sexta-feira, 3 de abril de 2020

BBB20 E "EL MAGO" DO ESTUPRO

Eu não assisto BBB há muitos anos. Detesto. E este ano, com o pior governo de todos os tempos e a pior pandemia da minha geração, fiz uma promessa pra mim mesma de não falar de BBB, de não retuitar qualquer mensagem sobre BBB. E são muitas mensagens. Pelo jeito, minha Timeline adora BBB.
E por causa dela, mesmo sem ver um mísero episódio ou ler qualquer notícia sobre o reality show, eu estava sabendo muito mais que queria sobre BBB. Vi que havia um participante chamado Felipe Prior, conhecido como "El Mago" (um jogador habilidoso), que ganhou o apoio de Dudu Bananinha e Neymar e que virou ídolo entre misóginos e que mesmo assim recebeu 840 mil votos (57%), e foi tirado do programa esta semana (recorde de 1,5 bilhão de votos no total, maior número das vinte edições).
Segundo o pessoal que assiste ao programa, Prior deu vários sinais de que não era flor que se cheire. Naturalizou a zoofilia, disse que gritava até com a mãe, apontava o dedo pras mulheres, por aí vai.
Clique para ampliar
Hoje a revista Marie Claire, que é da editora Globo, publicou uma matéria forte e doída (cuidado: gatilhos). Nela ficamos sabendo que entre 2014 e 2018, o rapaz, que tem hoje 27 anos, na época em que era estudante de Arquitetura no Mackenzie, participava dos jogos universitários da área (InterFau), em SP. Em agosto de 2014, ele deu carona a duas colegas, uma delas muito embriagada. Após deixar a amiga em casa, ele puxou Themis (nome fictício) para o banco de trás do carro e a estuprou violentamente. 
Tão violentamente que o ato causou laceração no lábio vaginal, enchendo a roupa e o banco do carro de sangue. Themis chorou e só aí Prior parou. Ele perguntou se ela queria ser levada a um hospital, ela disse que não. 
Recentemente, no "quarto branco", Prior contou essa história -- omitindo a parte do estupro, claro -- a duas participantes do BBB. 
Na mesma madrugada do estupro, Themis foi ao hospital com a mãe. Ela preferiu não falar da violência nem com a mãe, nem com as médicas, mas teve que usar fralda para conter o sangramento, assim como precisou de ajuda para andar e ir ao banheiro durante uma semana. 
Themis tentou varrer o estupro para baixo do tapete, achando que assim esqueceria. Não deu. Tem flashes do estupro. Tem medo do que Prior pode fazer.
Em 2016, também no InterFau, Prior tentou estuprar outra estudante, Freya (outro pseudônimo). Freya entrou na barraca dele, mas, ao ver que não havia camisinha, não quis transar. Ele então tentou estuprá-la analmente duas vezes, apesar dos gritos de "Eu não quero!". Ela conseguiu empurrá-lo e fugiu. 
No InterFau 2018, mais um estupro. Ísis (não seu nome real), embriagada, entrou na barraca dele, e passaram a fazer sexo de forma consentida. Mas ele começou a ser agressivo, ela pediu pra parar, ele lhe deu tapas e não parou. Na barraca ao lado, duas testemunhas ouviram Ísis chorar e dizer "Pára, tá me machucando". 
Dois estupros e uma tentativa de estupro não passaram despercebidas dos organizadores do InterFau, que em outubro de 2018 expulsaram Prior de futuras edições dos jogos. 
Hoje, diante da repercussão, a comissão emitiu uma nota oficial esclarecendo que "devido ao recebimento de mais de uma denúncia acusando-o de assédio, além de uma acusação de crime sexual, a comissão [...], visando garantir a segurança e o bem estar de todos no evento, se reuniu no dia 21 de outubro de 2018, onde foi deliberada a expulsão permanente de Felipe Prior das demais edições do Interfau". 
Antes do início do BBB20, assim que os nomes dos participantes começaram a ser divulgados, várias pessoas apontaram que Prior era assediador, tinha "abusado de minas", e quebrado a perna de propósito de um colega durante um jogo. Mas não havia queixas formais.
Em janeiro duas advogadas, Juliana de Almeida Valente e Maira Pinheiro, procuraram a primeira vítima para dar início a uma investigação criminal. De lá descobriram as outras duas vítimas e até uma quarta, que preferiu não depor. Infelizmente, as duas criminalistas já devem estar recebendo várias ameaças a essa altura. Devem ser ameaças parecidas às que duas advogadas minhas receberam em fevereiro de 2017 (pois estavam me defendendo de um processo de Marcelo, que um ano depois foi preso e condenado a 41 anos de prisão). 
Elas sofreram ameaças de morte e de estupro, estendidas a sua família. A quadrilha enviou fake news sobre elas a clientes da firma de advocacia de uma delas, além de colocar seus nomes e celulares em sites de pornografia e swing. Elas tiveram que desistir do meu caso para poderem continuar com suas vidas.
Hoje que os casos vieram à tona vemos a reação comum a qualquer notícia de estupro: as vítimas estão mentindo, não foram estupradas, elas mentem, só querem chamar a atenção (mesmo usando pseudônimos), querem a fama e dinheiro de Prior, são acusações falsas, quase todas as denúncias de estupro são falsas, de mulheres que se arrependeram depois, olha a Najila (a modelo que denunciou Neymar -- vale lembrar que o caso foi encerrado por falta de provas, o que não quer dizer que o estupro não aconteceu. Encerrar um caso de estupro por falta de provas é o que mais ocorre, o que mostra que a palavra da vítima está longe de resultar numa condenação). 
Reações como essas são universais, recorrentes, terríveis, e fazem parte do que se chama de cultura do estupro. E explicam também por que tantas vítimas não denunciam estupros. 
Mas por que as vítimas não denunciaram os estupros na época, perguntaram à advogada Maira, que respondeu com propriedade: 
"Precisamos entender que lidamos com vítimas reais e não ideais. Acompanhando esse tipo de caso cotidianamente, percebemos que infelizmente é comum que entre a ocorrência da violência e a decisão de denunciar, passe um certo tempo. Isso tem a ver com o tratamento revitimizador que muitas dessas mulheres recebem junto às instituições, à falta de apoio de amigos e familiares e, de maneira geral, com a cultura do estupro, que normaliza situações de violência sexual e não cultua a valorização do consentimento. Todas as vítimas relataram sentimentos de culpa após os fatos. Isso é emblemático, pois revela como, diante desse tipo de caso, o senso comum tende a focar mais numa suposta 'responsabilidade' da vítima em não ser capaz de evitar os atos do agressor."
Os depoimentos das três vítimas e das testemunhas foram protocolados num documento datado do dia 17 de março de 2020. As advogadas pediram medida protetiva, para que Prior não tentasse contatar as vítimas, mas isso foi negado por uma juíza, que disse que os três estupros não têm "qualquer conexão". Ahn, nenhuma conexão, exceto que se trata do mesmo estuprador? 
Eu sustento que não tinha como a Globo não saber do passado de Prior. Tenho certeza que a emissora faz uma investigação criteriosa antes de fechar a participação de qualquer candidato. Podia até não conhecer os detalhes dos estupros, mas obviamente sabia que Prior havia sido expulso do InterFau, e porquê. 
A Marie Claire colheu esta nota da Globo: "A Globo é veementemente contra qualquer tipo de violência, como se percebe diariamente em seus programas jornalísticos e mesmo nas obras do entretenimento, e entende que cabe às autoridades a apuração rigorosa de denúncias como estas".
Ou seja, não falou nada, tirou o corpo fora. A Globo sabe melhor do que ninguém o poder da mídia. Sabe que colocar pessoas num reality show as transformará automaticamente em celebridades, em "pessoas públicas", formadoras de opinião, com milhares ou milhões de seguidores (esta semana Prior passou dos 5 milhões de seguidores no seu Instagram, número que cresceu ainda mais após as acusações de estupro). Então por que escolhe a dedo um estuprador pra virar astro? Vale tudo pela audiência?
E é óbvio ululante que Prior não é o primeiro misógino a ser convocado e não será o último. Não vou fazer uma ampla pesquisa, só citar alguns casos. 
Tipo: eu me lembro quando, em janeiro de 2012, tive que interromper minhas férias em João Pessoa, porque um tal de Daniel foi acusado de tocar em Monique (ou estuprá-la) embaixo do edredon, enquanto ela estava bêbada e desacordada. A equipe do BBB12 viu tudo e deixou que rolasse ao vivo, revoltando inúmeros espectadores. 
No BBB14, Marcelo deu um beijo em Angela, bêbada, sem ela consentir. 
Como se vê, este é um padrão: colocar caras com histórico de não respeitar mulheres numa casa fechada, embebedá-los em festas, e deixar a câmera rolar pra ver o que acontece. 
No BBB15, no momento que os nomes dos participantes foram divulgados, começou o burburinho: Adrilles, um olavete, era um stalker. O jornal Extra publicou uma matéria sobre isso, e eu publiquei um relato de uma vítima. Por causa desse relato, o marido de uma outra vítima de Adrilles entrou em contato comigo, e narrou uma história estarrecedora: Adrilles a perseguiu durante dez anos. Dez anos de inferno, de Adrilles pegando um emprego no lugar em que ela trabalhava para poder ficar perto dela, de Adrilles seguindo-a até o carro, de Adrilles ligando pra sua casa e pras amigas, de Adrilles tentando estragar todo relacionamento da moça. 
Finalmente, ela foi capaz de prestar queixa (já tinha tentado antes e riram dela na delegacia), e o inferno dela só acabou quando Adrilles teve que assinar uma medida comprometendo-se a manter no mínimo 500m de distância. 
Alguém realmente acha que o BBB15 não sabia de toda essa história? Mesmo? Mesmo com o jornal Extra (que também é da Globo) tendo publicado uma matéria sobre o stalking de Adrilles logo que começou o programa?
Até hoje reaças me acusam de perseguir Adrilles porque ele é um coxinha de marca maior. Até gente de esquerda, como o Nassif, publicou que eu estaria perseguindo o pobre perseguidor! Mas eu apenas publiquei dois relatos que recebi, e que não tinham nada a ver com a orientação política de Adrilles.
Continuando. No BBB16, Laércio contou que usava álcool para transar com menores. Alguns meses depois, ainda em 2016, foi preso e condenado por estupro de vulnerável. Atualmente, cumpre pena de 12 anos no Paraná. 
No BBB17, Marcos Harter foi indiciado pela polícia por agressão a Emilly.
No BBB19, Vanderson, acusado de agressão física e psicológica por uma ex-namorada, foi eliminado depois de depor a uma delegada (mais tarde, as denúncias contra ele foram arquivadas por falta de provas). 
E aí, é tudo mera coincidência? A Globo dá tanto azar de, em toda edição do BBB, selecionar algum sujeito com histórico de assédio às mulheres? Ou ela os seleciona de propósito, sabendo que vai poder contar com pelo menos um escândalo por edição, e, desse jeito, aumentar sua audiência? 
Eu não tenho a menor dúvida da resposta: Boninho é responsável pelo festival de misóginos que são alçados a subcelebridades no seu programinha medíocre.

9 comentários:

  1. Lola pela primeira vez na vida eu resolvi assistir bbb e já decidi que nunca mais assisto. No início eu até fiquei feliz por ter algo em comum para conversar com a maioria das pessoas, mas percebi a dinâmica desse programa, que é basicamente torturar psicologicamente as mulheres ali dentro. É tão nítido como aquele programa é manipulado, que eu me pergunto como tem tanta mulher feminista que acompanha todos os anos. Depois desse post eu pude confirmar o sadismo com que tudo aquilo é feito e como selecionam a dedo esses caras.
    Obrigada.

    ResponderExcluir
  2. Essa questão da subnotificação (a ausência de registro do crime) não existe apenas no estupro. Nos outros crimes é muito extremamente comum, tanto que a polícia sempre fala que há poucos registros de crime em determinado local e por isso eles não fazem policiamento neste. Em 2017 um estudante de Design da UFRGS foi assaltado e esfaqueado na fila do RU, onde foi roubado seu celular. No dia seguinte a polícia confirmou que não existia nenhum registro de roubo de celulares no Campus Central, apesar de dezenas de estudantes terem tido os seus telefones roubados. Eu mesmo não registrei o roubo do meu celular em 2001, pois além da delegacia ser distante, o prazo de cancelamento da linha na época era de apenas uma semana, o que significava que eu teria que comprar outro telefone, o que para mim não faz nenhum sentido!!!! Ou seja, a total ineficiência da polícia em recuperar bens roubados leva ao descrédito nesta que é a instituição mais ineficaz do país!!!!!!!!!

    ResponderExcluir
  3. a) Lola este BBB estou assistindo e torcendo pelo Babu.

    b) Este rapaz nunca me agradou e o que me revolta e a quantidade de gente passando pano. Se nao tiver uma reacao ele vai participar da Fazenda reality da Record

    ResponderExcluir
  4. Ele demonstrou mesmo ser um homem completamente descontrolado, paranoico e agressivo, e sem noção nenhuma de respeito a qualquer pessoa, tinha até um olhar de psicopata mesmo. Bolsominions se identificaram muito e fizeram muito barulho na internet louvando essa personalidade horrível. Lola, não consegui ver o tweet que menciona que ele falou algo sobre o primeiro estupro no quarto branco, parece indisponível, o que ele falou sobre o caso?

    ResponderExcluir
  5. Ei, Lola, lança uma pergunta lá no teu twitter para ver se os influenciadores de finanças respondem (a mim eles não responderam), pois é importante. Por exemplo, quem vive sozinho, mas na casa 2 de um terreno pode ser considerado como alguém apto a receber o benefício? Porque muitos pobres aqui moram no mesmo terreno, constroem suas casas no mesmo terreno, fazem sobrados e tal, casa 2, casa 3, muitos nem declararam imposto de renda, outros nem celular têm, Então como fica? São considerados da mesma família sem que tenham pagado aluguel ou que a casa 2 ou 3, 4 esteja em seu nome? Porque todo influenciador de finanças, mesmo aqueles que dizem ser da favela, não respondem a essas questões, apenas dão a mesma resposta. Até parecem entrevistas do Mandetta. Sei que vc lê antes de liberar o comentário, então fica a dica aí. Porque esses influencers não criam cenários, não buscam formas de pensar como as famílias pobres são no Brasil. Só mais um exemplo: Meus tios não sabiam disso aí de auxílio 600 reais, mesmo vivendo perto de sampa, pois chegam em casa e já vão dormir. As pessoas não buscam criar cenários de como alguém pode estar em dúvida. Mais outros cenário: Quem trabalha em casa, nunca declarou imposto, nem conta em banco tem, como faz? E pra abrir conta em banco é só por celular, quanto muitos não têm. O secretário de educação de sampa disse que os alunos terão aulas virtuais e, quando questionado se todos os alunos têm formas de ver as aulas, ele respondeu que há mais celulares em sampa do que gente. Oras, muita gente não tem celular, outros tem três, e pra abrir conta em banco ainda precisa vincular seu aplicativo a um. Fodeu.

    ResponderExcluir
  6. Eu não assisto bbb e a maioria das pessoas em minha volta e que tenho contato pela internet não assistem bbb e detestam esse programa, que a cada edição perde audiência, e olha que eu sou uma pessoa que mora no interior da Bahia. Então não sei que maioria é essa que assiste bbb para eu no caso me sentir tentada a assistir para ''ter assunto'' com essa maioria. Acho que vivo num mundo paralelo ao das feministas.

    ResponderExcluir
  7. Eu sou classe média baixa, não tenho tv por assinatura, nem carro, negra, não sou evangélica, nem intelectual, nem fascista, nem moro numa grande metrópole e não suporto esse bbb e até quem eu conheço e que assiste bbb (poucos na verdade) nem faz questão de falar sobre esse programa. Eu já fui até chamada pela internet de 'pseudointelectual', 'pseudo-culta', 'elitista', 'conservadora' e outros termos estranhos e pejorativos e fui até acusada de ser bolsominion (oi?) por militantes revolucionárias, ricas e brancas que moram em cidades como São Paulo e Rio só porque eu disse que não assistia e nem gostava de bbb. Não entendi isso.

    ResponderExcluir
  8. Lola, fui uma das vítimas do Vanderson. O caso foi arquivado por causa do tempo e não por falta de provas. No mais, concordo com vc. A Globo sabe muito bem o q faz quando escolhe esses caras.

    ResponderExcluir
  9. Agora dá pra entender o apoio do Neymar

    ResponderExcluir