Mostrando postagens com marcador marley e eu marley and me. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador marley e eu marley and me. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

CRÍTICA: MARLEY E EU / Cachorros latem, humanos soluçam

Ser cão é padecer no paraíso. Já ser mãe...

Eu, que nunca li o bestseller Marley e Eu, não estava gostando muito do filme até seu terço final. Quando ele chegou na velhice do cão, acabou com todas as minhas defesas. Comecei a chorar copiosamente. Quer dizer, eu e o resto do cinema. Só se ouviam soluços e chuif chuif vindos de todas as direções. Ao meu lado, eu via o maridão discretamente passando suas mãos num lado do rosto e do outro, como se estivesse sendo incomodado por uma mosca. Quando as luzes se acenderam, e eu não conseguia conter o dilúvio, o maridão-que-finge-ser-durão me abraçou durante uns cinco minutos e me emprestou um lenço. Aí eu aproveitei que estava no shopping e fui comer um calzone e as pessoas olhavam e apontavam pra mim com cara de “Tadinha! Deve ter morrido alguém muito querido na família dela”.
Não acho que uma só alma possa ter saído de olho seco do cinema. Sabe a nossa enquete dos filmes que mais fazem chorar? Marley seria um forte concorrente. É a história de um casal de jornalistas muito loiro, o Owen Wilson e a Jennifer Aniston, que antes de terem filhos decidem comprar um cãozinho. E aí entra um labrador bege/amarelo, Marley (feito por uns 22 atores caninos diferentes - e, realmente, muitas vezes, de uma tomada pra outra, não parece ser o mesmo). Eu amo labradores, mas os pretos e marrons. E hoje em dia estou impaciente com cães de raça. Acho que todo mundo deveria adotar um vira-lata, isso sim. Mas, enfim, o Owen interpreta John, o único jornalista na face da Terra que prefere ser repórter a colunista. O cara dá nos nervos, porque nunca está satisfeito com o que tem. Mas é uma comédia sem maldade, a menos que a gente leve em consideração a sacanagem com a Kathleen Turner. Ela faz uma treinadora de cães (dá pra ver no trailer). Não basta ela estar vestida e penteada da pior forma possível. Marley ainda a ataca e Owen diz que o cabelo dela lembra um poodle. Por que uma estrela como a Kathleen (Corpos Ardentes, Guerra dos Roses) topa um papel desses?
O filme vai caminhando bobamente. Não gostei de várias piadinhas. Tipo, precisa de um close do cocô? E o excesso de merchandising é de doer. Não só da ração de cão, mas até da maquininha que faz a ultrassonografia! Sim, porque Jen engravida. E aqui adorei os comentários de alguns espectadores americanos revoltados com a classificação pra maiores de dez anos do filme (PG, nos EUA). Um casal levou as filhas de 8 e 11 anos e saiu no meio porque - como pode?! - teriam que explicar pras meninas o que significa castração canina, o que os pombinhos do filme querem dizer com “fazer um bebê”, e porque eles nadam nus na piscina. Temas adultos demais pra mentes inocentes que deveriam crer nas flores e abelhinhas até os vinte anos de idade! Essa é a espécie de direitista-cristão americano que é contra o casamento gay porque não quer tocar nesse assunto desagradável com suas crianças. Meus sais.
O pior é que o filme é bem moralista e conservador, e não tem nada que possa ofender a família tradicional. Mas ele podia ser ainda mais retrógrado. Li que inventaram o personagem do melhor e único amigo de John, um jornalista mulherengo, pra explicar a insatisfação do protagonista. Já vimos N filmes em que o contraponto ao protagonista se dá mal. Ou seja, o coadjuvante solteirão é punido pra mostrar pra gente (e pro protagonista) que a vida casal/filhos/casa foi a escolha certa. Em Marley isso não acontece. Ponto pro filme. O amigo paquerador continua igual, feliz, sem o mínimo remorso.
E não é nem de longe a principal preocupação da trama, já que o foco está em John e seu cão, mas o filme mostra, de leve, o que significa ter filhos na vida de uma mulher. Jennifer, que era uma jornalista mais bem paga e talentosa que John, decide largar seu trabalho, porque quando está em casa só pensa no jornal, e quando está no jornal só pensa na casa. E ela não quer ver seus filhos apenas algumas poucas horas por dia. Mas a decisão é dela, pelo menos, e ela só a comunica ao marido. Além do mais, Jennifer não cai de páraquedas no paraíso após essa decisão. A vida é dura, ela vive exausta e, numa hora, ela conta a John que não se reconhece mais. Que tudo que a fazia ser a pessoa que ela era antes não existe mais, mas que ela não se arrepende. Acho um sentimento bastante realista, pelo que ouço das minhas amigas com filhos. Claro que o filme não dedica um minuto ao trabalho de Jen antes d'ela ter filhos, então a transição não parece ser tão doída. Mas só o fato dessa discussão aparecer já é um avanço num filme-família.
O tempo vai passando e a gente nota as crianças crescendo, a crise de 40 anos de John, e Marley envelhecendo. E aí minha garganta apertou porque vi que o filme iria englobar a vida toda do cão, inclusive sua morte. E a meia hora final não tem nada de cômica. Pra mim, a parte que me matou mesmo foi quando Marley, que sempre foi de correr e puxar a coleira, anda devagarzinho, quase parando, ao lado de seu “dono” (quem é dono de quem?). Eu senti muito isso com o meu cachorrinho Hamlet, morto no ano passado, com quase 16 anos. Ele era minúsculo, do tamanho de um gato, nada parecido com os cinquenta quilos do Marley, mas ele também me puxava quando íamos passear. Foram uns quatorze anos intensos de cachorrinho me puxando, querendo ir mais e mais rápido, até que, de repente, seu ritmo desacelerou. E ficou cada vez mais devagar. Até que era eu puxando o cão, ou falando pra ele “já estamos chegando”, como ocorre no filme. É tão triste. E ainda assim, mesmo com o Hamlet com dificuldade de locomoção, surdo e quase cego da catarata, até o fim de sua vida ele adorava sair pra passear.
No fundo, todo mundo que tem um bicho de estimação (cão, gato, peixinho dourado, hamster - passarinho não conta, que nem deveria estar em gaiola) vai se identificar com Marley. Acho esses filmes válidos e educativos. Ninguém sequer cogita bater no cachorrão, apesar d'ele ser uma criatura problemática (meus vizinhos podiam aprender). Mostram que quem adota um bichinho o adota pra toda a vida. Essa gente que quando se cansa de seu cachorro o larga no meio de uma estrada (como esses miseráveis conseguem dormir à noite?) precisam ver Marley. Tem um momento em que a esposa, estressada, quer o cão fora de casa. Quer que encontrem um outro lar pra ele. Isso dura algumas horas, até que ela se acalma e percebe que Marley já tem uma casa. É assim que tem que ser.