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segunda-feira, 2 de março de 2009

HEATH NO INFERNO, ENQUANTO MILK NÃO PASSA NA MINHA CIDADE

Uma coisa que eu não vi na transmissão do Oscar foi que havia um bando de malucos “recepcionando” os astros no tapete vermelho com placas de “God Hates Fags” (“Deus Odeia Bichas”) e “Heath in Hell” (“Heath no Inferno”). Eram de uma igreja que já havia visitado o funeral do Heath Ledger com as mesmas palavras intolerantes. Essa seita, que busca os holofotes acima de tudo, acha que a América está acabada por ser muito permissiva nas morais e nos bons costumes, e que todos os gays serão castigados com o fogo eterno. Eu sou atéia, mas fico só pensando: qual Deus eu gostaria de ter? Um que ama os gays, ou um que ama pessoas que odeiam gays? No contest. Eu seria incapaz de crer num deus raivoso e homofóbico como o dessa igreja.
Mas o que mais me chama a atenção nessa história toda é que o Heath não era gay. Ele apenas interpretou um gay (muitíssimo bem) em Brokeback Mountain. Pouco depois ele fez um psicopata que gostava de destruir prédios e matar pessoas, o que lhe deu um merecido Oscar póstumo, mas imagino que a essa altura sua alma já estava condenada mesmo. Senão, pega mal um grupo religioso protestar contra um ator que faz um gay, mas não um serial killer. É mais ou menos como o dublador oficial do Sean Penn no Brasil (também pastor evangélico) se recusar a dar voz ao Harvey Milk, porque Milk era gay, e o pastor é espada. Tá, não é a mesma coisa. Suponho que o dublador não esteja fazendo uma cruzada anti-homossexualismo. Ele só recusou um papel, e tem o direito. Aliás, nunca entendi esse negócio de “dublador oficial”. Eu sei que aquela voz em português não é do Sean Penn, então não me importo muito se o dublador varia. Mas enfim, o pastor que é também dublador é também um homofóbico. Não há dúvida. E é um burraldo, assim como as pessoas da sua seita que creem que gays arderão no inferno. Mas não sei até que ponto são pessoas públicas, que merecem atenção.
Ao mesmo tempo, li em alguns lugares que os gays, embora tenham gostado muito de Milk, andam perguntando por que um ator heterossexual tem que interpretar um personagem gay. Quando chegaria a vez de um ator assumidamente gay interpretar um personagem gay? Conversei sobre isso com uma amiga, e fiquei pasma com seu raciocínio. Ela acha que sim, atores gays deveriam interpretar gays. E que tudo bem um hétero interpretar um gay, mas pra um gay interpretar um personagem hétero, fica difícil. “Hã? Como assim?”, eu quis saber. “Ah, porque um ator gay não conseguiria esconder seu jeitinho”, respondeu ela.
Essa minha amiga não é uma pessoa homofóbica. É instruída e inteligente. E ainda assim mereceu um sermão meu. Hello? O que é isso de “jeitinho”? Nem todos os gays são afeminados ou têm “trejeitos” femininos (sem falar que há bastante homem hétero que é afeminado e não é gay). E a gente tá falando de atores. Ator faz isso de interpretar um papel. Muitas vezes o papel não é uma cópia exata de como o ator é na vida real. Por exemplo, o Anthony Hopkins já interpretou um canibal em Silêncio dos Inocentes, Hannibal, Dragão Vermelho e, em menor escala, Titus (algum dia eu falo desse filme que gosto pacas), mas desconfio que ele não seja um canibal de verdade, ou a Rainha não teria lhe dado o título de Sir. E o Javier Bardem, então? Quando ele fala inglês na vida real, ele tem um sotaque até forte. Mas, em Onde os Fracos Não Têm Vez, ele declamou suas falas sem sotaque algum. Logo, se um bom ator consegue até mudar a voz e esconder o sotaque, será capaz de disfarçar seus trejeitos, se ele for gay. E se tiver trejeitos, pra começar.
Por outro lado, não sei se concordo com os gays sobre querer que um ator gay interprete um personagem gay. Quando Transamérica foi lançado, os travestis falaram a mesma coisa: por que colocar uma mulher (a Felicity Huffman) pra fazer um travesti? Por que não usar um ator que seja travesti na vida real? Bom, talvez porque se pouquíssima gente viu Transamérica (que merece ser visto), apesar de ser com a estrela de Desperate Housewives, se fosse com um ator desconhecido, pode apostar que ninguém ficaria sabendo da existência do filme. E se Milk não fosse com o Sean Penn, teria levado dois Oscars? Teria sequer sido indicado? Teria sido visto? Convenhamos: quantos atores assumidamente gays existem? Quando eu morava nos EUA, recebia (de graça!) a bíblia da comunidade gay, The Advocate (da qual Milk fala mal). E sempre havia um artigo exigindo pra que alguma celebridade saísse do armário. A Jodie Foster e o Ian McKellen são abertamente homossexuais, mas levaram quantas décadas pra se assumirem? E quem pode culpá-los? Se eu fosse atriz, e se eu fosse lésbica, não sei se eu falaria pra todo mundo. Primeiro porque é o pesadelo de todo ator ser typecast (relegado a um só papel pro resto da vida). Segundo porque minha orientação sexual pode ser algo pessoal meu. Tipo, eu sou hétero, mas essa é apenas uma entre dezenas de características minhas (também sou mulher, sou casada, sou de esquerda, sou feminista, sou cinéfila, sou gorda, etc etc). Mas, numa sociedade homofóbica como a nossa, se alguém diz que é gay, essa passa a ser sua única característica. Ao mesmo tempo, eu concordo com o Harvey Milk (e muitos outros ativistas gays): se os gays não saírem do armário, as pessoas ora continuarão pensando que eles não existem, ou achando que os poucos assumidos são todos uns pervertidos. Se os pais souberem que seu filho é gay, irão aceitá-lo - se forem bons pais. Se um homofóbico tiver um amigo gay, deixará de ser homofóbico, imagino, porque verá que não há nada de aberrante num gay. O preconceito caminha junto com a ignorância, eu acho. Ou não. Não sempre. Há pessoas que sabem que gays são gente como a gente, e optam por discriminá-los mesmo assim. Bom, pra essa gente existe a igreja com plaquinhas de “Heath in Hell”. Pras outras existe um mundo bonito e colorido de amor ao próximo. Eu fico com a segunda opção.

P.S.: Nas fotos da igreja homofóbica, as placas dizem que Obama é o anticristo, que os gays amaldiçoam as nações, que quando os aviões se acidentam, Deus ri, que Deus odeia o mundo, e que a gente vai toda pro inferno. Ah, ótimo! Espero encontrar o Heath e outros gays por lá, ao invés de me deparar com esses homofóbicos no paraíso. Se metade das pessoas "de bem" forem pro céu, aquilo deve ser um tédio só!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

CRÍTICA: MILK, A VOZ DA IGUALDADE / Quando Hollywood faz algo útil

- Bom, a luta com o Mickey Rourke foi dura, mas agora é rumo ao terceiro Oscar.

É tão raro fazer uma biopic (uma espécie de cinebiografia) boa que Milk - A Voz da Igualdade merece ser destacado só por isso. Em geral as biopics são um porre - eu dormi em Ray -, porque elas tentam condensar a vida inteirinha da celebridade em duas horas e canonizá-la. Felizmente, Milk não é assim: tem um ritmo sensacional, que só deixa a peteca cair no fim, e mostra um sujeito legal, mas com seus defeitos, não muitos. Gostei mais do drama agora que o vi pela segunda vez. Ele entra na categoria de Filmes Importantes, com maiúsculas, desses que precisam ser vistos pra gente aprender alguma coisa. No caso, o início dos movimentos pelos direitos gays nos anos 70.
Há muitos contextos aí. Em primeiro lugar, o contexto da homossexualidade nos EUA. Nessa época, que não tem nem quarenta anos, a psiquiatria ainda considerava uma orientação sexual que não fosse a hétero um distúrbio, e a polícia tinha por hábito bater e prender quem se envolvesse nessas práticas criminosas. Stonewall foi um marco. Em 69, em Nova York, um grupo GLBT enfrentou a polícia, que queria fazer uma batida num bar gay. Muitos homossexuais, moradores de cidadezinhas americanas retrógradas, começaram a se mudar para Nova York e Califórnia, onde poderiam tentar levar um estilo de vida sem tanta repressão. Em São Francisco, o Castro tornou-se logo o principal ponto de encontro (continua até hoje). E, claro, era o começo dos anos 70, com a revolução sexual, os hippies, e todos os movimentos pelos direitos das minorias (negros, mulheres, gays). O outro contexto é o do cinema. Um excelente documentário, The Celluloid Closet, mostra como Hollywood sempre discriminou os gays. Durante um século de cinema, eles foram ou motivo de piadas ou vilões (e em muitos filmes atuais seguem sendo tratados dessa forma). Até um drama relevante como Filadélfia não ousou incluir um só beijo entre Tom Hanks e Antonio Banderas pra não chocar seu público mainstream. Mas é um marco, assim como Brokeback Mountain. Portanto, é louvável que Milk não tenha receio em exibir tanta afeição entre os gays. Quase todos os personagens retratados são gays, inclusive, o que tá longe de ser comum.
Harvey Milk, vivido aqui com maestria por Sean Penn, foi um homem que, até seus 40 anos, viveu no armário. O filme começa quando ele, em NY, conhece um belo rapaz (James Franco - eu quero um pra mim!). Eles se mudam pra São Francisco, abrem uma lojinha de material fotográfico, e viram ativistas. Harvey logo se autoentitula “o prefeito da Rua Castro” e concorre a supervisor de São Francisco (algo como vereador). Na quarta vez que disputa, é eleito e torna-se o primeiro político abertamente gay da Califórnia. E bem na hora certa, quando a reação conservadora contra os movimentos sociais toma o país. Uma lei, a Proposition 6, ameaça despedir todos os professores gays e simpatizantes das escolas públicas, sabe, pra “salvar as crianças”. Qualquer relação com a Proposition 8, que passou em novembro último proibindo o casamento gay, não é mera coincidência. É lastimável que, num país dito democrático, sejam aprovadas leis para abertamente discriminar um grupo de pessoas. Lutar contra essas sandices é um dever não só dos gays, mas de todos os héteros de bem.
Não quero falar demais pra não entregar a trama pra quem não a conhece, mas já escrevi sobre ela aqui, após assistir ao documentário The Times of Harvey Milk (foto do Harvey verdadeiro ao lado). Aliás, não quero nem ver o filme no cinema, porque isso significa aturar um bando de homofóbicos que acha que trocas de afeto são privilégio dos héteros. Mas vou falar das interpretações. O Sean é um grande ator, e este ser o melhor papel de sua carreira. Ele, o Mickey Rourke, o Richard Jenkins e o Heath Ledger tiveram as quatro melhores atuações em produções americanas no ano passado. Mas pra mim quem rouba as cenas é o James Franco. Tá, talvez pela beleza. Só sei que fiquei completamente caída por ele. Outro que gostei é o Diego Luna (de E Tua Mãe Também; foto) que faz um namorado do Harvey. Quanto ao Emile Hirsh, não acreditei muito nele como ativista. Porém, pra mim, a atuação mais fraca é a do Josh Brolin, que faz o vilão Dan White. Eu devo ser a única a não ter gostado do Josh, já que ele foi indicado ao Oscar de ator coadjuvante e tal. Mas o achei incrivelmente falso na cena em que ele aparece embriagado na festa do Harvey. Aquilo lá é uma caricatura de um bêbado. Fico feliz que tentaram dar nuances ao Dan, pra não fazê-lo simplesmente um homofóbico desequilibrado, mas o Josh me desapontou.
Outra coisa que me perturbou bastante é que o movimento gay, a julgar pelo filme, foi um movimento predominantemente masculino. Há uma só lésbica em Milk, que assume a campanha de Harvey. E o jeito como ela é recebida pelo comitê me faz compreender por que uma militante lésbica e feminista amiga minha diz ter um pé atrás com os gays, pois eles são antes de tudo homens, e sua orientação sexual não anula seus privilégios masculinos. Digamos apenas que no filme existe uma ampla galeria de personagens homens e somente uma mulher. Ou melhor, duas. A outra é uma cantora repulsiva que luta pra salvar a América da ameaça gay. Uma cena que me pareceu emblemática é uma em que Harvey trava um debate contra um conservador num cenário hostil, no bairro rico de Orange County, onde gay e pervertido são sinônimos. A câmera focaliza um assessor de Harvey e, atrás dele, duas mulheres na platéia, indignadas com o que Harvey diz. Perdão, sei que pode ser marcação minha, mas num filme em que a ausência de mulheres é tão gritante, o Gus van Sant (diretor abertamente gay) precisa mesmo colocar duas senhoras como exemplos de intolerância? Quando chega um dos discursos finais do Harvey, em que ele convoca outras minorias pra participar da luta pela liberdade e deixa de lado as mulheres, eu pensei em jogar a minha cópia de O Eunuco Feminino na tela.
Bom, certamente os negros vão se sentir tão excluídos por Milk quanto as mulheres. É como opina a Whoopi Goldberg em Celluloid Closet: “Me diga uma minoria que seja representada positivamente por Hollywood”. Mas ainda assim, minha fé na humanidade aumenta quando noto que se fazem filmes como Milk. Agora só falta as minorias lutarem juntas. Porque já basta o preconceito que recebemos da Patrulha da Normalidade. Não precisamos nos discriminar mutuamente.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

BOLÃO SEM CONCHAVO POLÍTICO

- No bolão do Oscar da Lolinha, se você votar em mim pra ator coadjuvante, eu voto em ti e não naquele feioso, o Mickey, pra ator principal. E aí, topas?

Participe do bolão! Veja aqui como. É só até sexta.
(Gente, gostei muito de Milk - que estreia no Brasil na sexta - e acho que o Sean Penn dá show. Minha crítica sai na quarta) .

quarta-feira, 26 de março de 2008

MATOU UM GAY E REDUZIU SUA PENA

Estou contrariando um pouco minha regra de saber o mínimo possível antes de ver um filme, mas é que Milk vai demorar tanto pra chegar que até lá a gente já esqueceu tudo. A estréia nos EUA tá marcada pro final de novembro (desde já uma produção que vai receber a atenção do Oscar), e no Brasil só Deus sabe. Como a gente só verá este drama do Gus Van Sant (Elephant, Gênio Indomável) provavelmente daqui a um ano, tomei a liberdade de aprender mais sobre o assunto. A propósito, o protagonista será encarnado pelo sempre ótimo Sean Penn, e também estarão no elenco Emile Hirsh (Na Natureza Selvagem), James Franco (Homem Aranha), e Josh Brolin (Onde os Fracos Não Têm Vez).

Semana passada vi o documentário The Times of Harvey Milk, de 1984. Eu também nunca tinha ouvido falar no cara, mas a história real é a seguinte: em meados da década de 70, esse comerciante abertamente homossexual conseguiu ser eleito supervisor do bairro mais gay de São Francisco, o Castro. Havia um prefeito geral e uns cinco supervisores, cada um pra um distrito. Hoje deve ser banal, mas Milk foi o primeiro supervisor gay, e aparentemente o primeiro homem assumidamente gay a ser eleito pra qualquer cargo público no mundo. Um supervisor de outro distrito era um tal de Dan White, um ex-bombeiro, ex-policial, e jovem homem de família, católico devoto, que achava que São Francisco estava se deteriorando. White havia renunciado ao seu posto devido ao baixo salário, mas queria voltar, o que o prefeito recusou. Um dia, White entrou pela janela da prefeitura, discutiu com o prefeito (também hetero), e o matou com cinco tiros. Foi à sala de Milk e o matou com o mesmo número de tiros. Em seguida se entregou à polícia.

Embora a Califórnia adote a pena de morte, White não foi executado. Um júri todo branco e hetero, a maior parte do mesmo distrito de White, acatou a defesa que ele estava deprimido e estressado, inclusive por ingestão exagerada de açúcar (o que ficou conhecido como Twinkie Defense – Twinkie é uma barrinha de chocolate). Além disso, apesar de White ter entrado pela janela da prefeitura pra evitar o detetor de metais e de estar carregando balas extras pro revólver (ninguém fala do fato d'ele andar armado, porque é a América - todo mundo faz isso), o júri não viu premeditação no crime. White foi condenado a menos de oito anos de prisão. A comunidade gay, que havia feito uma vigília pacífica pra marcar a morte de Milk, revoltou-se e entrou em confronto com a polícia. White deixou a cadeia após cinco anos de pena. Suicidou-se pouco depois, em 85.

Acredita-se que, se White tivesse matado apenas o prefeito de São Francisco, ele teria recebido uma sentença mais dura, talvez até a pena capital. O assassinato de Milk serviu como atenuante! A gente quer crer que uma loucura dessas não aconteceria agora, três décadas depois. Mas é bom que Hollywood faça um filme pra nos informar sobre essas atrocidades.