda, se é prostituta, se é irresponsável ou se é mãe de família. O corpo é dela. Então tem um ser dentro dela que não é mais do que um parasita. Porque esse ser não tem vida própria, sabe? Se tirar ele do corpo hospedeiro, ele morre. Logo a vida dele não é dele, é a vida dela. Por que defender um ser que não tem vida própria? Aí vem os argumentos, que o ser sente, tem mãozinha, coração formado etc. Tem. Mesmo assim, a mulher não quer ele dentro dela. O corpo que tá sofrendo mudanças é o dela. A vida que está em jogo é a dela, a dele não pode ser porque ele não tem vida própria!Enfim, o que eu mais detesto no argumento antiaborto é isso, de umas mulheres terem direito de escolha assegurado, se foi estupro, se é anecefalia. O resultado do estupro e da anecefalia também tem vida. Também tem mãozinha e coração. Mas o que importa no caso é que a mulher foi uma mulher 'direita'. Seguiu as regras, não foi vadia, não saiu abrindo pernas pra qualquer um. Então ela merece dispor do próprio corpo. Já as outras não. Como se alguém tivesse esse direito, de decidir até que ponto os outros têm direito. De dominar o corpo do outro, forçar a manter uma gravidez indesejada. Na verdade, a vida do feto pouco importa, o que importa é que a mulher não faça determinadas coisas. Se fizer, vai ser punida com a gravidez pela sua 'irresponsabilidade'. A maioria das mulheres que abortaram usam métodos anticoncepcionais. E engravidaram mesmo assim. A pesquisa chega a conclusão que elas não sabiam usar o anticoncepcional direito. Porque é mais simples explicar que é complicado demais pra mulher entender que tem que engolir uma pílula por dia do que admitir que os métodos anticoncepcionais não são assim tão infalíveis como pregam. Quem não conhece uma mulher que engravidou mesmo tomando a pílula? E aonde fica a tal falta de responsabilidade nessa história?Uma em cada cinco mulheres de até 40 anos de idade já fez aborto. Assim, podemos concluir que 20% da população feminina é irresponsável.Quem toma a pílula do dia seguinte é irresponsável também?”
Brincadeira do "elefantinho" na Agronomia da UnB Uma aluna do curso de Agronomia da UnB deixou um comentário no post em que critico o trote em geral e, em particular a "brincadeira" da linguiça lambuzada com leite condensado que as calouras puseram na boca. Não quero dizer mais nada. Não mudei uma vírgula do texto, e vou colocar apenas algumas fotos do trote pra ilustrar. Não quero interferir na recepção do texto por enquanto. Mas, por favor, comentem.Bem, eu sou veterana dessa Agronomia que a mídia tanto ama. O Grande problema é que nós não temos chance de nos defender. Toda vez que um repórter vem falar conosco, eles editam o que falamos simplesmente para agradar ao público.Citaram nos seus comentários o nosso trote com os porcos, na época da gripe A. Nosso intuito foi realizar uma brincadeira a respeito da redução do consumo de carne suína por causa do nome ridículo que deram para a doença. Diversos produtores estavam quebrando. É claro que foi um erro levar um animal barulhento daquele para a universidade, mas enfim, a gente erra e aprende. Se me perguntam o que faríamos com eles eu respondo: "eles eram de uma fazenda de um veterano meu, se ele quisesse fazer um churrasco com os porcos, faríamos."Nós já tivemos o nosso Centro Acadêmico fechado por causa de um calouro que bebeu demais e mentiu para o pai dizendo que nunca havia bebido e que nós o obrigamos a beber. O que ele não disse para o papai foi que sempre ia com a galera para o bar e que vivia bêbado nas Happy Hours.A questão deste último trote é um pouco mais complicada. A brincadeira que gerou tanta polêmica é realizada há 4 anos, mais ou menos. Eu me pergunto porque que só hoje isso virou esse circo. Não é a questão da tradição do trote que fez as calouras participarem, e sim que num momento de descontração elas sentiram vontade de participar. No meu semestre, tínhamos que pegar, com a boca, uma cenoura do meio das pernas do colega. Na ocasião, de 14 mulheres, só 3 quiseram participar. Nesse último trote, inclusive um dos nossos colegas de curso, homossexual assumido, também participou da brincadeira por vontade própria, afinal, ele já é veterano no curso.O que eu quero dizer é que a maldade está realmente partindo do lado de fora do acontecido. Como um outro comentário que o seu texto teve, onde o cara disse que ficava se perguntando o que as calouras ouviam durante a brincadeira. Eu respondo: nada. O pesoal grita "próxima" e próxima caloura se aproxima e o cântico geral é "uba, uba, uba, ê..." Aquela música da piscina do Gugu, se lembram? E tudo acaba ali. Não há comentários posteriores, não existe nenhum tipo de ação para subjulgar as meninas. Afinal, mulher no meu curso é raro, nós somos muito bem tratadas.Sinceramente, nós achamos muito divertido tudo isso. Cada semestre nós ganhamos algum título. Já fomos "torturadores de animais silvestres" (estavam se referindo aos porcos), "ditadores do coma alcoólico", "homofóbicos" e agora, "sexistas".Enfim...Agora eu pergunto para você, Lola:se o meu presidente estivesse vestido de Presidente Lula, você falaria algo? Vestimos alguns dos nossos veteranos de mulher para rebater às críticas de homofobia que recebemos. A Presidente é uma figura pública, e assim sendo é alvo de diversas brincadeiras. Porque nós não podemos?Quer dizer, todos podem fazer o que bem entendem, menos a gente. Quer um exemplo? No Programa da Eliana, existe uma prova em que as mulheres tem que pegar, com a boca, notas, simulando o nosso dinheiro, do corpo de um cara de sunga. Os homossexuais podem fazer o barulho que quiserem, atrapalhando o que bem entenderem, para defender a causa deles (isso aconteceu na UnB, um protesto conta a homofobia, que atrapalhou diversas aulas, inclusive uma minha). Os professores podem fazer uma passeata protestando contra qualquer coisa. Mas nós não podemos nos pronunciar, nós não podemos ser contra nada.Sei que fugi um pouco do assunto, mas é revoltante que todos digam que nós somos preconceituosos, quando nós somos alvo de críticas o tempo todo.Não é sendo vitimista, é desabafando algo que recai sobre os nossos ombros há tanto tempo.Obrigada pelo espaço.
Três lindas histórias de corações partidos Olha só que coincidência: nos últimos três ou quatro dias, três coisas desagradáveis aconteceram relacionadas com o meu blog. Os casos são bem distintos e estão longe de ter o mesmo peso, mas há uma semelhança entre eles: cada um dos autores julgou que tinha direito sobre o meu blog, que aparentemente é a casa da mãe joana oficial na internet. Acompanhe comigo:Um é um caso típico de troll. Ele apareceu anteontem, anônimo, e deixou um comentário de poucas linhas me chamando de “gorda, baleia, saco de areia”, e mandando que eu parasse de comer. Quer dizer, tem que ser muito idiota pra vir num blog feminista que lida com aceitação do corpo e achar que pode me ofender me chamando de gorda (o que eu sou) ou baleia (que eu acho um bicho lindo). O saco de areia não entendi muito bem, acho que é pra rimar com baleia, e não tenho nada contra areia, só acho que baleia e areia não combinam. Mas decidi deletar o comentário porque, né, não acrescenta absolutamente nada, não queria que alguma leitora ou leitor desviasse o foco do post e passasse a responder ao anônimo, e também porque o (guest)post de quinta foi sobre bullying na escola, um assunto dolorido para tant@s, e um recadinho infantil desses podia servir como um gatilho pros traumas (termo bem conhecido em inglês: trigger). Ok, raramente deleto comentários, mas esse eu deletei rapidinho, sem pensar muito. Aí eis que o sujeito coloca um outro comentário, repetindo as mesmas palavras do anterior, mas acrescentando outras mais agressivas. Bom, deleto de novo. E aí ele aparece mais uma vez, com as mesmas linhas de antes e agora caprichando ainda mais nos insultos e nas ameaças, tipo “se você apagar o meu comentário eu vou te encher de spam, sua bruxa desgraçada mal-amada” ou algo assim. Mais uma vez, tchau comentário. O covarde anônimo não cumpriu sua ameaça. O que me deixa passada é como ele exige o direito de querer me insultar no meu próprio blog. Patético.O segundo caso é mais delicado. Um cidadão com quem eu tinha trocado um email (ele me mandou um, e eu respondi, como costumo fazer), mas eu conhecia de comentários em blogs por aí porque ele foi um dos poucos homens a tomar as dores das feministas no caso Nassif, me enviou dois outros emails, longos, detalhados, querendo que eu publicasse um deles aqui no blog, como forma de guest post. Era uma besteira descomunal. Nem sei como explicar sem entregar os nomes. Enfim, um nome eu vou ter de entregar. Um blogueiro que eu gosto bastante, o Thiago Beleza, escreveu um excelente post sobre como reconheceu seus privilégios masculinos. Esse texto já tem alguns dias. Eu tuitei o post e deixei um comentário no seu blog, parabenizando-o e declarando meu orgulho. É, orgulho, porque o Thiago foi um comentarista frequente no meu blog durante um tempo, e, mesmo não sendo troll, era teimoso e vinha sempre na defensiva, querendo explicar como as feministas estavam erradas e ele, certo. Você conhece o modelo. Há vários comentaristas (homens) atuais que agem igualzinho. É um padrão. Mas lógico que fico hiper feliz que o Thiaguinho tenha saído da matrix e agora esteja ele mesmo escrevendo posts feministas irretocáveis, como este aqui. Mas esse outro cidadão, que não tem blog, odiou o sucesso do post do Thiago, e decidiu deixar lá uma pegadinha. Ele, que é agnóstico, disse ser um cristão ofendido com a intolerância religiosa do Thiago. Eu nem lembro se no post o Thiago falava de religião (acho que não). Bom, o Thiago, de acordo com o que esse sujeito me contou no loooongo relato, deletou o comentário e disse que não tinha tolerância alguma com os cristãos mesmo, e daí, vai encarar (típico Thiaguinho)? O cara comemorou que o Thiago havia mordido a isca, mas ficou possesso que Thiago deletou todos seus comentários, e só deixou as respostas. Então ele queria, através de um guest post no meu blog, desmascarar o Thiago. Este é só um breve resumo. Eu comecei a ficar um pouco preocupada ao ler que ele, o sujeito, não tem uma noite tranquila de sono há dez anos, desde que descobriu as injustiças do mundo, e que ele podia estar tomando um drinque sossegadamente num iate, mas prefere lutar pelos oprimidos. Ahn, ninguém que escreve algo assim seriamente pode ser muito são da cabeça. É um tiquinho de obsessão demais, até pra alguém bem viciada em internet como eu.Eu respondi com educação dizendo que seria muito estranho me meter na briga entre um comentarista e um blogueiro numa história que não tem nada a ver comigo. Que uma coisa era escrever um post ou publicar guest post respondendo a um post de outro blog, mas respondendo a comentário? A comentário que parece meio trollagem num post que eu adorei? E recomendei que ele abrisse seu próprio blog e aí sim publicasse o que quisesse. Ele não gostou nada da minha reposta, disse estar cada dia mais decepcionado com a humanidade em geral e com a internet em particular, repetiu a história de tomar drink no iate, e otras cositas que não lembro mais e nem estou a fim de checar. Mas o fato é que ele achou que tinha direito de publicar um guest post no meu blog falando mal de um outro blog. Pior: ele insinuou que era uma grande oportunidade pro meu blog publicar o seu guest post.Muito esquizo tudo isso. Na mesma semana um tuiteiro que nem sei quem é me pediu, via Twitter, pra que entrasse em sei-lá-qual-blog e combatesse, ou mediasse, não registrei, uma briga entre ele e o autor do blog. Quer dizer... Ignorei totalmente o tweet. Aliás, só me lembrei disso ao escrever este post. Mas virou moda agora? Eu tenho cara de diplomata da ONU? Ahn, euzinha, que não sou exatamente a pessoa mais sem inimigos na blogosfera?E o terceiro episódio desagradável. Um blog que eu nunca tinha visto, de alguém que não conhecia nem nunca tinha ouvido falar (não quero linkar aqui pra não alimentar confusão), publicou um post inteiro meu, com o mesmo layout e tudo. Colocou link pro meu blog, até aí tudo bem. Não foi plágio de maneira alguma, porque tinha link. Mas eu não gosto muito disso, sabe? Porque acho que é meio fácil fazer um blog assim, apenas publicando textos alheios (até o mesmo layout, é só copy & paste!). E porque tira tráfego e comentários do blog original. Então eu educadamente deixei um comentário no blog dessa moça pedindo que, da próxima vez que publicasse um post meu, fizesse o seguinte, por gentileza: colocasse apenas os parrágrafos iniciais do meu post, e deixasse um link do tipo “Continue lendo aqui”. Assim não haveria problema algum. Se a pessoa quer continuar lendo, clica e cai no meu blog, e continua lendo, ué. Bom, a moça ficou re-vol-ta-da. Disse que tem o blog faz cinco anos, sempre fez isso, e nunca ninguém tinha se incomodado. Que ler meu comentário lhe deu um “mega bode”, e que, sendo assim, ela preferiria publicar os textos de quem não se preocupasse com números. Que internet pra ela era circular informação. Eu perguntei se, fazendo como eu estava pedindo, estaria impedindo essa circulação. E disse que eu não ficaria magoada se ela deixasse de me publicar. Ela respondeu que não me admira mais, que ela só publica textos de quem admira, e que eu tinha que escolher se queria que ela continuasse divulgando meus posts ou se queria que ela nunca mais os publicasse, porque ela não iria mudar sua linha editorial por minha causa. Eu pensei que já estava claro o que eu queria, mas acho que terei que voltar lá pra soletrar. Quando contei a história pro maridão, ele disse, rindo: “Alternativa B!”. Bonus track: Três homens homofóbicos decidiram fazer de um post meu contra a homofobia seu ponto de encontro. Estão trocando figurinhas reclamando da ditadura gay contra os pobres homens brancos héteros na caixa de comentários do meu post. Certamente esta deve ser a semana internacional da Lolinha Pagar pelos seus Pecados na Internet. (E viva o Laerte, que tem uma série impagável sobre esses seres oprimidos subjugados pela gaystapo). Agora com licença que vou entrar em blogs por aí dizendo exatamente o que quero que eles façam. Porque blog (com o qual ninguém lucra nada, ou quase nada) é um serviço público, entende?
Toda época do ano é igual: os jornais se enchem de notícias sobre trotes violentos de calouros “recepcionados” em universidades. Às vezes terminam em coma alcoólico e em morte; em geral são só humilhações sem fim. Como regra comum, quanto mais difícil entrar no curso, quanto maior o poder aquisitivo dos alunos, pior será o trote. O trote polêmico da vez é um acontecido há duas semanas na Universidade de Brasília, faculdade de Agronomia. O curso de Agronomia é conhecido por ter os trotes mais "polêmicos" (eufemismo pra violentos). Até pouco tempo usavam animais nos trotes, mas houve protestos e os alunos pararam com os bichos. Agora é só fazer calouros andarem em fila no estilo elefantinho (uma mão vai por baixo das pernas e se une à mão do colega da frente), mergulhar numa poça com legumes estragados, e – esta só para mulheres – lamber uma linguiça coberta por leite condensado, simulando sexo oral. As imagens desta “brincadeira” chegaram à Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, que pediu esclarecimentos à reitoria – afinal, o trote ocorreu dentro da universidade. Obviamente são raras as faculdades que hoje em dia concordam com os trotes. Elas até fazem campanhas entre os alunos para suavizar esse rito de passagem. Mas raramente estabelecem regras ou punições. E, sem punição, vale o legado cultural. O calouro que sofre hoje é aquele que vai aplicar amanhã a humilhação ao novo aluno. E o trote não se restringe à entrada na vida acadêmica. Lembro bem dos Jogos Abertos, eventos esportivos que ocorrem anualmente em vários estados, como SC e SP. Eu, que jogava xadrez, tinha amizade com alguns atletas do handball masculino, e os trotes eram assustadores, torturas físicas mesmo. Mas todos os novatos aceitavam numa boa porque era um pré-requisito pra se integrar à equipe e porque sabiam que ano que vem sua vingança iria chegar. Claro que o que chama a atenção no trote da linguiça da UnB é que, sempre que um trote envolve mulheres, os trotes têm conotação sexual. Como vivemos numa cultura pornificada, em que nosso cotidiano está repleto de imagens pornôs disfarçadas na mídia, as brincadeirinhas com mulheres precisam envolver sexo. Pra completar a humilhação, o cara que segurava a linguiça lambuzada na altura da cintura era o presidente do Centro Acadêmico, e ele estava vestido de mulher – com uma faixa presidencial. Olha só que mensagem linda essa imagem consegue passar ao mesmo tempo: dane-se que foi eleita a primeira presidenta, vocês servem apenas pra satisfazer o homem sexualmente. O presidente do CA não viu nada de mais. Este trecho com a entrevista do rapaz é do Estadão: “'O pessoal dentro do curso fez e não se sentiu agredido. Aí vem gente de fora e faz interpretação negativa, vendo humilhação onde não tem. Trote é integração do calouro com a universidade, não é bullying', disse. Questionado pela reportagem se teve de lamber linguiça e leite condensado ao entrar na UnB, o estudante respondeu que, quando era calouro, participou de uma 'briga de bode' numa lona de sabão”. Claro, né? Ele é homem. E é só brincadeira, não é humilhação. É apenas coincidência que mulheres ajoelhadas tenham que enfiar linguiça na boca (o bode na briga de bode provavelmente era um bicho de verdade, considerando o histórico dos trotes do curso). Alunas afirmaram que não foram obrigadas a participar, e que foi divertido. Uma caloura que participou disse que a brincadeira foi inofensiva: "Não me senti humilhada, não entendo essa repercussão. Não faz sentido o argumento de que tentamos denegrir a imagem da mulher numa brincadeira fechada de um curso. Colocar mulheres rebolando na TV todo sábado é bem pior". O próprio verbo usado pela estudante na última frase já a entrega: “colocar mulheres”. Não é que mulheres vão lá rebolar na TV ou lamber linguiça num trote porque querem. É porque alguém as coloca lá pra isso. A defesa da autonomia, da independência na decisão, do "fi-lo porque qui-lo", é a mais recorrente. A aluna fez isso porque quis, ninguém a forçou (geralmente a frase é dita assim: “Ninguém pôs uma arma na sua cabeça”, como se a gente precisasse de armas na cabeça pra fazer todas as coisas desagradáveis que fazemos diariamente). Acontece que essa autonomia é muito relativa. Primeiro que, se você é condicionado a fazer algo desde criancinha, essa autonomia já é duvidosa. Aquele negócio, né? Ninguém te força a usar prancha pra alisar o cabelo, você faz porque quer – e porque ouve desde a mais tenra idade que cabelo crespo é feio, e porque seus coleguinhas vão jogar chiclete no seu cabelo crespo, e porque uma menina negra ouve “Seu cabelo é sujo, tenho nojo de você” já aos quatro anos de idade. A maior parte das coisas que fazemos na vida não é obrigatória, mas nossa opção em se recusar a fazê-las é quase inexistente. Pra ficar num exemplo acadêmico, suponha que você, um aluno universitário, seja contra um sistema de avaliação que exija nota. É uma questão de princípios: você acha que notas depõem contra uma educação inclusiva. Então você vai e relata seus princípios primeiro ao professor da disciplina, depois à coordenação. Só que todo o sistema de avaliação pede nota. O aluno não passa de um semestre pro outro sem uma nota. Então, sim, claro, você tem toda a autonomia pra se recusar a fazer provas e entregar trabalhos. Só vai repetir todas as matérias até ser convidado a deixar a faculdade. Mas a decisão é sua! Você tem a força!É por isso que os argumentos de “participei porque quis” num caso de trote são tão frágeis. Há todo um preparo pro trote como uma tradição, um rito de passagem, uma comemoração por ter conseguido uma vaga tão disputada. Além da lavagem cerebral de anos, há a pressão social. Quem se nega a participar é careta, não quer fazer amizade com as pessoas cool do curso (os veteranos), não respeita hierarquia. Sou radicalmente contra o trote. Qualquer trote. Quer fazer campanha pra arrecadar alimentos pra uma instuição de caridade ou pra doar sangue? Não chame de trote, chame de campanha. Aí eu participo. Tô me lixando se trote é uma tradição. Há um monte de tradições ultrapassadas que nunca deveriam ter sido criadas, quanto mais persistirem no século 21 (farra do boi, extirpação do clítoris em países africanos, menino ser levado pra zona pra perder a virgindade, serviço militar obrigatório, noiva vestir branco pra simbolizar sua pureza, etc etc etc). Trote sempre se baseia no princípio da autoridade, da hierarquia, do “olha quem manda aqui”. É uma demonstração de poder por parte de quem pode mandar, e de submissão por parte de quem deve obedecer. Adicione à mistura o ingrediente de gênero – o presidente do Centro Acadêmico segurando uma lingüiça lambuzada pra uma aluna ajoelhada chupar – e as coisas começam a ficar um tantinho óbvias demais.
Leia aqui a resposta de uma veterana da Agronomia defendendo o trote. E aqui algumas provas de como essa "brincadeira" é indefensável.
Uma das razões pelas quais não considero que Kate Winslet tenha sido bem escalada pro papel de Sarah (embora essa seja uma das grandes performances de sua carreira) em Pecados Íntimos (2006, um dos melhores dramas da década, na minha opinião) está nessa descrição do romance de Tom Perrotta, como se o narrador estivesse lendo o pensamento de Todd/Brad (Patrick Wilson, o bonitão de Watchmen, O Fantasma da Ópera e O Vizinho): “It didn't seem to matter that Sarah wasn't his type, wasn't even that pretty, at least not compared to Kathy, who had long legs and lustrous hair, and knew how to make herself as glamorous as a model when you gave her a reason to. Sarah was short and boyish, slightly pop-eyed, and a little-angry-looking when you got right down to it. She had coarse unruly hair and eyebrows that were thicker than Todd thought necessary. But so what?” (Perrotta 46). Minha tradução, pobrinha: “Não parecia importar que Sarah não fosse seu tipo, que não fosse nem tão atraente, pelo menos não se comparada a Kathy, que tinha longas pernas e cabelo lustroso, e sabia como se fazer glamurosa como uma modelo quando você desse a ela um motivo pra isso. Sarah era baixa e andrógina, com os olhos vagamente saltados, e com uma aparência um pouco agressiva, se você olhasse bem. Ela tinha cabelo áspero e desarrumado e sobrancelhas que eram mais grossas que Todd achava necessário. Mas e daí?”. Não acredito que alguém leu essa descrição da personagem e pensou: “Putz, é a cara da Kate Winslet, aquela feiosa!”. Pelo menos a escolha do Patrick pra interpretar o bonitão foi mais do que adequada. Acho esse trecho do livro interessantíssimo: “At any other time in his life, he wouldn't have even looked twice at her, wouldn't have had the imagination to see past her sharp-featured, not-quite-pretty face, her less-than-stunning body. Why would he? He'd always been the kind of guy who could get the obvious girls, the pretty ones with haughty expressions and legs-up-to-here, the short sexy ones with the big brown eyes and the improbably large breasts, the would-be models, the willowy Asians, the hotties who caused a stir walking down the beach or past a row of lockers, the ones who'd never been without a boyfriend since the day they turned eleven, the girls most other guys knew better than to even make a play for. He'd never had to make the adjustments and compromises other people accepted early in their romantic careers, never had a chance to learn the lesson that Sarah taught him every day: that beauty was only part of it, and not even the most important part, that there were transactions between people that occurred on some mysterious level beneath the skin, or maybe even beyond the body. He was proud of himself for wanting her so badly. It made him feel like he'd grown up a little, expanded his vision, like he'd traveled to a faraway place or learned to appreciate an exotic food” (Perrotta 145-6). Vou tentar traduzir: “Em qualquer outra época de sua vida, ele não teria nem olhado duas vezes para ela, não teria tido a imaginação de ver além do seu rosto duro, não muito bonito, ou seu corpo menos que deslumbrante. Por que olharia? Ele sempre fora o tipo de cara que pegava as garotas óbvias, as bonitas com expressões insolentes e pernas até aqui, as baixinhas sexy com os grandes olhos marrons e os seios improvavelmente grandes, as que se tornariam modelos, as orientais esbeltas, as gostosas que causavam tumulto andando na praia ou nos corredores da universidade, as que nunca ficaram sem namorado desde o dia em que completaram onze anos, as garotas que a maioria dos caras sabia que nem deveria se aproximar. Ele nunca teve que fazer os ajustes e acordos que outras pessoas aceitavam cedo nas suas carreiras amorosas, nunca teve a chance de aprender a lição que Sarah lhe ensinava todo dia: que a beleza era só uma parte, e nem a parte mais importante, que havia outras transações entre as pessoas que ocorriam em algum nível misterioso sob a pele, ou talvez até além do corpo. Ele tinha orgulho de si por desejá-la tanto. Isso o fazia sentir-se mais maduro, como se tivesse expandido sua visão, como se tivesse viajado para um lugar distante ou aprendido a apreciar uma comida exótica”. Ha ha, adoro como um cara tão imaturo, tão infantil como Todd/Brad, pode pensar-se mais adulto simplesmente por desejar uma mulher não bonita! E também amo a comparação com a comida exótica. O Perrotta é ótimo, gente.Esse parágrafo já vale o livro, porque tá tudo lá: o privilégio de um lindo rapaz que, por ser privilegiado, nem percebe as vantagens que tem em ser bonito. E eu acho esse um tema interessante: como deve ser ser deslumbrantemente atraente? Quais são os benefícios na vida? Volta e meia aparece alguma pesquisa indicando que pessoas atraentes conseguem melhores empregos, e por isso ganham mais. E ontem mesmo a gente tava falando do bullying que se manifesta na escola contra qualquer desvio do padrão. E aí, existe diferença de gênero nessa vantagem de estar dentro do padrão de beleza? A gente sabe que há um preconceito de que mulher bonita é automaticamente burra, se bem que acho que as vantagens de ser bonita num mundo que exige isso do sexo feminino são muito maiores que as desvantagens. Mas e pros homens bonitos, existe esse preconceito também? Há uma expectativa que um homem lindo se junte a uma mulher linda? Homem lindo é mais arrogante? (isso é legal no livro e no filme, porque Todd/Brad é inseguro pacas).E tanto o livro quanto o filme são muito inteligentes porque, depois dessa reflexão toda, Todd diz a sua amante que beleza é superestimada. E Sarah, que não é nem nunca foi bonita (ao contrário da Kate Winslet), que conhece melhor a realidade, pensa: Que babaca! Só alguém lindo desse jeito pra dizer uma besteira dessas!